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Processo n.º 83-C/08
2.ª Secção
Relator: Juiz Conselheiro José Cunha Barbosa
Acordam na 2.ª Secção deste Tribunal Constitucional
A. Relatório
1. A. deduz incidente de suspeição contra o Juiz Conselheiro relator, neste Tribunal Constitucional, do processo principal (n.º 83/08), Dr. Joaquim de Sousa Ribeiro, recusando a sua intervenção como juiz nesse processo.
2. Fundamenta tal pedido de recusa nos seguintes termos:
(…)
1.º
Os presentes autos são de processo criminal. Acresce que o procedimento e a acusação de litigância de má-fé estão incluídos na classe «de quaisquer processos sancionatórios» referida no artigo 32.º, n.º 10 da Constituição e neles são assegurados todos os «direitos de audiência e de defesa».
2.°
Observem-se os dizeres da Lei Fundamental «direitos [...] de defesa».
3.º
Ora, acontece que, no caso concreto, é a mesma pessoa, o Exm.º Sr. Juiz Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro, que quis escolher e escolheu, dos muitos existentes no processo, os factos que lhe convém para a condenação da arguida em soma considerável de dinheiro, por alegada litigância de má fé.
4.º
É a mesma pessoa, o Exm.º Sr. Juiz Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro, que se apresentou a desempenhar e está a desempenhar o papel de acusador, deduzindo efectivamente acusação, sendo que a parte contrária, o Ministério Público, nada requereu.
5.º
É manifesto, pois, que a intervenção agora o Exm.º Juiz Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro, depois de ter desempenhado o papel de acusador de litigância de má fé, não pode ser o juiz que decide a sua própria acusação contra a arguida.
6.º
A partir de agora, a intervenção do Exm.º Juiz Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro nos presentes autos viola os direitos humanos fundamentais da pessoa da arguida, consagrados no artigo 32.º, n.º 1 e n.º 10 da Constituição e no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que obriga o Estado Português a ter, para todos os casos – todas as condenações – tribunais independentes e imparciais e a um processo equitativo.
(…)
3. O Exmo. Juiz Conselheiro requerido, nos termos do disposto no artigo 129.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, apresentou resposta dizendo:
(…)
O que a requerente aponta nos pontos 1.º e 2.º corresponde a uma contestação da suscitada litigância de má-fé e não a uma fundamentação do incidente de suspeição.
O que afirma nos pontos 3.º e seguintes não configura qualquer imputação pessoal, mas consubstancia antes uma discordância com o regime legal.
De todo o modo, cumpre dizer que me limitei a tramitar e julgar, enquanto juiz do Tribunal Constitucional, o processo e respectivos apensos em que a requerente interveio, não a conhecendo nem mantendo com ela qualquer tipo de relação, designadamente de inimizade.
(…)
4. Os autos foram conclusos ao, ora, relator, ao abrigo do disposto no artigo 29.º, n.º 3, da LTC, por despacho do Exmo. Presidente deste Tribunal Constitucional, enquanto primeiro adjunto à data da dedução da suspeição.
B. Fundamentação
5. De acordo com o disposto no artigo 127º, nº 1 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigos 29.º, n.º 1 da LTC, as partes «… só podem opor suspeição ao juiz …» (sublinhado nosso) quando se verifique um dos casos mencionados naquele normativo legal, concluindo-se, assim, que se está perante uma indicação taxativa dos fundamentos de suspeição.
Da leitura do disposto no citado artigo 127.º, n.º 1 do Código Processo Civil, verifica-se que, como se afirma, em nota ao mencionado normativo legal, no Código de Processo Civil Anotado, de José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, volume 1.º, 2.ª edição, página 245, «… Os fundamentos de suspeição, elencados taxativamente, podem distinguir-se, tal como os de impedimento, entre os que assentam em relações entre o juiz e as partes, e os que se fundam em relação do juiz com o objecto do processo, integrando estes últimos casos a segunda parte das alíneas d) e e). …».
Ora, do teor do requerimento apresentado pela requerente, em que suscita o incidente de suspeição, não se vislumbra qualquer factualidade susceptível de integrar qualquer um dos casos enumerados nas alíneas do n.º 1 do artigo 127.º do Código de Processo Civil, e, consequentemente, permitisse sequer equacionar a hipótese de podermos estar perante uma situação de suspeição determinativa de necessidade de formular, no caso, um juízo valorativo e subsuntivo quanto à existência da pretensa suspeição.
Na realidade, é óbvio concluir-se, de tudo quanto se verte no dito requerimento, que a requerente afirma essencialmente a sua discordância no que concerne ao mecanismo processual, consagrado legalmente, a seguir sempre que a conduta processual de qualquer das partes seja determinante de uma condenação por litigância de má fé.
Efectivamente, o que a requerente alega é tão só uma conduta do requerido perfeitamente de acordo com a lei processual (cfr. artigos 84.º, n.ºs 6 e 7 da LTC e 456.º do CPC), retirada a incorrecção grave das afirmações conclusivas e subjectivas, por inexistir a alegação de quaisquer factos que hipoteticamente as pudessem suportar, que a requerente se permitiu verter sob o ponto 3 de tal requerimento.
Tal incidente processual – litigância de má fé – deve ser suscitado pelo juiz, por imperativo legal, sempre que, fundadamente, se veja confrontado com a existência nos autos de indícios susceptíveis de integrar litigância de má fé por qualquer das partes processuais, impondo-se-lhe, no seguimento desse juízo prévio, que dele dê conta à parte visada para que exerça, em pleno, o seu direito de defesa, o que, manifestamente, ocorreu nos autos.
Ter-se-á, assim, que o descrito pela requerente não integra qualquer um dos casos susceptíveis de conduzir a uma situação de suspeição, ou melhor, a conduta de um juiz em plena consonância com os ditames da lei em vigor, mau grado a discordância que quanto a tal sistema legal a visada possa ter e por justificadas razões, não integra qualquer hipotética situação de suspeição desse juiz e, consequentemente, não justifica a sua suscitação.
Acresce que, não conhecendo o requerido a requerente e inexistindo nos autos quaisquer factos que o pudessem sustentar, também se não vislumbra qualquer situação de inimizade e, muito menos, grave que integre o caso previsto na al. g) do n.º 1 do artigo 127.º do Código Processo Civil.
Deverá, assim, o incidente ser julgado improcedente.
C. – Decisão
6. Nos termos supra expostos, o Tribunal Constitucional decide:
Julgar improcedente o pedido de suspeição;
Lisboa, 9 de Novembro de 2011.- J. Cunha Barbosa – Catarina Sarmento e Castro – João Cura Mariano – Rui Manuel Moura Ramos.