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Processo n.º 245/11
1ª Secção
Relator: Conselheira Maria João Antunes
Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal do Trabalho do Barreiro, em que é recorrente o Ministério Público e recorrido A. foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho daquele Tribunal de 14 de Fevereiro de 2011.
2. Através desta decisão foi julgada improcedente a excepção de caducidade da relação laboral invocada por B., S.A., com a seguinte fundamentação:
«A R. veio invocar a caducidade da relação laboral, nos termos do disposto no artº 398.º, n.ºs 1 e 2, do Código das Sociedades Comerciais, uma vez que o A. exerceu as funções de presidente do conselho de administração da R., sendo que o contrato de trabalho, que anteriormente o ligava à mesma, tinha, à data, duração inferior a um ano.
O A. respondeu invocando a inconstitucionalidade de tal norma e alegando que, conjuntamente com o cargo de administrador, continuou a exercer as funções inerentes ao contrato de trabalho que celebrara com o R. (art.º 24.º da resposta contestação).
No que toca à alegação de que, conjuntamente com o cargo de administrador, o A. continuou a exercer as funções inerentes ao contrato de trabalho que celebrara com o R., verificamos que, pelo contrário, na petição inicial, o A. havia dito expressamente que tais funções se encontravam suspensas (art.ºs 9.º, l0.º, 12.º e 36.º, da petição inicial).
Assim e em nome do princípio da estabilidade da instância – art.º 268.º, do C.P.C. – não se pode admitir que o A. venha na resposta à contestação ‘dar o dito por não dito”, quando se trata de factos pessoais, de que desde o início tem conhecimento e que, por isso mesmo, é questão diferente da alteração da causa de pedir.
Já no que concerne à invocada inconstitucionalidade da norma constante do art.º 398.º, n.ºs 1 e 2, do Código das Sociedade Comerciais, verificamos que efectivamente, como alegado, a mesma padece de inconstitucionalidade orgânica, por violação do disposto no art.º 168.º, n.º 1, al. b), da C.R.P., uma vez que veio criar uma nova forma de extinção do contrato de trabalho, sem que tenha sido dada aos organismos representativos dos trabalhadores a possibilidade de intervirem.
Neste sentido, decidiu o Tribunal Constitucional no seu acórdão n.º 1018/96, de 9 de Outubro de 1998, disponível in www.tribunalconstitucional.pt.
Nestes termos:
- Recuso a aplicação da norma constante do art.º 398.º, n.ºs 1 e 2, do Código das Sociedades Comerciais, uma vez que a mesma padece de inconstitucionalidade orgânica, por violação do disposto no artº 168.º, n.º 1, al. b), da C.R.P.».
3. Deste despacho foi interposto o presente recurso para apreciação do artigo 398.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de Setembro, enquanto estabelece a extinção dos contratos de trabalho – celebrados há menos de um ano – de que seja titular o trabalhador de uma sociedade, que venha a ser designado como administrador dessa sociedade.
4. Notificado para alegar, o recorrente concluiu que:
«1. A norma do n.º 2 do artigo 398.º, do Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de Setembro, estabelece a extinção dos contratos de trabalho – celebrados há menos de um ano - de que seja titular o trabalhador de uma sociedade, que venha a ser designado como administrador dessa sociedade.
2. Tal norma, enquanto veio criar uma nova forma de extinção do contrato de trabalho, constitui “ legislação do trabalho” para efeitos do disposto no artigo 55.º,
3. Como não foi dada aos organismos representativos dos trabalhadores a possibilidade de intervirem e participarem naquela solução legislativa, a norma é formalmente inconstitucional, por violação dos preceitos constitucionais referidos.
4. Termos em que deve ser negado provimento ao recurso»
5. Não foram apresentadas contra-alegações.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. A norma que é objecto do presente recurso é o artigo 398.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de Setembro, enquanto estabelece a extinção dos contratos de trabalho – celebrados há menos de um ano – de que seja titular o trabalhador de uma sociedade, que venha a ser designado como administrador dessa sociedade.
