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Processo n.º 343/11
2ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, neste Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. A., por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 30 de Junho de 2010, foi condenado, em cúmulo jurídico, «… na pena única de três anos e três meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período, na condição de pagar ao fisco, no prazo máximo de quatro anos as quantias de € 44973,91, € 30148,69 e € 10179,16, levando-se em conta o eventualmente já pago relativamente a tais verbas. …».
Notificado que foi daquele acórdão, o reclamante requereu, ao abrigo do artigo 380.º, n.º 1, alínea b), do CPP, a aclaração do mencionado acórdão, requerimento esse que veio a ser julgado improcedente, mantendo-se na íntegra aquele aresto.
2. Por requerimento de 15 de Março de 2011, o, ora, reclamante, apresentou recurso para este Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
«… notificados do acórdão de 30 de Junho de 2010, vêm dele interpor recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua redacção actual, pretendendo ver apreciadas as questões de constitucionalidade suscitadas nos recursos interpostos para esse Tribunal da Relação.
Assim, o presente recurso tem por objecto:
a) a norma extraída dos artigos 315.º, n.º 1 e 340.º, n.º do CPP, na interpretação a eles conferida pela decisão recorrida, por violação do disposto nos artigos 20.° e 32.°, n.º 2 da CRP;
b) a norma extraída dos artigos 312.º, n.º 1 e 328.º do CPP, na interpretação sufragada pela decisão recorrida, por violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP.
c) a norma do artigo 340.º, n.º 1, do CPP, na interpretação acolhida na decisão recorrida, por violação do artigo 32.º, n.º 1 da CRP.
O recurso tem ainda por objecto a norma extraída dos artigos 230.º, 312.º, n.º 1, 315.º, n.º 1, 328.º, n.º 6 e 340.º, n.º 1, do CPP, com o sentido normativo acolhido na decisão recorrida como ratio decidendi, por violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP.
Esta questão de constitucionalidade não foi, nem podia ter sido, suscitada durante o processo, porquanto jamais os recorrentes poderiam ter equacionado, antes da prolação da decisão recorrida, o sentido normativo que lhe foi conferido peto Tribunal da Relação.
De facto, quanto a essa questão, o Tribunal da Relação não se limitou a afirmar que “a decisão do Tribunal de encerrar a fase de produção de prova, onde foram ouvidas todas as testemunhas arroladas pelo arguido (com excepção da testemunha que constava da carta) sem esperar pela carta rogatória após um prazo de cinco meses é absolutamente legitima e não fere os princípios constitucionais do direito a um julgamento justo, efectuado num prazo razoável e equitativo”.
Afirmou também que: “essa decisão não permite em abstracto a conclusão de que a não relevância da prova em causa tenha condicionado de modo insustentável o legítimo direito de defesa do requerente. Aliás no período em que decorreu o julgamento, nem na última sessão onde se produziu prova, foi manifestado pelo recorrente qualquer opinião sobre a absoluta imperatividade do depoimento da testemunha em causa ou de que a sua defesa ficaria irremediavelmente comprometida”.
Integrando essa exigência a ratio decidendi do acórdão, a mesma surge como precipitação de um critério normativo com que os recorrentes jamais poderiam contar, não só por se tratar de per se de uma exigência inovadoramente estabelecida pelo Tribunal da Relação face ao processado, como também, porque, relativamente a essa questão, jamais deixaram de ser mobilizados meios impugnatórios adequados para reagir à decisão da 1.ª Instância, sempre se tendo pugnado pela existência de uma ilegítima amputação dos direitos de defesa.
Exigir-se - como o Tribunal da Relação exigiu -, nesse quadro, que os recorrentes se tivessem manifestado, para além do recurso interposto, sobre a imperatividade do depoimento da testemunha em causa no decurso do julgamento constitui, assim, uma decisão-surpresa, da qual resulta a adopção de um critério como ratio decidendi, cuja constitucionalidade não podia ter sido suscitada previamente.
Nestes termos, o recurso tem ainda por objecto: a norma extraída dos artigos 230.º, 312.º, n.º 1, 315.º, n.º 1, 328.º, n.º 6 e 340.º, n.º 1, do CPP, quando interpretados na sentido de admitirem o encerramento da fase de produção de prova sem esperar pelo cumprimento de carta rogatória após um prazo de cinco meses quando o arguido não se manifeste expressamente até ao encerramento da audiência pela absoluta imperatividade do depoimento da testemunha ou pelo irremediável comprometimento da sua defesa, por violação do direito a um processo justo e equitativo (artigos 2.º e 20.º da CRP) e por violação das garantias de defesa do arguido em processo penal (artigo 32.º da CRP).
Acresce, como resulta dos autos, que foram impugnados os despachos de admissão da prova que manteve a data agendada para julgamento e de encerramento da fase de produção da prova, em ambos os casos com fundamento no facto de não estarem a ser asseguradas as garantias de defesa do arguido quanto ao cumprimento útil da rogatória. Assim sendo, resulta que o Tribunal aplicou igualmente a norma extraída dos artigos 230.º, 312.º, n.º 1, 315.º, n.º 1, 328.º, n.º 6 e 340.º, n.º 1, do CPP, no sentido de admitir o encerramento da fase de produção de prova independentemente do cumprimento de carta rogatória previamente expedida quando o arguido não se manifeste expressamente até ao encerramento da audiência pela absoluta imperatividade do depoimento da testemunha ou pelo irremediável comprometimento da sua defesa, não valendo para esse efeito a interposição de recurso interlocutório que impugne a decisão de encerramento de produção de prova, por violação do direito a um processo justo e equitativo (artigos 2.º e 20.º da CRP) e por violação das garantias de defesa do arguido em processo penal (artigo 32.º cfr CRP), razão pela qual também se insere este específico critério normativo no objecto do recurso.
Estão esgotados os recursos ordinários. …»
3. Por despacho proferido em 16 de Março de 2011, tal recurso não foi admitido com fundamento em intempestividade, ou seja, por interposto para além do prazo legal.
4. Notificado deste despacho, o requerente veio apresentar reclamação com o seguinte teor:
«… não podendo conformar-se com a decisão de não admissão do recurso interposto para o Tribunal Constitucional, por intempestivo, vem dela apresentar Reclamação para a Conferência, o que fazem ao abrigo do disposto nos artigos 77º, n.º 1 e 78º-A, n.º 3 e 4 da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção vigente):
SENHORES JUÍZES CONSELHEIROS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
O Tribunal reclamado, em uso das competências conferidas pelo artigo 76°, n.º 1 da LOFPTC, não admitiu o recurso de (in)constitucionalidade interposto, ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b) da Lei 28/82, de 15-11, da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra que apreciou os recursos dirigidos a esse Venerando Tribunal.
Para tal, invoca o Tribunal reclamado a intempestividade do mesmo, nos termos do disposto no artigo 75º da Lei n.º 28/82 de 1 5/1 1. Ora,
Não podem os reclamantes conformar-se com tal espécie de decisão. Com efeito,
Consideram os reclamantes, em aplicação das disposições conjugadas contidas nos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 70° da LOFPTC, que o recurso impetrado foi tempestivo.
Senão, vejamos a tramitação processual dos autos, para aferir da bondade da presente pretensão:
Inconformados com a decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, interpuseram os reclamantes recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, sendo que o reclamante A. viu também apreciado o recurso interlocutório por si apresentado do despacho de fls. 1017.
Do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 30 de Junho de 2010, suscitou o reclamante A. aclaração.
Denegada a pretensão aclaratória, interpuseram os reclamantes recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual não foi admitido por o Tribunal a quo considerar a decisão irrecorrível, nos termos do disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea f) do CPP.
Cumpre referir que a primeira versão manuscrita de tal decisão encontrava-se ilegível, pelo que foi requerida a passagem de cópia dactilografada, a qual foi notificada por correio remetido em 18-02-2011.
Nesta confluência, de acordo com a natureza do processo, com o douto acórdão proferido e o recurso interposto para este Venerando Tribunal, encontram-se já esgotados todos os recursos ordinários que a lei permite. Ademais,
Do disposto no n.º 4 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15-11, flui que se acham esgotados todos os recursos ordinários apenas “quando tenha havido renúncia, haja decorrido o respectivo prazo sem a sua interposição ou os recursos interpostos não possam ter seguimento por razões de ordem processual’. Nesta confluência,
Do despacho que não admitiu o recurso impetrado pelos reclamantes para o STJ, cabia reclamação, nos termos do disposto no artigo 405° do CPP, a ser apresentada no prazo de dez dias. Contudo,
Os reclamantes conformaram-se com a decisão de não admissão do seu recurso. Assim,
O douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 30- 06-2010 apenas transitou em julgado, para efeitos de recursos ordinários, no passado dia 03 de Março de 2011. Com efeito,
Os reclamantes foram notificados em 21 de Fevereiro de 2011 da cópia dactilografada do despacho de não admissão do recurso para o STJ (em aplicação do disposto no artigo 254°, n.º 3 do CPP, aplicável por força do preceituado no artigo 4° do CPP), terminando o prazo de 10 dias da reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça a 03 de Março.
Por conseguinte, o prazo de 10 dias para interposição de recurso para este Tribunal, previsto no artigo 75º, n.º 1 da Lei n.º 28/82, de 15-11, findou a 14 de Março de 2011. É que
O décimo dia para a prática do acto completou-se no domingo 13 de Março. Ora,
Em aplicação do disposto no artigo 144º, n.º 2 do CPC, aplicável por força da norma contida no artigo 104º, n.º 1 do CPP, quando o prazo para a prática de um acto terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o próximo dia útil seguinte.
Tendo o recurso para este Tribunal sido apresentado no dia 14-03-2011, via internet, com MDDE, é manifesto que o recurso foi tempestivamente apresentado.
O Tribunal reclamado fez errada aplicação do disposto nos artigos 70º, n.ºs 3, 4 e 5 e 75°, n.º l da Lei n.º 28/82, de l5-11.
Termos em que o despacho reclamado deverá ser substituído por decisão que admita o recurso apresentado para este Tribunal. …»
5. Após a junção de certidão de várias peças processuais, sob requerimento do Exmo. Representante do Ministério Público, este veio a pronunciar-se nos seguintes termos:
« …
1º - O recurso de constitucionalidade foi interposto, a 14 de Março de 2011 (via Internet), ao abrigo da alínea b) do n° 1 do artigo 70.° da LTC, do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 30 de Junho de 2010, que julgou improcedente o recurso interlocutório intentado pelo arguido A., e parcialmente procedentes os recursos interpostos por esse mesmo arguido e pelo arguido B. relativos à decisão final, apenas alterando a qualificação jurídica dos crimes imputados a ambos as arguidos, e mantendo integralmente as penas que lhes foram aplicadas na 1a instância.
2° - Por decisão de 16 de Março de 2011, do Exmo. Sr. Desembargador Relator do referido Tribunal da Relação, o recurso não foi admitido, por intempestivo, nos termos do art.º 75.° da LTC.
3º - Vieram, então, os arguidos apresentar a presente reclamação, pugnando pela tempestividade do recurso.
