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Processo n.º 506/09
Plenário
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
(Conselheiro Joaquim Sousa Ribeiro)
Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional
I Relatório
1. Notificado do Acórdão n.º 481/2010, proferido neste processo, que decidiu «julgar inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da proporcionalidade, a norma do artigo 7.º-A do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras (RJIFNA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 394/93, de 24 de Novembro, na parte em que se refere à responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes pelos montantes correspondentes às coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação fiscal», o Ministério Público interpôs recurso para o Plenário do Tribunal, ao abrigo do artigo 79.º-D da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, adiante LTC).
Invoca oposição com os Acórdãos n.º 150/2009 e 234/2009 (ambos da 3ª Secção), nos quais se decidiu «não julgar inconstitucional a norma do artigo 7.º-A do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90, e 15 de Janeiro, na parte em que se refere à responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes pelos montantes correspondentes às coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação fiscal».
2. Admitido o recurso, o recorrente alegou e concluiu:
«1.º – A norma do artigo 7.º-A do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras (RJIFNA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, na parte em que se refere à responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes pelos montantes correspondentes às coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação fiscal, não viola os princípios da intransmissibilidade das penas e da presunção de inocência do arguido, consagrados no n.º3 do Artigo 30.º e no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição, não sendo, por isso, inconstitucional.
2.º – Termos em que deverá proceder o presente recurso.»
3. O recorrido não contra-alegou. Não tendo obtido vencimento o projecto de acórdão apresentado pelo Relator originário, cumpre formular a decisão em conformidade com o entendimento que prevaleceu.
II Fundamentação
4. Mostram-se verificados os pressupostos exigidos pelo artigo 79.º-D da LTC para o recurso para o Plenário, uma vez que os acórdãos em confronto decidiram em sentido oposto quanto à questão de inconstitucionalidade da norma do artigo 7.º-A do RJIFNA, na parte em que se refere à responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes pelos montantes correspondentes às coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação fiscal.
O acórdão recorrido – Acórdão n.º 481/2010 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 79, p. 311 e ss.) – julgou inconstitucional a referida norma, por violação dos princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da proporcionalidade. Já os Acórdãos n.º 150/2009 (Diário da República, II ª Série, de 18-05-2009) e n.º 234/2009 (disponível no site do Tribunal) haviam decidido a mesma questão de inconstitucionalidade em sentido diverso, não julgando a norma inconstitucional na dimensão aqui em causa.
5. Constitui, assim, objecto do presente recurso a questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 7.º-A do RJIFNA na parte em que se refere à responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes pelos montantes correspondentes às coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação fiscal.
A norma estabelece o seguinte:
«ARTIGO 7.º-A
Responsabilidade civil subsidiária
1 - Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam funções de administração em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis, em caso de insuficiência do património destas, por si culposamente causada, nas relações de crédito emergentes da aplicação de multas ou coimas àquelas entidades referentes às infracções praticadas no decurso do seu mandato.
2 - Se forem várias as pessoas responsáveis nos termos do número anterior, é solidária a sua responsabilidade.»
A sentença que deu origem ao Acórdão agora recorrido, na qual a norma foi desaplicada com esse fundamento, considerou que a “responsabilidade subsidiária, quer no domínio do RJIFNA quer no domínio do RGIT, é inconstitucional”. Apesar de ser omissa quanto aos fundamentos de tal juízo, limitando-se a invocar, nesse sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12/03/2008 e de 28/05/2008, deles se deduz que a razão onde basicamente se alicerçou o juízo de inconstitucionalidade reside na violação da regra da intransmissibilidade da responsabilidade penal, consagrada no artigo 30.º, n.º 3, da Constituição, regra que é tida por plenamente aplicável à responsabilidade contra-ordenacional. Adicionalmente, são ainda apontados como violados o princípio da presunção de inocência (artigo 30.º, n.º 2, da Constituição), a garantia dos direitos de audiência e de defesa do arguido (artigo 30.º, n.º 10, da Constituição), e, através da citação de uma posição doutrinal, o princípio da necessidade de qualquer restrição a direitos fundamentais (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição). O acórdão recorrido confirmou o juízo de inconstitucionalidade, julgando inconstitucional a norma do artigo 7.º-A do RJIFNA, na parte em que se refere à responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes pelos montantes correspondentes às coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação fiscal, por violação dos princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da proporcionalidade.
