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Processo n.º 736/11
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:I – Relatório1. A. foi absolvido da prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário e os factos por si praticados convolados num crime de ameaça agravada, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. c), por referência à al. l) do n.º 2 do artigo 132.º, todos do Código Penal, tendo a sentença julgado relevante a desistência de queixa apresentada, quanto ao crime de ameaça agravada, homologando-a.
Inconformado, o Exmo. Magistrado do Ministério Público (aqui recorrido) interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto. O objecto do recurso incidiu sobre a natureza do crime de ameaça agravado p. e p. nos artigos acima citados, e se o mesmo admite desistência de queixa.
O Recorrente apresentou resposta alegando, entre outras coisas que, se for de entender que o conteúdo normativo do artigo 155.º do Código Penal cria um novo tipo legal de crime, tal interpretação é inconstitucional por ofensa aos princípios da legalidade e tipicidade definidos pelo artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa e na Convenção dos Direitos do Homem, uma vez que o legislador não expressou uma denominação para o pretenso tipo legal de crime referido.
A Relação do Porto deu provimento ao recurso do Ministério Público e, em consequência, revogou a sentença na parte que julgou relevante a desistência de queixa apresentada pelo agente da GNR e julgou extinto o procedimento criminal contra o aqui recorrente. Nesse sentido, ordenou a elaboração de nova sentença que aprecie os factos e o direito relativos ao crime de ameaça qualificada.
2. Inconformado, o recorrente interpôs, então, recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, al. b) da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), pretendendo ver apreciada “a inconstitucionalidade do artigo 155.º do Cód. Penal (DL 400/82, de 23 de Setembro) assumido como norma incriminadora de um tipo de crime.”
No seguimento desse requerimento, foi proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso.
3. O recorrente vem agora dela reclamar dizendo o seguinte:
“1 É óbvio o que se refere na decisão sob reclamação, no seu ponto 3 (último parágrafo), na afirmação do abstracto principio de que ‘a fiscalização concreta da constitucionalidade reveste uma relevância instrumental na causa em que a questão se discute’.
2 Só que tal afirmação na sua aplicação concreta aos autos e à decisão recorrida é totalmente contrária quer ao conteúdo do acórdão recorrido, quer ao nele decidido. Quer aos interesses e problemática, essencial, da causa.
3 E diz-se no ponto 3.1 da decisão reclamada que ‘no caso dos autos, é patente que o art°. 155° não foi interpretado nem aplicado como um novo tipo de crime’.
O que não se quadra ao acórdão recorrido e ao nele assumido, nem ao pressuposto lógico-racional da decisão.
Ora vejamos:
4 Desde logo, o Acórdão em causa da Relação do Porto deu provimento ao recurso do M°. P°. E, neste Recurso desde logo, o seu fundamento era o de que ‘com a Lei n° 59/2007 ... no art°. 153°, n° 1, permaneceu o tipo simples ... O tipo qualificado passou para o art°. 155°, onde se prevêem as circunstâncias e os resultados que qualificam tanto o tipo simples de ameaça como o tipo simples de coacção e as penas que cabem a cada um dos tipos...’
E, em função da assunção desses dois tipos de crime (‘o tipo simples’ e o ‘tipo qualificado’) é que, como precedente lógico necessário — se assume e conclui que prevendo o n° 2 do art°. 153°, criador do crime do ‘tipo simples’, que o procedimento criminal depende de queixa, mas não o prevendo o art°. 155 (criador do crime do ‘tipo qualificado’) a desistência de queixa é possível face ao ‘crime de ameaça do tipo simples’ (art°. 153°) mas não é possível face ao ‘crime de ameaça do tipo qualificado’ (art°. 155°).
ISTO É, óbvio que no Recurso interposto pelo M°. P°. para o Tribunal da Relação se atende, como sua essência, à assunção, no sistema legal incriminador, de dois tipos de crime: e nele se assumindo, no art°. 155°, ‘uma norma incriminadora do tipo de crime de ameaça qualificada’.
A qualquer luz de raciocínio e de interpretação e á luz de valores jurídicos sobre ‘normas incriminadoras’ e ‘tipos de crime’.
E quanto a estes, de ‘crimes derivados’, de ‘crimes qualificados’, de ‘crimes específicos impróprios’.
