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Processo n.º 506/2011
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Por despacho de 2 de Novembro de 2011, foi ordenada a notificação do Recorrente no sentido de constituir advogado, nos termos do artigo 33.º do CPC, atenta a medida de suspensão preventiva da inscrição na Ordem dos Advogados que lhe foi aplicada e que, nos termos do Edital do Conselho de Deontologia de Lisboa constante de fls. 267, vigora até 21 de Dezembro de 2011.
Por requerimento de 18 de Novembro de 2011, o recorrente solicitou a anulação de tal despacho, alegando, em síntese, a falsidade do referido Edital e a não vigência da medida de suspensão preventiva. Seguidamente, o relator proferiu o seguinte despacho:
“Figura no processo comunicação da Ordem dos Advogados no sentido de que foi prorrogada pelo respectivo Conselho Superior, nos termos do n.º 3 do artigo 149.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, até 21 de Dezembro de 2011, a medida de suspensão preventiva que foi imposta no âmbito do processo disciplinar n.º 236/2009-L/D e Apensos, ao Senhor Advogado que neste processo figura como recorrente. Face a tal comunicação e ao disposto no artigo 83.º da LTC e no artigo 33.º do CPC, foi ordenada a notificação do recorrente para constituir mandatário que o patrocine no presente recurso (fls. 359).
O recorrente, em requerimento por si subscrito (fls. 361 e segs.), pede a anulação do despacho proferido pelo relator a fls. 359.
Sucede que os fundamentos invocados nesse requerimento consubstanciam questões de direito relativas à validade ou eficácia dos actos de órgãos da Ordem dos Advogados que aí são referidos. Assim, uma vez que nos processos em que o patrocínio judiciário seja obrigatório as partes só podem fazer requerimentos em que não se levantem questões de direito (n.º 2 do artigo 32.º do CPC), não pode tomar-se conhecimento do pedido de anulação do despacho de fls. 359.
Consequentemente, não tendo o recorrente dado cumprimento à notificação que lhe foi feita para constituir advogado, o recurso não pode ter seguimento (artigo 33.º do CPC).
Pelo exposto, declara-se extinto o presente recurso.”
2. Vem agora o recorrente arguir a nulidade deste despacho, nos seguintes termos:
«A., Recorrente e Advogado no processo, notificado do despacho de 21.11.2011, vem, ao abrigo do disposto nos artigos 144º, nº 2, da LOFTJ, e 266º, nº 1, 660º, nº 2, 666º, nºs 2 e 3, 668º, n° 1, alínea d), e 669º, nº2, alíneas a) e b), do CPC, dizer e requerer o seguinte:
1. O seu requerimento de 17.11.2011 é de arguição de nulidade processual (cf. parte 1) e de falsificação de documentos (parte II).
2. Qualquer cidadão, mesmo analfabeto, pode invocar falsificação de documentos perante qualquer autoridade.
3. É de conhecimento oficioso – e, para o invocar, não é preciso ser Advogado – que ninguém pode fazer uso de falsificação de documentos ... a não ser para a denunciar!
• Pelo que, o Requerente reitera a arguição constante da parte II do seu requerimento de 17.11.2011.
II
4. A recusa em conhecer da arguição de falsificação de documentos usada nos autos para violar direitos, liberdades e garantias de que o Advogado neles interveniente goza, viola o disposto nos artigos 20º, nºs 1, 4 e 5, e 202º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP) - que todos os cidadãos são obrigados a conhecer e defender – e 660º, nº 2, do CPC.
5. A violação dessa obrigação legal de pronúncia constitui acto subsumível ao disposto nos artigos 3º, nº 3, da CRP – que todos os cidadãos são obrigados a conhecer e defender – e 668º, nº 1, alínea d), do CPC.
• Pelo que, o Requerente pede o suprimento dessa omissão.
III
6. Diz o despacho de 21.11.2011: «Figura no processo comunicação da Ordem dos Advogados no sentido de que foi prorrogada pelo respectivo Conselho Superior» ... Ora, figura no processo, a fls 229 a 232, salvo erro ou omissão, certidão do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, de 3.9.2010, de despacho do Exmo Bastonário da Ordem dos Advogados, de 2.9.2010, cujo teor aqui é dado por reproduzido, segundo o qual o Advogado titular da cédula 2515L, é mantido na plenitude dos seus direitos, e que tal situação deverá manter-se até à decisão definitiva do órgão julgado competente para apreciar o recurso por ele mandado subir ao Conselho Superior.
7. Tais documentos – certidão e despacho certificado – além de constarem dos autos são também do conhecimento de todos os Juízes do Tribunal Constitucional por efeito da respectiva comunicação ao seu Presidente.
8. Constam dos autos, também, documentos que provam que o recurso do Exmo Bastonário referido no citado Despacho, ainda não foi apreciado.
