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Processo n.ºs 716 e 750/11
1ª Secção
Relator: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são recorrentes A. e B. e são recorridos o Ministério Público, C., D., E. e F., foram interpostos recursos de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 5 de Abril de 2011 e das decisões do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Julho de 2011 e 21 de Setembro de 2011.
2. Pela Decisão Sumária n.º 592/2011, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objecto dos recursos interpostos. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«1. Importa começar por concluir que este Tribunal não pode tomar conhecimento do objecto do recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. Como foi interposto recurso desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, o acórdão de 5 de Abril de 2011 é uma decisão ainda não definitiva (artigo 70.º, n.º 2, da LTC). Tal obsta ao conhecimento do objecto do recurso, justificando-se a prolação desta decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC).
2. Ao Tribunal Constitucional “compete especificamente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional” (artigo 221.º da Constituição da República Portuguesa), o que o afasta de uma qualquer configuração como tribunal de última instância com competência para conhecer recursos de revista.
Ora, é esta configuração que está subjacente aos dois requerimentos de interposição de recurso apresentados, onde é criticada, afinal, a escolha do direito tido por aplicável ao caso, sustentando-se, expressamente, que é ao Tribunal Constitucional que cabe, em definitivo, definir o direito do caso, após Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça. Indo no mesmo sentido a qualificação que os recorrentes fazem dos recursos interpostos, considerando-os recursos de “ilegalidade/inconstitucionalidade”.
É neste enquadramento que é requerida a apreciação das “normas dos arts. 420.º, n.º 1, com referência aos arts. 414.º, n.º 2, 432.º, al. b) e 400.º al. f), todos do CPP, na versão/98 anterior à reforma de 2007 e as disposições posteriores a essa reforma, isto é, as disposições conjugadas dos actuais arts. 432.º, n.º 1, al. b) e 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, na versão de 2.007, foram interpretadas com sentido ilegal e inconstitucional”; do “n.º 7 do art.º 414.º na versão introduzida pela Lei 59/98, de 25 de Agosto e do n.º 8 do mesmo artigo na versão da Reforma de 2.007, foram interpretadas com sentido ilegal e inconstitucional”; das “normas das disposições combinadas dos arts. 4.º do CPP, 666.º, n.º 1, 716.º e 732.º do CPC, bem como a norma do art. 720.º, n.ºs 1, 2 e 3 também do CPC, na versão /07 posterior à redacção de 1995, (…) interpretadas, inesperada e surpreendentemente, em sentido ilegal e inconstitucional, face às precedentes deliberações consolidadas dos doutos acórdãos do Venerando supremo Tribunal de Justiça”. Com a seguinte precisão: “sentido ilegal/inconstitucional da norma do art. 720.º n.º 1, 2 e 3 do CPC, inaplicável ao caso sub judice”.
Ao Tribunal Constitucional não compete decidir qual o direito aplicável ao caso. Quando o recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, ao Tribunal cabe apreciar, do ponto de vista jurídico-constitucional, a norma (não a decisão judicial enquanto escolhe determinada norma em detrimento de outra) cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Tal obsta, nesta parte, ao conhecimento do objecto dos recursos interpostos, justificando-se a presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC).
3. No recurso interposto do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Setembro de 2011, os recorrentes requerem a apreciação da inconstitucionalidade da “norma do art. 400.º, n.º 1, al. f) do CPP, interpretada no sentido de ser irrecorrível uma decisão do Tribunal da Relação, que, apesar de ter confirmado a decisão da 1ª Instância em pena não superior a 8 (oito) anos, não se pronunciou sobre um vasto leque de questões suscitadas adequada e repetidamente pelos arguidos”.
Ora, é manifesto que a decisão recorrida não interpretou e aplicou o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal no sentido especificado pelos recorrentes, o que obsta a que se dê por verificado o requisito da aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja apreciação é requerida (artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC). Com efeito, face ao objecto do recurso (arguição de nulidade do acórdão de 6 de Julho de 2011), o Supremo Tribunal de Justiça interpretou e aplicou normas em matéria de nulidades e não normas atinentes à recorribilidade das decisões. Aplicou, ainda, o artigo 720.º, n.ºs 1, 2 e 3, do Código de Processo Civil, uma vez que, além de indeferir, por manifestamente infundado, o requerimento de arguição de nulidade, ordenou também a extracção de traslado.