5 Por sua vez, no Acórdão Recorrido da Relação do Porto — a ‘parte’ autonomizada pela decisão em Reclamação ( no n° 3.1) é, tão só, uma passagem. Entre muitas. E, mesmo assim, que não é reproduzida em toda a sua extensão nas linhas 1 e 2 da pág. 4 (da decisão, sob reclamação).
Como mais adiante se realçará.
Por sua vez, a pág. 6 (linhas 13 e 17) do Acórdão recorrido da R.P. — e sendo nosso o sublinhado diz-se: enquanto nos quedarmos no crime de ameaça (dito simples) previsto no art°. 53.º do C.P., o procedimento criminal depende de queixa ... (linhas 13)
‘Porém, no caso dos autos, a ameaça do arguido consubstancia-se na prática de um crime qualificado de ameaça, para o qual a lei não prevê a necessidade de queixa . . .’ (linhas 17).
Então como defender-se — como refere a decisão reclamada — que ‘no caso dos autos, é patente que o art°. 155° não foi interpretado nem aplicado como um novo tipo de crime’?!
Pois, essencial é que se assuma no Acórdão da R.P. e no Recurso do M°. P°. ‘um tipo de crime’ (crime qualificado de ameaça) face a outro ‘tipo de crime’ (crime de ameaça dito simples).
‘E, aquele crime’ previsto — logo criado — pela ‘norma incriminadora’ do art°. 155°. E ‘este crime’, previsto — logo criado — pela norma incriminadora do art°. 153°. É óbvio, é patente, é racional — que, perante tais dizeres, o Acórdão recorrido assume dois tipos de crime e duas normas incriminadoras e como premissa das suas conclusões e com relevância para a matéria da essência dos autos: o art°. 153° e o art°. 155°!
7 Mas, diz-se também a págs. 6 (linhas 10), do dito Acórdão — e sendo o sublinhado nosso: ‘entendemos que a circunstância agravante prevista na alin. a) do n° 1 do art°. 155° do C.P. constitui um crime qualificado ao nível do tipo do ilícito...’. Resta alguma dúvida que o Acórdão recorrido assumiu a conduta prevista pelo cit. art°. 155°, n° 1, como ‘crime qualificado do nível do ilícito’ ... ?! E, se tal o invoca não é como pressuposto (premissa) da sua decisão e porque tal é relevante para a matéria da causa?!
8 E, por sua vez, a pág. 6 (linhas 21), refere o Acórdão recorrido (e o sublinhado é nosso).
- ‘O crime de ameaça do art°. 153° do C. P., qualificado pela alínea a) do n° 1 do art°. 155° do mesmo diploma…’
Alguém pode duvidar que o acórdão recorrido não assume, nesta passagem, com a relevância já referida, como considerando que a conduta da alin. a) do n° 1, do art°. 155°, é ‘incriminadora’, duma conduta como ‘crime de ameaça qualificado’?
9 E, a pág. 7 (linhas 24) do dito Acórdão, não se diz:
- ‘Os factos em apreço ... correram ... depois da alteração ... pela L. 59/2007 a qual introduziu alterações no sentido do crime de ameaça passar a ser qualificado em circunstâncias idênticas ao crime de coacção.’
10 E, a fls 7, (in fine) e fls 8 — onde se diz no Acórdão recorrido:
‘O art°. 155°, n° 1, do C.P. constitui o que a doutrina denomina como um tipo de crime derivado, o qual se forma com o aditamento, aos elementos que constituem o tipo de ilícito base ou fundamental, e novos elementos ou circunstâncias…’
10.1 E, não é consabido que, precisamente, na tipologia dos diversos crimes — existem os chamados crimes específicos impróprios?
De que é, p. ex., paradigmático ‘o crime’ de peculato, relativamente ao ‘crime’ de abuso de confiança.
Em que se diz ser ‘crime específico’, porque a sua autoria ou o seu objecto está limitado a um circulo circunscrito de pessoas. E ‘crime específico impróprio’ porquanto a qualificação do agente, ou da vitima, é que funciona para a criação do crime.
10.2 ASSIM, existe alguma dúvida de que o Acórdão recorrido - assume a conduta que é descrita no art°. 1550 como dando lugar a um ‘tipo de crime’: ‘o crime derivado’.
E que o faz — e como até invoca — como racional premissa da sua decisão e como questão relevante para as decisões a tomar no processo em causa, da valoração criminal da conduta do arguido?!
