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Processo n.º 421/11
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), para apreciação da inconstitucionalidade da norma do artigo 22.º [e não 20.º como, por manifesto lapso, refere o recorrente], n.º 4, alínea a), da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto (que estabelece o regime aplicável às contra-ordenações ambientais, adiante designado RCOA), na redacção dada pela Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto, na medida em que prevê a quantia de €20 000 como montante mínimo da coima aplicável às pessoas singulares pela prática de uma contra-ordenação qualificada como muito grave (no caso, desmantelamento de veículos em fim de vida sem o necessário licenciamento).
2. O recorrente apresentou alegações onde conclui o seguinte:
«1- O arguido desde o julgamento em primeira instância, até ao recurso para a relação e agora para este tribunal, invocou de forma sucessiva a inconstitucionalidade do art.º 20.º n.° 4 alínea a) da Lei n.º 50/2006 de 29 de Agosto, na redacção dada pela Lei n.° 89/2009 de 31 de Agosto, por violação do principio da proporcionalidade, previsto no art.º 18 n.º 2 da CRP.
2- Nos termos de tal normativo legal, a coima mínima é no montante de 20 Mil Euros, para as pessoas singulares, como é o caso do recorrente.
3- De facto, os objectivos previstos na Lei 50/2006 de 29 de Agosto e constantes do preâmbulo da mesma são importantes para salvaguardar o meio ambiente, são objectivos legítimos, mas de facto, na restrição dos direitos, liberdades e garantias o legislador tem de observar limites, nomeadamente, respeitar o principio da proporcionalidade.
4-A declaração dos Direitos do Homem e do cidadão, de 1789, já exigia expressamente que se observasse a proporcionalidade entre a gravidade do crime praticado e a sanção a ser aplicada. “a lei só deve cominar penas estritamente necessárias e proporcionais ao delito” (art.º 15). No entanto, o princípio da proporcionalidade é uma consagração do constitucionalismo moderno.
5-A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (art.º 18.º n° 2 da CRP).
6- A este propósito ensina GOMES CANOTILHO: “Admitido que um meio seja ajustado e necessário para alcançar determinado fim, mesmo neste caso deve perguntar-se se o resultado obtido com a intervenção é proporcional à “carga coactiva” da mesma. Meios e fim são colocados em equação mediante um juízo de ponderação, a fim de se avaliar se o meio utilizado é ou não desproporciona
7- Do em relação ao fim. Trata-se, pois, de uma questão de “medida” ou “desmedida” para se alcançar um fim: pesar as desvantagens dos meios em relação ás vantagens do fim. (Vide in GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, 4.ª Edição pág. 316)
8- Ora, tendo em conta a doutrina destes Ilustres Constitucionalistas, parece, salvo melhor opinião, que o meio usado para punir a pessoa singular com a estatuição de uma coima mínima de 20 Mil Euros para punir um comportamento negligente, é manifestamente desproporcional em relação ao fim pretendido, qual seja, a protecção ambiente.
9- Deste modo, e porque violadora do principio da proporcionalidade (art.º 18 n.º 2 da CRP), invoca o aqui arguido de forma clara e inequívoca a inconstitucionalidade material, do art.º 20 n.º4 alínea a) da Lei n.° 50/2006 de 29 Agosto na redacção dada pela lei n.° 89/2009, de 31 de Agosto, requerendo-se por conseguinte a sua desaplicação ao caso concreto.
10- Nestes termos e a entender-se que o arguido praticou a infracção, ter-se-á que aplicar o valor de coima previsto no art.º 17.º n.º 3 do Regime Geral das Contra-ordenações (DL 433/82 de 27 de Out.), que tem como limite máximo 1870, 49 Euros, dado que a ser punido o agente só o pode ser a nível negligente.
11-Um dos argumentos invocados pelo Tribunal da Relação para se decidir pela não inconstitucionalidade da norma, é que esta já havia sido sujeita a alteração pelo Legislador, alterando o montante mínimo da coima de 25 mil Euros para 20 Mil Euros.