6. Todavia, o Tribunal decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 7.º-A do RIFNA, na dimensão referida, nos Acórdãos n.º 150/2009 e n.º 234/2009.
O primeiro dos acórdãos mencionados seguiu, de resto, a fundamentação do Acórdão n.º 129/2009 (publicado no Diário da República, IIª Série, de 16-04-2009), a propósito das normas das alíneas a) e b) do n.º1 do artigo 8.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho:
“ A questão é, no que à violação destes princípios respeita, em tudo semelhante àquela que o Tribunal apreciou no recente acórdão n.º 129/2009, disponível em www.tribunalconstitucional.pt a propósito das normas das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 8.º do RGIT (Regime Geral das Infracções Tributárias), de teor, para o que interessa, semelhante ao da norma que constitui objecto do presente recurso.
Conclui-se nesse acórdão pela não inconstitucionalidade das referidas normas com a seguinte fundamentação:
“3. O tribunal recorrido considerou, na linha de anterior jurisprudência, que a atribuição de responsabilidade subsidiária a administradores, gerentes e outras pessoas com funções de administração em sociedades, por dívida resultante de não pagamento de coima fiscal em que a pessoa colectiva tenha sido condenada, com a consequente reversão da respectiva execução fiscal, em consequência do que dispõe, nessa matéria o artigo 8º, n.º 1, alíneas a) e b), do RGIT, é susceptível de violar o princípio da intransmissibilidade das penas, consagrado no artigo 30.º, n.º 3, da Constituição da República, e, bem assim, o princípio da presunção de inocência do arguido, que decorre do artigo 32.º, n.º 2, princípios que, nesses termos, entende serem aplicáveis mesmo no domínio do ilícito contra-ordenacional.
O preceito em análise, inserido nas disposições comuns do Regime Geral das Infracções Tributárias, sob a epígrafe “Responsabilidade civil pelas multas e coimas”, dispõe o seguinte:
1 – Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis:
a) Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento;
b) Pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento.
[…]”.
O que a norma, por conseguinte, prevê é uma forma de responsabilidade civil, que recai sobre administradores e gerentes, relativamente a multas ou coimas em que tenha sido condenada a sociedade ou pessoa colectiva, cujo não pagamento lhes seja imputável ou resulte de insuficiência de património da devedora que lhes seja atribuída a título de culpa.
Note-se, a este propósito, que o Tribunal Constitucional teve já oportunidade de emitir um juízo de não inconstitucionalidade em relação a um idêntico efeito de responsabilidade subsidiária que resulta da norma do artigo 112º, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais, que igualmente prevê que os direitos e obrigações das sociedades extintas por incorporação ou por fusão se transmitam para a sociedade incorporante ou a nova sociedade.
Esse juízo assentou, no entanto, essencialmente, no entendimento de que, nesses casos, só formalmente se verifica uma transmissão, visto que não há lugar à liquidação ou dissolução das sociedades incorporadas, antes se regista o aproveitamento, no seio da sociedade incorporante, dos elementos pessoais, patrimoniais e imateriais da sociedade extinta, o que conduz à inaplicabilidade, nessa situação, da proibição da transmissibilidade das penas constante do artigo 30º, n.º 3, ainda que estejam em causa obrigações decorrentes de responsabilidade contra-ordenacional (cfr. os acórdãos n.ºs 153/04, de 16 de Março, 160/04, de 17 de Março, 161/04, de 17 de Março, 200/04, de 24 de Março, e 588/05, de 2 de Novembro).
Alguns desses arestos não deixaram, todavia, de enquadrar a questão da intransmissibilidade das penas, em termos que mantêm plena validade para o caso dos autos.
