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Processo n.º 421/10
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Nos presentes autos, em que são recorrentes A. e B. e recorrida C., D., SA, foi interposto recurso do acórdão proferido, em conferência, pela 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em 15 de Dezembro de 2009 (fls. 105 a 118), que negou provimento a recurso interposto, confirmando integralmente decisão proferida pela 1ª Secção dos Juízos de Execução de Lisboa, posteriormente complementado pelo acórdão, proferido pelo mesmo Tribunal e Secção, em 06 de Abril de 2010 (fls. 133 a 135), que indeferiu requerimento de arguição de nulidade por omissão de pronúncia.
Pelo presente recurso, pretendem os recorrentes que seja apreciada a constitucionalidade do artigo 818º, n.º 1, do Código de Processo Civil, com a interpretação segundo a qual “antes de ser proferido qualquer despacho judicial, sobre a suspensão do processo executivo requerido na oposição à execução, nada impede que a execução prossiga e se proceda à penhora e à subsequente reclamação de créditos”, por violação dos “princípios constitucionais do Estado de direito democrático e o da vinculação à Lei, consagrados nos artigos 2º e 203º, da Constituição da República Portuguesa” (fls. 140).
2. Os recorrentes foram notificados para alegar, por despacho proferido pela Relatora, em 28 de Junho de 2010, “com a advertência da eventualidade de não conhecimento do objecto do recurso, com fundamento na não aplicação efectiva da norma objecto do recurso na decisão recorrida” (fls. 147). Das respectivas alegações, podem extrair-se as seguintes conclusões:
«1° O presente recurso interposto ao abrigo da alínea b) do artigo 70°, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, obedece a todos os seus requisitos.
2° Porque a inconstitucionalidade da interpretação à segunda parte do artigo 818°, ° 1, do C. P. Civil, foi expressamente suscitada pelos recorrentes no recurso de agravo, o referido segmento da norma foi efectivamente aplicado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, constituindo a “ratio decidendi” da decisão.
3° Mas mesmo que a não tivesse aplicado, o não conhecimento por parte do tribunal recorrido da inconstitucionalidade da interpretação da referida norma, quando podia e devia fazê-lo, equivale à aplicação implícita da mesma, conforme foi decidido por este Venerando Tribunal no acórdão 318/90.
4° O Tribunal da Relação de Lisboa embora não se tenha pronunciado sobre a inconstitucionalidade expressamente suscitada pelos recorrentes, sufragou a interpretação efectuada pelo tribunal de 1ª instância, à segunda parte da norma do artigo 818° nº 1, do C. P. Civil, no sentido de entender que antes de ser proferido qualquer despacho judicial, sobre a suspensão do processo executivo requerido na oposição à execução, nada impede que a execução prossiga e se proceda à penhora e à subsequente reclamação de créditos.
5° Pelo que o presente recurso, tem por objecto a inconstitucionalidade daquele segmento da referida norma, quando aplicada e interpretada com aquele sentido e alcance.
6° Com efeito, o artigo 818°, nº 1, do C. P. Civil, dispõe que: “Havendo lugar à citação prévia do executado, o recebimento da oposição só suspende o processo de execução quando o oponente preste caução ou quando, tendo o oponente impugnado a assinatura do documento particular e apresentado documento que constitua princípio de prova, o juiz, ouvido o exequente, entenda que se justifica a suspensão”.
7° Este novo fundamento para a suspensão da normal tramitação de uma execução, como o próprio tribunal recorrido refere, decorre da ampliação da força executiva dada aos documentos particulares levada a cabo pelo legislador.
8° Logo, como tal ampliação comporta e aumenta os riscos, de se dar à execução escrito particular com assinatura não reconhecida e em que se vem a questionar a autenticidade da assinatura do devedor constante no título e posteriormente a confirmar-se a falsidade da assinatura, o prosseguimento da execução constituiria uma inadmissível agressão ao património do executado.