4º - Como se alcança da certidão agora enviada pelo Tribunal ‘a quo’, os reclamantes foram notificados da cópia dactilografada do despacho de não admissão do recurso para o STJ, por via postal registada enviada a 18-02-2011.
Consequentemente, consideram-se notificados a 21-02-2011, o terceiro dia posterior ao do registo (art.º 254.º, n.º 3, do CPC).
Pelo que, o prazo para a reclamação desse despacho terminou a 3-03- 2011, data a partir da qual começou a correr o prazo de 10 dias para interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos n.ºs 2, 3 e 4 do art.º 70.° da LTC.
Assim, esse prazo de 10 dias terminava a 13-03-2011, um domingo, razão pela qual o termo do prazo se transfere para o primeiro dia útil seguinte (art.º 144.º, n.º 2, do CPC), dia 14 de Março de 2011, data em que, efectivamente, o recurso foi interposto, via Internet.
Como tal, têm razão, os reclamantes, quanto à tempestividade do recurso para o Tribunal Constitucional.
5.° - Importa, agora, apreciar a verificação dos pressupostos de conhecimento do recurso de constitucionalidade.
6.° - Ora, um dos requisitos da admissibilidade do recurso de constitucionalidade, interposto ao abrigo da alínea b) do n° 1 do art.º 70.º da LTC, conforme decorre do n° 2 do artigo 72.º do mesmo diploma, consiste na suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade normativa, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, de forma que, ele possa, e deva, dela conhecer.
Assim, no caso em apreço, o momento processual adequado, era o das motivações dos recursos interpostos do Tribunal de 1ª instância (Tribunal Judicial de Tábua), para o Tribunal da Relação de Coimbra.
7° - Acresce que, a suscitação de questão de inconstitucionalidade não se basta com a afirmação de que a interpretação aplicada viola a Constituição ou os seus princípios, mas com a especificação, de forma clara e contundente, das razões da alegada desconformidade da norma ou interpretação normativa.
8° - No requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, os recorrentes afirmam que pretendem ver apreciadas as questões de constitucionalidade suscitadas nos recursos interpostos para o Tribunal da Relação (embora não especifiquem em que recurso suscitaram cada uma das questões):
«a) - a norma extraída dos artigos 315.º , n.º 1 e 340 n.º do CPP, na interpretação a eles conferida pela decisão recorrida, por violação do disposto nos artigos 20.º e 32.º da CRP;
b) - a norma extraída dos artigos 312.º, n.º 1 e 328 do CPP, na interpretação sufragada pela decisão recorrida, por violação do disposto no artigo 32.º, n.º1 da CRP;
c) - a norma do artigo 340.º, n.º 1, do CPP, na interpretação acolhida na decisão recorrida, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP».
E que, pretendem, ainda, ver apreciada (alegando surpresa na decisão, razão pela qual não a podiam ter suscitado antes), a questão da constitucionalidade da «(...)norma extraída dos artigos 230.º, 312.º, n.º 1, 315.º n.º 1, 328.º n.º 6 e 340.º, n.º 1, do CPP, com o sentido normativo acolhido na decisão recorrida como ratio decidendi, por violação do disposto no artigo 32.º°, n.°1, da CRP».
9° - Começando por analisar a última das enunciadas questões, importa desde já salientar, que o recorrente só está dispensado do ónus da suscitação prévia, em casos excepcionais e anómalos, se a interpretação acolhida na decisão recorrida for insólita, inesperada ou imprevisível.
No entanto, a decisão recorrida não pode ser caracterizada nesses termos, tendo em conta, nomeadamente, o objecto do recurso interlocutório interposto pelo arguido A..
Por outro lado, recai sobre as partes o ónus de analisar as diversas possibilidades interpretativas susceptíveis de virem a ser seguidas na decisão e, como tal, de adoptarem as necessárias precauções, de modo a poderem, em conformidade com a orientação processual considerada mais adequada, salvaguardar a defesa dos seus direitos.
Pelo que, a nosso ver, não colhe o argumento de surpresa invocado pela reclamante.
10º - De todo o modo, segundo o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, págs. 196 a 200, onde esta última questão é suscitada, os recorrentes pretendem ver apreciada a constitucionalidade da norma extraída dos artigos em causa, «(...)quando interpretados no sentido de admitirem o encerramento da fase de produção de prova sem esperar pelo cumprimento de carta rogatória após um prazo de cinco meses quando o arguido não se manifeste expressamente até ao encerramento da audiência pela absoluta imperatividade do depoimento da testemunha ou pelo irremediável comprometimento da sua defesa, por violação do direito a um processo justo e equitativo (artigos 2. ° e 20. ° da CRP) e por violação das garantias de defesa do arguido (artigo 32.°da CRP)».
11º - No entanto, a interpretação normativa questionada não foi a efectuada pelo acórdão recorrido, como veremos.
12°- Antes, porém, voltemos às três questões a que se referem as alíneas a), b) e c), do requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, que, sublinhe-se, não só não especifica em que recurso, cada uma das questões, foi suscitada, como também não enuncia de forma clara e perceptível, o exacto sentido normativo que, na sua perspectiva, padecerá de inconstitucionalidade (tarefa que efectuámos através da nossa leitura da motivação do recurso interlocutório e da motivação do recurso do acórdão condenatório da 1a instância).
Assim:
13° - Quanto à questão enunciada na referida alínea a) (norma extraída dos art.°s 315.º, n.º 1.º e 340.º, n.º, do CPP, na interpretação a eles conferida pela decisão recorrida, por violação do disposto nos art.°s 20.º e 32.º, n.º 2, da CRP).