No acórdão n.º 160/04, por exemplo, considerou-se o seguinte:
“A evolução do texto constitucional – que anteriormente previa a insusceptibilidade de transmissão de “penas” [e agora prevê que “A responsabilidade penal é insusceptível de transmissão”] – não se ficou, porém, a dever a qualquer intenção de transcender o domínio do direito penal (como, aliás, resulta claramente também da nova redacção), mas sim evitar que o princípio da intransmissibilidade se confinasse às situações em que a decisão de aplicação da lei penal transitara em julgado, sobrevindo apenas na fase da aplicação da pena.
Ora, não obstante a doutrina e a jurisprudência constitucionais irem no sentido da aplicação, no domínio contra-ordenacional, do essencial dos princípios e normas constitucionais em matéria penal, não deixa de se admitir, como se escreveu no citado acórdão n.º 50/03, a “diferença dos princípios jurídico-constitucionais que regem a legislação penal, por um lado, e aqueles a que se submetem as contra-ordenações”. Diferença, esta, que cobra expressão, designadamente, na natureza administrativa (e não jurisdicional) da entidade que aplica as sanções contra-ordenacionais (como se decidiu no acórdão n.º 158/92, publicado no DR, II Série, de 2 de Setembro de 1992) e na diferente natureza e regime de um e outro ordenamento sancionatório (cfr. v. g. acórdãos n.ºs 245/00 e 547/01, publicados, respectivamente, no DR, II Série, de 3 de Novembro de 2000 e de 9 de Novembro de 2001).
Nestes termos, a intransmissibilidade de um juízo hipotético ou definitivo de censura ética, consubstanciado numa acusação ou condenação penal, não tem de implicar, por analogia ou identidade de razão – que não existe – a intransmissibilidade de uma acusação ou condenação por desrespeito de normas sem ressonância ética, de ordenação administrativa.
Nem sequer se pode, pois, a partir da referida norma, obter um padrão constitucional previsto a partir do qual se pudesse censurar o referido entendimento do artigo 112º, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais. Não o impõe, também, o artigo 30º da Constituição, referido aos “Limites das penas e medidas de segurança”; não o impõe o artigo 32º, n.º 10, da Constituição, que estende apenas os direitos de audiência e defesa do arguido aos processos de contra-ordenação e a quaisquer outros processos sancionatórios; e não o impõe a lógica de tutela do arguido que justificou a jurisprudência constitucional em matérias como o princípio da legalidade, ou a aplicação da lei mais favorável (v.g., acórdãos n.ºs 227/92 e 547/01, publicados, respectivamente, no DR, II Série, de 12 de Setembro de 1992 e de 15 de Julho de 2001).
Mais do que verificar a desconformidade de um certo sentido da norma impugnada em relação ao parâmetro invocado, conclui-se, pois, pela inexistência do pretendido parâmetro, aplicável para o efeito pretendido”.
O referido aresto, embora centrado ainda na sobredita questão da transmissão de responsabilidade por incorporação ou fusão de sociedades, não deixa de fornecer elementos decisivos para a interpretação da norma do artigo 30º, n.º 3, da Constituição, salientando que ela não pode servir de parâmetro uniforme para a responsabilidade penal e a responsabilidade contra-ordenacional.
Procurando decifrar o sentido e alcance da norma, também Gomes Canotilho e Vital Moreira salientam que a insusceptibilidade da transmissão da responsabilidade penal está associada ao princípio da pessoalidade, daí resultando como principais efeitos: (a) a extinção da pena (qualquer que ela seja) e do procedimento criminal com a morte do agente; (b) a proibição da transmissão da pena para familiares, parentes ou terceiros; (c) a impossibilidade de subrogação no cumprimento das penas. O que, em todo o caso, não obsta – como acrescentam os mesmos autores - à transmissibilidade de certos efeitos patrimoniais conexos das penas, como, por exemplo, a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime, nos termos da lei civil (Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição, Coimbra, 2007, pág. 504)).