E, é óbvio, todavia, que a consagração positiva de um ‘crime específico impróprio’ ou dum ‘crime derivado’— tem sempre como reverso e pressuposto a existência de um correspondente ‘crime comum’.
Mas se assume o ‘crime especifico impróprio’ ou um ‘crime derivado’ — o decisor está a assumir ‘um crime’, através duma ‘norma incriminadora’ que passa a existir na panóplia dos ‘crimes positivados’ — como ‘mais um’ crime criado.
10.3 Mas então — a norma incriminadora respectiva e que foi relevante no processo e na sua decisão tem de respeitar as respectivas regras legais e constitucionais, sob pena de, se assim não é, se estar a assumir uma ‘norma incriminadora’, e o ‘respectivo crime’, em modos que ofendem a Constituição.
11 E, por sua vez, lê-se no Acórdão recorrido a pág. 8 (linhas):
‘Assim não existe violação do principio da legalidade, uma vez que os elementos de cuja verificação depende o preenchimento do tipo de crime de ameaça derivado... já estavam plasmados na lei antes da prática dos factos... ao preenchimento deste tipo de ilícito por parte do arguido’.
Existem, pois, quaisquer dúvidas de que o acórdão recorrido assuma ‘o tipo de crime de ameaça derivado’ como ‘tipo de ilícito’...?!
E ‘a ele’ faz subsunção específica, concreta e expressa da conduta do arguido, sob julgamento?!
12 E, por último, o que diz o Acórdão recorrido na passagem citada pela decisão em reclamação não é, também, a afirmação de que ‘o art°. 155° do C.P.’, constitui, sim, ‘o desenvolvimento do mesmo tipo de crime de ameaça fundamental previsto no art°. 153° do C.P., ao qual foram aditadas circunstâncias que agravam a medida da pena e o qualificam’?!
Mas, por um lado, se há o desenvolvimento dum ‘crime fundamental’ — em termos lógicos, racionais e de conhecimentos do direito penal, de tal só se pode falar se existe — e passa a existir — ‘mais um crime’: o crime fundamental, e o ‘dele derivado’.
Aliás, e em segundo lugar não é precisamente o que expressa essa passagem ao dizer que as ‘aditadas circunstâncias’ ‘o qualificam’?!
E o que é ‘qualificar’, em linguagem jurídica, se não querer significar a assunção dum ‘crime derivado’ (face ao ‘crime fundamental’) e ‘crime qualificado’ (face ao ‘crime simples’)?!
É que se há ‘crime fundamental’, se à ‘adição de circunstâncias’ e se há qualificação” daí derivada — para qualquer jurista criminal ocorrerão, então duas normas incriminadoras e dois tipos de crime: ‘o crime fundamental’ e ‘o crime qualificado’.
Então como contradizer que o acórdão recorrido não assume o crime do art°. 155° como ‘tipo de crime’, como ‘crime qualificado’, acrescido, do ‘crime simples’, do ‘crime fundamental’ art°. 153” na respectiva fundamentação e relevância para aquilatar a conduta do arguido, e, em consonância decidir ?!!
E diga-se também que não passagem da decisão reclamada na páq. 4, linhas 1/2 se diz que ‘trata-se, portanto, do agravamento do tipo previsto no art°. 153°, contendo uma enumeração das circunstâncias agravantes’.
Mas, todavia, na frase imediatamente antes citada do Acórdão recorrido — dizia-se art°. 153° do C.P., ao qual foram aditadas circunstâncias que agravam a medida da pena e o qualificam’.
Ou seja, no Acórdão recorrido diz-se mais, do que refere a decisão reclamada na parte que se está a analizar.
Pois, no Acórdão se acrescente ‘e o qualificam’ (o sublinhado é nosso).
Ora, em todo o contexto do Acordo recorrido, essa ‘acrescida’ expressão (expressamente constante do Acórdão) ‘e o qualificam’, não conduz a mera agravação da pena!
Mas ao crime que, reiteradamente e expressamente, se assume no Acórdão, de ‘crime qualificado de ameaça’, face ao ‘crime de ameaça (dito simples)’. De ‘crime qualificado de ameaça’ face ao ‘Crime de ameaça agravado’.
