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Processo n.º 708/11
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, o relator proferiu decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso, com os seguintes fundamentos:
«(…) 1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações posteriores, adiante designada LTC), nos seguintes termos:
«A., Recorrente nos autos supra, tendo sido notificado do conteúdo de Douta Decisão que indeferiu a reclamação por si apresentada, nos termos do art.º 405.° do CPP e não se conformando com a mesma, dela vem interpor Recurso para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, ao abrigo do disposto no art.º 70.º n.° 1 e seguintes da Lei n.° 28/82 de 15 de Novembro, com a nova redacção da Lei n.° 85/89 de 7 de Setembro, porquanto;
1.º
O Tribunal colectivo da 7.ª Vara Criminal de Lisboa proferiu Douto Acórdão que condenou o ora Recorrente, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p.p. pelo n.º 1 do art.º 21.° e pela al. a) do art.º 25.°, ambos do DL n.° 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de três anos de prisão.
2.°
O Recorrente recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa que concedeu provimento parcial ao recurso, condenando o mesmo pelo cometimento de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p.p. pelo n.° 1 do art.º 21.° e pela al. a) do art.º 25.° ambos do DL n.° 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de dois anos e seis meses de prisão.
3.º
O Recorrente recorreu, posteriormente, para o Supremo Tribunal de Justiça, mas o recurso não foi admitido com fundamento na al. f) do n.° 1 do art.º 400.° do CPP, por o Venerando Relator considerar que no caso se verifica confirmação da decisão de primeira instância.
4.°
O ora Recorrente reclamou, nos termos do art.º 405.° do CPP, fundamentando a mesma no facto do acórdão proferido não ter confirmado integralmente a decisão de primeira instância, tendo julgado parcialmente o recurso interposto.
5.°
Invocou, também, que o direito ao recurso é uma manifestação fundamental do direito de defesa, no direito a um processo justo, decidido em tempo razoável, por um tribunal independente, imparcial e regulado por lei, como resulta dos art.ºs 8.° e 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, dos art.ºs 6.° e 13.° da CEDH e art.º 32.° da CRP.
6.°
No entanto, a reclamação foi indeferida.
7.°
Considera o Recorrente que foi violado um direito constitucionalmente consagrado o direito de recurso do arguido (art.º 3.2° n.° 1 da CRP).
8.°
A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem tido oportunidade para salientar, por diversas vezes, que o direito ao recurso constitui uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal.
9.°
Considera, ainda, o Recorrente que o Douto Acórdão proferido violou o principio In dúbio pro reo e que a decisão não se encontra devidamente fundamentada, violando assim os artigos 32.º n.°1 e 2 e 205.° da CRP.
Pelo exposto,
10.°
Se requer que os Venerandos Juízes do Tribunal Constitucional se pronunciem sobre a inconstitucionalidade da Douta decisão recorrida, por violação de vários preceitos legais, nomeadamente art.ºs 8.° e 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, dos art.ºs 6.° e 13.° da CEDH e art.ºs 32°. e 205.° da CRP.
11.º
As questões de inconstitucionalidade referidas foram invocadas pelo ora Recorrente nas seguintes peças processuais:
- Requerimento de interposição de recurso e respectivas alegações para o Tribunal da Relação de Lisboa
- Requerimento de interposição de recurso e respectivas alegações para o Supremo Tribunal de Justiça
- Reclamação apresentada junto do Supremo Tribunal de Justiça.»
2. É manifesto que o presente recurso não reúne os pressupostos necessários ao conhecimento do seu objecto.
Na verdade, o recorrente não identifica uma norma ou interpretação normativa que repute inconstitucional e que tenha sido aplicada como ratio decidendi da decisão recorrida, mas antes imputa o vício de inconstitucionalidade à própria decisão recorrida.
Da mesma forma, o recorrente não suscitou, perante o tribunal recorrido, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, idónea a constituir objecto de um recurso de constitucionalidade. Não o fez, designadamente, na motivação do recurso ou na reclamação apresentados junto do STJ, onde se limitou a imputar à decisão recorrida a violação de normas e princípios constitucionais ou invocar a garantia constitucional do direito ao recurso em defesa da sua posição.
3. Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se não conhecer do objecto do recurso. (…)»
2. Notificado da decisão, o recorrente veio reclamar para a conferência, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, nos seguintes termos:
«(…) 1.°
Por Douto Acórdão proferido pelo colectivo da 7° Vara Criminal de Lisboa, o ora Recorrente foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p.p. pelo n.° 1 do art.º 21.° e pela al. a) do art.º 25.°, ambos do DL n.° 15/93 de 22 de Janeiro, na peno de três anos de prisão.
2.°
Desse Douto Acórdão, recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa que concedeu provimento parcial ao recurso, condenando o mesmo pelo cometimento de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p.p. pelo n.° 1 do art.º 21.° e pela al. a) do art.º 25.° ambos do DL n.º 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de dois anos e seis meses de prisão.
3.º
Não se conformando, ainda, com este Douto Acórdão, interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que não foi admitido com fundamento na al. f) do n.° 1 do artº. 400.º do CPP, por o Venerando Relator considerar que no caso se verifica confirmação da decisão de primeira instância.
Na realidade,
4.º
O Recurso no foi admitido, ao abrigo do disposto no art.º 400.° n.º 1 al. f) e 432.° do CPP, por se considerar que o Tribunal da Relação se limitou a uma mera redução quantitativa da pena, sem que fosse alterada a decisão da matéria de facto fixada na primeira instância e o enquadramento jurídico-penal dos factos.
5.º
O Recorrente não aceita esta interpretação normativa, considerando que a mesma colide com os direitos do Arguido, nomeadamente, o seu direito ao Recurso, sendo, assim inconstitucional.
6.°
Dessa douta decisão, o ora Recorrente reclamou, nos termos do artº 405.° do CPP, fundamentando a mesma no facto do acórdão proferido não ter confirmado integralmente a decisão de primeira instância, até porque foi julgado parcialmente o recurso interposto.
7.º
Contudo, o mesmo não foi admitido, ao abrigo do disposto no art. 400º n.° 1 al. f) e 432.° do CPP, por se considerar que o Tribunal da Relação se limitou a uma mera redução quantitativa da pena, sem que fosse alterada a decisão da matéria de facto fixada na primeira instância e o enquadramento jurídico-penal dos factos.
Ora,
8.º
Não se conforma o Recorrente com tal entendimento, porquanto considera que o douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa não confirmou integralmente a decisão de primeira- instância, tendo, aliás, julgado parcialmente o Recurso interposto.
Na realidade,
9.°
O Tribunal da Relação de Lisboa reduziu a pena imposta ao Recorrente, considerando que o Tribunal Colectivo tinha sobrevalorizado as circunstâncias de peso agravativo.
10.º
O Recorrente invocou, ainda, que o direito ao recurso é uma manifestação fundamental do direito de defesa, no direito a um processo justo, decidido em tempo razoável, por um tribunal independente, imparcial e regulado por lei, como resulta dos art.ºs 8.° e 10.º da declaração Universal dos Direitos do Homem, dos art.ºs 6.° e 13.° da CEDH e art.º 32.° da CRP.
No entanto,
11.º
A reclamação veio a ser indeferida.
12.°
Considera o Recorrente que a interpretação normativa feito, é violadora de um direito constitucionalmente consagrado: o seu direito de recurso (art.º 32.° n.° 1 da CRP).
13.º
A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem tido oportunidade para salientar, por diversas vezes, que o direito ao recurso constitui uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal.
14.°
Considera, ainda, o Recorrente que o Douto Acórdão proferido violou o principio In dúbio pro reo e que a decisão não se encontra devidamente fundamentada, violando assim os artigos 32 n.°1 e 2 e 205.° da CRP.
Nessa conformidade,
15.°
Interpôs Recurso para o Tribunal Constitucional, invocando o referido e pedindo que se pronunciasse sobre a inconstitucionalidade da Douta Decisão recorrida, por violação de vários preceitos legais, nomeadamente art.ºs 8.° e 10.° da Declaração Universal dos Direitos do Homem, dos art.ºs 6.° e 13.° da CEDH e art.ºs 32.° e 205.° da CRP.
Paro o efeito,
16.°
O ora Recorrente indicou as peças processuais onde tinha sido invocada a referida inconstitucionalidade, como sendo:
- Requerimento de interposição de recurso e respectivas alegações para o Tribunal da Relação de Lisboa
- Requerimento de interposição de recurso e respectivas alegações paro o Supremo Tribunal de Justiça
- Reclamação apresentada junto do Supremo Tribunal de Justiça
Contudo,
17.°
Por Decisão Sumário do Venerando Relator foi negado provimento ao Recurso, por se ter entendido que o Recurso não reúne os pressupostos necessários ao conhecimento do seu objecto, nomeadamente, por não ter sido identificada uma norma ou interpretação normativa que se repute inconstitucional.