No caso vertente, importa ter em consideração, antes de mais, que não estamos perante uma qualquer forma de transmissão de responsabilidade penal ou tão pouco de transmissão de responsabilidade contra-ordenacional.
O que o artigo 8º, n.º 1, alíneas a) e b), do RGIT prevê é uma forma de responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes, que resulta do facto culposo que lhes é imputável de terem gerado uma situação de insuficiência patrimonial da empresa, que tenha sido causadora do não pagamento da multa ou da coima que era devida, ou de não terem procedido a esse pagamento quando a sociedade ou pessoa colectiva foi notificada para esse efeito ainda durante o período de exercício do seu cargo.
O que está em causa não é, por conseguinte, a mera transmissão de uma responsabilidade contra-ordenacional que era originariamente imputável à sociedade ou pessoa colectiva; mas antes a imposição de um dever indemnizatório que deriva do facto ilícito e culposo que é praticado pelo administrador ou gerente, e que constitui causa adequada do dano que resulta, para a Administração Fiscal, da não obtenção da receita em que se traduzia o pagamento da multa ou coima que eram devidas.
A simples circunstância de o montante indemnizatório corresponder ao valor da multa ou coima não paga apenas significa que é essa, de acordo com os critérios da responsabilidade civil, a expressão pecuniária do dano que ao lesante cabe reparar, que é necessariamente coincidente com a receita que deixa de ter dado entrada nos cofres da Fazenda Nacional; e de nenhum modo permite concluir que tenha havido a própria transmissão para o administrador ou gerente da responsabilidade contra-ordenacional.
Por outro lado, o facto de a execução fiscal poder prosseguir contra o administrador ou gerente é uma mera consequência processual da existência de uma responsabilidade subsidiária, e não constitui, em si, qualquer indício de que ocorre, no caso, a transmissão para terceiro da sanção aplicada no processo de contra-ordenação (cfr. artigo 160º do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
Acresce que a responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes assenta, não no próprio facto típico que é caracterizado como infracção contra-ordenacional, mas num facto autónomo, inteiramente diverso desse, que se traduz num comportamento pessoal determinante da produção de um dano para a Administração Fiscal.
É esse facto, de carácter ilícito, imputável ao agente a título de culpa, que fundamenta o dever de indemnizar, e que, como tal, origina a responsabilidade civil.
Tudo leva, por conseguinte, a considerar que não existe, na previsão da norma do artigo 8º, n.º 1, alíneas a) e b), do RGIT, um qualquer mecanismo de transmissibilidade da responsabilidade contra-ordenacional, nem ocorre qualquer violação do disposto no artigo 30º, n.º 3, da Constituição, mesmo que se pudesse entender - o que não é liquido - que a proibição aí contida se torna aplicável no domínio das contra-ordenações.
4. Concluindo-se, como se concluiu, que a norma do artigo 8º, n.º 1, alíneas a) e b), do RGIT não pode entender-se como consagrando uma modalidade de transmissão para gerentes ou administradores da coima aplicada à pessoa colectiva, facilmente se compreende que esse dispositivo não pode também pôr em causa o princípio da presunção da inocência do arguido, a que o tribunal recorrido também fez apelo para declarar a inconstitucionalidade do preceito.
Na verdade, o artigo 32º, n.º 2, da Constituição, ao estipular no seu primeiro segmento que “[t]odo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação”, estabelece um princípio da constituição processual criminal que assenta essencialmente na ideia de que o processo deve assegurar ao arguido todas as garantias práticas de defesa até vir a ser julgado publicamente culpado por sentença definitiva (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra, 2005, pág. 355).
Ainda que se aceite que este princípio tem também aplicação no âmbito dos processos de contra-ordenação, como refracção da garantia dos direitos de audiência e de defesa do arguido, que é tornada extensiva a essa forma de processo pelo artigo 32º, n.º 10, da Constituição, o certo é que, no caso, conforme já se esclareceu, não estamos perante uma imputação a terceiro de uma infracção contra-ordenacional relativamente à qual este não tenha tido oportunidade de se defender, mas perante uma mera responsabilidade civil subsidiária que resulta de um facto ilícito e culposo que se não confunde com o facto típico a que corresponde a aplicação da coima.”