Justifica-se, também nesta parte, o não conhecimento do objecto do recurso e, consequentemente, a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC)».
3. Os recorrentes vêm agora reclamar para a conferência, “de harmonia com a norma do n.º 3 do art.º 78-A” da LTC, com a seguinte fundamentação:
«I. INTRODUÇÃO
1. Em 25.8.11, a Fls. 2.336/2.362, foi interposto recurso do Acórdão do STJ de 6.7.11, de Fls –––, bem como do Acórdão do TRLx. e 5.4.11, de Fls ––––, para o venerando Tribunal Constitucional de Lisboa, que recebido por Despacho de 26.9.11, de Fls. 2.450, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
2. E, em 4.10.11, a Fls –––, foi interposto também recurso do ACÓRDÃO do STJ de 21.9.11, de Fls –––, que confirmou os precedentes ARESTOS de 5.4.11 e 6.7.11, para o venerando Tribunal Constitucional de Lx, que igualmente foi recebido, a subir imediatamente nos autos de traslado, com a informação de que oportunamente já tinha sido recebido um outro recurso para o venerando Tribunal Constitucional, interposto do Acórdão principal, que entretanto havia subido.
3. Mas em 8.11.11, a Fls –––, pela referida DECISÃO SINGULAR, os dois recursos interpostos não foram conhecidos (art.º 78º-A, n.º 1, da LTC):
“decide-se não tomar conhecimento do objecto do presente recurso, (com) custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 (sete) unidades de conta”.
II. A DECISÃO RECLAMADA
4. No n.º 1/I Relatório da Decisão Sumária referem-se dois recorrentes e dois recursos de constitucionalidade dos três seguintes ACÓRDÃOS:
a. Acórdão do TRLx de 5.4.11;
b. Acórdão do STJ de 6.7.11; e
c. Acórdão de STJ de 21.9.11
5. Mas, no Ponto III. Decisão ficou exarado que não se tomou conhecimento do objecto do presente recurso com custas pela recorrente
6. Conclui-se que por lapso manifesto, que será rectificado nos termos da norma do art.º 667.º do CPC.
7. Também no intróito da Decisão Sumária surge o preciosismo de que foram interpostos recursos de constitucionalidade,
No art.º 280.º da CRP prevê-se o recurso de constitucionalidade e de certas formas de ilegalidade, recurso que faz parte integrante do sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade e da legalidade.
Ao lado dos recursos de constitucionalidade e da legalidade.
Ao lado dos recursos de constitucionalidade a Constituição prevê também recursos de legalidade. Trata-se de confiar ao TC a fiscalização da legalidade em relação a certas leis, cujos casos são contemplados no citado art.º 280.º da CRP.
A fiscalização da legalidade em geral, fora dos casos assinalados na referida norma, pertence aos demais Tribunais, sem recurso para o Tribunal Constitucional.
8. A questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade traduz-se em saber se uma norma a aplicar no caso concreto (questão principal) é contrária à Constituição –– ou a um estatuto regional ou a lei geral da República ou a lei reforçada, que abarca todos os casos de leis que são constitucionalmente impostas ou pressupostas como parâmetro do outras leis (atrs. 112º/3, 280º, n.º 2, al. a) e 281º, n.º 1, al. b), todos da CRP.
9. O recurso de ilegalidade/inconstitucionalidade é um instrumento concedido às partes no processo para defenderem os seus direitos e interesses e aos Juízes para obterem a conciliação da sua dupla sujeição aos actos normativos e à Constituição (arts. 203. e 204. da CRP).
10. A Constituição remeteu a regulamentação de tal recurso para a lei, tendo esta imposto o esgotamento dos recursos que a causa comporta na respectiva ordem jurisdicional antes de recorrer ao TC.
Basta, no entanto, que a questão da constitucionalidade tenha sido aduzida em qualquer fase do processo e que esse facto seja ou deva ser do conhecimento do tribunal que proferiu a decisão recorrido.