A disposição legal em causa tem a seguinte redacção:
«Artigo 398.º
Exercício de outras actividades
1 – (…)
2 – Quando for designado administrador uma pessoa que, na sociedade ou em sociedades referidas no número anterior, exerça qualquer das funções mencionadas no mesmo número, os contratos relativos a tais funções extinguem-se, se tiverem sido celebrados há menos de um ano antes da designação, ou suspendem-se, caso tenham durado mais do que esse ano».
Lê-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 1018/96 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt) que este artigo 398.º, tal como o antecedente artigo 397.º:
«integram um conjunto de disposições visando o estabelecimento de um regime de incompatibilidades entre o exercício das funções de administrador de uma sociedade anónima e a realização de negócios jurídicos com ela ou com sociedades que estejam numa relação de domínio ou de grupo com a mesma e, bem assim, o desempenho, nelas, de funções temporárias ou permanentes ao abrigo de contrato de trabalho, autónomo ou subordinado, ou ao abrigo de contrato de prestação de serviços, neste último caso cessadas que sejam as funções de administração, para além, ainda, do estabelecimento da proibição de os administradores, sem consentimento, exercerem, por conta própria ou alheia, actividade concorrente com a da sociedade.
Bem se compreende, aliás, a determinada incompatibilidade entre o exercício de funções de administrador e desempenho de funções como trabalhador, pois que, como resulta do artº 405º daquele corpo de leis, ao conselho de administração de uma sociedade anónima (ou ao administrador ou director, nos casos que assim a lei preveja - cfr. Artº 278º, nº 2) compete gerir as suas actividades, aqui se incluindo, entre outras, a abertura ou encerramento de estabelecimentos ou de partes importantes destes, extensões ou reduções importantes da actividade da sociedade, modificações importantes na organização da empresa e projectos de fusão, de cisão ou de transformação da sociedade [cfr. Artº 406º, alíneas g), h), i) e m)].
Ora, estes poderes conferidos à administração da sociedade podem, como se torna evidente, ter repercussões - e até acentuadas - no universo dos trabalhadores da empresa e respectivos estabelecimentos, sendo facilmente configurável que se possam desenhar conflitos entre os interesses da sociedade, na prossecução dos seus objectivos, e os dos trabalhadores.
De onde, como se referiu, seja compreensível que, tendo em vista que os administradores devem exercer a seu munus iluminados pelo objectivo de prosseguirem os interesses da sociedade, lhes não seja permitido, a um tempo, o desempenho de funções em tal qualidade e como trabalhador da empresa: e isto sob pena de se cair no risco de tais interesses não poderem ser plenamente atingidos, caso, sendo estes conflituantes com os dos trabalhadores, os administradores - na hipótese de continuarem vinculados com a empresa por meio de contrato de trabalho, autónomo ou subordinado - viessem a preterir aqueles interesses, para, dessarte, não postergar os dos trabalhadores.
2. O preceito do nº 2 do art. 398º, onde se insere norma sub specie, contém duas diferentes previsões: uma, referente à situação de uma pessoa designada administrador da sociedade que na mesma (ou numa outra que com ela esteja em relação de domínio ou de grupo) desempenhava funções temporárias ou permanentes ao abrigo de vínculo decorrente de um contrato de trabalho, subordinado ou autónomo, celebrado há menos de um ano contado da designação; outra, respeitante a pessoa, também assim designada e que igualmente desempenhava tais funções, mas por via de contrato laborai, identicamente subordinado ou autónomo, mas cuja duração seja superior a um ano contado desde a designação como administrador.
Ocorrendo esta segunda situação, comanda-se no falado nº 2 do artº 398º que o contrato de trabalho que ligava o administrador designado à sociedade se suspende, enquanto que, ocorrendo a primeira, tal contrato se extingue».