9° Como a efectivação de qualquer penhora constitui uma agressão ao património dos executados e o disposto na segunda parte da norma do artigo 818° nº 1, do C. P. Civil, tem por finalidade, obviar ou diminuir o risco que a agressão traduzida na penhora possa acontecer de forma inadmissível, tal resultado só pode ser atingido e minimamente assegurado, se o prosseguimento da execução, estiver dependente de uma prévia apreciação ainda que sumária da autenticidade das assinaturas por parte do juiz e o proferimento do consequente despacho.
10° Ao invés, jamais seria possível diminuir o risco de ocorrer a agressão inadmissível ao património dos executados e atingir o resultado da sua não ocorrência.
11° Porque, mesmo na hipótese do juiz na sua apreciação sumária quanto à autenticidade das assinaturas constantes no título dado à execução, viesse a considerar por despacho a forte probabilidade de as assinaturas não serem dos oponentes e consequentemente suspende-se a execução, sempre ocorreria a agressão inadmissível ao património dos executados, por se permitir que a penhora pudesse ser efectuada antes daquele despacho judicial.
12° Esvaziando, por essa via, qualquer sentido útil ao disposto na segunda parte da norma do artigo 818°, nº 1, do C. P. Civil, pois, provocaria um resultado oposto à sua finalidade, na medida em que nunca se poderia obviar, acautelar ou evitar, a agressão inadmissível ao património dos executados, por a penhora ser efectuada antes do despacho judicial sobre a suspensão da execução.
13° Ficando, desse modo, irremediavelmente comprometida e prejudicada a finalidade subjacente à segunda parte da norma do artigo 818°, nº 1, do C. P. Civil.
14° Nessa conformidade, o entendimento do tribunal da 1a instância e confirmado pelo tribunal recorrido, de que antes de ser proferido qualquer despacho judicial, sobre a suspensão do processo executivo requerido pelos ora recorrentes na oposição à execução, nada impede que a execução prossiga e se proceda à penhora e à subsequente reclamação de créditos, é inconstitucional por violar os princípios do Estado de direito democrático e da vinculação dos tribunais à lei consagrados nos artigos 2° e 203°, da Constituição.
15° A violação do princípio do Estado direito democrático traduz-se na circunstância de tal interpretação não ter qualquer arrimo ou apoio no texto da segunda parte da norma do artigo 818°, nº 1, do C. P. Civil, e o resultado dela resultante ser contrário à rácio ou finalidade subjacente à mesma.
16° Pelo que em rigor, a posição defendida pelo tribunal recorrido não se pode enquadrar na actividade interpretativa, mas sim na actividade legislativa que é da competência da Assembleia da República e do Governo, violando, por essa via, separação de poderes decorrente do princípio do Estado de direito democrático.
17° A referida posição do tribunal recorrido, também viola o sub princípio da proporcionalidade densificador do princípio do Estado de direito democrático, por o ser adequada e ser excessivamente restritiva.
18° A não adequação da mesma, decorre da circunstância de tornar inatingível a finalidade subjacente à segunda parte da norma do artigo 818°, nº 1, do C. P. Civil, ou seja, obviar ou acautelar que haja agressões inadmissíveis ao património dos executados, visto que o despacho judicial poderia ser proferido após a penhora.
19º É excessivamente restritiva, porque a suspensão da execução requerida em sede de oposição à execução, pode e deve após o exercício do contraditório, por via da contestação à oposição, ser imediatamente objecto de despacho judicial, não provocando, desse modo, qualquer prejuízo relevante para o exequente, em face do ligeiríssimo atraso na marcha do processo executivo.
20º Ficando, por essa via, assegurado o Estado de direito democrático que visa em primeira linha atingir a justiça e salvaguardar todos os direitos e interesses em conflito.
21° Por outro lado, como o entendimento do tribunal recorrido não tem qualquer supor e no texto da segunda parte da norma do artigo 818°, nº 1, do C. P. Civil, nem e enquadra em quaisquer elementos da interpretação, violou o princípio da vinculação dos tribunais à lei consagrado no artigo 203° da Constituição.
