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Processo n.º 588/11
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A. interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucionalidade (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu reclamação para a conferência, deduzida nos termos do artigo 688.º do Código de Processo Civil (CPC), contra o despacho do relator que rejeitou o recurso de revista excepcional que havia sido interposto junto daquela instância.
Pela decisão sumária n.º 508/11, decidiu o relator não tomar conhecimento do objecto do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC) por A., ora reclamante, por inobservância do ónus de prévia suscitação de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa atinente aos preceitos legais sindicados.
A recorrente reclamou da decisão sumária para a conferência, invocando, no essencial, que, contrariamente ao que nela se sustenta, observou um tal ónus legal, pelo que deve o recurso prosseguir para apreciação de mérito.
A recorrida Banco B., SA, notificada para o efeito, não respondeu à reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
2. A reclamante pretende ter cumprido o ónus de suscitação da questão de constitucionalidade que constituía objecto do recurso através das passagens abaixo transcritas que constam do texto da reclamação decidida pelo acórdão recorrido:
«A A. mantém, mutatis mutandis, os mesmos argumentos técnico-jurídicos que utilizou aquando da Reclamação e que se transcrevem.
(…) O Tribunal da Relação carece de razão quando fundamenta a decisão de não admissão do recurso na aplicação do n.º 3 do artigo 700.º do CPC ao caso sub judice.
(…) Ora, salvo melhor opinião, no que tange a “decisão singular” (…) esta não é, nem pode ser considerada, um mero despacho e por consequência não tem aplicação aquele preceito in casu.
(…) Na verdade estamos perante uma decisão judicial de fundo, que consubstancia formal e materialmente uma sentença e/ou um acórdão, uma vez que se verificam, quanto a mesma, os requisitos dos artigos 659.º e ss. e dos artigos 700.º e ss. do CPC.
(…) A não ser assim, estaríamos perante uma violação grosseira dos direitos das partes duma qualquer relação material controvertida, uma vez que a Alçada (para efeitos de recurso da parte que se sente prejudicada pela decisão) dependeria da decisão de fundo ser proferida, ou não, pelo Tribunal, com Um ou Mais Juízes, o que violaria o princípio da igualdade e poria seguramente em causa a segurança do tráfego jurídico. Lembramos que não estamos, no caso Sub Judice, perante um mero despacho de expediente.
(…) Nos termos da Lei Constitucional (artigo 202.º da CRP), os “tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo” … e têm a obrigação e o dever de … “na administração da justiça … assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados”.
(…) A defesa da legalidade e da soberania dum povo e da nossa República é baseada num Estado de direito e “no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia e o aprofundamento da democracia” de que é seguramente pilar primeiro a aplicação e o respeito pelo direito das pessoas, garantindo-lhes os consequentes direitos e liberdades fundamentais.
(…) Reforçamos esta “tese” com o que se encontra previsto no artigo 20.º da CRP (acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva) de onde se extrai que a “todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada” ao mesmo tempo que, com força imperativa a norma refere … “todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”, equidade que, salvo melhor opinião, não se encontra respeitada.»
Afigura-se, porém, que a argumentação deste modo aduzida não preenche de modo processualmente adequado o invocado ónus de suscitação da questão de constitucionalidade.
Com efeito, pretendendo a reclamante ver apreciado o mérito do recurso no que tange a dada interpretação do n.º 3 do artigo 700.º do CPC, que, aliás, não concretiza, impunha-se-lhe a prévia suscitação perante o Tribunal recorrido da respectiva questão de inconstitucionalidade normativa, enunciando, de forma clara e rigorosa, qual, em concreto, a interpretação normativa que, tendo por fonte o citado preceito legal, reputava de inconstitucional (artigos 70.º, n.º 1, e 72.º, n.º 2, da LTC).
Ora, na situação vertente, a reclamante limitou-se a invocar a inaplicabilidade do disposto no citado artigo 700.º, n.º 3, do CPC, ao caso sub judicio, sustentando que a decisão singular de que pretendia interpor o recurso de revista excepcional rejeitado pelo relator no Supremo Tribunal de Justiça «(…) não é, nem pode ser considerada, um mero despacho», mas, ao invés, «(…) uma decisão judicial de fundo, que consubstancia formal e materialmente uma sentença e/ou um acórdão, uma vez que se verificam, quanto à mesma, os requisitos dos artigos 659.º e ss. e dos artigos 700.º e ss. do CPC».
E, a tal propósito, concluiu que, «a não ser assim, estaríamos perante uma violação grosseira dos direitos das partes (…) e do princípio da Igualdade», com claro prejuízo para «a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (…) e o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva» constitucionalmente tutelados.
Não enunciou, desse modo, qualquer questão de inconstitucionalidade reportada à norma do n.º 3 do artigo 700.º do CPC ou a interpretação, de alcance geral e abstracto, que a tivesse por fonte, revelando as referências incisivas aos contornos particulares do caso que as suspeitas de inconstitucionalidade então invocadas tinham apenas por objecto a decisão judicial então objecto de reclamação e não os critérios normativos que a determinaram.
Assim sendo, não se mostra observado o ónus de prévia e adequada suscitação legalmente imposto, pelo que é de confirmar a decisão sumária que, com tal fundamento, não conheceu do objecto do recurso.
3. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 30 de Novembro de 2011.- Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral – Gil Galvão.