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Processo n.º 445/2011
2ª Secção
Relator: Conselheiro José Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 2ª Secção deste Tribunal:
I. Relatório
1. A. e mulher, B., notificados que foram do despacho do relator – cfr. fls. 1084 – que indeferiu a requerida aclaração/explicitação do despacho que, pelo mesmo tendo sido proferido, indeferiu a, pelos ora requerentes, pretendida dispensa de pagamento de multa a que aludem os n.ºs 5 e 6 do artigo 145.º do Código de Processo Civil, apresentaram requerimento, dizendo «… interpor recurso da “sentença”, para a Conferência, …», nos termos e com os fundamentos seguintes:
(…)
Interpor recurso da “sentença” (que, grosso modo, impõe o pagamento da multa a que se refere os nºs 4 a 6 do Art. 145º do CPC, para a Conferência, porquanto directa e efectivamente os prejudica.
Na impugnação desta decisão inclui-se (subsidiariamente) a arguição de nulidades processuais e de julgamento (caso se entenda inapropriado este meio de impugnação), e que, em síntese, se consubstanciam no vício da omissão de apreciação “formal” das irregularidades/nulidades constantes da douta sentença, a saber:
O Tribunal não produziu a prova solicitada, nem especificou os factos que fundamentam a decisão, tão pouco o direito aplicado ao decidido.
Esta situação consiste na preterição ou desvio ao ritualismo judiciário, é acto (omissão) gerador de irregularidades/nulidades de julgamento, não se mostram supridas ou ratificadas por qualquer outra actividade da parte ou do julgador, tão pouco foram reparadas.
Também, não resultam da actuação da parte que assim está impedida de sindicar a particular decisão sobre a matéria de facto, o que influi, como também se dá conta infra, na decisão do julgador e obstam ao trânsito em julgado da decisão.
São, pois, estas nulidades/irregularidades (cfr. Art. 145º, nº 6 e nº 8, Art. 198º, Art. 666º, alíneas b) e d) do nº 1 do Art. 668º, todos do CPC), e o erro de julgamento (cfr. als. a) e b) do nº 2 do art. 669º, tudo do CPC), que devem proceder e repararem-se os actos omitidos e errados, declarando nulo o posteriormente processado, como se requer.
(…)
2. Tal recurso veio a ser convolado em ‘reclamação para a conferência’, nos termos do despacho proferido a fls. 1092, designadamente com fundamento em que «… como resulta do disposto no artigo 78.º-B da LTC (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro), não há recurso dos despachos do relator, mas tão só reclamação para a conferência, …».
3. Notificado o Exmo. Magistrado do Ministério Público, junto deste Tribunal, o mesmo pronunciou-se nos seguintes termos:
«…
1º
Como muito bem se entendeu no douto despacho de fls. 1092, a impugnação da decisão do Exmo. Senhor Conselheiro Relator só pode ocorrer por via da reclamação, sendo como tal considerado o requerimento de fls. 1087 e 1088.
2º
Na “reclamação” os recorrentes não invocam qualquer argumento susceptível de abalar o sentido ou os fundamentos da douta decisão reclamada.
3º
Aliás, sobre o essencial da questão agora colocada, já o Senhor Conselheiro Relator se pronunciou no douto despacho de 31 de Outubro de 2011, que indeferiu o pedido de aclaração do douto despacho de fls. 1066 v.
4º
Não se vislumbrando, pois, qualquer vício, deve a reclamação ser indeferida.
…».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação:
4. Os Factos:
a) – Os reclamantes apresentaram, extemporaneamente, requerimento em que dizem pretender «… reclamar e solicitar a aclaração …» da ‘decisão sumária’ proferida nos autos.
b) – Mais requereram a dispensa de pagamento de multa a que alude o n.º 5 do artigo 145.º do Código de Processo Civil, nos seguintes termos:
«…
4) Este requerimento é apresentado em 01/09/2011, ou seja, no 3.º dia útil posterior ao último dia do prazo geral de 10 dias posteriores à notificação expedida pela secretaria judicial em 30/06/2011.
5) Assim, impõe-se a liquidação e o pagamento da multa a que se refere o n.º 5 do art. 145.º do C.P.C. (Doc. nº 1).
6) Mas, solicita-se a liquidação da mesma e subsequente dispensa de pagamento, também atento as condições financeiras dos réus a desproporção entre o valor da multa e o prejuízo para as partes e para o Tribunal pela extemporaneidade desse acto, nos termos do n.º 8 do Art. 145º do CPC.
…».
c) – O Exmo. Representante do Ministério Público, junto deste tribunal, pronunciou-se nos seguintes termos:
«…
Os reclamantes não especificam qual a sua “situação financeira”, não apresentando qualquer prova.