2. O Tribunal recorrido recusou a aplicação daquela norma com fundamento em inconstitucionalidade orgânica, por violação do artigo 168.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa. Apesar de ser este o conteúdo da fórmula decisória, o Tribunal de Trabalho do Barreiro fundou a desconformidade constitucional na criação de “uma nova forma de extinção do contrato de trabalho, sem que tenha sido dada aos organismos representativos dos trabalhadores a possibilidade de intervirem”, invocando em abono deste entendimento o já mencionado Acórdão n.º 1018/96, cujo julgamento de inconstitucionalidade decorreu da violação do disposto na alínea d) do artigo 55.º e na alínea a) do n.º 2 do artigo 57.º da Constituição, na versão operada pela Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro.
Por referência a estes parâmetros, o Ministério Público requereu a apreciação da norma que é objecto do presente recurso (cf. fl. 163 e ss.) e produziu alegações, concluindo no sentido da inconstitucionalidade formal da mesma.
3. A questão de constitucionalidade posta nos presentes autos é, por conseguinte, a de saber se o artigo 398.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de Setembro, enquanto estabelece a extinção dos contratos de trabalho – celebrados há menos de um ano – de que seja titular o trabalhador de uma sociedade, que venha a ser designado como administrador dessa sociedade, viola o disposto nos artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a) da Constituição da República Portuguesa (na redacção vigente no momento em que a norma foi editada).
De acordo com estas normas constitucionais constitui direito das comissões de trabalhadores e das associações sindicais, respectivamente, “participar na elaboração da legislação do trabalho”. Esta participação das organizações de trabalhadores estava então regulada na Lei n.º 16/79, de 26 de Maio, estatuindo o artigo 7.º, n.º 2, alínea a), que “o resultado da apreciação pública constará do preâmbulo do decreto-lei ou do decreto-regional”.
4. A questão de constitucionalidade posta nos presentes autos já foi apreciada e decidida no Acórdão n.º 1018/96. É a seguinte a fundamentação do julgamento de inconstitucionalidade, por violação do disposto na alínea d) do artigo 55.º e na alínea a) do n.º 2 do artigo 57.º da Constituição, na versão operada pela Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro:
«2. 1. Antes da vigência do Código das Sociedades Comerciais, e à míngua de norma que expressamente se debruçasse sobre a questão, a jurisprudência, ao menos a do nosso mais alto tribunal da ordem dos tribunais judiciais, vinha entendendo que, por um lado, nada na lei impedia o desempenho cumulativo de funções como trabalhador da sociedade e como administrador, por outro, afigurava-se como preferível que o contrato de trabalho se suspendesse temporariamente enquanto fossem exercidas as funções de administração, sendo que nenhuma referência se encontra naquela jurisprudência à circunstancia de a suspensão não dever operar mesmo nos contratos celebrados há menos de um ano antes da data da designação como administrador (cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 1983, no Boletim do Ministério da Justiça, nº 332, 418 e segs, de 7 de Fevereiro de 1986, idem. nº 354, 380 e segs., e nos Acórdãos Doutrinais, nº 292, 500 e segs., e de 17 de Outubro de 1986, B. M, J. , 499 e segs.; cfr., ainda, o preâmbulo do Decreto-Lei nº 729/94, de 20 de Dezembro, e o Decreto-Lei nº 16/76, de 14 de Janeiro, Monteiro Fernandes, Noções Fundamentais de Direito de Trabalho, 4° edição, 12 Vol.. 65; cfr., sobre a questão de saber se as funções de administrador não devem ser muito mais aproximadas do mandato do que do contrato de trabalho, para além deste último autor - ob. e loc. citados -Raúl Ventura, Teoria da Relação Jurídica de Trabalho, 1º vol., 296, e Abílio Neto, Direito de Trabalho, Sep. do B. M. J. , 1979, 176) .