22° Por força do exposto, a interpretação do disposto na segunda parte do artigo 818°, nº 1, do C. P. Civil, no sentido de entender que antes de ser proferido qualquer despacho judicial, sobre a suspensão do processo executivo requerido na o oposição à execução, nada impede que a execução prossiga e se proceda à penhora e à subsequente reclamação de créditos, efectuada pelo tribunal de 1° instância e confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, viola as normas dos artigos 2° e 203°, da Constituição da República Portuguesa.» (fls. 155 a 160).
3. Devidamente notificada para o efeito, a recorrida deixou esgotar o prazo legal sem que tivesse vindo aos autos juntar quaisquer contra-alegações.
Cumpre, então, apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Importa começar por notar que o Tribunal Constitucional apenas pode conhecer de questões de inconstitucionalidade de normas que tenham sido efectivamente aplicadas no âmbito do autos recorridos, sob pena de as suas decisões serem processualmente inúteis, por não serem susceptíveis de influenciar – e alterar – o sentido da decisão alvo de recurso, tal como resulta do artigo 79º-C da LTC. Dito de outro modo, este Tribunal só pode conhecer de recursos que versem sobre normas (ou interpretações normativas) que tenham sido determinantes na fundamentação da decisão recorrida.
Nos presentes autos, foi o próprio recorrente que alertou para o facto de o tribunal recorrido ter invocado, de modo expresso e inequívoco, que não apreciaria a referida questão de inconstitucionalidade do artigo 818º, n.º 1 do CPC, na medida em que “a sua não abordagem expressa, no texto do Acórdão ora arguido de nulo, não configura indevida omissão de pronúncia sobre questão que devesse ter sido apreciada, dado trata[r]-se, tão só, duma mera linha de fundamentação jurídica, dissonante da adoptada na decisão recorrida, invocada pela parte recorrente” (fls. 134 e 135).
Ora, tal deve ser interpretado como uma “aplicação ímplicita” da interpretação normativa reputada de inconstitucional, na linha de jurisprudência anterior deste Tribunal Constitucional (cfr. o acórdão n.º 102/10, da 3ª Secção, disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), isto porque, ainda que a decisão recorrida não tenha apreciado, de modo individualizado, a questão de inconstitucionalidade do artigo 818º, n.º 1, do Código de Processo Civil, com a interpretação segundo a qual “antes de ser proferido qualquer despacho judicial, sobre a suspensão do processo executivo requerido na oposição à execução, nada impede que a execução prossiga e se proceda à penhora e à subsequente reclamação de créditos”, certo é que tomou posição nesse sentido quanto à interpretação normativa a extrair daquele preceito legal.
Com efeito, a decisão recorrida afirma, expressamente, o seguinte:
“«Na verdade, tal ampliação comporta riscos, como é o caso de se dar à execução escrito particular com assinatura não reconhecida e se vem a questionar a autenticidade da assinatura do devedor constante do título executivo».
«Nesse caso, vindo a provar-se a falsidade da assinatura do devedor, o prosseguimento da execução constituiria uma inadmissível agressão ao património do executado»
«Foi para obviar a tal situação, em que a execução é dirigida contra quem pode vir a verificar-se, a final, nada ter a ver com o título executivo, que o legislador achou por bem acrescentar mais uma hipótese de suspensão da execução até que se averigue e decida da autenticidade da assinatura do executado».
«Para que a suspensão tenha lugar, o legislador não foi, nem podia ser, sob pena de se frustrar a sua intenção, muito exigente». «Contentou-se em que o executado/embargante alegue a não genuinidade da assinatura constante do título e junte documento que constitua princípio de prova». «Nada mais é exigido ao embargante».
Por isso, «não pode o juiz, ao pronunciar-se sobre a requerida suspensão da execução com base na invocação da falsidade da assinatura constante do título executivo, fazer qualquer juízo de valor sobre a genuinidade de tal assinatura». «Isso é matéria que terá de ser decidida a final, nos embargos».