Poderá ocorrer a situação em que na decisão final ou em recurso foi aplicada norma inesperada que não tenha sido invocada no processo, nem era de exigir que se previsse que o fosse (Ac TC n.º 275/91), ou aquela situação em que a norma foi aplicada com um sentido inovatório, igualmente insusceptível de ser previsto.
11. O levantamento da questão de constitucionalidade tem de ser feito de forma processualmente idónea ou de forma apenas implícita desde que seja inequívoca a identificação da norma arguida de inconstitucionalidade.12. O recurso tem lugar no caso de ter sido aplicada a norma alegadamente inconstitucional, bastando que tal decorra implicitamente da decisão.
13. E cabem também no âmbito deste recurso os casos das decisões que tenham interpretado uma norma num sentido arguido de inconstitucional pelo recorrente, de modo a excluí-lo do âmbito de aplicação da norma, pois nesse caso o tribunal aplica de forma negativa a norma na parte impugnada (Ac. TC n.º 329/91)
14. Produzida esta argumentação sobre os recursos de ilegalidade / inconstitucionalidade, interessa reflectir, desde já, também nesta parte introdutória, sobre a aplicação e densificação da “norma do art.º 686.º do CPC, na redacção aplicável, “ex vi” do art.º 69.º da LTC, que conduziu a nova distribuição e à consequente APENSAÇÃO do Proc. 750/11 – 1.ª Secção ao Proc. 716/11 – 1.ª Secção, que prejudicou os recorrentes e consubstanciou INDEFESA, pois, assim, ocorreu uma única apreciação quando, sem a apensação, haveria uma dupla apreciação por Relatores diferentes e com perspectivas eventualmente divergentes e maior profundidade de análise e apreciação.
Donde, o DESPACHO prolatado em 25.10.11, a Fls 164 é prejudicial aos recorrentes e, em consequência, requerem que sobre a matéria do despacho recaia um ACÓRDÃO nos termos da norma do n.º 3, 2.ª parte do art.º 700.ºdo CPC, na redacção aplicável, “ex vi” do art.º 69.º da LTC.
Nesta confluência, a presente QUESTÃO PRÉVIA reveste-se da máxima importância, relevância e pertinência para afastar a INDEFESA, de que enferma a DECISÃO SUMÁRIA em crise, como supra será demonstrado:
15. Especificamente, o art.º 686.º do CPC foi revogado pelo DL 303/2.007, de 24/8, com efeito a partir de 1.1.2.008 e, consequentemente, é inaplicável ao presente caso recursivo, o que acarreta a NULIDADE INSANÁVEL de todo o processado, designadamente da ilegal DECISÃO SUMÁRIA, que nem ao menos cuidou da PRESCRIÇÃO.
16. E apresentada e fundamentada a relevância desta questão prévia, chegou o momento de ponderar o texto da DECISÃO SUMÁRIA, que surge como demasiado transcritiva e perfunctoriamente fundamentada, não cumprindo as normas do art.º 205.º, n.º 1 da CRP, nem do art.º 158.º, n.º 1 do CPC, porque a justificação não pode consistir em meras transcrições ou na simples adesão aos fundamentos alegados nos Acórdãos dos venerandos TRLx STJ.
III. A DECISÃO SUMÁRIA E O PRINCÍPIO DA CIVILIZAÇÃO UM MONÓLOGO SOLITÁRIO TRANSCRITIVO
17. O processo tem uma estrutura dialógica, de exercício de diálogo controversial, que permite estabelecer uma perfeita comunhão de conhecimento sobre o tema do processo, na nobre e constitucional tarefa de concretização do contraditório.
18. E neste perfil ou recorte técnico do fenómeno processual não cabem os monólogos solitários transcritivos, cobertos pelo silêncio argumentativo mais profundo, porque não são meios adequados a conduzir à realização das finalidades do processo de fiscalização concreta da legalidade/constitucionalidade ––– arts. 203.º e 204.º da CRP.
É a possibilidade de diálogo que define o âmbito de incidência do direito de recurso e não os monólogos solitários transcritivos (arts. 3º, n.º 3 e 158.º, ambos do CPC; e art.º 208.º, n.º 1 da CRP).
19. Efectivamente, o Estado de Direito Democrático impõe o dever constitucional de apreciação de fundo de todo o vasto leque de questões de legalidade/constitucionalidade que foram dirigidos ao Venerando Tribunal Constitucional, com vista à protecção e tutela dos direitos fundamentais recursivos dos particulares recorrentes.