Ou seja, como assume o Acórdão,
‘O art°. 155° do C.P. cria um novo tipo legal de crime’. A lei 59/2007, introduziu ‘alteração no sentido do crime de ameaça passar a ser qualificada…’
Ou seja, como também assume o Acórdão,
‘O art°. 155°, n° 1, do C.P. constitui o que a doutrina denomina como um tipo de crime derivado’. Com aditamento, face aos elementos que constituem o ‘tipo de ilícito base fundamental…’
Ou seja, como assume ainda o Acórdão,
‘Os elementos ... do tipo do crime de ameaça derivado ... já estavam plasmados na lei antes da prática dos factos ... deste tipo de ilícito por parte do arguido.
13 Perante todo o antes referido — há que concluir que o Acórdão recorrido assumiu, como premissa relevante para a matéria a tratar e decidir, como ‘um tipo de crime’ a conduta do arguido, ‘incriminada’ pelo art°. 155° ‘e’ para além do ‘tipo de crime’, criado no art°. 153°.
14 ALIÁS, o Acórdão recorrido deu procedência ao recurso do M°. P°. — e ao que este pedia e como fundamentava — ‘precisamente’, em termos de silogismo, porque assumiu um ‘tipo de crime’, ‘qualificado’, ‘derivado’, ‘originado’ pelo art°. 155°.
Pois que, assim não fosse — ou se assim não é — então o crime do art°. 153° - o único a existir — admite desistência!!
15 POR ÚLTIMO — o cidadão tem direito a um julgamento equitativo (art°. 6° da Conv. Eur. Dir. do H.).
ORA, o cidadão terá o direito de saber e questionar o Tribunal de 1.ª Instância na Audiência que será reaberta para o julgar: qual o crime ‘que terá cometido e por cuja (precisa) prática do fattispecie do ‘mesmo’ está a ser julgado?
16 E, obviamente, que o Tribunal só pode dar uma de duas respostas:
a) Ou está a ser julgado pelo ‘tipo de crime’ do art°. 153°;
b) Ou pelo ‘tipo de crime’ do art°. 155°.
16.1 ORA, se o Tribunal esclarecer que está a ser julgado pelo crime do art°. 153° - então o arguido, muito simplesmente, terá que retorquir que, ‘por esse crime’ já foi julgado e absolvido.
Há caso julgado.
17 Mas se lhe disser o Tribunal que o ‘o tipo de crime’ porque está a ser julgado é o do ‘crime do art°. 155°’, ‘crime qualificado’, ou ‘crime derivado’, de ‘ameaça qualificada’ — face ao ‘crime de ameaça simples’ (art 153°, do qual foi absolvido) — então o arguido terá que dizer que ‘tal crime não existe’ na ordem jurídica portuguesa.
Porque tal pseudo-norma incriminadora não obedece aos requisitos constitucionais e do Direito Europeu para ser aceite como norma incriminadora,
E, como diz Cavaleiro Ferreira — será ‘lixo’, a deitar fora.
18 MAS se ASSIM É, porque não se se decide já a questão levantada — e que sempre será levantada depois — de que tal norma, com tal conteúdo, é norma inconstitucional?!
E, assim, tal questão, mesmo nesta simples perspectiva não terá ‘capacidade, ainda que virtual, de produzir um reflexo útil nos autos’?
19 E se o cidadão tem direito a que a sua causa seja submetida a um julgamento equitativo — que equidade existirá não julgar agora a questão levantada da inconstitucionalidade, levar o cidadão a julgamento ... e, depois, aí ter que se decidir a inconstitucionalidade, cuja questão naturalmente aí levantará?!
20 Pois que é óbvio que pelo crime do art°. 153, o cidadão já foi julgado e absolvido. E tal decisão, face a esse crime, transitou.
E sujeitar o cidadão a novo julgamento quando ele já foi julgado e absolvido — face aos mesmos factos e crime, será uma aberração?!
Como aberração, será dizer-se que o é — para ‘agravar-lhe’ a pena ... face a um crime de que já foi absolvido!
21 Então, o cidadão em concreto só pode vir a ser julgado, em nova audiência de julgamento, se se assumir que o art°. 155° é norma incriminadora dum ‘tipo legal de crime’, - para além do ‘tipo de crime’ do art°. 153°.
E, em que, os dois regimes jurídicos seriam diversos.
Pois que aquele ‘crime de ameaça simples’ (art°. 153°), permite desistência.
E o ‘crime de ameaça qualificado’ (art°. 155°), ‘no seu regime’, a se, é que já não admitiria tal desistência.