Ora,
18.°
Salvo o devido respeito, que é muito, entende o Requerente que indicou a interpretação normativa que reputa de inconstitucional.
Contudo,
19.°
A entender-se que o requerimento de recurso não indicava a referida norma ou algum dos elementos previstos no referido art.º 75-A, o Meritíssimo Juiz deveria convidar o Requerente a prestar essa indicação, conforme previsto nos n.°s. 5 e 6 da referida disposição legal.
20.°
Não o tendo feito, foi violado o disposto no art. 75-A no 5 da LTC.
Nesta conformidade,
21.°
Devem os Venerandos Srs. Drs. Juízes Desembargadores do Tribunal Constitucional pronunciarem-se sobre a inconstitucionalidade referida, por violação de vários preceitos legais, nomeadamente art.ºs 8. e 10.° da Declaração Universal dos Direitos do Homem, dos art.ºs 6.° e 13.° da CEDH e art.ºs 32.° e 205.° da CRP, bem como artº 75.º-A n.º 5 da LTC.
Assim,
22.°
Deve a presente Reclamação ser recebida e, a final, entender-se pela procedência do Recurso, pelos motivos invocados.»
3. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal apresentou a seguinte resposta:
«1.º
Pela douta Decisão Sumária n.º 477/2011, não se conheceu do objecto do recurso porque no requerimento de interposição do recurso para este Tribunal Constitucional, o recorrente não indicava uma norma ou interpretação normativa que reputasse de inconstitucional, como também durante o processo não tinha suscitado qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, idónea a constituir objecto do recurso de constitucionalidade.
2.º
Na reclamação agora apresentada e sobre as razões processuais que levaram àquela decisão, o recorrente nada diz, limitando-se a afirmar que sim, que indicara a interpretação normativa que reputava de inconstitucional (artigo 18.º).
3.º
Por outro lado, o recorrente entende que devia ter sido notificado nos termos dos n.ºs 5 e 6 do artigo 75.º-A da LTC.
4.º
O convite a que alude o n.º 5 daquele artigo 75.º-A, destina-se a dar a possibilidade aos recorrentes de suprirem meras deficiências formais de que o requerimento de interposição do recurso enferme.
5.º
Ora, na douta Decisão Sumária não se conheceu do objecto do recurso porque se entendeu que não se verificava o requisito de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, consistente em, durante o processo, ser adequadamente suscitada uma questão de inconstitucionalidade normativa.
6.º
Radicando, pois, a decisão de não conhecimento do objecto do recurso na inverificação de um requisito de admissibilidade – e não em quaisquer deficiências formais do requerimento -, a eventual notificação do recorrente, nos termos do artigo 75.º-A, n.º 5, da LTC, não se revestiria de qualquer efeito útil.
7.º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A decisão sumária ora reclamada pronunciou-se pelo não conhecimento do objecto do recurso, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, com fundamento na falta de suscitação de uma questão de constitucionalidade normativa, idónea a constituir objecto de um recurso de constitucionalidade.
A presente reclamação em nada abala esta conclusão.
Pelo contrário, o reclamante continua a não conseguir enunciar qual a interpretação normativa cuja inconstitucionalidade pretendia que o tribunal apreciasse, assim como é incapaz de precisar o momento processual onde alegadamente teria suscitado uma tal questão, sendo certo que, a final, imputa o vício de inconstitucionalidade à própria decisão recorrida (cfr. artigos 12.º, 15.º, 16.º, 18.º e 21.º da Reclamação).
Resta dizer que o teor do artigo 19.º da Reclamação só se compreende por desconhecimento da diferença entre meras deficiências formais do requerimento de interposição de recurso e falta dos pressupostos necessários ao conhecimento do respectivo objecto, sendo certo que só as primeiras são susceptíveis de convite ao aperfeiçoamento.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, sem prejuízo do apoio judiciário, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 31 de Outubro de 2011.- Joaquim de Sousa Ribeiro – J. Cunha Barbosa – Rui Manuel Moura Ramos.