Nas conclusões da motivação desse mesmo recurso, pode ler-se (conclusão B12): “o princípio da celeridade deve ceder perante a primazia das garantias de defesa do arguido constitucionalmente garantidas pelo disposto no artigo 32°-1 da Constituição, o princípio do processo justo e equitativo, garantido pelos artigos 20°-1, 4 e 5 e 32°-2 do diploma fundamental e legislativamente consagrado nos artigos 315°-1 e 340°-1, ambos do mesmo Código, normas estas todas elas violadas, pela sua pura e simples desconsideração”.
14° - Relativamente à questão enunciada na aliena b) (norma extraída dos artigos 312.º, n.º 1 e 328.º, ambos do CPP, na interpretação sufragada pela decisão recorrida, por violação do disposto no art.º 32.º, n.º 1, da CRP).
Na motivação do recurso interlocutório, é referido que a interpretação dada pelo despacho recorrido ao preceituado nos artigos 312.º, n.º 1, e 328.º do CPP, é manifestamente inconstitucional, por violar as garantias de defesa do arguido, protegidas pelo artigo 32.º, n.º 1, da CRP.
15° - Por fim, a questão mencionada na alínea c) (norma do art.º 340.º, n.º 1, do CPP, na interpretação acolhida na decisão recorrida, por violação do art.º 32.º, n.º 1, da CRP).
O arguido B., na motivação do recurso interposto do acórdão condenatório proferido em 1ª instância, refere:
«(...)resulta óbvio que o Tribunal recorrido considerou o arguido recorrente como presumido culpado, colocando a seu cargo fazer prova da sua inocência, coligindo todos os meios probatórios para tal necessários que não constassem dos autos!
Violou, assim, o Tribunal a quo, o disposto nos artigos 340º, n.º 1 do CPP e 32°, n.º 1 e 2da CRP.
Qualquer interpretação em contrário da norma vertida no artigo 340º, n.º 1 do CPP, nomeadamente, no sentido de ao arguido caber o ónus de impugnar os factos que lhe são assacados e de diligenciar pelo produção de prova necessária a tal ónus impugnatório, é inconstitucional, por violadora do disposto no artigo 32 º, n.º 2 da CRP».
16° - Sintetizando, a nosso ver, as questões, do modo como são enunciadas pelos recorrentes, as mesmas centram-se em saber se o Tribunal de 1ª instância, ao ter dado por finda a produção de prova, não aguardando pela devolução da carta rogatória enviada às justiças de Moçambique (ou pelo envio de documentos solicitados pelo Tribunal), violou as garantias de defesa do arguido e o princípio de um processo justo e equitativo, constitucionalmente consagrados.
17° - No entanto, verifica-se que o acórdão recorrido não assenta os fundamentos da sua decisão nas interpretações normativas que os recorrentes pretendem ver apreciadas (aliás, nem apela ou se sustenta em todas essas normas).
18° - Efectivamente, o acórdão recorrido, quanto à questão de saber o que fazer, em processo penal, quando as cartas rogatórias enviadas para cumprimento não são juntas ao processo antes do final da fase de produção de prova, diz: «(...) parece não poder ultrapassar-se um conjunto de procedimentos que estão subjacentes à própria emissão da carta rogatória, normativamente concretizados no CPP, nomeadamente os princípios da necessidade e da proporcionalidade. A que acresce, com uma dimensão inultrapassável, o princípio da continuidade da audiência.
É certo que o tribunal quando admitiu a carta rogatória ponderou os dois princípios atrás referidos decorrentes do artigo 230º nº 2. (...)
Esse facto, no entanto, não foi (nem podia ser) impeditivo da marcação do julgamento e do seu início (sob pena de o direito a um julgamento justo num prazo razoável, ser grosseiramente violado pelo Tribunal).
(...)
O que não podia era, depois do julgamento se ter iniciado e ter sido produzida toda a prova durante cerca de três meses (...), o Tribunal interromper sine die o julgamento (...).
Não pode omitir-se, neste domínio, o rigoroso regime que tutela o princípio da imediação e da continuidade da audiência, cuja dimensão normativa está, explicitamente, estabelecida no artigo 328° n° 6 do CPP.
Daí que a decisão do Tribunal de encerrar a fase de produção de prova, onde foram ouvidas todas as testemunhas arroladas pelo arguido (com excepção da testemunha que constava da carta) sem esperar pela carta rogatória após um prazo de cinco meses, é absolutamente legítima e não fere os princípios constitucionais do direito a um julgamento justo, efectuado num prazo razoável.
De igual modo essa decisão não permite em abstracto a conclusão de que a não relevância da prova em causa tenha condicionado de modo insustentável o legítimo direito de defesa do requerente. Aliás no período em que decorreu o julgamento, nem na última sessão onde se produziu prova, foi manifestado pelo recorrente qualquer opinião sobre a absoluta imperatividade do depoimento da testemunha em causa ou de que a defesa ficaria irremediavelmente comprometida».
19° - E mais adiante, continua o acórdão recorrido: «(...)O Tribunal posteriormente, no âmbito do seu poder de direcção da audiência, estabelecido nos artigos 322° e 323° do CPP, entendeu dar por concluídas as diligências de prova, sem que estivessem juntos os elementos que foram requeridos e deu disso conhecimento aos vários sujeitos processuais.
Não se constata nenhuma violação do princípio da investigação e muito menos nenhuma violação do princípio das garantias de defesa do arguido, que aliás, oportunamente se conformou com a decisão de encerramento da fase probatória».
