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Processo n.º 632/11
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório1. A. , Reclamante nos presentes autos em que figura como Reclamado o Ministério Público, arguido em processo crime, notificado do despacho previsto nos artigos 311.º e 313.º do CPP, deduziu arguição de nulidade do mesmo, bem como excepção da incompetência do tribunal. Por despacho proferido pelo 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Matosinhos, foi indeferida tal arguição e julgada improcedente a excepção da incompetência. Interpôs, então, recurso desse despacho, o qual veio a ser admitido, determinando-se a respectiva subida aquando da subida do recurso a interpor da decisão final, com efeito devolutivo, nos termos dos artigos 407.º, n.º 3 e 408.º a contrario do CPP.
O ora Reclamante arguiu, em seguida, a nulidade de tal despacho. Por despacho de 25 de Março de 2011, o juiz pronunciou-se sobre tal nulidade, corrigindo o lapso de ter ordenado a extracção de certidão e defendendo que a questão prévia foi suscitada em alegações de recurso, pelo que o conhecimento da mesma compete ao tribunal ad quem e não ao tribunal a quo.
Nesta sequência, A. pediu a recusa do juiz titular do processo junto do 2.º Juízo Criminal do Tribunal de Matosinhos. Por acórdão da Relação do Porto de 18 de Maio de 2011, foi tal recusa indeferida por manifesta falta de fundamento.
2. Notificado de tal acórdão, tentou então interpor recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alíneas b) e i), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações posteriores (Lei do Tribunal Constitucional – LTC), em requerimento com o seguinte teor:
“ (…) interpor recurso para o Venerando Tribunal Constitucional, nos termos da al. a) e b) do n° 1 do art.° 75.º - A da Lei n.° 28182, de 15 de Novembro, (LOTC), indicando que o recurso é interposto ao abrigo das al. b) e i) do art.° 70° da LOTC.
Mais indica, que as normas cuja ‘inconstitucionalidade’, e contrariedade com uma norma de ‘convenção internacional’, pretende que esse Venerando Tribunal aprecie, encontra-se no n° 1 do artigo 43.° do Código de Processo Penal, que está a ser interpretado em sentido contrário aos preceitos consagrados nos artigos 8°, 13°, 20° n°s 1 e 4, 32°, 62°, 72°, 202°, n° 1 e 2, 2030 e 205°, n° 1 da CRP, bem como dos artigos VII, VIII, X, XVII, XXV, XXX, da DUDH, do artigo 14° da CIDH, artigo 6° n° 1 da CEDH, artigo 1° do Protocolo Adicional à CEDH.
A ‘inconstitucionalidade’ e violação de ‘convenção internacional’, foi suscitada pelo Requerente, no incidente de recusa de juiz, para o Tribunal da Relação do Porto.”
Este recurso não foi admitido pelo facto de, durante o processo, não ter sido suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, não cabendo ao Tribunal Constitucional sindicar, de qualquer outro modo, as decisões dos outros tribunais.
3. Inconformado com esta decisão do Tribunal da Relação do Porto que não admitiu recurso para o Tribunal Constitucional, A. apresenta reclamação da mesma, ao abrigo do disposto no artigo 76.º, n.º 4, da LTC, nos seguintes termos:
“ (…) 3.º O Reclamante desde o início, isto é, desde o requerimento de incidente de recusa de juiz, que sempre pôs em causa o artigo 43° n° 1 do Código de Processo Penal, mesmo a sua inconstitucionalidade, sendo que o facto da referência à alínea g) do n° 1 do artigo 127.º do CPC, só pode ter ocorrido por mero lapso de escrita, pois é nítida a discrepância entre o articulado e o pedido, sendo que o que sempre se quis fazer referência foi como já se disse ao artigo 43.º n° 1 do Código de Processo Penal.
Inclusivamente,
4.º O comportamento do Mmo Senhor Juiz sobre quem recai a recusa (ausência de resposta aos requerimentos apresentados em juízo), no entender do Reclamante, salvo o devido respeito e melhor entendimento, ultrapassam, no entender deste, o limite do razoável, sendo demonstrativo de ‘existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade’, nos termos do previsto no art.° 43.° do Código de Processo Penal.