3. Se bem que o escopo da norma ora em apreço seja, como se viu, o já acima exposto — breviter, o de estabelecer uma compatibilidade entre o desempenho, por banda de uma mesma pessoa, de funções como administrador e como trabalhador de uma sociedade anónima (ou de trabalhador de uma outra sociedade ligada àquela onde exerce funções de administrador, mas que com esta está em relação de domínio ou de grupo), tendo em vista impedir que os interesses da sociedade se não vejam eventualmente preteridos por outros interesses, estes dos trabalhadores, dos quais aquela pessoa dificilmente se poderia ver desligada — o que é certo é que não deixa tal norma de ter um reflexo directo e imediato no conteúdo das relações laborais existentes entre aquele que é trabalhador da sociedade (e que veio a ser designado administrador) e esta mesma.
Na verdade, é sabido que o exercício das funções de administrador é por natureza temporário e que o mesmo (desde que não tenha sido nomeado pelo Estado ou entidade a ele equiparada) pode ser destituído em qualquer momento por deliberação da assembleia geral (cfr. nº 3 do artº 391º e nº l do artº 403º, ambos do C.S.C.). Ora, sendo assim, torna-se claro que essa pessoa, que viu o contrato de trabalho, subordinado ou autónomo, elaborado há menos de um ano e que a vinculava à sociedade (ou a na outra que com aquela estava numa relação de domínio ou de grupo), extinto por virtude da designação como administrador, fica espojada - findo o prazo de exercício das funções de administração ou se dessa actividade for destituído - de uma relação laboral, sem que exista causa ligada ao desempenho das funções como trabalhador.
4. Acontece, porém, que, aquando da edição do Decreto-Lei nº 262/86, de 2 de Setembro - precisamente aquele que aprovou o Código das Sociedades Comerciais -, o contrato de trabalho, tal como se regulava no Decreto-Lei nº 372-A/75, de 16 de Julho (com alterações introduzidas pelos Decreto-Lei nº 84/76, de 28 de Janeiro, e nº 841-C/76, de 7 de Dezembro e pela Lei nº 48/77, de l de Novembro), extinguia-se por mútuo acordo das partes, por caducidade, por despedimento promovido pela entidade patronal ou gestor público, com justa causa, por despedimento colectivo ou por rescisão do trabalhador (cfr. artº 4º. e segs. do dito diploma), comandando-se no seu artº 8º que:
1. O contrato de trabalhe caduca nos casos previstos nos termos gerais de direito, nomeadamente:
a) Expirado o prazo por que foi estabelecido;
b) Verificando-se impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de a empresa o receber;
c) Com a reforma do trabalhador.
2. Nos casos previstos na alínea b) do nº l, só se considera verificada a impossibilidade quando ambos os contraentes a conheçam ou devam conhecer.
Poderá, desta sorte, dizer-se que a norma em questão veio ao fim e ao resto - na sua vertente de repercussão nos contratos de trabalho celebrados há menos de um ano entre uma sociedade anónima e os seus trabalhadores (ou os das sociedades que se encontram numa relação de domínio ou de grupo com aquela), que foram designados para exercerem funções de administração - a estatuir uma nova causa de extinção, por caducidade, desses negócios jurídicos, causa essa não anteriormente contemplada.
E nem se diga que tal estatuição, ínsita na norma em apreciação, poderia ancorar-se na alínea b) do nº l do transcrito artº 8º, pois que decorre à evidência que a situação visada regular não cobre uma impossibilidade, ao menos definitiva.
De outro lado, não colherá um argumento perante o qual os «termos gerais» do direito pré-vigente ao Código das Sociedades comerciais previam, num caso como o em análise, a caducidade do contrato laboral. A atestá-lo, estão as posições doutrinárias e jurisprudenciais já acima, perfunctória e de modo algum exaustivamente, recenseadas.
5. Pois bem:
Tendo a aludida norma, como acima se referiu, aquela repercussão directa e imediata, não se poderá deixar de a considerar como incluível no conceito de legislação do trabalho (tendo em conta a economia do presente aresto, limitar-nos-emos a, sobre tal conceito, fazer apelo ao que, a propósito, foi dito, por entre muitos outros, no Acórdão deste Tribunal nº 362/94, in Diário da República 1ª Série-A, de 15 de Junho de 1994 - cfr. ponto 1.2 de I).
Sucede, todavia, que não resulta minimamente do preâmbulo do D. L. nº 262/86 — nem os autos fornecem ao Tribunal quaisquer outros elementos de onde se extraísse contrária conclusão - que, para a respectiva edição e, concretamente, no que se reporta ao que veio a ser consagrado no artº 398º, nº 2, do C.S.C., tivesse sido dada aos organismos representativos dos trabalhadores a possibilidade de intervirem, quanto à solução que ali veio a ser adoptada, naquilo que a Comissão Constitucional chamou de ' intervenção na zona prévia e diversa da decisão legislativa formal' que nesse lugar teve assento (cfr. Parecer nº 7/78, nos Pareceres da Comissão Constitucional, 6º.Vol., 30 e segs.), tal com se impõe hoje na alínea d) do nº 5 do artigo 54º e na alínea a) do nº 2 do artigo 56º, ambos da Constituição, e se impunha, no domínio da versão da Lei Fundamental vigente em 1986, na alínea d) do artigo 55º e na alínea a) do nº 2 do artigo 57º (…).
Daí que, inelutavelmente, se deva concluir no sentido de a norma em apreciação padecer de vício de inconstitucionalidade formal, por ofensa dos preceitos acima indicados».
É este entendimento que agora se reitera: a norma em apreciação enquadra-se no conceito de “legislação laboral”, é inovadora e não resulta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 262/86 que tivesse sido dada aos organismos representativos dos trabalhadores a possibilidade de participarem na elaboração do artigo 398.º, n.º 2. Há, por isso, que a julgar inconstitucional, por violação dos artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), da Constituição da República Portuguesa, na redacção vigente em 1986.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar inconstitucional o artigo 398.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de Setembro, enquanto estabelece a extinção dos contratos de trabalho – celebrados há menos de um ano – de que seja titular o trabalhador de uma sociedade, que venha a ser designado como administrador dessa sociedade, por violação dos artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), da Constituição da República Portuguesa, na redacção da Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro;
Negar provimento ao recurso.
Sem custas.
Lisboa, 19 de Dezembro de 2011.- Maria João Antunes – Gil Galvão – Carlos Pamplona de Oliveira – vencido, conforme declaração em anexo. – Rui Manuel Moura Ramos.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Reconheço que perante a jurisprudência afirmada no Acórdão n.º 1018/96, e aqui reiterada, não seria fácil encontrar outra solução, que não a adoptada no acórdão.
Acontece, porém, que, num outro enquadramento do problema, seria de determinar se qualquer nível ou grau de definição legislativa há-de impor a intervenção dos organismos representativos dos trabalhadores, nos termos do artigo 56º n.º 2 alínea a) da CR. Com efeito, caberia distinguir entre as intervenções legislativas directamente votadas à definição de 'legislação do trabalho' e as que, visando um outro objectivo, acabam por interferir, de forma acidental ou meramente episódica, em matéria de natureza laboral. Ora, sendo certo que o citado preceito constitucional, impõe que a legislação do trabalho tenha a 'participação' dos representantes dos trabalhadores, não será menos certo que aquela outra, que apenas acessoriamente toca nessa área, pois visa disciplinar matéria de diversa natureza, se enquadraria no processo legislativo comum ou geral, não postulando tal participação.
Aplicando este critério ao caso em presença, fácil seria constatar que a norma em causa, integrando-se no Código das Sociedades Comerciais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 262/86 de 2 de Setembro, se reporta a matéria que não apresenta natureza laboral, antes visa disciplinar as sociedades que tenham por objecto a prática de actos de comércio. Reforçando esse entendimento, a análise da norma revela que a mesma não interfere na definição de qualquer tipo de direitos ou deveres dos trabalhadores que devesse reclamar a intervenção de representantes sindicais, e não altera o quadro legal em que se desenvolve o regime do contrato individual de trabalho, incluindo a sua cessação.
Seria, por isso, de concluir que a norma, não interferindo em área que reclamasse a participação sindical, não ofende o citado princípio constitucional.
Carlos Pamplona de Oliveira