20° - Por fim, quanto ao princípio da investigação, refere o acórdão recorrido:
«A interessante dimensão do problema da fronteira entre o princípio do acusatório, como matriz base do processo, e os poderes investigatórios do juiz na fase de audiência não assume uma dimensão de fotografia a preto e branco.
Ou seja há zonas de penumbra nessa fronteira onde o papel de investigação do juiz na fase de audiência rapidamente pode colidir com a estrutura também ela constitucionalmente consagrada de independência e sobretudo de imparcialidade.
Há um trilho a perseguir, a busca da verdade material, que não pode deixar de iluminar sempre o julgador mas que tem ele próprio limites. E aqui, para além dos já referidos princípios da independência e imparcialidade (salientando-se este último, porque ainda muito esquecido na sua dimensão prática) são evidentes as questões da racionalidade e da razoabilidade. (...)
O Tribunal, numa análise objectiva sobre o que ao abrigo do artigo 340° do CPP deveria ter feito, fez efectivamente o que entendeu ser possível fazer face às circunstâncias».
21.° - Resulta do exposto que o acórdão recorrido não efectuou, nem aplicou, qualquer das interpretações normativas, cuja inconstitucionalidade os recorrentes questionam, pelo que, independentemente da tempestividade da reclamação, esta sempre deverá ser indeferida, por não se verificarem os pressupostos do recurso.
…»
6. Em função de tal pronúncia, determinou-se, por despacho de 29.6.2011 (cfr. fls. 478), a notificação dos reclamantes «… para, em 10 (dez) dias, se pronunciarem sobre o requerimento apresentado pelo Representante do Ministério Público a fls. 468 a 476, designadamente quanto à, aí referida, (in)existência dos pressupostos do recurso que se pretende que seja admitido».
7. O, ora, reclamante A. apresentou RESPOSTA do seguinte teor:
«…
A., reclamante nos autos à margem identificados, notificado para se pronunciar sobre o requerimento apresentado pelo representante do Ministério Público a fls. 468 a 476, quanto à aí referida (in)existência dos pressupostos do recurso, vem fazê-lo, nos termos e com os seguintes fundamentos.
1. O objecto da reclamação deduzida ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4, da LOFTC, é constituído pelo despacho do Tribunal da Relação de Coimbra que não admitira, com fundamento em extemporaneidade. o recurso interposto para esse Colendo Tribunal Constitucional.
Nessa reclamação, impugnaram-se os fundamentos da decisão do Desembargador Relator, tendo-se demonstrado, como muito bem salientou o Ministério Público, que o recurso de constitucionalidade fora interposto em tempo.
Não sendo o recurso extemporâneo, deve a presente reclamação ser deferida.
2. No entanto, o Ex.mo representante do MP junto desse Tribunal Constitucional suscitou, no seu parecer, que o recurso não devia ter sido admitido com base noutros fundamentos. A saber:
a) inexistência de decisão-surpresa quanto à norma extraída dos artigos 230.º, 312.º, n.º 1, 315.º n.º 1, 328.º n.º 6 e 340.º n.º 1, do CPP quando interpretados no sentido de admitirem o encerramento da fase de produção de prova sem esperar pelo cumprimento de carta rogatória após um prazo de cinco meses quando o arguido não se manifeste expressamente até ao encerramento da audiência pela absoluta imperatividade do depoimento da testemunha ou pelo irremediável comprometimento da sua defesa - tal como referido nos n.ºs 9 e 10 do douto parecer; e.
b) o facto de o acórdão recorrido não assentar os fundamentos da decisão nas interpretações que os recorrentes pretendem ver apreciadas” - pontos 12.° e seguintes.
Vejamos cada uma dessas situações.
3. Quanto à norma extraída dos artigos 230.º 312.º n.º 1, 315.º n.º 1, 328.º n.º 6 e 340.º n.º 1, do CPP quando interpretados no sentido de admitirem o encerramento da fase de produção de prova sem esperar pelo cumprimento de carta rogatória após um prazo de cinco meses quando o arguido não se manifeste expressamente até ao encerramento da audiência pela absoluta imperatividade do depoimento da testemunha ou pelo irremediável comprometimento da sua defesa, têm os reclamantes a dizer o seguinte:
Em primeiro lugar, não subsiste qualquer dúvida que essa norma constituiu ratio decidendi, corno resulta das páginas 111 e ss. do acórdão que culminam na afirmação de que “A decisão do Tribunal de encerrar a fase de produção de prova, onde foram ouvidas todas as testemunhas arroladas pelo arguido (com excepção da testemunha que constava da carta) sem esperar pela carta rogatória após um prazo de cinco meses é absolutamente legítima e não fere os princípios constitucionais do direito a um julgamento justo, efectuado num prazo razoável e equitativo. De igual modo, essa decisão não permite em abstracto a conclusão de que a não relevância da prova em causa tenha condicionado de modo insustentável o legítimo direito de defesa do requerente. Aliás, no período em que decorreu o julgamento, nem na última sessão onde se produziu prova, foi manifestado pelo recorrente qualquer opinião sobre a absoluta imperatividade do depoimento da testemunha em causa ou de que a sua defesa ficaria irremediavelmente comprometida”.
Aliás, nem o parecer do M.P., apesar de equacionar a questão (ponto 11), acaba por controverter essa evidência.
Por outro lado, salvo o devido respeito, é manifesto que a aplicação da norma supra identificada constitui uma manifesta decisão surpresa para os reclamantes na parte em que aí se diz que “essa decisão não permite em abstracto a conclusão de que a não relevância da prova em causa tenha condicionado de modo insustentável o legítimo direito de defesa do requerente. Aliás, no período em que decorreu o julgamento, nem na última sessão onde se produziu prova, foi manifestado pelo recorrente qualquer opinião sobre a absoluta imperatividade do depoimento da testemunha em causa ou de que a sua defesa ficaria irremediavelmente comprometida”.