12- E aqui surge a pergunta, que requer a melhor resposta, Será que esta alteração de 25 Mil euros para 20 Mil Euros, permitirá concluir que o legislador já corrigiu o excesso e desproporcionalidade do montante da coima?
13-A resposta, salvo melhor opinião, parece-nos negativa. Continua a norma a ser manifestamente exagerada e desproporcional, porque uma pessoa singular não pode ser sancionada com o montante mínimo de 20 Mil euros, resultante de uma conduta negligente.
14- Outro argumento que não poderá ser aduzido a favor da não inconstitucionalidade da norma, é a da possibilidade de pagamento da coima em prestações.
15- Isto porque o comum dos mortais, no caso as pessoas singulares, não conseguem pagar este valor também em prestações, visto que o pagamento da coima em prestações, a ser deferido, não pode ultrapassar o período de um ano.
16- Ora dividindo Vinte mil Euros por um ano, a pessoa singular teria de pagar 1666.66 Euros por mês. O que também teria um sacrifício manifestamente excessivo, desproporcional e penoso, em confronto com o meio ambiente que se pretende proteger com tal lei.
17- Acresce que o legislador não pode punir de forma mais gravosa quem pratica uma contra-ordenação em relação a quem pratica um crime. Ora com o montante de coima previsto neste ilícito, está a fazê-lo, pois atribui maior desvalor à conduta do agente que pratique uma contra-ordenação em confronto com aquele que pratica um crime.
18- De facto e invocando a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, a própria relação pronunciando acerca da dosimetria sancionatória em sede contra-ordenacional e os cuidados que deve ser ter nas opções legislativas, de forma a não haver violação do art.º 18.º n.º 2 da Constituição, referiu: “Tal asserção é sobretudo significativa no domínio do ilícito de mera ordenação social, porquanto — pode ler-se no mesmo aresto —
19-As sanções não têm a mesma carga de desvalor ético que as penas criminais para além de que, para a punição, assumem particular relevo razões de pura utilidade e estratégia social”(Cfr. Ac. TC n.º 574/95).
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO,
requer-se a declaração de inconstitucionalidade, do art.º 20.º n.º 4 alínea a) da Lei 50/2006 de 20 de Agosto, na redacção dada pela Lei n.° 89/2009 de 31 de Agosto, por violação do Principio da Proporcionalidade previsto no art.º 18.º n.°2 da CRP. De igual modo e em caso de declaração de inconstitucionalidade de tal normativo legal, requer-se a sua desaplicação ao caso concreto, aplicando no seu lugar a disposição do art.º 17.º n.° 3 do Regime Geral das Contra-ordenações.»
3. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal contra-alegou, concluindo o seguinte:
«a) nos termos do art. 1º, nº 2 da Lei 50/2006, de 29 de Agosto (Lei Quadro das Contra-Ordenações Ambientais), “constitui contra-ordenação ambiental todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal correspondente à violação de disposições legais e regulamentares relativas ao ambiente que consagrem direitos ou imponham deveres, para o qual se comine uma coima”;
b) por outro lado, o nº 3 da mesma disposição veio acrescentar que “para efeitos do número anterior, considera-se como legislação e regulamentação ambiental toda a que diga respeito às componentes ambientais naturais e humanas tal como enumeradas na Lei de Bases do Ambiente”;
c) o art. 2º, nº 1 do referido diploma veio definir que “as contra-ordenações ambientais são reguladas pelo disposto na presente lei e, subsidiariamente, pelo regime geral das contra-ordenações”, pelo que não oferece dúvidas que, quer o tribunal de 1ª instância, quer o Tribunal da Relação de Coimbra, decidiram bem, quando aplicaram, ao caso dos autos, o regime da Lei 50/2006;
d) nos termos do art. 9º, nº 1, da Lei 50/2006, “as contra-ordenações são puníveis a título de dolo ou de negligência”, tendo o nº 2 da mesma disposição vindo acrescentar que, “salvo disposição expressa em contrário, as contra-ordenações ambientais são sempre puníveis a título de negligência”;