20. Ora, conforme já notado nos requerimentos de interposição de recurso e nos precedentes instrumentos constantes dos autos, os ACÓRDÃOS recorridos ofendem o PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA, ao repristinarem o Acórdão revogado do TRLx. e ao afastarem e repudiarem a linha inalterada de pensamento definitivamente decidida pela Instância Suprema nos mui DOUTOS ACÓRDÃOS de 1.7.09 e 17.11.09.
IV. A REPESTINAÇÃO INCONGRUENTE DO ACÓRDÃO INICIAL DO TRLx DE 11.12.07; UMA FALAZ ILUSÃO.
21. Os Acórdãos do TRLx de 23.9.08 e 5.4.11/Fls. 2.077 e ss. represtinaram ilegal e inconstitucionalmente o Acórdão inicial de rejeição de 11.12.07 revogado pelo douto Acórdão do STJ de 1.7.09, ficando, assim, por apreciar todo um vasto leque de questões suscitadas, de forma idónea, pelos arguidos, “maxime” a questão da prescrição/amnistia do procedimento criminal, que mantém toda a sua acuidade
(Lei 15/94, de 11 de Maio;
Lei 29/99, de 12 de Maio).
22. O confronto cronológico e sistemático entre a excelência dos Acórdãos do STJ de 1.7.09 e 17.11.09 face à vacuidade/opacidade dos Acórdãos do STJ de 6.7.11 e 21.9.11, dá como resultado final a quadratura do círculo, um puzzle decisório que ofende o PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA, no seu produto jurídico final!!!, cujo ruído de fundo é deveras perturbador e incompreensível num Estado de Direito Democrático.
Efectivamente o ACÓRDÃO REVOGATÓRIO do STJ de 1.7.09 ajuizou/decidiu que o Acórdão do TRLx de 11.12.07 era NULO e, consequentemente, não podia nem devia ser represtinado, porque essa reposição consubstancia uma impossibilidade e incongruência jurídica, que se qualifica de falaz ilusão, salvaguardando sempre o devido respeito.
V. AS TRANSCRIÇÕES INÓCULAS E IRRELEVANTES INSERIDAS A FLS. 2 e parte de 17 da DECISÃO SUMÁRIA de 8.11.11, de Fls –––.
23. Transcrever sem contraargumentar não conduz a nada de palpável, que se possa enquadrar no exercício de diálogo controversial e, consequentemente é para reler, mas nem faz bem nem mal.
VI. A FUNDAMENTAÇÃO GENÉTICA DA DECISÃO SUMÁRIA DE 8.11.11, DE Fls ––.
24. Passamos agora a debruçar a nossa atenção crítica relativamente ao PONTO II. FUNDAMENTAÇÃO, a Fls. 17, 2ª parte, a 20 da DECISÃO SUMÁRIA.
A. QUANTO ao nº 1 da referida FUNDAMENTAÇÃO
25. O Venerando Tribunal Constitucional conclui que não toma conhecimento do objecto do recurso interposto do ACÓRDÃO do TRLx. de 5.4.11, de Fls. 2.077 e ss, porque é uma decisão ainda não definitiva. (Artº 70.º, nº 2, da LTC.
Vejamos então esta questão (artº 280º/1, b da CRP e artº 70º/1, b da LTC).
Trata-se do tipo de recurso de constitucionalidade que é o das decisões que apliquem normas cuja constitucionalidade haja sido suscitada no processo. (artº 280º/1, b da CRP)
26. A densificação deste enunciado não é inteiramente líquida, mas uma vez conjugado com o disposto no subsequente nº 4 do artº 280º da mesma CRP, ele significa que a questão da inconstitucionalidade deve ser suscitada durante a pendência da causa, ou seja, até ser proferida a decisão recorrida.
27. É essencial que a questão da inconstitucionalidade tenha sido levantada a tempo de ser tida em conta na decisão recorrida, mas em qualquer fase do processo, numa fase pregressa do processo.
28. Mas, se o não pode fazer, ou foi aplicada norma inesperada, ou ainda com um sentido inovatório, igualmente insusceptível de ser previsto, então deve-se fazer adequada integração dessa norma.