Ora, integrando essa exigência a ratio decidendi do acórdão, ela surge como precipitação de um critério normativo com o qual os recorrentes jamais poderiam ter contado, não só por se tratar de uma exigência inovadoramente estabelecida pela Relação - a de que os recorrentes se deveriam ter manifestado no período em que decorreu o julgamento ou na última sessão onde se produziu prova pela absoluta imperatividade do depoimento da testemunha em causa ou que a sua defesa ficaria irremediavelmente comprometida - face ao processado e ao decidido anteriormente. mas também porque os reclamantes haviam interposto recurso do despacho que manteve designada a data da audiência reagindo desde logo ao facto da marcação da audiência não permitir o cumprimento da rogatória.
Exigir-se, como o Tribunal da Relação exigiu, que, nesse quadro, os reclamantes se tivessem manifestado, para além desse recurso, sobre a imperatividade do depoimento da testemunha em causa no decurso do julgamento, constitui uma decisão verdadeiramente surpreendente por terem sido impugnados os despachos de admissão da prova que manteve a data da audiência e o de encerramento da fase de produção de prova, em ambos os casos com fundamento no facto de não estarem asseguradas as garantias de defesa quanto ao cumprimento útil da carta rogatória.
E regressando às considerações do MP, sobre o carácter de decisão-surpresa da Relação, é verdade o que se diz relativamente ao facto das partes terem o ónus de analisar as diversas possibilidades interpretativas susceptíveis de virem a ser seguidas na decisão; mas esse ónus não pode ser levado ao ponto de exigir que as partes equacionem previamente questões de constitucionalidade com as quais não pudessem objectiva e razoavelmente contar, como seja, neste caso. a aplicação de uma norma com o sentido da impugnada, quando os reclamantes tinham impugnado o despacho que manteve a data da audiência e o que determinou o encerramento da prova.
4. Quanto às restantes normas, o reclamante discorda igualmente do parecer do MP, com excepção da referida na alínea c) do requerimento de interposição de recurso que aqui se abandona por não ter, de facto, constituído ratio decidendi normativa e pelo facto do recurso de constitucionalidade não ser um recurso de amparo.
Todavia, como se disse, o mesmo não sucede com as normas indicadas nas alíneas a) e b) do requerimento que foram verdadeiramente aplicadas corno fundamento da decisão na medida em que o Tribunal da Relação deu efectivamente primazia aos princípios da celeridade, da continuidade da audiência e da proporcionalidade relativamente à prova em face dos princípios do processo justo e equitativo e das garantias de defesa do arguido em processo crime e fê-lo ao sufragar uma interpretação das referidas normas com o sentido de que a admissão de carta rogatória não era impeditiva da marcação da audiência de julgamento – e do seu encerramento –, conquanto não fosse possível o cumprimento da diligência requerida e autorizada/deferida.
Termos em que deve a reclamação ser julgada procedente quanto à questão da extemporaneidade do recurso e deve este ser admitido pela douta conferência.
…»
Cumpre apreciar e decidir a reclamação.
II. Fundamentação
8. Dispõe-se no artigo 76.º, n.º 2 da LTC (Lei n.º 28/82, de 15/11, com as alterações posteriormente introduzidas, designadamente, pela Lei n.º 13-A/98, de 26/02) que «O requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional deve ser indeferido …, quando a decisão o não admita, quando o recurso haja sido interposto fora do prazo, … ou ainda, no caso dos recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º, quando forem manifestamente infundados».
De tal preceito legal resulta, portanto, que o recurso para o Tribunal Constitucional não deve ser admitido quando se mostre interposto fora do prazo legal previsto (cfr., quanto ao prazo, artigo 75.º, n.º 1 da LTC), e, ainda e para além do mais, quando, no caso dos recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º, se revelem manifestamente infundados.
9. No caso concreto e no que concerne à questão de (in)admissibilidade de recurso, tem-se que são duas as questões colocadas – (in)tempestividade e falta dos pressupostos de conhecimento, sendo certo que a primeira foi suscitada no despacho reclamado e a segunda no parecer do Ministério Público, a que o, ora, reclamante respondeu, como se deixou supra referido.
9.1 Relativamente à questão da (in)tempestividade, tendo em conta o disposto no artigo 75.º da LTC, importa concluir, face à factualidade resultante dos autos, que o recurso para este Tribunal Constitucional foi interposto tempestivamente.
Na realidade, tendo o reclamante sido notificado, do despacho que não admitiu o recurso para Supremo Tribunal de Justiça, por carta registada datada de 18.02.2011, tal notificação haver-se-á de ter por concretizada em 21.02.2011, ou seja, no terceiro dia posterior ao do registo – cfr. artigo 254.º, n.º 3 do CPC, terminando, assim, em 03.03.2011 o prazo para reclamação desse despacho e iniciando-se, então, o prazo de 10 (dez) dias para recorrer para este Tribunal Constitucional, prazo este cujo termo, por ocorrer a um domingo (13.03.2011), se transferiu para o primeiro dia útil – cfr. artigo 144.º, n.º 2 do CPC –, ou seja, para 14.03.2011, data esta em que, via ‘internet’, foi tempestivamente apresentado o recurso.
9.2 No que importa à questão da falta dos pressupostos de conhecimento, já a conclusão não será a mesma, tendo em conta, obviamente, os elementos resultantes dos autos.
Vejamos.