e) assim aconteceu, também, no caso dos presentes autos, uma vez que o ora recorrente foi – e muita justamente - punido a título de negligência;
f) também não oferece dúvidas o facto de ser, o ora recorrente, o responsável dos ilícitos detectados (cfr. art. 15º da Lei 50/2006):
g) nos termos do art. 20º da Lei 50/2006, para a graduação da medida da coima, deverá atender-se, designadamente, à gravidade da contra-ordenação, à culpa do agente, à sua situação económica e aos benefícios obtidos com a prática do facto; bem como atender à conduta anterior e posterior do agente e às exigências de prevenção;
h) ora, todos estes factores foram tomados em consideração, quer pelo tribunal de 1ª instância, quer pelo Tribunal da Relação de Coimbra, na graduação das coimas aplicadas ao arguido;
i) assim como foi, igualmente, tomado em consideração, o facto de uma das contra-ordenações praticadas ter sido considerada muito grave;
j) as infracções no domínio do ambiente são, como tal, potenciadoras de elevadíssimos danos, que podem afectar um número considerável de pessoas e os seus efeitos tendem a perdurar no tempo, colocando, mesmo, em risco o ambiente saudável de novas gerações de pessoas;
k) perante um tal cenário de riscos, e perante os possíveis benefícios – normalmente vultuosos – decorrentes da (reiterada) conduta ilícita do infractor ambiental, o legislador, intencionalmente, definiu um montante mínimo da coima a aplicar nestes casos, que se revestem de características específicas;
l) nos presentes autos, as coimas foram correctamente aplicadas ao arguido, tendo-se tomado em consideração a intenção do legislador, quando legislou neste domínio, o tipo de contra-ordenações em causa, os fortes riscos ambientais decorrentes da actividade desenvolvida pelo arguido, os resíduos por este (mal) manipulados e a sua notória negligência;
m) o legislador já anteriormente baixou – em 2009, através da Lei 89/09, de 31 de Agosto - o limite mínimo de determinadas coimas, o que comprova a sua preocupação com a adequada punição de infracções ambientais, bem como com a definição de uma moldura de coimas adequada à realidade nacional;
n) a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido que “a fixação da dosimetria sancionatória, maxime, em sede contra-ordenacional, encontra-se no âmbito de um amplo espaço de conformação do legislador, só devendo ser censuradas “as soluções legislativas que cominem sanções que sejam desnecessárias, inadequadas ou manifesta e claramente excessivas, pois tal proíbe o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição” (cfr. Acórdão n.º 574/95)”;
o) o que não é, manifestamente, o caso dos autos, não se revelando as coimas aplicadas nem como desnecessárias, nem como inadequadas, nem, finalmente, como manifesta e claramente excessivas;
p) não se afigura, assim, inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, a norma do art. 20º, nº1 conjugado com o art. 22º, nº 4, alínea a) da Lei 50/2006, na redacção dada pela Lei 89/2009, de 31 de Agosto.»
4. Dos autos emergem os seguintes elementos relevantes para a presente decisão:
? Por decisão do Tribunal da Comarca do Baixo Vouga que deu provimento parcial ao recurso interposto pelo aqui recorrente, A., da decisão da Inspecção-Geral do Ambiente e Ordenamento do Território, foram-lhe aplicadas as coimas de €1 000, pela prática de uma contra-ordenação prevista pelo artigos 23.º, n.º 1, alínea b), 67.º, n.ºs 1 e 3, do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de Setembro; de €400 pela prática de uma contra-?ordenação prevista pelos artigos 5.º, n.º 1, alínea c), e 17.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 111/2001, de 6 de Abril, na redacção do Decreto-Lei n.º 43/2004, de 2 de Março; de €800 pela prática de uma contra-ordenação prevista pelos artigos 5.º, n.º 1, alínea c), e 15.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 153/2003, de 11 de Junho; e de €20 000 pela prática de uma contra-?ordenação prevista pelos artigos 20.º, n.º 1 e 24.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 196/2003, de 23 de Agosto, na redacção do Decreto-Lei n.º 64/2008, de 8 de Abril.