29. Além de tempestivo, o levantamento da questão de constitucionalidade tem de ser feito de forma processualmente idónea, podendo sê-lo de forma apenas implícita desde que seja inequívoca a identificação da norma arguida de inconstitucionalidade.
30. E o recurso só pode ter lugar no caso de ter sido aplicada a norma alegadamente inconstitucional, bastando que tal decorra implicitamente da decisão, ou que o Tribunal tenha aplicado a norma de forma negativa, na parte impugnada.
31. Sucede que a Constituição remeteu a regulamentação deste tipo de recurso para a Lei do Tribunal Constitucional (LTC – Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, alterada pela Lei nº 143/85, de 26 de Novembro, pela Lei 85/89, de 7 de Setembro, pela Lei 88/95, de 1 de Setembro e pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro.
E esta Lei impôs o esgotamento dos recursos que a causa comporte na respectiva ordem jurisdicional antes de recorrer para o Tribunal Constitucional/TC, o mesmo é dizer que, se um Tribunal de Comarca aplicou num processo uma norma que uma das partes arguiu de inconstitucional e se a decisão em causa admite recurso até ao Tribunal da Relação de Lisboa/TRLx e até ao STJ, só pode levar-se o caso ao TC em recurso da decisão do STJ, que confirme a citada decisão ou a decisão do TRLx quanto à questão de constitucionalidade normativa.
Portanto, foi cumprida a norma do artº 70º, nº 1, al. b); nº 2; e nº 4.
Há apenas que destacar a irrecorribilidade de decisões susceptíveis de recurso ordinário (Ac TC 65/85; 14/86; 8/88 e 159/90, entre outros).
Efectivamente, a LTC determinou a regra especial da exaustão dos recursos (art. 70º-2), nada mais sendo exigível.
B. Quanto ao nº 2 da Fundamentação
32. O Venerando Tribunal Constitucional conclui também que não toma conhecimento do objecto dos recursos interpostos, na parte em que não lhe compete decidir qual o direito aplicável ao caso, mas sim apreciar, do ponto de vista jurídico-constitucional, a norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
33. Vejamos também esta problemática, para além do que já foi alegado e argumentado nos precedentes nºs 7, 8 e 9 deste instrumento processual.
E acrescenta-se que a questão relacionada com a fórmula dos “recursos de ilegalidade/inconstitucionalidade” tem de ser analisada e apreciada de acordo com a regra “UTILE PER INUTILE NON VITIATUR” e o princípio do maior aproveitamento dos actos processuais, pois que o mais não prejudica o menos e, assim, simplificando as coisas complexas
E reduzindo-as à sua expressão mais simples retira a expressão ilegalidade e ficamos só com a expressão inconstitucionalidade e, em vez de uma expressão longa (ilegalidade/inconstitucionalidade) fica reduzida a uma expressão breve “inconstitucionalidade”.
34. Pensamos, no entanto, que estamos a debater um mero preciosismo, uma problemática artificial, um enfeite ou adorno constitucional.
Nessa medida, dando a expressão “ilegalidade” por não escrita, a questão sofre outro rumo e o próprio Tribunal Constitucional não põe em causa, com menos pormenores processuais o seu elevado capital de prestígio de tribunal autónomo e especializado na defesa da Constituição, que é, afinal, a razão de ser do Venerando Tribunal Constitucional.
35. Aliás, o art.º 75.º-A, n.º 5 da LTC até prevê que o Mmo. Juiz Conselheiro Relator convide o requerente a prestar uma indicação ou correcção desta natureza, que sempre poderá qualificar-se de “erro de escrita” ou “inexactidão devida a lapso manifesto por excesso” coberto pela norma do art.º 667.º, n.º 1 do CPC, podendo ser corrigida por simples despacho a requerimento de qualquer das partes – o que aqui e agora se requer – ou por iniciativa do juiz.
Donde, feita a mencionada rectificação/correcção, nada obsta, nessa parte, ao conhecimento do objecto dos recursos interpostos.