Como se alcança do teor do requerimento de interposição de recurso para este Tribunal Constitucional, apresentado oportunamente pelo reclamante, este afirmando que pretende «… ver apreciadas as questões de constitucionalidade suscitadas nos recursos interpostos para esse Tribunal da Relação. …», não especifica, todavia, os recursos em que as mesmas foram suscitadas.
Sucede, porém, que o reclamante, na resposta por si apresentada ao parecer do Ministério Público elaborado neste Tribunal Constitucional, após ter pugnado pela aplicação da ‘norma extraída dos artigos 230.º, 312.º, n.º 1, 315.º, n.º 1, 328.º, n.º 6 e 340.º, n.º 1, do CPP, com o sentido normativo acolhido na decisão recorrida’ como ratio decidendi e com carácter de decisão-surpresa, face ao sentido que lhe foi conferido pelo Tribunal da Relação, deixou expressamente afirmado que:
«…
4. Quanto às restantes normas, o reclamante discorda igualmente do parecer do MP, com excepção da referida na alínea c) do requerimento de interposição de recurso que aqui se abandona por não ter, de facto, constituído ratio decidendi normativa e pelo facto do recurso de constitucionalidade não ser um recurso de amparo.
Todavia, como se disse, o mesmo não sucede com as normas indicadas nas alíneas a) e b) do requerimento que foram verdadeiramente aplicadas corno fundamento da decisão na medida em que o Tribunal da Relação deu efectivamente primazia aos princípios da celeridade, da continuidade da audiência e da proporcionalidade relativamente à prova em face dos princípios do processo justo e equitativo e das garantias de defesa do arguido em processo crime e fê-lo ao sufragar uma interpretação das referidas normas com o sentido de que a admissão de carta rogatória não era impeditiva da marcação da audiência de julgamento - e do seu encerramento -, conquanto não fosse possível o cumprimento da diligência requerida e autorizada/deferida.
Termos em que deve a reclamação ser julgada procedente quanto à questão da extemporaneidade do recurso e deve este ser admitido pela douta conferência.
…»
De tal texto pode concluir-se que as questões de (in)constitucionalidade, que integram o objecto do recurso que se pretende ver admitido para este Tribunal Constitucional, se reportam, pelo menos agora, ao recurso interlocutório, porquanto o reclamante ‘abandonou’ a pretensa questão de (in)constitucionalidade que havia enunciado sob aquela alínea c) do requerimento de interposição de recurso.
Posto isto, importa reter que, como se alcança do requerimento de interposição de recurso, este se mostra interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da LTC.
Ora, como é consabido, o recurso interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – igualmente previsto no artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa (CRP) – exige, como pressuposto processual específico, que a questão de constitucionalidade objecto do recurso tenha sido suscitada durante o processo de modo a que o tribunal recorrido se encontrasse vinculado ao seu conhecimento, como decorre, igualmente, do disposto no artigo 72.º, n.º 2, da LTC, cabendo ao recorrente o ónus de suscitar o problema de constitucionalidade normativa num momento anterior ao da interposição de recurso para o Tribunal Constitucional [cf. Acórdão n.º 199/88, publicado no Diário da República II Série, de 28 de Março de 1989; Acórdão n.º 618/98, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, remetendo para jurisprudência anterior (por exemplo, os Acórdãos nºs 178/95 - publicado no Diário da República II Série, de 21 de Junho de 1995 -, 521/95 e 1026/96, inéditos e o Acórdão n.º 269/94, publicado no Diário da República II Série, de 18 de Junho de 1994)].
Por outro lado, sendo o objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade constituído por normas jurídicas que violem preceitos ou princípios constitucionais, não pode sindicar-se, no recurso de constitucionalidade, a decisão judicial em si própria, mesmo quando esta faça aplicação directa de preceitos ou princípios constitucionais, quer no que importa à correcção, no plano do direito infraconstitucional, da interpretação normativa a que a mesma chegou, quer no que tange à forma como o critério normativo previamente determinado foi aplicado às circunstâncias específicas do caso concreto (correcção do juízo subsuntivo).
No presente caso concreto, afigura-se claro que o reclamante não suscitou perante o tribunal recorrido qualquer questão de constitucionalidade (por antonomásia, normativa, como é sabido).
Para tais efeitos, exige-se que a questão de constitucionalidade seja concretizada de modo claro, directo e objectivo, “(...) modo tal que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que (...) tal se faça de modo claro e perceptível, identificando a norma (ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma) que (no entender de quem suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se aponte o porquê dessa incompatibilidade com a lei fundamental, indicando, ao menos, a norma ou princípio constitucional infringido.” (cf. Acórdãos nºs 37/97, 680/96, 663/96 e 618/96, este último, aqui citado, publicado no Diário da República, II Série, de 15-05-1996)”.
De forma muito elucidativa, afirma Carlos Lopes do Rego (ob. cit., pág. 104) que « … [o] ónus de suscitação, clara e precisa, da questão de constitucionalidade implica que não baste afirmar-se que uma ‘diferente interpretação’ normativa será violadora da Constituição (Acórdãos n.ºs 210/06, 376/06 e 141/08) – devendo necessariamente a parte ‘enunciar, de forma clara e perceptível, o exacto sentido normativo’ que se considera inconstitucional (Acórdãos n.ºs 21/06, 126/07, 16/09, 476/08 e 50/08), cabendo-lhe especificar, ‘positiva e expressamente’, o preciso sentido normativo que, na perspectiva do recorrente, padecerá de inconstitucionalidade (Acórdão n.º 244/07) . …».
