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Processo n.º 798/2011
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, A. reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 76.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC) [por lapso, o reclamante indica o n.º 1 do artigo 405.º do Código de Processo Penal], do despacho daquele Tribunal que não admitiu o recurso, por si interposto, para o Tribunal Constitucional.
O despacho reclamado tem o seguinte teor:
No seguimento do despacho de fls. 907 e 907 verso e sendo o Ac. definitivo, importa apreciar a admissibilidade do recurso interposto a 12/01/2011 para o Tribunal Constitucional.
Considerando que o recurso foi interposto a 12/01/2011, que o Ac. foi proferido a 8/09/2010 e que a notificação do Ac. presume?se feita no 3º dia útil ao do envio que é a mesma data aposta no Ac. cumpre reconhecer que está ultrapassado o prazo de 10 dias para a interposição de recurso (art. 75º, nº 1, LTC).
Assim, por extemporâneo, não admito o recurso interposto a 12/01/2011 para o Tribunal Constitucional.
2. Na reclamação apresentada junto deste Tribunal, o reclamante veio dizer o seguinte:
– Com o devido respeito por opinião contrária, não foi feita uma correcta interpretação da Lei ao não admitir, por extemporâneo, o recurso apresentado pelo arguido. Com efeito,
– Se é certo que o recurso foi interposto em Janeiro do corrente ano, e incide sobre um acórdão de Setembro de 2010, também é certo que ainda não havia transitado em julgado aquando da interposição do recurso. Na verdade,
– E conforme consta do douto despacho de fls., de 2 de Fevereiro de 2011, “O Acórdão ora recorrido não é definitivo (...)”.
– Ou seja, se os recursos devem ser interpostos antes do trânsito em julgado das decisões de que se recorre, no caso em apreço, o recurso foi, inquestionavelmente, interposto antes desse momento.
Aliás,
– Nesse douto despacho de 2 de Fevereiro, relegou-se para momento posterior a apreciação sobre a admissibilidade do recurso,
– Não se entendendo como é que, agora, e em manifesta oposição com o despacho anterior, se vem dizer que o recurso é extemporâneo, por ter passado o prazo de 10 dias.
– É que o prazo de 10 dias a que alude o art° 75º n° 1 da LTC, não poderia começar a contar-se antes de decidida a questão da irregularidade arguida.
– E tal irregularidade só veio a ser apreciada em 29 de Junho de 2011, e notificada ao signatário em 1 de Julho de 2011, pelo que só a partir desta data, e decorrida a dilação de 3 dias, se iniciaria a contagem do prazo para a interposição do recurso.
Nestes termos, R. a V. Excia. se digne determinar a admissão e subida imediata do recurso
3. O requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade tem o seguinte teor.
A., arguido nos autos à margem identificados, não se conformando com o douto acórdão proferido em 8/09/20 10, dele vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos e com os seguintes fundamentos:
Começamos por esclarecer que o presente recurso é interposto duplamente, e com os mesmos fundamentos, junto do STJ e do TR Lisboa, já que, entende o recorrente, são, fundamentalmente duas as questões levantadas, e que não podem ser dissociadas uma da outra, tendo em vista a realização da JUSTIÇA. Assim, nesta mesma data são apresentados dois articulados semelhantes, apenas diferindo no destinatário (Exmo. Presidente do STJ e Exmo. Desembargador Relator do TR Lisboa).
1. O recurso é interposto ao abrigo da norma da alínea b) do n° 1 do art° 70° da Lei n° 28/82, de 15/11, com as alterações introduzidas pela Lei n° 143/85, de 26/11, pela Lei n° 85/89, de 7/09, pela Lei n° 88/95, de 1/09 e pela Lei n° 13-A/98, de 26/02.
Pretende o recorrente com o recurso ver apreciada pelo douto Tribunal Constitucional a inconstitucionalidade material da norma do art° 422° do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que, tendo dado cumprimento tempestivo ao estabelecido nos art°s 312° n° 4 do CPP e 155º do CPC, o defensor/mandatário do arguido pode ser substituído, não se procedendo ao adiamento da audiência e marcação de nova data para a realização da mesma. Ao realizar-se audiência de julgamento do TR Lisboa, sem a presença do defensor escolhido pelo arguido, que o constituiu seu mandatário, ainda mais quando havia sido esse mesmo defensor a indicar quais as matérias a debater em tal diligência, além das normas processuais retro referidas, violou-se ainda o direito do arguido a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo, estabelecido no artigo 32° nº 3 da CRP.
