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Processo n.º 838/11
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A sociedade 'FUNDO DE INVESTIMENTO A.', representada por 'B., S.A.', pretendendo impugnar o acórdão proferido na Relação de Évora que confirmara a decisão do Tribunal Judicial de Grândola que, por sua vez, indeferira a reclamação da conta elaborada no processo de arresto em que fora requerente sendo requerida a sociedade 'C., S.A.', pediu ao Supremo Tribunal de Justiça a revista excepcional prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 721º-A da Código de Processo Civil.
Todavia, por acórdão proferido em 7 de Junho de 2011, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu não admitir a aludida revista.
Notificada do acórdão, a sociedade requerente dirigiu ao Juiz Relator o seguinte requerimento:
FUNDO DE INVESTIMENTO A., gerido, representado e administrador pela sociedade B., S.A., Recorrente nos autos à margem identificados, notificado do teor do douto acórdão que antecede e que julgou não ser admissível a revista excepcional, vem, nos termos do n.º 1 do artigo 75.-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, com a redacção introduzida pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, interpor recurso para o Tribunal Constitucional, com os seguintes fundamentos:
O Recorrente alegou, ao longo do processo (requerimento de reforma de conta, alegações de recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa e alegações de Revista Excepcional), a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 60º do Código das Custas Judiciais (CCJ), quando interpretada no sentido de não permitir a reforma da conta de custas elaborada quando esta não tenha sido precedida de despacho proferido nos termos do disposto no artigo 27º, nº 3 do CCJ, que ao caso seja flagrante dever ser proferido, sob pena de violação dos princípios constitucionais da proibição do excesso e do direito ao acesso aos Tribunais, conjugado com o princípio da proporcionalidade (artigos 2º, 18º, nº 2 e 20º da Constituição da República Portuguesa).
O Venerando Tribunal da Relação de Évora interpretou a referida norma no sentido que a mesma não permite a reforma da consta de custas elaborada, porque a decisão que condenou o Recorrente nas custas já transitou em julgado e que a não aplicação do disposto no artigo 27º, nº 3 do CCJ constitui erro de julgamento, já não susceptível de ser impugnado.
Tal interpretação do artigo 60º do CCJ é inconstitucional, por ofensa dos princípios constitucionais acima referidos, inconstitucionalidade cuja declaração se requer.
Termos em que, ao abrigo do disposto nos artigos 280º., nº 1, b) da CRP, 70º. nº 1, b) e 72º, nºs 1, b) e nº2 da supracitada Lei nº 28/82, requerer a V. Exa. se digne admitir o presente recurso, com efeito suspensivo (artigo 692º, nº 2 do CPC e artigo 64º, nºs 3 e 4 do CCJ), seguindo-se a ulterior tramitação prevista nos artigos 76º e seguintes da mesma Lei.
Por despacho de 15 de Julho de 2011, o Relator decidiu o seguinte:
Trata-se de recurso interposto do Acórdão do Colectivo/Formação a que se refere o n.º 3 do art.721º-A do CPCivil.
Independentemente do disposto no n.º 4 daquele preceito, o recurso só seria admissível se impugnada norma, ou segmento, ou interpretação, aplicada no aresto recorrido – art. 70º, n.º 1, b) da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro).
Ora, este conclave limita-se a apreciar/decidir a admissibilidade da revista excepcional, por aplicação do n.º 3 do art. 721º (pressuposto) e art.721.º- A, n.º 1 e 2 (requisitos e respectiva motivação) do CPCivil. Não foi suscitada no processo a inconstitucionalidade desses preceitos.
Outrossim, o Acórdão recorrido não aplicou o invocado art. 60.º do Código das Custas Judiciais.
Daí que não admita o recurso para o Tribunal Constitucional.
2. Inconformada, a sociedade requerente reclamou deste despacho directamente para o Tribunal Constitucional, nos termos do n.º 4 do artigo 76º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro (LTC), alegando como segue:
1. O despacho que antecede assentou no pressuposto que o recurso apresentado pelo Recorrente só seria “admissível se aplicada norma, ou segmento, ou interpretação, aplicada no aresto recorridoâ€, o qual limitou-se a “apreciar/decidir a admissibilidade da revista excepcional, por aplicação do n.º 3 do art. 721.º (pressuposto) e art. 721.º-A, n.º 1 e 2 (requisitos e respectiva motivação) do CP. Civil.†Pelo que “não foi suscitada no processo a inconstitucionalidade desses preceitosâ€, não tendo “o Acórdão recorrido†aplicado “o invocado art. 60.º do Código das Custas Judiciaisâ€, tal acórdão não admite recurso para o Tribunal Constitucional.