Perscrutando o teor das conclusões da motivação do recurso interlocutório, constata-se que o recorrente (aqui, reclamante) alega, entre o mais, que a «…a interpretação sufragada a respeito do disposto nos artigos 312º-1 e 328º, ambos do Código de Processo Penal, viola o princípio da ‘plenitude das garantias de defesa’ consagrado pela primeira parte do artigo 32º-1 da Constituição …» (conclusão B7) e que «… o princípio da celeridade deve ceder perante a primazia das garantias de defesa do arguido constitucionalmente garantidas pelo disposto no artigo 32º-1 da Constituição, o princípio do processo justo e equitativo, garantido pelos artigos 20º-1, 4 e 5 e 32º-2 do diploma fundamental e legislativamente consagrado nos artigos 315º-1 e 340º-1, ambos do mesmo Código, normas estas todas elas violadas, pela sua pura e simples desconsideração. …» (conclusão B12), acrescentando «… razões pelas quais deve o despacho recorrido ser anulado, com devolução do processo à primeira instância para que aí seja dado cumprimento à lei, designadamente mediante a anulação de todo o processado em audiência e o adiamento do início do julgamento sine die até que se mostre cumprida a carta rogatória» (conclusão B13).
Ora, não é possível extrair daí, nem das demais conclusões que delimitaram o âmbito e o objecto do recurso para a Relação, a enunciação de uma questão de constitucionalidade normativa, porquanto aí não se identifica qualquer norma ou segmento normativo contrário à Constituição.
Por último, no que tange, à «…norma extraída dos artigos 230.º, 312.º, n.º 1, 315.º, n.º 1, 328.º, n.º 6 e 340.º, n.º 1 do CPP, com o sentido normativo acolhido na decisão recorrida como ratio decidendi, por violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP. …», questão esta que o reclamante reconhece, de forma expressa e no seu requerimento de interposição de recurso, que «… não foi, nem podia ter sido, suscitada durante o processo, porquanto jamais os recorrentes poderiam ter equacionado, antes da prolação da decisão recorrida, o sentido normativo que lhe foi conferido pelo Tribunal da Relação. …», diga-se que lhe falece, igualmente, razão.
Como é consabido, a jurisprudência constitucional sempre admitiu, embora sendo extraordinariamente exigente quanto à sua verificação, a existência de excepções à regra que obriga a suscitar a questão de inconstitucionalidade antes da prolação da decisão recorrida, as quais se reportam, essencialmente, aos casos em que o recorrente não dispôs de oportunidade processual para o fazer antes de ser proferida aquela decisão ou se vê confrontado com uma ‘decisão-surpresa’, isto é, cujo conteúdo, por manifestamente imprevisível, o recorrente não pudesse razoavelmente contar e, consequentemente, só perante o teor da decisão o mesmo lhe fosse acessível (cfr. Carlos Lopes do Rego, ob. cit., pág. 81).
Não pode, todavia, olvidar-se, como reiteradamente vem afirmando este Tribunal Constitucional, que «… recai sobre as partes o ónus de analisarem as diversas possibilidades interpretativas, susceptíveis de virem a ser seguidas e utilizadas na decisão, cumprindo-lhes adoptar as necessárias e indispensáveis precauções, em conformidade com um dever de litigância diligente e de prudência técnica, ponderando a estratégia e orientação processuais mais adequadas à salvaguarda dos seus direitos e interesses. Cabe, pois, às partes a formulação de um juízo de prognose, analisando e ponderando antecipadamente as várias hipóteses de enquadramento normativo do pleito e de interpretação razoável das normas convocadas para a sua dirimição, de modo a confrontarem atempadamente o tribunal com as inconstitucionalidades que – na sua óptica – poderão inquinar tais normas ou interpretações normativas – não bastando obviamente a invocação de mera ‘surpresa subjectiva’ da parte com a aplicação normativa realizada nos autos (Acórdãos n.ºs 479/89, 678/99, 481/98, 192/00, 22/02, 261/02, 446/03, 115/05, 14/06 e 148/08)» - (Carlos Lopes do Rego, ob. cit., págs. 81 e 82).
No caso presente, sem necessidade de se questionar se a referida ‘norma’ foi ou não ratio decidendi na decisão recorrida, não pode por forma alguma considerar-se que a aplicação que da mesma foi feita e se encontra plasmada na decisão recorrida, proferida pelo Tribunal da Relação, integra uma excepção à regra, designadamente possa ser considerada uma ‘decisão-surpresa’; na realidade, basta atentar na lógica do raciocínio encetado no despacho proferido pelo Tribunal de 1ª instância, bastante idêntico ao que veio a ser seguido no acórdão proferido no Tribunal da Relação, para logo se afastar qualquer surpresa, porquanto, como deles se pode ver, o factor ‘excessiva morosidade no cumprimento da carta rogatória’ é critério transversal à aplicação das normas que em ambas as decisões foi realizada, podendo, assim, concluir-se que era razoavelmente previsível que viesse a verificar-se uma tal aplicação da ‘norma’, isto é, tal como o foi no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, sendo, por isso, exigível ao recorrente que o tivesse prevenido e agido em conformidade, acautelando o possível exercício do seu direito de recurso para este Tribunal Constitucional.
Assim, por todas estas razões, mau grado a tempestividade de interposição do recurso, deve a reclamação ser indeferida por inexistência dos pressupostos que consintam a sua admissibilidade legal.
III. Decisão:
Nos termos supra expostos, decide este Tribunal Constitucional indeferir a reclamação, por ausência dos pressupostos que consintam o conhecimento do recurso que se pretendia ver interposto.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) UCS.
Lisboa, 31 de Outubro de 2011.- J. Cunha Barbosa – Joaquim de Sousa Ribeiro – Rui Manuel Moura Ramos.