5. Estas considerações são inteiramente transponíveis para a apreciação da constitucionalidade da norma que é objecto do presente recurso.
Efectivamente, não é aqui menos evidente do que era na norma apreciada nesse outro acórdão a natureza civilística da responsabilidade em causa, ou seja, que se trata de efectivar uma responsabilidade de cariz ressarcitório, fundada numa conduta própria, posterior e autónoma relativamente àquela que motivou a aplicação da sanção à pessoa colectiva. O chamamento do terceiro a responder pela quantia que não foi possível obter mediante execução do património do primitivo devedor resulta de ser imputada a uma sua conduta culposa a não satisfação das “relações de crédito emergentes da aplicação de multas ou coimas” às pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados a que a sanção foi aplicada. Não é a sanção aplicada pelo ilícito contra-ordenacional que se transmite, mas a responsabilidade culposa pela frustração da satisfação do crédito correspondente que se efectiva contra o gerente ou administrador que, incumprindo deveres funcionais, não providenciou no sentido de que a sociedade efectuasse o pagamento da coima em que estava definitivamente condenada e deixou criar uma situação em que o património desta se tornou insuficiente para assegurar a cobrança coerciva”.
É esta a doutrina que o Tribunal adopta, dirimindo neste sentido o presente conflito jurisprudencial.
Na verdade, o artigo 7.º-A do RJIFNA não impõe a transmissão da sanção decorrente do ilícito contra-ordenacional do ente colectivo para os gerentes e administradores. A norma prevê uma “responsabilidade culposa pela frustração do crédito correspondente que se efectiva contra o gerente ou administrador que, incumprindo deveres funcionais, não providenciou no sentido de que a sociedade efectuasse o pagamento da coima em que estava definitivamente condenada e deixou criar uma situação em que o património desta se tornou insuficiente para assegurar a cobrança efectiva”.
7. E mesmo para quem entenda que a responsabilidade que incide subsidiariamente sobre os administradores e gerentes pelos montantes correspondentes às coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação fiscal não perde esta natureza, daí também não decorre que os princípios constitucionais invocados se encontrem violados pela norma constante do artigo 7.º-A do RJIFNA.
E, isto, essencialmente porque se deverá aceitar que, no domínio contra-ordenacional, não são automaticamente aplicáveis os princípios que regem a legislação penal, designadamente no que toca às exigências da autoria do acto-tipo para efeito de incriminação.
Na verdade, tal como o Tribunal afirmou no Acórdão n.º 160/04 ao recusar a equiparação «por analogia ou identidade de razão – que não existe –» entre a acusação (ou condenação) penal e a contra-ordenacional, a norma do artigo 30º n.º 3 da Constituição, não pode ser estendida, sem mais, à responsabilidade contra-ordenacional.
Além disso, o artigo 7.º-A do RJIFNA não prevê uma verdadeira transmissão, no sentido de impor a sucessão automática de uma responsabilidade contra-ordenacional alheia, que passa a ser imputada ao gerente ou administrador. Na verdade, a responsabilidade contra-ordenacional primária surge na esfera jurídica da pessoa colectiva por acto do seu gerente ou administrador, pois é de entender que os poderes de gerência ou de administração lhes permitem desenvolver a actividade necessária à não ocorrência do acto gerador daquela responsabilidade. Para além disso, para que a responsabilidade contra-ordenacional prevista no artigo 7.º-A do RJIFNA possa ser imputada ao gerente ou administrador da pessoa colectiva, são adicionalmente necessários requisitos onde releva (sempre) a conduta do administrador ou gerente, designadamente quanto à decisão de não satisfazer o encargo resultante da aplicação da coima, e quanto à culpa na verificação da insuficiência patrimonial da pessoa colectiva. Por esta razão, também não ocorre violação do princípio da presunção da inocência, mesmo que se considere tal princípio integralmente aplicável ao domínio contra-ordenacional, uma vez que se exige que se faça prova de que os gerentes e administradores tenham agido com culpa.