? Em cúmulo jurídico foi condenado na coima única de €20 800.
? Inconformado, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra que por acórdão, ora recorrido, decidiu julgar extinto o procedimento contra-ordenacional relativamente às primeiras três contra-ordenações, acima identificadas e, em consequência, desfazer o cúmulo jurídico. Mais decidiu manter a decisão recorrida na parte em que condena o arguido pela contra-ordenação prevista no artigo 20.º, n.º 1 e 24.º, n.ºs 1, alínea d), e 4, do Decreto-Lei n.º 196/2003, de 23 de Agosto, na redacção do Decreto-Lei n.º 64/2008, de 8 de Abril e punida nos termos do artigo 22.º, n.º 4, alínea a), da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, com as alterações da Lei n.º 89/2009, de 31de Agosto.
? A este respeito ficou provado nos autos que o arguido explora uma sucata e efectua desmantelamento de veículos em fim de vida, sem que para tal tivesse qualquer autorização.
II ? Fundamentação
5. O artigo 22.º do Regime das Contra-ordenações Ambientais (Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, na redacção dada pela Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto), estabelece o seguinte:
«Artigo 22.º
Montantes das coimas
1 — A cada escalão classificativo de gravidade das contra -ordenações ambientais corresponde uma coima variável consoante seja aplicada a uma pessoa singular ou colectiva e em função do grau de culpa, salvo o disposto no artigo seguinte.
2 — Às contra -ordenações leves correspondem as seguintes coimas:
a) Se praticadas por pessoas singulares, de € 200 a € 1000 em caso de negligência e de € 400 a € 2000 em caso de dolo;
b) Se praticadas por pessoas colectivas, de € 3000 a € 13 000 em caso de negligência e de € 6000 a € 22 500 em caso de dolo.
3 — Às contra -ordenações graves correspondem as seguintes coimas:
a) Se praticadas por pessoas singulares, de € 2000 a € 10 000 em caso de negligência e de € 6000 a € 20 000 em caso de dolo;
b) Se praticadas por pessoas colectivas, de € 15 000 a € 30 000 em caso de negligência e de € 30 000 a € 48 000 em caso de dolo.
4 — Às contra -ordenações muito graves correspondem as seguintes coimas:
a) Se praticadas por pessoas singulares, de € 20 000 a € 30 000 em caso de negligência e de € 30 000 a € 37 500 em caso de dolo;
b) Se praticadas por pessoas colectivas, de € 38 500 a € 70 000 em caso de negligência e de € 200 000 a
€ 2 500 000 em caso de dolo.»
Ao aqui recorrente foi aplicado o mínimo da coima (€20 000) estabelecida na alínea a) do n.º 4 deste artigo 22.º, pela prática de uma contra-ordenação ambiental consubstanciada no exercício da actividade de desmantelamento de veículos em fim de vida sem o necessário licenciamento (artigos 20.º, n.º 1, e 24.º, n.º 1, alínea d), do Decreto-Lei n.º 196/2003, de 23 de Agosto, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 64/2008, de 8 de Abril).
O recorrente entende que a norma em causa é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade, ínsito no artigo 18.º, n.º 2, da CRP.
Sob apreciação está, assim, o limite mínimo da coima aplicável a pessoa singular pela prática de uma contra-ordenação classificada como “muito grave”.
Afigurando-se inquestionável a adequação e exigibilidade da sanção contra-?ordenacional como medida contra actuações que infringem regras destinadas a proteger bens jurídicos ambientais, o que aqui se pode discutir é a proporcionalidade em sentido estrito (ou princípio da justa medida) no estabelecimento daquele limite mínimo de coima aplicável a uma pessoa singular que pratique uma infracção qualificada como “muito grave”.
O Tribunal Constitucional tem várias vezes salientado que o legislador dispõe de uma ampla margem de decisão quanto à fixação legal dos montantes das coimas a aplicar, pelas razões assim explicitadas no Acórdão n.º 574/95:
«Quanto ao princípio da proporcionalidade das sanções, tem, antes de mais, que advertir-se que o Tribunal só deve censurar as soluções legislativas que cominem sanções que sejam desnecessárias, inadequadas ou manifesta e claramente excessivas, pois tal o proíbe o artigo 18º, nº 2, da Constituição. Se o Tribunal fosse além disso, estaria a julgar a bondade da própria solução legislativa, invadindo indevidamente a esfera do legislador que, aí, há-de gozar de uma razoável liberdade de conformação [cf., identicamente, os acórdãos nºs 13/95 (Diário da República, II série, de 9 de Fevereiro de 1995) e 83/95 (Diário da República, II série, de 16 de Junho de 1995)], até porque a necessidade que, no tocante às penas criminais é - no dizer de FIGUEIREDO DIAS (Direito Penal II, 1988, policopiado, página 271) - 'uma conditio iuris sine qua non de legitimação da pena nos quadros de um Estado de Direito democrático e social', aqui, não faz exigências tão fortes.
De facto, no ilícito de mera ordenação social, as sanções não têm a mesma carga de desvalor ético que as penas criminais - para além de que, para a punição, assumem particular relevo razões de pura utilidade e estratégia social.»
No mesmo sentido pronunciaram-se, mais recentemente, os Acórdãos n.ºs 62/2011, 67/2011, 132/2011 e 360/2011, lendo-se neste último:
«(…) o legislador ordinário, na área do direito de mera ordenação social, goza de ampla liberdade de fixação dos montantes das coimas aplicáveis, devendo o Tribunal Constitucional apenas emitir um juízo de censura, relativamente às soluções legislativas que cominem sanções que sejam manifesta e claramente desadequadas à gravidade dos comportamentos sancionados. Se o Tribunal fosse além disso, estaria a julgar a bondade da própria solução legislativa, invadindo indevidamente a esfera do legislador que, neste campo, há-de gozar de uma confortável liberdade de conformação, ainda que ressalvando que tal liberdade de definição de limites cessa em casos de manifesta e flagrante desproporcionalidade.»
No caso em apreço, o legislador estabeleceu um quadro de contra-ordenações ambientais graduadas como infracções leves, graves e muito graves (como a aqui em causa), em que os limites mínimos dos montantes das coimas aplicáveis variam consoante sejam aplicáveis a pessoas singulares ou a pessoas colectivas e em função do grau da culpa (artigos 21.º e 22.º do RCOA). O citado limite mínimo foi fixado para as pessoas singulares, a título de negligência, em €200 (leves), €2000 (graves) e €20 000 (muito graves) – cfr. artigo 22.º, n.ºs 2, 3 e 4 do RCOA.
Assim, forçoso é concluir que o limite mínimo da coima aqui em causa não é arbitrário, antes tem subjacente um critério legal assente na gravidade da infracção e no grau da culpa e que o montante nele fixado não se revela inadmissível ou manifestamente excessivo. Pois tal limite resulta de uma escala gradativa assente na classificação tripartida da gravidade das infracções ambientais e insere-se num quadro legal em que a negligência é sempre punível (artigo 9.º, n.º 2, do RCOA); e não se mostra, em si mesmo, desadequado ou manifestamente desproporcionado relativamente à natureza dos bens tutelados e à gravidade da infracção que se destina a sancionar.
III ? Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se:
Não julgar inconstitucional a norma do artigo 22.º, n.º 4, alínea a), da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, na redacção dada pela Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto, na medida em que prevê a quantia de €20 000 como montante mínimo da coima aplicável às pessoas singulares pela prática de uma contra-ordenação qualificada como muito grave;
Consequentemente, negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de conta.
Lisboa, 16 de Novembro de 2011.- Joaquim de Sousa Ribeiro – J. Cunha Barbosa – Catarina Sarmento e Castro – João Cura Mariano – Rui Manuel Moura Ramos.