Daí que, «tendo o embargante requerido a suspensão da execução e alegado a falsidade da assinatura constante do título, juntando algum documento que constitua princípio de prova, a requerida suspensão só deverá ser negada se o juiz, fundadamente, concluir que a invocada não genuinidade da assinatura não passa de mero expediente dilatório». «O juiz deverá, pois, suspender a execução sempre que, face àquele princípio de prova, perante aquela prova necessariamente sumária, se convença da forte probabilidade de a assinatura que consta do título dado à execução não ser do oponente»
Ainda assim, «a suspensão não é, no entanto, automática, pois o juiz só suspenderá a execução se se convencer da séria probabilidade de a assinatura não ser do devedor». «Caso contrário, ir-se-ia permitir e, até, fomentar a arguição da falsidade das assinaturas com vista à suspensão das execuções».
«Aliás, a letra da lei não permite uma tal leitura, na medida em que o aludido art. 818°, n.º 2, refere que o “juiz pode”, o que afasta a ideia da suspensão automática».
Dito isto, «claro está que aquele poder não é discricionário, podendo o juiz decretar ou não a suspensão da execução a seu belo prazer». «Ao juiz cabe ponderar, face aos elementos fornecidos pelos autos, em cada caso concreto, se a arguição é séria ou não passa de mero expediente com vista a suspender a acção executiva».
«O único meio de que dispõe o julgador para decidir da pretendida suspensão da execução é o exame comparativo a olho nú ou à vista desarmada das assinaturas existentes no título executivo e documentos juntos - pois outra prova, eventualmente, a requerer posteriormente nos autos, designadamente a pericial, extravasa, de todo, do âmbito subjacente à letra e espírito da norma do nº 2 do aludido art. 818°».
Em síntese, pode dizer-se que «a suspensão da execução com o fundamento previsto na segunda parte do art. 818°, nº 1 do CPC não pode ser analisada nem como uma consequência imediata perante a simples alegação da não genuinidade da assinatura, mas também não se deve ser demasiado exigente na sua apreciação, sob pena de se frustrar a intenção do legislador».
Simplesmente, a circunstância de a decisão sobre a requerida suspensão da marcha da execução, nos termos previstos no cit. art. 818°-1 do CPC (na actual redacção do preceito, introduzida pelo DL. nº 38/2003, de 8 de Março), dever ser tomada sem grandes delongas, com base numa análise perfunctória dos documentos juntos pelo executado/opoente como princípio de prova da sua alegação de que não saiu do respectivo punho a assinatura que lhe é imputada pelo exequente, constante do documento particular no qual se funda a execução, não consequência que sejam nulos os actos processuais praticados na execução no período que medeia entre a entrada em juízo da petição inicial da oposição do executado e o momento em que o tribunal se pronuncia sobre o mérito do pedido de suspensão da tramitação da execução, com fundamento no disposto no cit. art. 818°-1. Isto mesmo que o tribunal só venha a pronunciar-se sobre tal pedido meses decorridos sobre a apresentação da contestação na qual o exequente emita o seu juízo acerca da pretendida suspensão da marcha da execução.” (fls. 114 a 117)
Ora, daqui decorre que a decisão recorrida aplicou, efectivamente, a norma extraída do n.º 1 do artigo 818º do CPC, interpretada no sentido que “antes de ser proferido qualquer despacho judicial, sobre a suspensão do processo executivo requerido na oposição à execução, nada impede que a execução prossiga e se proceda à penhora e à subsequente reclamação de créditos”, tendo, aliás, considerado que a suspensão dos actos de execução apenas ocorre com o despacho judicial que a determina.
Em consequência, há que conhecer do objecto do presente recurso.
5. Em primeiro lugar, invocam os recorrentes que a aplicação do n.º 1 do artigo 818º do CPC com a interpretação acima referida seria atentatória do dever de vinculação dos tribunais à lei, em sentido amplo, conforme decorre do artigo 203º, in fine, da CRP.