5.º O Reclamante não pode continuar a aceitar, caso contrário estaria, no seu entendimento, e salvo o devido respeito, que é muito, a pactuar, com a prática sucessiva, de eventuais actos de sonegação de administração da Justiça, que violam vários princípios de direito, nomeadamente:
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS (…)
19.º Por tudo o exposto, no entender do Reclamante, o que está em causa é o facto de que o Mmo Senhor Juiz titular do processo tem para com aquele falta de ‘imparcialidade’, que é devida a um Magistrado, tal qual decorre do n° 1 do artigo 43° do Código de Processo Penal, sendo esta norma, aquela que sempre esteve em causa.”
4. O despacho reclamado tem o seguinte teor:
“O arguido A. veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto nos art°s 70.º n° 1 al. b) e 75-A n° 1 als. a) e b) da LTC.
A interposição do referido recurso tem como pressuposto específico a suscitação prévia e de forma adequada da questão de inconstitucionalidade normativa cuja apreciação se requer ao Tribunal Constitucional.
Ora, durante o processo não foi suscitada a questão de inconstitucionalidade normativa que o recorrente agora invoca, ou seja, relativamente ao n° 1 do artigo 43.º do Código de Processo Penal, limitando-se, nas conclusões a invocar a violação de da alínea g) do n° 1 do artigo 127° do CPC, por força do preceituado nos art°s. 8°, 13° 20°, 32°, 62°, 72°, 202°, 203° e 205° da Constituição da Republica, que diz terem sido violados pelo juiz cuja escusa suscita.
O que o recorrente pretende com o presente recurso para o TC é que esse Tribunal aprecie a inconstitucionalidade da decisão proferida por este Tribunal da Relação, ou seja, pretende a apreciação da conformidade constitucional do acórdão e não de uma qualquer norma.
Contudo, o recurso ao abrigo da alínea b) do n.° 1 do artigo 70.° da LTC é interposto de decisões dos tribunais, mas ao Tribunal Constitucional cabe apenas apreciar a conformidade constitucional de normas e não de decisões judiciais.
Não se mostrando cumprido o ónus que assistia ao recorrente de suscitar, de forma clara e precisa, a questão de inconstitucionalidade normativa, não se admite o recurso interposto a fls. 113, por manifestamente infundado — art°s. 70.º n.º 1 al. b) e 76° n°s 1 e 2 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional.”
5. O Exmo. Representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação.
Notificado desse parecer, o Reclamante veio reiterar a sua posição.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação6. Em sede de reclamações deduzidas ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4 da LTC, compete ao Tribunal Constitucional averiguar se, em concreto, se encontravam reunidos os pressupostos necessários à admissão do recurso que foi recusada pelo tribunal a quo.
6.1. O conhecimento de recursos interpostos ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, versando normas ou critérios normativos que, tendo sido aplicados na decisão recorrida, viram a respectiva inconstitucionalidade suscitada durante o processo, depende da prévia verificação de vários requisitos. Assim, é necessário que o recorrente haja invocado tal inconstitucionalidade normativa durante o processo em moldes processualmente adequados (cfr. artigo 72.º, n.º 2 da LTC).
Ora, o Reclamante nunca suscitou, durante o processo (i.e. até que fosse proferida a decisão final), a inconstitucionalidade de quaisquer normas, designadamente do artigo 43.º, n.º 1, do CPP, preceito que integra no objecto do recurso de constitucionalidade.
6.2. Por outro lado, não se encontra nos autos qualquer decisão que tenha recusado aplicar norma com fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional, ou a tenha aplicado em desconformidade com o anteriormente decidido pelo Tribunal Constitucional.
Pelo que se conclui pela impossibilidade de conhecer do recurso de constitucionalidade tentado interpor.
III – Decisão7. Nestes termos, face ao exposto acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional, indeferir a presente reclamação.
Custas pelo Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 11 de Outubro de 2011.- José Borges Soeiro – Gil Galvão – Rui Manuel Moura Ramos.