III
22 ASSIM, é óbvio, claro, manifesto, e a qualquer luz, que o Acórdão recorrido ‘assume’ o art°. 155° do C.P. como ‘norma incriminadora’ do ‘tipo de crime’, de ‘crime de ameaça qualificado’ — a ‘acrescer’ ao tipo de crime do art°. 153° (‘crime de ameaça simples’).
E tal teve relevância manifesta, e até expressa, para a sua decisão.
Como sempre terá relevância, não apenas virtual, mas efectiva e real — no prosseguimento dos autos.
E, dois ‘tipos de crime’, a se, que terão ‘regimes diferentes’ quanto á desistência de queixas.
Permitindo-a ‘o tipo legal de crime de ameaça simples’ (do art°. 153°) e não a permitindo ‘o tipo legal de crime de ameaça qualificado’ (do art°. 155°).
23 Consequentemente, o recorrente tem o direito de que seja decidido se o art°. 155° do C. P., como é assumido nos autos quer ‘expressamente’ e quer ‘como pressuposto racional necessário’ e sempre com capacidade, ainda que virtual, de produzir um reflexo útil nos autos’ — como norma incriminadora, a se, originando o ‘crime de ameaça qualificado’ (para além do ‘crime de ameaça simples’, do art°. 153°) — preenche ou não os requisitos constitucionais e do direito comunitário para poder ser legalmente havido como vigente ‘norma incriminadora’.
E não, apenas, subsistindo como mero ‘nado morto’ (em tal assunção).
24 E, certo que jamais o cidadão se vergará a ser julgado e condenado por um ‘crime’ que ‘legal’ e ‘constitucionalmente’ não exista.
Porque tal não é um ‘julgamento equitativo’.
E, certo que pelo crime, da norma incriminadora do art°. 153° do C.P., já foi julgado e absolvido.
25 E, é óbvio, também que a dita questão da constitucionalidade — se não admitir o art°. 155° do C.P., como norma incriminadora — conduz ao bem fundado da sentença da 1.ª instância que absolveu o arguido.
E, assim, também necessariamente, pelo seu lado, conduz ao infundado do recurso.
E, como tal, também nesta perspectiva, a resolução da dita questão ‘detém a capacidade, ainda que virtual, de produzir um reflexo útil nos autos’.
Pois que a ‘vigência’ e ‘valência’ do art°. 155° como norma incriminadora, como ‘crime de ameaça qualificado’ é que conduziu à pronúncia judicial de que se interpôs recurso. E é que manterá em curso o processo penal em causa.
Pois que, como antes realçado em todas as passagens do Acórdão, se a conduta do arguido, no caso, apenas preenche o tipo legal de crime da ameaça (dito simples) do art°. 153° - então, ‘este’ tipo de crime, permite a denúncia!
E, então, já existiu ‘sentença final’, transitada, a absolver o recorrente.
É esse o sentido intrínseco, lógico-racional, fundamentado — da ‘globalidade’ do Acórdão recorrido:
26 Em suma, o recorrente ou bem que vai ser julgado em 1.ª instância pelo crime de ameaça, cuja norma incriminadora é o art°. 153° do C.P.; ou bem que vai ser julgado por um crime de ameaça, cuja norma incriminadora será o art°. 155° do mesmo código.
Em termos lógicos, tal é uma postulada dicotomia.
27 Mas, o recorrente não pode vir a ser julgado pelo crime de ameaça, cuja norma incriminadora é o art°. 153°, certo que desse crime já foi, absolvido: e bem.
Na verdade seria, se o único crime de ameaça é o ‘criado’ pela norma incriminadora do art°. 153°, seria uma ‘aberração’ que se submetesse o cidadão a um novo julgamento para se saber se lhe deve caber, ou não, uma ‘agravação de pena’… para um crime de que ele, pelo mesmo Tribunal, já antes foi absolvido?!
28 Mas se o recorrente vai ser, de novo julgado, por um crime de ameaça então, só o pode ser se assumirmos o art°. 155° como norma incriminadora.
E norma incriminadora, precisamente, do tipo de crime a que pode ser submetida a concreta conduta do arguido.
Mas, então, se é para tal que o recorrente vai ser submetido a julgamento, obviamente que é relevante aquilatar da ‘constitucionalidade’ de tal norma, como norma incriminadora!!
E tal decisão, manifestamente, no processo criminal respectivo ‘detém a capacidade, ainda que virtual, de produzir um reflexo útil nos autos’.
29 O que não se compreende — é que o recorrente seja submetido a novo julgamento ‘para se determinar’ que o agravamento da pena a que deve ser condenado ... por um crime de que foi absolvido
Ou que, então, para se tornear tal aberração — se venha argumentar, ‘que não’. Que, o recorrente não vai ser julgado á luz do crime do art°. 153°, o que vai é ser julgado á luz doutra norma (que necessariamente terá que ‘originar’ outro crime). E, simultaneamente, a tal argumentação, se diga, todavia, que nesse raciocínio não está imanente, como postulado de premissa, lógica, necessária e imprescindível, que exista uma outra norma incriminadora (o art°. 155°), para além da outra norma incriminadora (o art°. 153°) a luz da qual (desta última norma) já foi o recorrente absolvido !! E, que, o julgamento vai ser para aplicar a ‘outra norma incriminadora’ (a do art°. 153°)?!
4. A decisão reclamada, e no que ora importa, tem o seguinte teor:
“3. Profere-se decisão sumária, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), pelo facto de não se encontrar preenchido pressuposto essencial ao conhecimento do recurso interposto. Sendo este deduzido ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) daquele diploma, e versando, por conseguinte, preceitos ou dimensões normativas cuja inconstitucionalidade haja sido arguida durante o processo, impõe-se que os mesmos correspondam à ratio decidendi do acórdão recorrido. A fiscalização concreta da constitucionalidade reveste uma relevância instrumental na causa em que a questão se discute: o Tribunal Constitucional apenas pode conhecer da controvérsia jusconstitucional se e na medida em que a resolução da mesma detém a capacidade, ainda que virtual, de produzir um reflexo útil nos autos. Isso implica, nomeadamente, que o objecto do recurso, tal como surge delimitado pelo recorrente no seu requerimento de interposição do recurso, coincida com a razão de decidir da pronúncia judicial de que se interpõe recurso.
3.1 No caso dos autos, é patente que o artigo 155.º não foi interpretado nem aplicado como um novo tipo de crime.
A leitura do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto permite concluir, com clareza, que a ratio decidendi assentou noutro pressuposto. Aí se escreveu: ‘O artigo 155.º do Código Penal não constitui, ao contrário do que afirma o recorrido, um novo tipo de crime de ameaça, mas sim, como decorre do que já dissemos atrás, o desenvolvimento do mesmo tipo de crime de ameaça fundamental previsto no artigo 153.º do Código Penal, ao qual foram aditadas circunstâncias que agravam a medida da pena e o qualificam.’
Trata-se, portanto, do agravamento do tipo previsto no artigo 153.º, contendo uma enumeração das circunstâncias agravantes.
3.2. Deste modo, não existindo coincidência entre o objecto do recurso e a ratio decidendi do acórdão a quo, resta concluir pela impossibilidade de conhecimento do mesmo.”
O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação5. A reclamação deduzida carece manifestamente de fundamento.
Reitera-se o decidido na decisão sumária, porquanto o acórdão recorrido não aplicou a norma na interpretação que vem suscitada como “ratio decidendi”. Efectivamente, afirmou-se, em termos inequívocos que não se estava perante um novo tipo legal de crime (de ameaça), mas sim face ao desenvolvimento do mesmo crime de ameaça, previsto e punido no artigo 153.º do Código Penal ao qual foram aditadas circunstâncias que agravam a medida da pena e o qualificam.
Se o recorrente era do entendimento que a interpretação acolhida pelo Tribunal da Relação do Porto (que não se estaria perante um novo tipo) era inconstitucional, teria de suscitar tal questão, o que não fez.
Conforme bem refere o Exmo. Magistrado do Ministério Público, o que poderia questionar, na sua perspectiva, seria considerar que as simples circunstâncias qualificativas (artigo 155.º) do crime de ameaça (artigo 153.º) eram suficientes para alterar a sua natureza, passando de semi-público a público.
Ora, a questão não foi enunciada nesses termos, pelo que o Tribunal Constitucional não pode conhecer da inconstitucionalidade de uma interpretação normativa, claramente rejeitada na decisão recorrida.
Assim, mais não há do que reiterar o decidido.
III – Decisão6. Deste modo acordam, em conferência, indeferir a presente reclamação. Custas pelo Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 29 de Novembro de 2011.- José Borges Soeiro – Gil Galvão – Rui Manuel Moura Ramos.