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Processo n.º 557/11
1ª Secção
Relator: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e são recorridos o Ministério Público, B. e C., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho daquele Tribunal de 8 de Junho de 2011.
2. Pela Decisão Sumária n.º 425/2011, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«O recorrente requer a apreciação de determinada dimensão interpretativa da alínea f) do nº 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, que não chegou a identificar.
Sucede, porém, que a reclamação do despacho de não admissão do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça foi indeferida também com fundamento na alínea e) do nº 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, o que torna inútil o conhecimento do objecto do presente recurso, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78º-A, nº 1, da LTC).
Um eventual juízo de não inconstitucionalidade da norma indicada pelo recorrente nenhuma virtualidade teria de alterar o sentido final decisão recorrida. O Supremo Tribunal de Justiça concluiria sempre pelo indeferimento da reclamação, com fundamento no disposto no artigo 400º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, ou seja, com fundamento na irrecorribilidade do acórdão do Tribunal da Relação, uma vez que este aplicou pena não privativa da liberdade.
Este Tribunal tem entendido que, «(…) não visando os recursos dirimir questões meramente teóricas ou académicas, a irrelevância ou inutilidade do recurso de constitucionalidade sobre a decisão de mérito torna-o uma mera questão académica sem qualquer interesse processual, pelo que a averiguação deste interesse representa uma condição da admissibilidade do próprio recurso» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 366/96, Diário da República, II Série, de 10 de Maio de 1996).»
3. Da decisão sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, concluindo o seguinte:
«1 – O reclamante no objecto do recurso para o Tribunal Constitucional, veio solicitar a apreciação da inconstitucionalidade da interpretação do artigo 5º nº 2 alínea a) do C.P.P. (no sentido de julgar inaplicáveis as normas constantes dos artigos 432º, nº 1, alínea b) e 400.º n.º 1 alínea f) do CPP, com a redacção que lhes era atribuída pela Lei 59/98 de 25 de Agosto a processos que, embora sejam decididos em 1º instância em data posterior à entrada em vigor da lei nº 48/2007 de 28 de Agosto de 2007, tenham tido o seu inicio, em data anterior á entrada em vigor desta lei, por violação dos artigos 13º, nº 1 – 18º, nº 2 e 3 – 29º nº 4 e 32, nº 1 da C.R.P.).
2 – Tendo o processo, no caso dos autos, se iniciado antes da entrada em vigor da lei nº48/2007 de 28 de Agosto, o ora reclamante, entende que não se deve aplicar a lei nova, já que vem agravar retroactivamente a situação jurídico-processual, vedando-lhe um grau de recurso que anteriormente lhe era reconhecido.
3 - O que deve relevar è a lei que vigorava á data da sua constituição como arguido, já que o facto de ela ser posteriormente alterada, agrava a sua situação processual, pela limitação objectiva a um grau de recurso.
4 - A Lei nº 48/2007, na redacção que veio atribuir ao artigo 400, nº 1, alínea f) do CPP, é mais restritiva que a que vigorava anteriormente, apenas permitindo o Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça em caso de dupla conforme condenatória, no caso de ser aplicada ao arguido pena de prisão superior a 8 anos, quando a anterior fazia depender o recurso ao Supremo Tribunal de Justiça, da pena aplicável ao crime objecto do processo.
5 - A nova redacção do artigo 400, nº 1, alínea f) do CPP, resultante da lei nº 48/2007 de 28 de Agosto é claramente mais penalizadora para o arguido do que a anterior versão e redunda, objectivamente num agravamento da sua posição processual, numa limitação do seu direito de defesa, vendo o direito ao recurso, diminuído em termos quantitativos e, consequentemente, as probabilidades de o seu ser caso reapreciado.
6 – Todo o supra exposto vai contra os princípios constitucionais referidos nos artigos – 13º, nº 1 – 18º, nº 2 e 3 – 29º nº 4 e 32, nº 1 da C.R.P.).