Note-se, desde já, que a concreta interpretação do sentido da norma por parte do tribunal “a quo” não é sindicável perante o Tribunal Constitucional. Com efeito, a sujeição à lei a que se refere o artigo 203º da CRP está intimamente ligada ao princípio da independência dos tribunais, o qual não se vê como poderia ser posto em causa nos presentes autos.
6. Em segundo lugar, invocam os recorrentes a incompatibilidade da norma extraída do n.º 1 do artigo 818º do CPC com o princípio do Estado de Direito democrático (artigo 2º da CRP) e com o princípio da proporcionalidade (artigo 18º, n.º 2, da CRP), afirmando que a inconstitucionalidade da norma extraída do n.º 1 do artigo 818º do CPC “decorre da circunstância de tornar inatingível a finalidade subjacente à segunda parte da norma do artigo 818°, nº 1, do C. P. Civil, ou seja, obviar ou acautelar que haja agressões inadmissíveis ao património dos executados, visto que o despacho judicial poderia ser proferido após a penhora” (cfr. § 18. das conclusões). Daqui parece decorrer que os recorrentes consideram que a interpretação da norma do artigo 818º, nº 1, CPC efectuada pelo tribunal “a quo” seria susceptível de afectar o património do executado bem como os seus direitos de defesa.
Quanto ao primeiro, adiante-se, desde logo, que a penhora não deve ser considerada nem como uma violação nem como uma restrição do direito de propriedade constitucionalmente consagrado. Pelo contrário, o que se pode retirar do direito de propriedade é antes um direito do credor à satisfação dos seus créditos, mas nesse caso a liberdade de conformação do legislador em matéria de processo executivo é muito ampla.
Ora, conforme demonstra a decisão recorrida, a suspensão da execução corresponde apenas a uma paragem temporária dos actos tendentes à venda executiva, sendo que tal suspensão apenas termina com o julgamento definitivo da oposição à execução:
“Efectivamente, «a suspensão da execução não prejudica, altera, ou tira eficácia à tramitação processada antes do momento em que é proferida. Por isso, «ordenadas penhoras, mesmo de vencimentos, a suspensão não provoca a sua inutilidade nem a restrição de dinheiros eventualmente descontados e depositados».
É que «a suspensão começa com o despacho que a determina. Se ainda não tiver sido feita a penhora, também esta fica suspensa. (...) Regra geral, a suspensão termina com o julgamento definitivo dos embargos. Se eles forem julgados procedentes, a execução extingue-se, na parte embargada; se forem julgados improcedentes, a execução volta a prosseguir».
Consequentemente, «os efeitos da suspensão [só] se produzem a partir do momento em que é declarada». «A suspensão da execução significa, assim, paragem temporária da execução e, como tal, os actos praticados antes de ser decretada continuam a ser válidos e a interessar ao processo».” (fls. 117)
Na verdade, a solução normativa vertida no n.º 1 do artigo 818º do CPC visa a tutela de outros direitos fundamentais, designadamente, dos exequentes – que eventualmente são susceptíveis de conflituar com direitos dos executados (ora recorrentes), tais como o direito de acesso aos tribunais para defesa dos direitos da exequente, com decisão em prazo razoável (artigo 20º, n.ºs 1 e 4, da CRP), e, em especial do direito do exequente a ser ressarcido de uma dívida (artigo 62º da CRP). Conforme nota Paula Costa e Silva (A Reforma da Acção Executiva, 3ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2003, p. 71), “a suspensão da execução, com a consequente impossibilidade de venda dos bens penhorados, é altamente prejudicial para o credor/exequente (este só consegue satisfazer o seu direito de crédito uma vez vendidos os bens penhorados pois que irá buscar o valor do seu crédito ao produto da venda destes)”. Deste modo, a norma que determina que as diligências de execução apenas se sustam após despacho do juiz de execução que reconheça justificada tal suspensão em virtude da impugnação da autenticidade da assinatura aposta em documento particular pelos executados visa proteger outros direitos ou interesses constitucionalmente tutelados.
