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Processo n.º 456/11
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é recorrente A., o relator proferiu a Decisão Sumária n.º 397/2011 de não conhecimento do objecto do recurso, com os seguintes fundamentos:
«(…)1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é recorrente A. e recorrida B., foi interposto recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações posteriores, adiante designada LTC), nos seguintes termos:
“A., com os demais sinais dos autos, face ao teor da decisão notificada pelo oficio de 1 de Maio em curso (Ref.ª 2821060), vem ante V. Exa. expor e requerer o seguinte
A douta Sentença lavrada a fls. 41 seqq. — integrada pelo não menos douto Despacho de fls. 51 — aplica, nitidamente as normas do CPC português adrede invocadas segundo uma dimensão materialmente inconstitucional, porquanto em preterição ostensiva da garantia de processo judicial equitativo
Termos por que, ao abrigo da al. b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, contra essa doble decisão singular interpõe o competente recurso de constitucionalidade.”
2. O presente requerimento de interposição de recurso não cumpre os requisitos exigidos no artigo 75.º-A da LTC, designadamente, porque não identifica a norma ou interpretação normativa cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada.
Não obstante, revela-se inútil convidar ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso, uma vez que, de qualquer modo, sempre se teriam por não verificados os pressupostos necessários ao conhecimento do objecto do recurso.
Na verdade, o recorrente não suscitou, perante o tribunal recorrido, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. No requerimento onde deduziu o incidente de suspeição contra juiz o recorrente sustenta uma “interpretação conforme à Constituição” em defesa da sua posição e suscita uma alegada questão pré-judicial, solicitando o reenvio da mesma ao Tribunal de Justiça da União Europeia (cfr. alíneas N) e O) do referido requerimento). Mas em momento algum o recorrente enuncia uma norma para depois lhe imputar o vício de inconstitucionalidade.
3. Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se não conhecer do objecto do recurso. (…)»
2. Notificado da decisão, o recorrente veio reclamar para a conferência, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, nos seguintes termos:
«RECLAMA ÇÃO para a CONFERÊNCIA
(Art. 78.º -A, n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional)
1. Cabe a presente impugnação da Decisão Sumaria lavrada com data de 13 de Julho transacto, concluindo em termos de se «não conhecer do objecto do recurso», com fundamento expresso em que, simul, o interessado (i) «não identifica a norma ou interpretação normativa cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada». e (ii) «não suscitou, perante o tribunal recorrido, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. No requerimento (...) sustenta uma “interpretação conforme à constituição” cm defesa da sua posição e suscita uma alegada questão pré-judicial. Mas em momento algum o recorrente enuncia uma norma para depois imputar o vício de inconstitucionalidade.
2. Nitidamente contra este argumentário, porém, poderá ler-se no citado requerimento de 7 de Março último do signatário, a titulo de «pedido» epilogativo, que,
“ao abrigo do disposto nos artigos 127.º, als. g), presumivelmente, e c) do n.º 1; l28.º, n.º 3; e 129.°, 1.ª, parte do n.º 1, todos do Código de Processo Civil, interpretados em termos constitucionalmente conformes, ou seja: sob pena de aplicação desse normativo segundo uma dimensão hermenêutica materialmente inconstitucional, por ofensa às garantias fundamentais de tutela jurisdicional efectiva e do processo judicial equitativo”,
REQUER a substituição imediata desse magistrado judicial declaradamente suspeito de falta de imparcialidade”,
ou seja: a identificação precisa das normas jusprocessuais civis cuja violação potencial é arguida de integrar inconstitucionalidade normativa, por violação das garantias jusconstitucionais também ali especificadas,
3. arguição esta prévia, obviamente, bem patentemente, à decisão cuja inconstitucionalidade material fora, assim, suscitada: a Decisão Sumária do Alto Tribunal unipessoal (então) ad quem que indeferiu o requerimento em causa.
4. Acresce que, conforme melhor explicitado subsequentemente, o manifesto «abuso» procedimental de que a Mm.ª Juíza visada deu entretanto prova assaz eloquente, ao já não reter (como, segundo o mesmo “rigor” jurídico deveria ter feito: trata-se, também, dum requerimento devendo ser subscrito por advogado!) a petição de recusa sub judice», torna sobremodo mais notória a inconstitucionalidade de toda a norma do artigo 127.º sindicado ín concreto aplicada, e reaplicada, na dupla sede judicial antecedente, por mor da sua manifesta não conformidade face à garantia de processo judicial equitativo com assento supranacional no n.° 2 do outrossim pré-invocado artigo 6.º do Tratado da União Europeia.
Termos por que fazendo no caso, como cumpre, sã e inteira justiça, esse Alto Tribunal — revogando, necessariamente, a Decisão Reclamada — não só admitirá de imediato o recurso cm pendência como, acto contínuo, concederá ao mesmo o devido provimento, com todos os devidos e legais efeitos.»
3. A recorrida não apresentou resposta.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A decisão sumária ora reclamada pronunciou-se pelo não conhecimento do objecto do recurso, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, com fundamento na não suscitação de uma questão de constitucionalidade normativa, idónea a constituir objecto do recurso de constitucionalidade.
A reclamação agora apresentada em nada afasta esta conclusão.
Como este Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado, a suscitação de uma questão de constitucionalidade normativa exige que o recorrente identifique, com um mínimo de precisão, a interpretação ou dimensão normativa que reputa inconstitucional, de modo a colocar o tribunal recorrido perante um específico dever de pronúncia (cuja omissão acarretará nulidade da sentença) e permitir ao Tribunal Constitucional enunciá-la, no caso de a vir a julgar inconstitucional.
O reclamante incumpriu esse ónus de suscitação, o que ressalta evidente da própria transcrição que faz no ponto 2. da presente reclamação.
Deve, assim, manter-se na íntegra a decisão sumária reclamada.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 31 de Outubro de 2011.- Joaquim de Sousa Ribeiro – J. Cunha Barbosa – Rui Manuel Moura Ramos.