9. O mesmo Despacho refere facto que é de conhecimento oficioso: os recursos mandados subir pelo Bastonário da Ordem dos Advogados têm efeito suspensivo (cf. artigo 159º, nº2, do EOA).
10. Por força do disposto nos artigos 660º, nº2, e 669º, nº2, alínea b), do CPC, estes elementos constantes do processo têm de ser considerados nas decisões proferidas sobre a respectiva matéria.
• Pelo que, a não consideração de tais elementos obriga à reforma do despacho de 21.11.2011.
IV
11. O despacho de 21.11.2011, referindo-se ao requerimento de 17.11.2011, diz, erroneamente: «os fundamentos invocados nesse requerimento consubstanciam questões de direito relativas à validade ou eficácia dos actos de órgãos da Ordem dos Advogados aí referidos». Com efeito,
1) naquele requerimento são apresentados documentos para prova de factos;
2) tais factos não respeitam à validade ou eficácia dos actos do Conselho de Deontologia de Lisboa da Ordem dos Advogados (CDL), nem do Conselho Superior da Ordem dos Advogados (CS);
3) a validade ou eficácia dos actos desses órgãos é objecto de investigação criminal no Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, e de impugnação judicial no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa.
• Pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 669º, nº 2, alínea a), 2º segmento, do CPC, impõe-se a reforma do despacho de 21.11.2011.
V
12. No requerimento de 17.11.201 1, é invocado o disposto no artigo 180º, nº 4, do Código Penal, em virtude de o despacho de 2.11.2011 fazer reprodução de falsas imputações ao Advogado subsumíveis ao disposto nos artigos 180º a 184º, e 188º, nº 1, alínea a), do mesmo Código. Com tal invocação o requerimento de 17.11.2011 pretendeu excluir a possibilidade de invocação do disposto no nº2 do mesmo artigo.
13. Apesar dessa cooperação – a que também as partes estão obrigadas (cf. artigo 266º, nº 1, do CPC) – o despacho de 21.11.2011 recusa tomar conhecimento do pedido de anulação do despacho de fls 359 em que é feita a invocada falsa imputação ao Advogado.
14. Assim, o despacho de 21.11.2011 é susceptível de configurar consumação do incumprimento do dever de informação, que as circunstâncias do caso impõem, sobre a verdade da imputação.
• Pelo que, o Requerente, na sua dupla qualidade de Recorrente e Advogado, reitera a cooperação imposta pelo artigo 266º, nº 1, do CPC, já oferecida no requerimento de 17.11.2011, para que seja conhecida a invocada falsificação de documentos usada nos autos, designadamente no despacho de 2.11.2011.
VI
15. Para defesa dos direitos e garantias individuais os advogados podem requerer a intervenção dos órgãos jurisdicionais competentes (cf. artigo 144º, nº2, da LOFTJ). Considerando que o despacho de 21.11.2011 recusou tomar conhecimento do pedido de anulação do despacho de 2.11.2011, a fls 359, em que é feita falsa imputação ao Advogado - que viola direitos consagrados nos artigos 25°, nº 1, 26º, nº 1, 32º, nº 10, 58º, nº 1, e 208º da CRP, tutelados pelos artigos 180º a 184º, e 188º, nº 1, alínea a), do Código Penal - o Ofendido reitera o seu pedido de anulação do despacho de 2.11.2011.
Termos em que o Ofendido:
1) pede o suprimento da nulidade do despacho de 21.11.2011;
2) pede areformado despacho de 21.11.2011;
3) reitera o seu pedido de anulação do despacho de 2.11.20 11.»
3. Nos termos do artigo 78.º-B, n.º 2, da LTC, o mecanismo processual legalmente previsto para a reacção contra os despachos do relator é a reclamação para a conferência pelo que o requerimento ora em análise deve como tal ser considerado.
O que, além do mais, dá ao interessado a vantagem de apreciação das suas razões em formação colegial.
4. Independentemente da questão de saber se competirá ao Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre a eventual falsidade da certidão oriunda do Conselho de Deontologia de Lisboa da Ordem dos Advogados, constata-se que o que o reclamante aduz a este propósito implica, na realidade, a apreciação de questões de direito. Do mesmo modo, tudo o que o reclamante invoca com o objectivo de contestar a manutenção em vigor da suspensão preventiva da inscrição na Ordem dos Advogados consubstancia, como se salientou no despacho reclamado, questão de direito. Ora, a apreciação de questões de direito não prescinde, nos termos do n.º 2 do artigo 32.º do CPC, da constituição de advogado.
Consequentemente, não se conhece do objecto da reclamação e condena-se o recorrente nas custas, com quinze unidades de conta de taxa de justiça, nos termos do artigo 7.º e tendo presentes os critérios do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro.
Lisboa, 15 de Dezembro de 2011.- Vítor Gomes – Ana Maria Guerra Martins – Rui Manuel Moura Ramos.