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Processo n.º 412/11
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, a Relatora proferiu a Decisão Sumária n.º 415/2011, nos seguintes termos:
“II – FUNDAMENTAÇÃO
2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” (cfr. fls. 3202) com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, nº 2, da LTC.
Se o Relator verificar que algum, ou alguns deles, não foram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
3. Quanto à primeira questão colocada pelo recorrente, importa notar que se atentarmos no modo como o recorrente configurou esta parte do objecto do recurso, podemos concluir que o mesmo se limita a discordar da própria decisão jurisdicional e, em especial, do grau de fundamentação da mesma. Porém, não pode dizer-se que o recorrente tenha imputado uma determinada contradição da norma extraída do n.º 2 do artigo 410º do CPP com a Lei Fundamental. Sucede apenas que aquele considera que a fundamentação não foi suficientemente desenvolvida e inequívoca.
Ora, o Tribunal Constitucional não pode conhecer de tal questão, na medida em que não dispõe de poderes para sindicar este tipo de juízo, estritamente concebido no plano do Direito infra-constitucional.
Acresce ainda que a decisão recorrida nem sequer aplicou o n.º 2 do artigo 410º do CPP no sentido de que a fundamentação de uma decisão jurisdicional não deve ser feita de “modo a permitir aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via do recurso, da matéria de facto”. Pelo contrário, pode ler-se na decisão recorrida, proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça:
“A lei adjectiva penal manda rejeitar o recurso sempre que se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do n.º 2 do artigo 414° — artigo 420°, n.º 1, alínea b), redacção dada pela Lei n.º 48/07, de 29 Agosto, redacção igual à pré-vigente.
Primeira causa de não admissão do recurso prevista no n.º 2 do artigo 4 14°, é a da irrecorribilidade da decisão.
Vem este Supremo Tribunal de Justiça entendendo, maioritariamente, que a decisão proferida em recurso que, mantendo a qualificação jurídica dos factos, reduz a pena imposta, deve ser considerada confirmatória, porquanto não seria compreensível que, mostrando-se as instâncias consonantes quanto à qualificação jurídica dos factos, o arguido tivesse que conformar-se com a decisão que mantém a pena, mas já pudesse impugná-la caso a pena fosse objecto de redução.
Mais vem entendendo que no caso de sucessão de leis processuais, em matéria de recursos, é aplicável a lei vigente à data da decisão de 1a instância, entendimento a que chegou no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 3/09, de 09.02.18, publicado no DR, I Série, de 09.03.19, decisão que não posterga as garantias de defesa dos arguidos, designadamente o direito ao recurso constitucionalmente consagrado, tanto mais que este direito apenas exige o duplo grau de jurisdição, não se confundindo com o duplo grau de recurso.
No caso vertente estamos perante decisão confirmatória proferida pelo Tribunal da Relação, sendo as penas aplicadas não superiores a 8 anos de prisão, razão pela qual é a mesma irrecorrível nos termos dos artigos 432°, n.º 1, alínea b) e 400°, 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na redacção dada pelo Lei n.º 48/07, de 29 de Agosto, consabido que a decisão de 1ª instância foi prolatada em 2 de Abril de 2009, isto é, após publicação e entrada em vigor daquela lei.” (fls. 3171)
Daqui decorre que a decisão recorrida nem sequer aplicou o preceito legal que o recorrente configurou como objecto do presente recurso – artigo 410º, n.º 2, do CPP –, tendo-se limitado a rejeitar a admissão do recurso, ao abrigo dos artigos 400º, n.º 1, alínea f), e 432º, n.º 1, alínea b), ambos do CPP.
(…)
III – DECISÃO
Nestes termos, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC, e pelos fundamentos expostos decide-se não conhecer do objecto do presente recurso.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.”