Entendo, pois, que deve ser indeferida a requerida dispensa de pagamento da multa.
…».
d) – A fls. 1066v., foi proferido despacho, indeferindo a requerida dispensa, do seguinte teor:
«…
A. e mulher, B., vieram, para além do mais, requerer a dispensa do pagamento da multa, a liquidar nos termos do nº 5 do art.º 145º do C.P.C., invocando as suas condições financeiras e a desproporção entre o valor da multa e o prejuízo para as partes e para o Tribunal pela extemporaneidade desse acto.
Todavia, tais razões não colhem, desde logo, as condições financeiras dos requerentes que não indicam minimamente.
Assim, indefere-se ao requerido, devendo os requerentes proceder ao pagamento da multa, a liquidar nos termos legais.
Notifique.
…».
e) – Notificado de tal decisão, os recorrentes vieram apresentar pedido de aclaração, como se pode ver de fls. 1069, nos seguintes termos:
«…
O despacho supra aludido revela que o Poder Constitucional decidiu-se pelo indeferimento da dispensa do pagamento da multa a que se refere o Art. 145º do CPC..
Porém, no aludido douto despacho inexistem expressões susceptíveis de enquadrarem o decidido e falta, em absoluto, a fundamentação de direito.
Nestes termos e nos melhores do Direito supridos por Vossa Exa., requer-se a aclaração do decidido, que, na opinião dos requerentes, passa pela explicitação dos factos e pela indicação da fundamentação de direito do decidido.
…».
f) – A tal pedido de aclaração, o Exmo. Representante do Ministério Público, junto deste Tribunal, pronunciou-se nos seguintes termos:
«…
11º
Crê-se, por outro lado, que não merece, também, provimento o requerimento de aclaração constante de fls. 1069 dos autos, em que os requerentes alegam, relativamente ao despacho do Ilustre Conselheiro Relator de fls. 1066 verso, que “inexistem expressões susceptíveis de enquadrarem o decidido e falta, em absoluto, a fundamentação de direito”.
Ora, o referido despacho refere, expressamente, em termos de direito, “a dispensa do pagamento de multa, a liquidar nos termos do nº 5 do art. 145º do C.P.C.”
12º
Resulta, assim, claro, do contexto do mesmo despacho, que quando o Ilustre Conselheiro Relator se reporta ao facto de deverem “os requerentes proceder ao pagamento da multa a liquidar nos termos legais”, está a ter em consideração o disposto no referido art. 145º e no art. 146º do CPC.
O que o ilustre mandatário dos recorrentes, como advogado, naturalmente, não pode – nem deve – desconhecer.
13º
Por outro lado, relativamente à falta de fundamentação em matéria de facto, o despacho, cuja aclaração é requerida, expressamente consigna que as razões, para uma eventual dispensa de pagamento da multa aplicada, não colhem, “desde logo, as condições financeiras dos requerentes que não indicam minimamente.”
É, assim, também por falta de prova dos interessados, quanto às suas eventuais “condições financeiras”, que o respectivo requerimento foi indeferido.
14º
Não há, assim, nenhum motivo objectivo para o deferimento de mais este requerimento dos interessados, que têm pautado a sua conduta processual por sucessivas tentativas de protelar o encerramento dos presentes autos.
…».
g) – Proferiu-se despacho, em função daquele pedido de aclaração, do seguinte teor:
«…
A. e mulher, B., vieram solicitar a aclaração do despacho, proferido em 19 de Setembro de 2011, que indeferiu o seu pedido de dispensa de pagamento de multa, pretendendo que tal aclaração passe «… pela explicitação dos factos e pela indicação da fundamentação de direito do decidido».
Ouvido que foi o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, o mesmo emitiu parecer no sentido do indeferimento de tal requerimento, com fundamento em que do despacho aclarando constam todos os elementos necessários, quer de direito quer de facto.
Decidindo:
A aclaração implica tornar claro o que é obscuro – cfr. artigo 669.º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Civil, ou seja, esclarecer alguma obscuridade ou ambiguidade da decisão.
No caso, não se vislumbra que a decisão em causa possa ser considerada obscura ou ambígua, o que resulta desde logo da afirmação dos requerentes, contida no seu requerimento, pois aí expressamente deixam plasmado que «O despacho supra aludido revela que o Poder Constitucional decidiu-se pelo indeferimento da dispensa do pagamento da multa a que se refere o Art. 145º do CPC».
Assim, nada há a aclarar.