7 – Aplicando-se a lei antiga como a mais favorável, na mesma, a expressão “mesmo em caso de concurso de infracções”constante do artigo 400, nº 1, alínea f) do CPP, deve ser entendida como significando que no caso de prática pelo arguido de várias infracções, ainda que cada uma delas não exceda a pena de 8 anos de prisão, se o cumulo jurídico correspondentemente aplicável exceder também a pena de prisão de 8 anos, o recurso é admissível (artigo 77, nº 2 e 399 do C.P.Penal).
8 – Nesse sentido, deve ser admitido o recurso interposto para o Tribunal Constitucional e ser apreciada a referida dimensão interpretativa da alínea f) do nº 1 do artigo 400 do CPP.
9 – Quanto á questão da inutilidade do conhecimento do objecto do recurso ao abrigo da alínea e) do nº 1 do artigo 400 do C.P.Penal, já que existe irrecorribilidade do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, pelo facto de este ter aplicado pena não privativa da liberdade, tal situação é duvidosa e não existe unanimidade na doutrina sobre a natureza, de pena autónoma ou não, da suspensão da execução da pena de prisão.
10 – Existem Autores como, Manuel Lopes Maia Gonçalves (in Código de Processo Penal – Anotado – Legislação complementar – 17º edição – 2009, no comentário efectuado ao artigo 400, nº 1, alínea e) do CPP, página 913, 1º parágrafo) que entendem que deve ser admitido o recurso.
11 - Nos casos em que a pena de prisão é suspensa na sua execução mediante uma condição, como acontece nos autos, deve o recurso para o STJ ser admitido e não alvo de irrecorribilidade ao abrigo da alínea e) do nº 1 do artigo 400 do CPP».
4. Notificados os recorridos, respondeu o Ministério Público, concluindo “que a reclamação para a conferência, em apreciação, não merece provimento, não havendo razões para alterar o sentido da Decisão Sumária 425/11, que determinou a sua apresentação”.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Na decisão sumária conclui-se que seria inútil conhecer objecto do recurso interposto, uma vez que constava do despacho recorrido um outro fundamento para indeferir a reclamação da decisão que não admitiu recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Isto é, o tribunal recorrido invocou também a alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal para concluir que o acórdão do Tribunal da Relação do Porto é irrecorrível.
Para contrariar a decisão sumária, o reclamante começa por especificar a interpretação normativa cuja apreciação pretendia e por sustentar a inconstitucionalidade da mesma. O que em nada contraria o fundamento da decisão reclamada, o qual teve a ver exclusivamente com a inutilidade do conhecimento do objecto do recurso interposto.
Quanto a este fundamento, o reclamante argumenta apenas que a irrecorribilidade fundada no 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal é duvidosa, não existindo unanimidade na doutrina sobre a natureza, de pena autónoma ou não, da suspensão da execução da pena de prisão. O que, obviamente, em nada contraria a decisão reclamada.
O Supremo Tribunal de Justiça aplicou efectivamente, como ratio decidendi, a alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal. Esta norma foi aplicada como uma das razões de decidir no sentido do indeferimento da reclamação do despacho de não admissão do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça. Trata-se de um fundamento alternativo que torna inútil a apreciação de norma reportada à alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º daquele Código.
Na fiscalização concreta da constitucionalidade de normas (artigos 280.º da Constituição da República Portuguesa e 69.º e ss. da LTC) – diferentemente do que sucede na fiscalização abstracta (artigos 281.º da Constituição e 62.º da LTC) – “tudo se reconduz a um «recurso», que, embora limitado à questão de constitucionalidade (ou equiparada), não chega a autonomizar-se inteiramente do processo (civil, criminal, administrativo, etc.), em que se enxerta” (Cardoso da Costa, A Jurisdição Constitucional em Portugal, Almedina, 2007, p. 66). E daí a averiguação da utilidade da apreciação da questão de constitucionalidade por referência ao sentido da decisão recorrida.
Em face de tudo o que ficou dito, não se vislumbra razão bastante para inverter o juízo firmado na decisão sumária reclamada, que assim deve ser confirmada.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 25 de Outubro de 2011.- Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – Gil Galvão.