E, finalmente, porque se entende que a medida prevista na norma do artigo 7.º-A do RJIFNA respeita o princípio da adequação, e o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, no que toca à medida da coima, já que os montantes cujo pagamento incumbe ao gerente ou administrador correspondem, na exacta medida, aos montantes não pagos por culpa destes.
III Decisão
8. Face ao exposto, o Tribunal decide:
a) não julgar inconstitucional a norma do artigo 7.º-A do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90 de 15 de Janeiro, na parte em que se refere à responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes pelos montantes correspondentes às coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação fiscal;
b) conceder provimento ao presente recurso;
c) revogar a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que deverá ser reformada de acordo com o precedente juízo de não inconstitucionalidade.
Sem custas.
Lisboa, 22 de Novembro de 2011.- Carlos Pamplona de Oliveira – Ana Maria Guerra Martins – José Borges Soeiro – Vítor Gomes – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão – Maria Lúcia Amaral – J. Cunha Barbosa (vencido, porquanto entendo que, contrariamente ao que se afirma no ultimo parágrafo do n.º 7, do presente acórdão, concluiria pela inconstitucionalidade da norma em causa, por violação dos princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da proporcionalidade). – Catarina Sarmento e Castro (não acompanhei a presente decisão, pelas razões constantes do Acórdão n.º 481/2010 que decidiu “ julgar inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da proporcionalidade, a par do artigo 7.º-A do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras, aprovado pelo DL 20-A/92 de 15 de Janeiro, com a redacção que lhe foi dada pelo DL 394/93, de 24 de Novembro, na parte em que se refere à responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes pelos montantes correspondentes às coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação fiscal “). – Maria João Antunes (vencida, nos termos da declaração aposta ao acórdão n.º 437/11) – Joaquim de Sousa Ribeiro (vencido de acordo com a declaração anexa) – Rui Manuel Moura Ramos.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Tenho sistematicamente entendido que o regime de responsabilidade fixado, quer no artigo 7.º-A do RJIFNA, quer no nº 1 do artigo 8.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, não corresponde ao da responsabilidade civil, tendo antes natureza contra-ordenacional. As razões desta posição podem colher-se na fundamentação dos Acórdãos n.ºs 481/2010 e 26/2011, de que fui relator, bem como na declaração de voto apensa ao Acórdão n.º 437/2011.
Ainda que não excluindo a qualificação que propugno, considera o presente Acórdão que os princípios da culpa, da igualdade e da proporcionalidade não se mostram violados (ponto n. 7). Não me merecem qualquer discordância as considerações a esse propósito emitidas, salvo as constantes do parágrafo final. Aí se diz que «a medida prevista na norma do artigo 7.º-A do RJIFNA respeita o princípio da adequação, e o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, no que toca à medida da coima, já que os montantes cujo pagamento incumbe ao gerente ou administrador correspondem, na exacta medida, aos montantes não pagos por culpa destes».
A isso contraponho que o montante não pago corresponde ao montante da coima, sendo este fixado em função da infracção cometida pela pessoa colectiva, dentro da moldura sancionatória para agentes desta natureza. Ora, sendo o objecto da responsabilidade dos administradores automaticamente dado por esse valor, ele é determinado com total independência da valoração do grau de culpa destes sujeitos. O pressuposto subjectivo que levou à identificação da pessoa responsável é inteiramente ignorado na determinação do objecto da responsabilidade, decorrente de factores que dizem respeito a outro sujeito: a pessoa colectiva infractora. Daí que condutas com um grau de desvalor idêntico possam dar azo a sanções de montante muito diverso e em violação da proibição do excesso.
A fundamentação a que aludi adequa-se às exigências próprias do nexo de causalidade, como pressuposto e medida da responsabilidade civil, mas não aos princípios que regem a responsabilidade contra-ordenacional.
Por isso votei vencido.- Joaquim de Sousa Ribeiro.