Além disso, a referida norma jurídica também não conflitua com o direito fundamental dos executados ao processo equitativo, na medida em que a norma extraída do n.º 1 do artigo 818º da CPC não impede a suspensão dos actos de execução, limitando-se a fixar como momento determinante da suspensão a data de prolação de despacho do juiz de execução. Por outro lado, a referida norma jurídica nem sequer exige uma prova reforçada da falta de autenticidade da assinatura, bastando-se com a apresentação de “documento que constitua princípio de prova”. Conforme, aliás, aceite pela própria decisão recorrida (cfr. extracto supra transcrito), a norma jurídica não exige um juízo de certeza processual quanto à falta de autenticidade da assinatura aposta no documento particular, bastando-se com um juízo de verosimilhança, pelo que “a requerida suspensão só deverá ser negada se o juiz, fundadamente, concluir que a invocada não genuinidade da assinatura não passa de mero expediente dilatório»” (fls.115 da decisão recorrida; no mesmo sentido, cfr. José Lebre de Freitas / Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º, Coimbra, Coimbra Editora, 2003, p. 328; Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 10ª edição, Coimbra, Almedina, 2007, p. 189).
Por último, importa igualmente frisar que a norma jurídica em causa também não pode ser considerada como “desproporcionada em sentido estrito”, já que constitui a “justa medida” da compressão entre os direitos dos exequentes e dos executados. Com efeito, conforme já supra demonstrado, a suspensão das diligências de execução apenas assume natureza temporária, pelo que apenas após a decisão definitiva sobre a oposição à execução é que se determinará se a execução se extingue – extinguindo-se, portanto, todas as diligências de execução entretanto efectivadas; incluindo-se nelas a penhora de bens – ou se a mesma prossegue, aproveitando-se todos os actos de execução já praticados (assim, ver Gonçalves Sampaio, A Acção Executiva e a Problemática das Execuções Injustas, 2ª edição, Coimbra, Almedina, 2008, p. 200; Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, cit., p. 190).
Em suma, a solução legislativa consagrada no n.º 1 do artigo 818º do CPC tanto permite a protecção dos direitos dos exequentes – permitindo a prossecução de diligências de execução até à data de despacho do juiz de execução que determine a respectiva suspensão – como a protecção dos direitos dos executados – já que permite a suspensão das diligências de execução, desde que reconhecido o fundamento para tal, pelo juiz de execução competente –, sem que se permita a afectação definitiva do património dos executados (artigos 886º e seguintes do CPC), por via da venda executiva ou da adjudicação dos bens penhorados (artigos 875º e seguintes do CPC). Entende-se, portanto, que a norma objecto do presente recurso não é contrária ao princípio da proporcionalidade.
A finalizar, refira-se que o modo como os recorrentes estruturam o presente recurso faz com que a alegada violação do princípio do Estado de Direito Democrático (artigo 2º da CRP) decorra da alegada violação do princípio da proporcionalidade, bem como do entendimento dos recorrentes segundo o qual “tal interpretação não ter qualquer arrimo ou apoio no texto da segunda parte da norma do artigo 818°, nº 1, do C. P. Civil”. Ora, conforme já supra demonstrado, nem se pode considerar que haja uma violação do dever de vinculação à lei pelo tribunal recorrido, nem tão pouco que a solução normativa adoptada seja desproporcionada, pelo que não se verifica igualmente a violação do princípio do Estado de Direito (artigo 2º, da CRP).
III – Decisão
Nestes termos, pelos fundamentos supra expostos, decide-se negar provimento ao recurso interposto.
Custas devidas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC´s, nos termos do n.º 1 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 12 de Outubro de 2011.- Ana Maria Guerra Martins – Vítor Gomes – Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral – Gil Galvão.