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Processo n.º 606/11
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, A. reclamou, em 09 de Junho de 2011 (fls. 2 e 3) do despacho proferido pelo Juiz-Relator junto da 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em 23 de Maio de 2011 (fls. 33 e 33-verso), que rejeitou recurso de constitucionalidade por si interposto, em 11 de Abril de 2011 (fls. 25 a 26), relativamente ao Acórdão proferido pelo mesmo Tribunal e Secção, em 23 de Fevereiro de 2011 (fls. 16 a 24), com fundamento na intempestividade do recurso.
2. Para boa decisão dos presentes autos, importa ainda notar que o Juiz-Relator junto do tribunal recorrido proferiu despacho, em 15 de Abril de 2011 (fls. 34), através do qual convidou o recorrente (e outro co-arguido, não reclamante nos presentes autos) a aperfeiçoar o requerimento de interposição de recurso, mediante indicação dos elementos exigidos pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 75º-A da LTC. Em resposta a tal convite, o recorrente viria a juntar aos autos requerimento de aperfeiçoamento, através do qual esclareceu que:
“A violação do princípio «in dubio pro reo» foi suscitada pelo Recorrente no recurso que interpôs da sentença proferida pela 2.ª Vara Criminal de Lisboa, e que deu entrada neste Tribunal a 03/09/2010, sendo pois aquela a peça processual onde foi suscitada a mencionada inconstitucionalidade.
A norma cuja aplicação foi efectivamente recusada é a prevista no art. 32.º, n.º 2 da CRP, que estabelece o princípio de presunção de inocência do arguido. De facto, no confronto entre a prova produzida em julgamento e o princípio constitucional previsto no art. 32.º, n.º 2 da CRP, outra não poderia ter sido a decisão que não julgar inocente o arguido, ora Recorrente.
Houve pois uma incorrecta interpretação e aplicação do princípio «in dubio pro reo» previsto no art. 32.º, n.º 2 da CRP, sendo pois essa a inconstitucionalidade invocada no recurso em apreço.” (fls. 36).
3. Face a estes esclarecimentos, o Juiz-Relator junto do tribunal recorrido proferiu o despacho de não admissão, cujos excertos mais significativos ora se transcrevem:
“Ora, entre o mais que se poderia dizer, é manifesto que nem a sentença da 1.ª instância nem o acórdão desta Relação recusaram a aplicação de qualquer norma, com fundamento em inconstitucionalidade (al. a) do mencionado artigo 70.º) nomeadamente não recusaram a aplicação dos normativos (artigos 71.º e 40.º, ambos do Código Penal) indicados pelo recorrente Joaquim do Carmo.
E, como vezes sem conta tem sido dito pelo Tribunal Constitucional, um dos pressupostos do recurso previsto na al. b) do mesmo preceito, uma vez que não está consagrado no nosso direito um recurso de amparo ou de queixa constitucional contra actos judiciais, consiste na previsão de que o mesmo tenha sempre por objecto «normas», incidindo necessariamente sobre a apreciação da (in)constitucionalidade ou da ilegalidade de normas identificadas e especificadas, em termos oportunos e processualmente adequados, pelo recorrente.
Tal pressuposto, pela inexistência desse «objecto normativo», não se verifica no caso.
Acresce, a tudo isto, que não cumpre ao Tribunal Constitucional apreciar o juízo que levou a decisão recorrida a considerar que não houve inobservância ou violação do princípio «in dubio pro reo».” (fls. 33-verso)
4. O recorrente apresentou a seguinte reclamação:
“1. No despacho de fls. ora reclamado, o Venerando Juiz Relator termina afirmando:
“...não cumpre ao Tribunal Constitucional apreciar o juízo que levou a decisão recorrida a considerar que não houve inobservância ou violação do principio in dubio pro reo”
2. Ora, a norma do art. 75. °-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Dezembro é clara ao dispor que:
“Sendo o recurso interposto ao abrigo das alíneas b) e f) do n.º 1 do art. 70º, do requerimento deve ainda constar a indicação da norma ou princípio constitucional (sublinhado nosso) que se considere violado...”
3. O recorrente entende que o princípio constitucional in dubio pro reo previsto no art. 32. °, n.º 2 da CRP foi violado na sentença proferida pela 2ª Vara Criminal de Lisboa no processo n.º 138/09.9S7LSB.
4. Tendo suscitado a violação desse princípio constitucional no recurso que interpôs para o Tribunal da Relação de Lisboa.
5. Sucede que, a apreciação desse principio e, por conseguinte, a aplicação da norma do art. 32. °, n.º 2 da CRP foi efectivamente recusada na decisão recorrida, motivo pelo qual é legítimo ao ora recorrente recorrer, ao abrigo do art. 70º, n.º 1 — als. a) e b) da Lei n.º 28/82, de 15 de Dezembro, para o Tribunal Constitucional nos termos e com os fundamentos que constam do seu recurso a fls.
Nestes termos e nos mais de direito se requer a V. Exas. que admitam a interposição do recurso do recorrente A. para o Tribunal Constitucional, revogando assim o despacho de fls. que o indeferiu.” (fls. 1 a 5).
5. Em sede de vista, o Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação ora em apreço (fls. 51 a 56).
Cumpre agora apreciar e decidir.
II – Fundamentação
6. O sentido e o teor do despacho reclamado são de confirmar integralmente.
Desde logo, não cabe qualquer recurso ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, na medida em que a decisão recorrida não desaplicou qualquer norma jurídica infra-constitucional.
Por outro lado, por força do n.º 1 do artigo 277º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o Tribunal Constitucional apenas dispõe de poderes para sindicar “normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”. Ora, o reclamante não indicou como objecto do recurso de inconstitucionalidade interposto qualquer norma jurídica infra-constitucional, limitando-se a invocar uma alegada violação de um princípio constitucional, in casu, o que decorre do n.º 2 do artigo 32º da CRP.
No sistema português de fiscalização de constitucionalidade não existe possibilidade de sindicar uma (alegada) inconstitucionalidade de decisões jurisdicionais. Ao invés do que parece supor o reclamante, não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar o modo como os tribunais comuns apreciam a prova e dela extraem juízos de subsunção dos factos provados aos conceitos jurídicos. Cabe-lhe apenas sindicar se os tribunais recorridos aplicaram normas jurídicas infra-constitucionais em conformidade com a Lei Fundamental.
No caso ora em apreço, não tendo o reclamante apontado a contrariedade entre qualquer norma jurídica infra-constitucional e a Lei Fundamental, nunca poderia este Tribunal conhecer do objecto de tal recurso, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, pelo que bem andou o despacho reclamado.
III – Decisão
Nestes termos, pelos fundamentos supra expostos e ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 77º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 11 de Outubro de 2011.- Ana Maria Guerra Martins – Vítor Gomes – Gil Galvão.