2. O recorrente vem agora reclamar para a conferência, ao abrigo do artigo 78º-A, nº 3, da LTC, nos termos que ora se sintetizam:
“(…)
I – Constitucionalidade invocada relativamente ao artigo 410º, n.º 2 do CPP
2 - Entende a Excelentíssima Senhora Conselheira Relatora que “na peça processual do ora reclamante não é questionada a constitucionalidade de qualquer norma reportada ao artº 410º nº 2 do CPP”
3 – A verdade é que os princípios de direito são de toda a ordem jurídica e são sempre aplicáveis.
(…)
12 - A garantia constitucional do artº 32º, n° 1 da CRP. exige a possibilidade de o recurso implicar o reexame da matéria de facto. Esse reexame não foi feito, pelo que essa é a questão fundamental da inconstitucionalidade em apreço.
13 - 0 Tribunal a quo - o STJ - acolhe uma decisão - do Tribunal da Relação - no qual os recorrentes não puderam ver reapreciados os factos, seja por repetição da prova seja por exame de prova registada em audiência.
14 - Assim, não está em causa a mera execução do Tribunal a quo da norma inconstitucional, mas a permanência no campo da aplicação (e interpretação) inconstitucional do artº 410 do CPP.
15 - O direito ao recurso tem cabimento no âmbito das garantias de defesa consagradas no artº 32º da CRP e desde logo, por força do direito de acesso aos tribunais, constante no artº 20º da nossa Lei Fundamental.
II – Principio do Duplo Grau de Jurisdição e o Artigo 32º da CRP
(…).
18 – Nas alegações de recurso do reclamante para o Supremo Tribunal de Justiça, são aduzidos argumentos que são aplicáveis à ora suscitada inconstitucionalidade do artigo 432º alínea d) e 410º, n.º 2, tendo o ora reclamante direito a fazê-lo por ser um direito fundamental que lhe assiste, mesmo que expressamente não o tenha invocado.
19 - A luta jurídica pelo reconhecimento do duplo grau de jurisdição, em matéria de facto, no processo penal, é antiga.
20 – Nas suas motivações, bem como nas suas conclusões para o Supremo Tribunal de Justiça o ora reclamante refere e expõe matéria de facto e o erro notório na apreciação da prova:
21 – Pelo exposto, o ora reclamante desejaria a análise da matéria de facto pelo Supremo Tribunal de Justiça, que não lhe é permitida por força do artigo 410, n.º 2 e 432º, alínea d) do CPP, violando o disposto no artigo 32º, n.º 1 da CRP.
22 – O artigo 32º, n.º 1 do CRP exige a possibilidade do recurso implicar o reexame da matéria de facto.
(…)
25 - A LC n° 1/97 incluiu expressamente como candidato positivo das garantias de defesa o direito ao recurso (n° 1, II parte).
26 - Trata-se de explicitar que, em matéria penal, o direito de defesa pressupõe a existência de um duplo grau de jurisdição, na medida em que o direito ao recurso integra o núcleo essencial das garantias de defesa constitucionalmente asseguradas.
27 - Na falta de especificação, o direito ao recurso traduz-se na reapreciação da questão por um tribunal superior, quer quanto à matéria de direito quer quanto à matéria de facto.
28 – Esta é, de resto, a posição já defendida pela doutrina e acolhida pela jurisprudência do Tribunal Constitucional desde sempre (cfr., por último, AcsTC n. 638/98, 202/99 e 415/01).
III – Omissão quanto à inconstitucionalidade do artigo 18º e 32º do CRP
29 – O ora reclamante nas alegações do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça invocou a inconstitucionalidade do artigo 18º e 32º da CRP quanto refere:
30 – Bem como o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora – vd. Ponto XX do acórdão - é mencionado a invocação da inconstitucionalidade por violação do artigo 32º do CRP.
31 - Ora a douta decisão sumária não refere o facto de o ora reclamante ter invocado expressamente a inconstitucionalidade o artigo 18º do CRP.
32 – Por esse facto há clara omissão na decisão sumária proferido pela Excelentíssima Senhora Conselheira Relatora.