2. Pretende ainda o recorrente ver apreciada pelo T.C. a inconstitucionalidade material da norma da alínea a) do n° 2 do art° 5° do CPP, interpretada no sentido de que a perda de um grau de recurso não constitui um agravamento sensível da situação processual do arguido e limitação do seu direito de defesa. Ao entender-se ser a actual redacção do artº 400º do CPP aplicável aos processos referentes a factos anteriores à entrada em vigor das respectivas alterações, quando no processo se havia já entrado em fase de julgamento, e perante a pena que, em concreto foi aplicada, impediu-se o arguido de ver a sua situação apreciada por um terceiro grau de jurisdição, o que consubstancia, inquestionavelmente o seu direito de defesa e ao recurso, a menos que se entenda que o recurso para o STJ não tem por objecto dar maiores garantias a quem a ele recorrem, para ver ser-lhes feita Justiça, violou-se o n° 1 do 32° da CRP.
3. As questões de inconstitucionalidade foram suscitadas quer perante o Tribunal da Relação de Lisboa, quer perante o Supremo Tribunal de Justiça.
R. assim a V. Excia. se digne admitir o sobredito recurso.
R. ainda que se proceda à apensação dos autos de processo crime que se encontram no TR Lisboa aos autos de Reclamação que se encontram no STJ.
4. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal veio pugnar pelo indeferimento da reclamação.
Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. O despacho reclamado não admitiu o recurso interposto por A. para o Tribunal Constitucional, com fundamento em extemporaneidade.
Na reclamação ora apresentada o reclamante vem sustentar que assim não é, argumentando que embora o recurso em questão tenha sido apresentado em Janeiro de 2011 e incida sobre um acórdão proferido em Setembro de 2010, a verdade é que este último não havia ainda transitado em julgado, pelo que ainda não se tinha iniciado o prazo de dez dias dentro do qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional.
No entender do reclamante, tal prazo só se iniciou com a notificação ao recorrente, ora reclamante, da decisão proferida em 29.06.2011, que tornou definitiva a decisão recorrida, proferida em 08.09.2010, decorrida a dilação de três dias. Perante tal enquadramento, e uma vez que o requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional dera entrada em 12.01.2011, o mesmo jamais pode considerar-se extemporâneo.
Não tem razão o reclamante.
O acórdão de que o ora reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional é o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 08.09.2010, que indeferiu o requerimento que havia dado entrada em 15.07.2010, em que era arguida a nulidade/irregularidade do despacho que decidiu prosseguir com a audiência de julgamento na ausência do defensor escolhido pelo arguido, por manifesta falta de fundamentação, bem como a nulidade da própria audiência realizada a 23.06.2010, em virtude de ter sido realizada sem a presença do signatário e ainda a nulidade do própria acórdão de 30.06.2010.
Tendo sido expedida a notificação ao defensor do arguido do acórdão de 08.09.2010 por via postal registada na própria data em que a decisão foi proferida, e presumindo-se a mesma feita no terceiro dia útil posterior ao do envio, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, deve entender-se que a notificação foi consumada em 13.09.2010, iniciando-se em 14.09.2010 a contagem do prazo, de dez dias, para interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, prazo esse que terminava em 23.09.2010.
Ora, tendo o requerimento que veio arguir a nulidade, por omissão de pronúncia, do acórdão de 08.09.2010 dado entrada no Tribunal a quo através de carta expedida justamente em 23.09.2010, poderia pensar-se que com isso se verificaria a interrupção do prazo de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional.
Simplesmente, o requerimento em questão não teve a virtualidade de suspender ou interromper o prazo de interposição do recurso de constitucionalidade, pois, não se tratando aí nem de um pedido de rectificação, nem de um pedido de aclaração ou reforma nem mesmo de uma arguição de nulidade do acórdão propriamente dita, tal requerimento configura um incidente anómalo que não tem a virtualidade de produzir o efeito interruptivo do prazo de interposição do recurso de constitucionalidade (sobre vários casos desse tipo, v. acórdãos n.os 181/93, 641/97, 459/98, 1/04, 278/05, 64/07, 173/07, 279/07, 463/07, 80/08, 210/08, 178/09, 195/09, 72/10, 357/11).
Assim, deve entender-se que o prazo de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional terminou a 23.09.2010, pelo que é manifestamente extemporâneo o recurso interposto pelo ora reclamante para o Tribunal Constitucional, através de requerimento que deu entrada no tribunal a quo em 12.01.2011.
III – Decisão
6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando o despacho reclamado que não admitiu o recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 20 de Dezembro de 2011.- Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão.