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Processo n.º 357/10
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
Na Relação de Lisboa foi proferido acórdão na acção de investigação de paternidade que A. propôs contra B. a pedir a condenação do réu a reconhecer que o autor é filho de C., falecido em 27 de Agosto de 2000. Nesse aresto, decidiu-se:
11.4. Por tudo o exposto, impõe-se concluir pela inconstitucionalidade do art. 1817º, nº 1, do C. Civil, mesmo na actual redacção, na medida em que é restritivo da possibilidade de investigar, a todo o tempo, a paternidade.
A idêntica conclusão se chegou no acórdão do STJ de 7/7/2009, JusNet 3927/2009, de que foi relator o Juiz Conselheiro Arlindo Rocha, a propósito do prazo de caducidade previsto no art. 1842º, na redacção introduzida pela Lei nº 14/2009, de 1 de Abril.
12. Uma última questão:
A presente acção de investigação da paternidade, atentos os termos em que o autor configura a acção, tem como causa de pedir não só a paternidade biológica, mas também os factos integradores de presunção de paternidade – a posse de estado, a que se refere a al. a) do art. 1871º do Cód. Civil.
Ora, o art. 1817.º, do CC (quer na actual redacção, quer na anterior) prevê um prazo-regra (n.º 1) e prazos especiais (nºs 3, 4 e 5, da anterior redacção e nº 3, na actual redacção), consoante se invoque como causa de pedir o vínculo biológico ou as presunções legais de paternidade, previstas na lei.
Resulta, assim, que, existindo tratamento como filho, a acção pode ser proposta para além do prazo geral estipulado no nº 1 do preceito citado, contando-se o seu termo inicial da cessação do tratamento.
Acontece que também a aplicação destes prazos especiais (embora na redacção anterior, à actualmente em vigor) tem sido rejeitada pelos tribunais, por se entender que «perante o acolhimento da ideia da inconstitucionalidade de qualquer prazo, assente na da imprescritibilidade do direito de investigar, essencialmente fundada na “diminuição do alcance do conteúdo essencial dos direitos fundamentais à identidade pessoal e a constituir família” e na desproporcionalidade de restrições, afigura-se-nos que não podem deixar de estar abrangidas pela mesma declaração de inconstitucionalidade as normas que, como a do nº 4, se limitam a alargar prazos em razão do concurso de pressupostos que a norma geral dispensa.»
13. Nestes termos, concedendo provimento ao recurso, acorda-se em revogar a decisão recorrida e em declarar a inconstitucionalidade da norma do n.º 1, do art. 1817º, do C. Civil, na sua actual redacção, na medida em que prevê, para a caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dez anos, posterior à maioridade ou emancipação do investigante;
O Ministério Público recorreu deste acórdão directamente para o Tribunal Constitucional com fundamento no artigo 70.º, nº 1, a) da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro), invocando que a decisão recorrida recusara a aplicação do artigo 1817º nº 1 do Código Civil, na sua actual redacção, com o fundamento de que tal norma, consagrando um prazo de caducidade, é inconstitucional (por violação dos artigos 18º, n.º 3, 26º, n.º 1, e 36º, n.º 1 da Constituição). O recurso foi admitido no tribunal recorrido.
Prosseguindo o recurso, alegou o recorrente e concluiu:
a) Na esteira do Acórdão recorrido, de 9 de Fevereiro de 2010, do Tribunal da Relação de Lisboa, este Tribunal Constitucional deverá recusar a aplicação, por inconstitucionalidade material, do artigo 1817º, nº 1, do Código Civil, na redacção dada pela Lei nº 14/2009, de 1 de Abril, diploma este que veio proceder à alteração dos artigos 1817º e 1842º do Código Civil, relativos, respectivamente, às acções de investigação de maternidade e de impugnação de paternidade;
b) Com efeito, nos termos da nova redacção introduzida no art. 1817º nº 1 do Código Civil, por aquela lei, as acções de investigação de maternidade — e igualmente as acções de investigação de paternidade, por remissão do art. 1873 nº 1 do Código Civil — passaram a poder ser propostas “durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação”;
c) Na versão originária do art. 1817º nº 1, do mesmo Código, aprovado pelo Decreto-Lei nº. 47 344/66, de 25 de Novembro, o referido prazo era substancialmente inferior, ou seja, de apenas dois anos;
d) No entanto, por força da prolação do Acórdão 23/2006, deste Tribunal Constitucional, tal prazo foi considerado insuficiente, tendo o mesmo Acórdão, por esse motivo, declarado “a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 1 do artigo 1817º do Código Civil aplicável por força do artigo 1873º do mesmo Código, na medida em que prevê, para a caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante, por violação das disposições conjugadas dos artigos 26.º, nº 1, 36º, nº 1 e 18º. n.º 2 da Constituição da República Portuguesa”;
e) No seguimento da publicação do Acórdão 23/2006, o Supremo Tribunal de Justiça, em sucessivos acórdãos, veio reconhecer a imprescritibilidade das acções de investigação de paternidade, considerando, assim, o direito a conhecer a paternidade como um direito inviolável e imprescritível;
f) A propositura de acções de investigação de paternidade (ou maternidade) deixou, pois, de estar sujeita, por via jurisprudencial, a um prazo de caducidade, podendo tais acções ser, por isso, intentadas em qualquer altura;
g) Com a publicação da Lei 14/2009, esta situação alterou-se, estabelecendo-se, agora, um prazo de dez anos, após se atingir a maioridade, para a propositura de acções de investigação de maternidade ou de paternidade;
h) Ora, a publicação do referido diploma deu origem a situações, como no caso dos presentes autos, em que o direito de acção caducou, em resultado da aplicação da Lei 14/2009;
i) Uma tal consequência – de extinção do direito de investigar a paternidade, por aplicação da Lei 14/2009 -, revela-se, porém, materialmente inconstitucional, por violação dos arts 18º, n.º 2, 26º, n.º 1 e 36º, n.º 1 da Constituição da República;
j) Deve, nessa medida, confirmar-se o Acórdão recorrido, de 9 de Fevereiro de 2010, do Tribunal da Relação de Lisboa.
O recorrido não alegou, cumprindo decidir.
Acontece que o Plenário do Tribunal Constitucional, face a posições divergentes na jurisprudência das suas Secções, conheceu desta matéria no Acórdão n.º 401/2011. Concluiu, nesse aresto, que «a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às acções de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º, do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da acção, contado da maioridade ou emancipação do investigante, não se afigura desproporcional, não violando os direitos constitucionais ao conhecimento da paternidade biológica e ao estabelecimento do respectivo vínculo jurídico, abrangidos pelo direitos fundamentais à identidade pessoal, previsto no artigo 26.º, n.º 1, e o direito a constituir família, previsto no artigo 36.º, n.º 1, ambos da Constituição».
Pelo que decidiu «não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às acções de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º, do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da acção, contado da maioridade ou emancipação do investigante.»
Uma vez que as alegações ora apresentadas não acrescentam motivos que levem o Tribunal a rever a sua posição, há que aplicar esta doutrina fixada no Acórdão n.º 401/2011 ao caso.
Decide-se, por isso, revogar o acórdão recorrido, determinando a sua reforma tendo em conta o juízo de não inconstitucionalidade da norma desaplicada.
Sem custas.
Lisboa, 11 de Outubro de 2011.- Carlos Pamplona de Oliveira – José Borges Soeiro – Gil Galvão – Maria João Antunes – Rui Manuel Moura Ramos.