2. Sendo esta a motivação e a conclusão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, afigura-se ao Recorrente que terá sido olvidado o disposto no artigo 75.º, n.º 2 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, que prevê que “interposto recurso ordinário, mesmo que para uniformização de jurisprudência, que não seja admitido com fundamento em irrecorribilidade da decisão, o prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional conta-se do momento em que se torna definitiva a decisão que não admite recursoâ€.
3. O que significa que o recurso constitucional tem por objecto não a norma, ou segmento, ou interpretação, aplicada no aresto recorrido (no caso o despacho de não admissão da revista excepcional – que é recurso ordinário ex vi artigo 676.º, n.º 2 do CPC), mas sim a norma, ou segmento, ou interpretação, aplicada no despacho – neste caso, Acórdão – que foi objecto da revista excepcional não admitida.
4. Recorde-se que o recurso interposto pelo Recorrente o foi ao abrigo do disposto no artigo 70.º., n.º 1, b) da Lei 28/82 e que o n.º 2 daquele preceito expressamente prevê que “os recursos previstos nas alíneas b) e f) do número anterior apenas cabem de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização de jurisprudênciaâ€.
5. Com a decisão que declarou inadmissível a revista excepcional interposta pelo Recorrente, ficaram esgotadas todas as vias de recurso ordinário (ex vi artigo 721.º-A, n.º 4 do CPC), entrando-se, por isso, no momento próprio para interpor o competente recurso para o Tribunal Constitucional.
6. Pelo que, com todo o respeito pela decisão sub judice, afigura-se ilegal o indeferimento do Recurso interposto para o Tribunal Constitucional,
7. Que pode ser objecto da presente Reclamação, ex vi artigo 76.º, n.º 4 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com a redacção introduzida pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro.
Termos em que, muito respeitosamente requer a V. Exa. se digne ordenar a remessa desta Reclamação para o Tribunal Constitucional, devidamente instruída com certidões da douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e do despacho que o indeferiu, tudo, nos termos do disposto no artigo 688.º., n.º 3 do CPC, requerendo-se ao Tribunal Constitucional a anulação da decisão que não admitiu o recurso com consequente prolação de despacho que o declare admissível.
3. Foi ouvido o representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional, cumprindo decidir.
4. Apura-se que, na sequência da notificação do acórdão de 7 de Junho de 2011, a reclamante dirigiu ao Supremo Tribunal de Justiça um requerimento no qual pedia que lhe fosse admitido o recurso que queria interpor para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC.
Nesse requerimento a reclamante enunciou a questão de inconstitucionalidade que pretendia ver tratada, mas não fez qualquer menção que excluísse, como objecto do recurso, o dito acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, nem, por outro lado, como tal identificou o acórdão da Relação de Évora.
Conforme dispõe o n.º 1 do artigo 76º da LTC, é ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida que compete «apreciar a admissão do respectivo recurso» de inconstitucionalidade; ao apreciar o requerimento que lhe foi dirigido, com o conteúdo que ele apresenta, o Supremo Tribunal de Justiça foi, assim, forçado a concluir que a recorrente pretendia interpor recurso do acórdão proferido nesse tribunal em 7 de Junho de 2011, visando discutir, no recurso, a inconstitucionalidade da norma do 60.º do Código das Custas Judiciais. Em face desses considerandos, o Relator decidiu não admitir tal pretensão, pois a verdade é que o acórdão recorrido não aplicara o impugnado artigo 60.º do Código das Custas Judiciais.
E decidiu bem.
Sustenta a reclamante que «o prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional conta-se do momento em que se torna definitiva a decisão que não admite recurso», e que o recurso tem por objecto «a norma, ou segmento, ou interpretação, aplicada no despacho – neste caso, Acórdão – que foi objecto da revista excepcional não admitida». Pede, em suma, que o Supremo Tribunal de Justiça admita o recurso assim interposto do acórdão da Relação de Évora.
Ora, se é certo que a decisão de não admitir o recurso foi alheia à consideração do prazo da sua interposição, sendo esse agora um requisito irrelevante, a verdade é que, perante a doutrina afirmada no já citado n.º 1 do artigo 76º da LTC, nunca poderia reconhecer-se procedência à pretensão de impor a um tribunal incompetente a decisão de admitir o presente recurso. E já se viu que o tribunal competente para admitir o recurso com o âmbito que a recorrente lhe fixou, seria, não o Supremo Tribunal de Justiça, mas a Relação de Évora.
5. Decide-se, em consequência, indeferir a reclamação, mantendo o despacho que, no Supremo Tribunal de Justiça, não admitiu o recurso de inconstitucionalidade.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 14 de Dezembro de 2011.- Carlos Pamplona de Oliveira – Maria João Antunes – Gil Galvão.