33 – Conforme fora já invocado pelo ora reclamante, o pressuposto material para a restrição legítima de direitos, liberdades e garantias consiste naquilo que genericamente se designa por princípio da proporcionalidade.
34 - Foi a LC n° 1/82 que deu expressa guarida constitucional a tal princípio (artigo 18° n.º 2, I parte), embora já antes, não obstante a ausência de texto expresso, ele fosse considerado um princípio material inerente ao regime dos direitos, liberdades e garantias.
(…)
39 - Apesar de se admitir com facilidade, e diga-se de passagem, com a hombridade e dignidade que tal posição e cargo impõem, impede-se, sem agravo nem apelo, excepção seja feita ao presente recurso, o exercício do direito de defesa de direitos consagrados constitucionalmente e condição básica, aliás, da própria vida em sociedade.
40 – O direito ao recurso tem cabimento no âmbito das garantias de defesa consagradas no artigo 32º da CRP e desde logo, por força do direito de acesso aos tribunais consagrado no artigo 20º da nossa lei fundamental.”
3. Notificado para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 77º, da LTC, o Ministério Público apresentou o seguinte parecer:
“1º
Pela douta Decisão Sumária n.º 415/11 não se tomou conhecimento do objecto do recurso no que respeita às duas questões suscitadas pelo recorrente.
2º
Ora, parece-nos evidente que, no que toca à primeira, relacionada com o artigo 410.º, n.º 2, do CPP, i) não foi enunciada no requerimento de interposição de recurso uma questão da inconstitucionalidade normativa, ii) a norma não foi aplicada no sentido que lhe foi atribuído pelo recorrente, nem na decisão da 1.ª instância, nem no Acórdão da Relação, ora recorrido.
3.º
Quanto à outra questão, afirmando o recorrente no requerimento de interposição do recurso que pretendia ver apreciada a inconstitucionalidade de um acórdão de fixação de jurisprudência (de 8 de Fevereiro de 2009), parece-nos evidente que não vem enunciada qualquer questão que possa constituir objecto idóneo do recurso de constitucionalidade, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
4.º
Na reclamação agora apresentada, o recorrente limita-se a tecer considerações gerais sobre a tipologia dos princípios jurídicos fundamentais e sobre o princípio do duplo grau de jurisdição, nada se dizendo sobre as razões porque entende que se verificavam, no caso, os pressupostos de admissibilidade do recurso.
5.º
Quanto à douta Decisão Sumária não se ter pronunciado sobre a inconstitucionalidade dos artigos 18.º e 32.º da Constituição, não tinha que o fazer porque no requerimento de interposição do recurso – onde se fixa o seu objecto - não constava essa questão, que, aliás, nos parece desprovida de sentido.
6.º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.”
Posto isto, importa apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Em primeiro lugar, importa frisar que a decisão sumária ora reclamada decidiu não conhecer do objecto do recurso com fundamento, por um lado, na ausência de uma questão de constitucionalidade normativa e, por outro lado, na não aplicação da norma cuja inconstitucionalidade é invocada pelo tribunal recorrido.
Ora, a presente reclamação não logra pôr em causa nenhum destes fundamentos, limitando-se o reclamante a tecer considerações gerais sobre princípios constitucionais, incluindo o do duplo grau de jurisdição e a apontar uma omissão de pronuncia acerca da “inconstitucionalidade do artigo 18º e 32º da CRP”.
O que se verifica é que, tendo este Tribunal decidido não conhecer do objecto do recurso, não tem de se pronunciar sobre o fundo da questão, pelo que não há qualquer omissão de pronúncia.
Por conseguinte, confirma-se integralmente a fundamentação adoptada pela decisão reclamada.
III - Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Fixam-se as custas devidas pelo recorrente em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 07 de Dezembro de 2011.- Ana Maria Guerra Martins – Vítor Gomes – Gil Galvão.