No que concerne à explicitação de factos e indicação do direito subjacente à decisão proferida, dir-se-á tão só que:
- quantos aos factos, não há que explicitar factos cuja indiciação, mau grado a sua alegação, não ocorre, pois não se pode explicitar factualidade cuja ausência determinou o indeferimento;
- quanto ao direito, ele consta na precisa medida do decidido, isto é, a obrigação do pagamento da multa a que alude o artigo 145.º, n.º 5 do CPC, sendo que a indicação do direito inerente a uma situação de dispensa redundaria num acto inútil por inexistirem factos que permitissem a sua subsunção.
Assim, indefere-se a requerida aclaração/explicitação.
…».
6. O Direito:
Os reclamantes limitam-se, se assim se pode dizer, a afirmar a sua discordância relativamente ao despacho que não atendeu o seu pedido de dispensa da multa prevista no artigo 145.º, nº 5 do Código de Processo Civil, por pretenderem praticar acto processual fora de prazo e sem que se verifique (pois, nem sequer o invocaram) qualquer situação de justo impedimento.
Porém, fazem-no, como já o haviam feito anteriormente, sem que aduzam quaisquer razões válidas, quer de facto, quer de direito.
Na realidade, os reclamantes pretendem que lhes seja consentido praticar, extemporaneamente, acto processual e sem que se vejam obrigados a proceder ao pagamento da multa legalmente determinada (cfr. artigo 145.º, n.º 5 do Código de Processo Civil), que, no caso concreto, se mostra liquidada no valor de € 229,50 (duzentos e vinte e nove euros e cinquenta cêntimos).
Não há dúvida que de acordo com o disposto no artigo 145.º, n.º 8 do Código de Processo Civil «O juiz pode excepcionalmente determinar a redução ou dispensa da multa nos casos de manifesta carência económica ou quando o respectivo montante se revele desproporcionado, designadamente nas acções que não importem a constituição de mandatário e o acto tenha sido praticado directamente pela parte».
Porém, como se deixou afirmado no despacho de fls. 1066v., os, ora, reclamantes não alegaram quaisquer factos concretos que, uma vez provados, pudessem justificar a sua pretensão, porquanto, relativamente a tal matéria, limitam-se a invocar sob o n.º 7 do seu requerimento de fls. 1059 e 1060 que « … solicita-se a liquidação da mesma [multa] e a subsequente dispensa de pagamento, também atento as condições financeiras dos réus e a desproporção entre o valor da multa e o prejuízo para as partes e para o Tribunal pela extemporaneidade desse acto, nos termos do n.º 8 do art. 145º CPC. …».
Ora, como se pode concluir do plasmado no despacho que indeferiu a pretensão dos requerentes, falar-se em ‘condições financeiras’ sem mais, isto é, sem alegar factos concretos, para além de integrar um juízo de valor ou (no mínimo) conclusivo, tal juízo seria sempre equívoco por impossibilidade de qualificação, porquanto, perante a omissão de alegação ou invocação de factos que o consentissem, sempre ficaria por determinar qual o tipo de condições financeiras a ter em atenção, ou seja, quais seriam as ‘condições financeiras’ dos reclamantes.
Acresce que os reclamantes não juntaram qualquer documento, como afirmaram, e o depoimento que pretendiam ver prestado carecia, como é óbvio, de qualquer utilidade, pois iria, necessariamente, incidir sobre um juízo de valor que apenas cabe ao julgador.
Daí que, perante a ausência de alegação dos factos pertinentes, não haveria que os indicar, mas tão só dar conta da sua omissão ou ausência, como se fez no despacho objecto da reclamação e seu despacho de aclaração, nem haveria de produzir qualquer prova testemunhal, já que esta apenas deve incidir sobre factos – cfr. artigos 616.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e 392.º e ss. do Código Civil.
Assim, o(s) despacho(s) em crise, por mais se não poder dizer do que o que neles se deixou dito e com toda a clareza, não enfermam de qualquer obscuridade, ambiguidade ou nulidade, não merecendo, por isso, qualquer censura, sendo que tão pouco se pode afirmar que possa ter ocorrido omissão de produção de prova testemunhal, porquanto, como se deixou já supra explícito, inexiste invocação/alegação de factos sobre que pudesse recair.
Concluindo, o(s) despacho(s) proferidos não merece(m) qualquer censura devendo manter-se, incluindo, consequentemente, a obrigação de os reclamantes procederem ao pagamento da multa liquidada e em falta, sob pena da cominação legal.
III. Decisão
7. Termos em que se decide indeferir a reclamação, mantendo-se, consequentemente, o(s) despacho(s) reclamado(s).
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) UCs.
Lisboa, 30 de Novembro de 2011.- J. Cunha Barbosa – Joaquim de Sousa Ribeiro – Rui Manuel Moura Ramos.