C. Finalmente, quanto ao n.º 3 da Fundamentação
36. Finalmente, o Venerando Tribunal Constitucional refere que a decisão recorrida não interpretou e aplicou o artigo 400.º, n.º 1, al. f) do Cód. Proc. Penal no sentido especificado pelos recorrentes, o que obsta ao conhecimento do objecto dos recursos interpostos, nessa parte, não se dando por verificado o requisito de aplicação pelo tribunal recorrido, como verdadeira ratio decidendi, da norma cuja apreciação é requerida (art.º 70º/1-b da LTC).
Vejamos mais esta questão.
37. Efectivamente, os recorrentes deduziram uma arguição de nulidade, mas este instrumento processual está perspectivado no sentido da recorribilidade normativa das decisões.
E cabem também no âmbito deste recurso os casos das decisões que tenham interpretado uma norma num sentido arguido de inconstitucional pelo recorrente, de modo a excluí-lo do âmbito de aplicação da norma, pois nesse caso o Tribunal aplica – embora de forma negativa, à norma na parte impugnada.
Cfr. Ac. TC n.º 329/91).
38. No concernente à aplicação do art.º 720º, n.º 1, 2 e 3 do CPC, os recorrentes, no requerimento de interposição de recurso para o TC, em 4.10.11 e nos Pontos n.os 1, 27 a 31 dessa peça considerou que se trata de uma situação inesperada surpreendente, até porque o n.º 3 dessa norma apenas passou a vigorar após a vigência do DL 303/07, de 24/8 a até 31.12.07 vigorava o DL 329-A/95, de 12.12, em que o art.º 720.º do CPC dispunha apenas dos n.os 1 e 2, acrescendo ainda que o recurso até foi admitido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, pelo que não faz o mínimo sentido falar num acto manifestamente infundado, pois então é o próprio Tribunal que está a penalizar-se a si própria “sibi imputat”!!!
Sem esquecer que não foi facultado o exercício do contraditório, ouvindo previamente os recorrentes sobre essa situação inédita e insólita.
Donde, talqualmente, nesta parte, deve conhecer-se do objecto do recurso, porque a DECISÃO SUMÁRIA em crise sofre de manifesta obscuridade e ambiguidade, devendo ser reformada.
TERMOS em que deve
ser revogado o DESPACHO DE APENSAÇÃO prolatado, em 25.10.11, a Fls. 164, pelos motivos invocados em sede de questão prévia; e
ser revogada a DECISÃO SUMÁRIA em crise e substituída por outra que decida conhecer o objecto do recurso».
4. Notificado, o Ministério Público veio dizer o seguinte:
«1º
Quanto ao despacho proferido no Proc.º n.º 750/11, 1.ª Secção, ordenando a apensação ao Proc.º n.º 716/11, da 1.ª Secção, do mesmo não resultou qualquer prejuízo para os recorrentes, uma vez que a douta Decisão Sumária n.º 592/2011, debruçou-se sobre a questão que ali era colocada.
2º
Quanto ao restante, as considerações genéricas tecidas pelos recorrentes, em nada abalam os fundamentos da decisão reclamada.
3º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação».
5. Notificados os outros recorridos, vieram dizer o seguinte:
«1º
A presente reclamação para a Conferência constitui mais um impulso dos recorrentes, com vista a poderem alcançar a meta da prescrição, como se tem demonstrado ao longo dos últimos anos.
2º
Os Recorrentes têm vindo a lançar mão de todos os expedientes que a lei lhes permite, com vista a evitarem o caso julgado.
3º
Os recorridos aderem por inteiro aos fundamentos de facto e de direito, tomando-os como seus, constantes da decisão sumária de folhas... de que agora os Recorrentes reclamam para a Conferência.
4º
Requer-se urgência na apreciação e decisão sobre a requerida reclamação».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. Do disposto nos artigos 69.º da LTC e 666.º, n.º 2, e 667.º do Código de Processo Civil decorre que é lícito ao juiz rectificar erros materiais, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.
É de deferir o pedido de rectificação do erro de escrita da Decisão Sumária n.º 592/2011, determinando-se que, no corpo da Decisão, onde se lê «não tomar conhecimento do objecto do presente recurso», passe a ler-se «não tomar conhecimento do objecto dos presentes recursos», e onde se lê «Custas pela recorrente» passe a ler-se «Custas pelos recorrentes».
2. Por despacho do Relator, o Processo n.º 750/11 foi apensado ao Processo n.º 716/11, ao abrigo do disposto no artigo 686.º do Código de Processo Civil, na redacção aplicável (fl. 164).
Sustentam os reclamantes que tal apensação “prejudicou os recorrentes e consubstanciou INDEFESA”. Sem razão. O requerimento de interposição de recurso que deu origem ao Processo n.º 750/11 foi apreciado autonomamente na Decisão Sumária que agora é objecto de reclamação.
Sustentam, ainda, que há “NULIDADE INSANÁVEL de todo o processado”, uma vez que o artigo 686.º do Código de Processo Civil foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, com efeito a partir de 1 de Janeiro de 2008. Sem razão. De acordo com o estatuído no artigo 11.º, n.º 1, deste diploma, as disposições daquele decreto-lei não se aplicam aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor.
3. Os reclamantes sustentam que a Decisão Sumária não cumpre as normas dos artigos 205.º, n.º 1, da Constituição nem do artigo 158.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, “porque a justificação não pode consistir em meras transcrições ou na simples adesão aos fundamentos alegados nos Acórdãos dos venerandos TRLx STJ”. Da leitura da fundamentação da decisão reclamada resulta, de forma manifesta, a falta de razão dos reclamantes. Não há “meras transcrições” ou “simples adesão aos fundamentos” de acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa e do Supremo Tribunal de Justiça.
3.1. Relativamente ao ponto 1. da Fundamentação, a argumentação dos reclamantes em nada abala o decidido relativamente ao recurso de constitucionalidade interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 5 de Abril de 2011. De uma parte, argumentam com requisitos do recurso de constitucionalidade não convocados na Decisão Sumária; de outra, dão como legalmente prevista “a regra especial da exaustão dos recursos (art. 70.º-2)”. A “regra” que não se pode dar por verificada nos presentes autos, na medida em que daquele acórdão foi interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo sido interposto recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão que o rejeitou (decisão de 6 de Julho de 2011).
3.2. Quanto ao ponto 2. da Fundamentação, os reclamantes defendem que se deve dar «a expressão “ilegalidade” por não escrita», o que até teria sido passível de aperfeiçoamento nos termos do disposto no artigo 75.º-A, n.º 5, da LTC. Face à fundamentação da Decisão Sumária, é manifesto que não está em causa qualquer aperfeiçoamento de requerimentos de interposição de recursos de constitucionalidade. Com efeito, os requerimentos dos recorrentes são reveladores de que pretendiam que o Tribunal Constitucional exercesse competência própria de tribunal de revista, decidindo qual o direito aplicável ao caso. Quando compete especificamente a este Tribunal “administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional” (artigo 221.º da Constituição da República Portuguesa). Só assim se compreende, de resto, que sustentem que a Decisão Sumária “nem ao menos cuidou da PRESCRIÇÃO”.
3.3. No que se refere ao ponto 3. da Fundamentação, os próprios reclamantes admitem que deduziram perante o Supremo Tribunal de Justiça “uma arguição de nulidade”, o que só por si é revelador de que o acórdão de 21 de Setembro de 2011 não aplicou, como razão de decidir, qualquer norma reportada ao artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal.
Por outro lado, a referência que é feita na Decisão Sumária ao artigo 720.º, n.ºs 1, 2 e 3, do Código de Processo Civil tem a ver, estritamente, com a circunstância de naquele acórdão terem sido aplicadas normas destas disposições legais, além de normas em matéria de nulidades, sendo manifestamente infundada a alegação de que a decisão reclamada “sofre de manifesta obscuridade e ambiguidade, devendo ser reformada”. A argumentação dos reclamantes é, mais uma vez, significativa, isso sim, da sua discordância em relação ao direito aplicável.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Deferir o pedido de rectificação do ponto III. da Decisão Sumária n.º 592/2011: onde se lê «não tomar conhecimento do objecto do presente recurso», passe a ler-se «não tomar conhecimento do objecto dos presentes recursos», e onde se lê «Custas pela recorrente» passe a ler-se «Custas pelos recorrentes»;
b) Indeferir, quanto ao mais, a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta.
Lisboa, 7 de Dezembro de 2011.- Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – Gil Galvão.