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Processo n.º 439/2011
2.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. A., S.A., com os demais sinais dos autos, reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão, da decisão sumária proferida pelo relator que decidiu não conhecer das questões de constitucionalidade apontadas no seu requerimento de interposição de recurso.
2. Refutando esta decisão de não conhecimento do objecto do recurso, assim argumentou a reclamante:
«A ora reclamante recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa da decisão do Tribunal de 1.ª instancia que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada.
Tal recurso não foi admitido por extemporaneidade do mesmo, considerando o respectivo Tribunal que ao abrigo do artigo 74.° do RGCQC o prazo para a sua interposição é de 10 dias tendo o mesmo sido apresentado decorridos 19 dias.
A recorrente reclamou de tal despacho para o Juiz Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, alegando que ao Ministério Público, foram concedidos 20 dias de prazo para responder ao recurso interposto.
Neste sentido seria inconstitucional a aplicação do n° 1 do artigo 74.° do RGCOC, já que o prazo que a ora reclamante teria para recorrer seria o de 10 dias, quando o prazo de resposta concedido ao M.P. foi de 20 dias, violando-se assim o princípio da igualdade de armas, inerente ao princípio do processo equitativo, consagrado no n.º 4 do artigo 20.° da Constituição da Republica Portuguesa.
Alegou também que tal inconstitucionalidade foi declarada com força obrigatória geral, pelo Acórdão n° 27/2006, publicado no Diário da República, SÉRIE I-A, n.º 45, de 03/03, por considerar que tal diferença de prazos constituía uma violação do princípio da igualdade de armas, inerente ao princípio do processo equitativo, consagrado no n.º 4 do artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa.
Porém, o Tribunal da Relação indeferiu a reclamação deduzida pela recorrente, fundamentando com o facto do Ministério Público ter apresentado a sua resposta no prazo de 10 dias, acrescidos dos três dias que a lei lhe faculta por via do n.º 5 do artigo 145.° do C. P. Civil, artigo que até a este momento nunca tinha sido invocado em todo o processo e que a recorrente não podia nem tinha a obrigação de saber que viria a sê-lo.
Depois, fundamenta a mesma decisão no facto de inexistir qualquer despacho a considerar como sendo 20 dias o prazo para a apresentação da resposta, afirmando que a aludida notificação ao M.P. foi efectuada oficiosamente pela secretaria e que se limita a dizer que o M.P. fica notificado nos termos e para os efeitos do artigo 413°, n.º 1 e 2 do C. P. Penal e que é certo poder-se interpretar esse normativo devidamente adaptado às particularidades do RGCO.
Ora, sendo certo que se pode fazer tal interpretação e que a referida notificação foi oficiosa, resulta da própria notificação, ou seja, que ao M.P. foi concedido o prazo do artigo 413.°, n.º 1 do C. P. Penal e não outro, já que da mesma notificação não resultou qualquer referência expressa a outra norma, designadamente do RGCO.
Assim, só a partir da fundamentação usada na decisão do Tribunal da Relação e levada em consideração na decisão sumária do Tribunal Constitucional e de que ora se reclama, isto é, de que o Ministério Público pode usar da faculdade prevista no art.º 145°, n.º 5, do C. P. Civil, é que a recorrente podia vir alegar, como fez, que para o Ministério Público usar de tal faculdade, e não se verificar violação do princípio da igualdade de armas, era-lhe exigido que emitisse uma declaração no sentido de pretender praticar o acto nos três dias posteriores ao termo do prazo.
É que à recorrente, não deve ser exigido prever quais as normas e entendimentos que os Tribunais irão adoptar em decisões futuras, ou seja, mesmo sabendo que o M.P. praticou o acto de resposta para além de 10 dias, a verdade é que até então nunca foi notificada de qualquer despacho onde se alegava a sua prática nos termos do prazo previsto no artigo 74.º n.º 1 do RGCO acrescido da faculdade prevista no art.º 145°, n.º 5, do C. P. Civil, sabendo apenas que o mesmo M.P. tinha sido notificado para responder nos termos do artigo 413.° do C. P. Penal, com prazo expresso de 20 dias.
Assim, quanto à exigência da questão da constitucionalidade ter que ser suscitada durante o processo, antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo, não se pode afirmar que a recorrente não o fez, nem tão pouco, que esta não estaria dispensada de o fazer antes da norma em causa ser sequer suscitada ou aplicada, isto é, não se pode considerar que seria indispensável à recorrente suscitar desde logo a inconstitucionalidade do artigo 145.° do CPC, mesmo antes de haver qualquer referência ao mesmo.
Isto porque, foi o Tribunal da Relação de Lisboa que pela primeira vez referiu a aplicação do artigo 145.° do CPC, tendo o Tribunal de Primeira Instância apenas invocado o artigo 74.° n.º 1 do RGCO.
E, quer numa, quer noutra situação, a aplicação inconstitucional dos artigos foi de imediato suscitada pela recorrente.
Assim, quanto à inconstitucionalidade do artigo 74°, n.º 1 do Regime Geral das Contra Ordenações (RGCO), é a própria decisão sumária que ora se reclama que no seu ponto 3.1 diz que na artigo 74.º, n.º 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO)...”, apesar de no último paragrafo na página 5, referir que “Contudo, a recorrente não suscitou a inconstitucionalidade nem do artigo 74.° n.º 1 do RGCO,...”.
Quanto ao artigo 145.° do CPC, a recorrente suscitou a sua inconstitucionalidade assim que, pela primeira vez, teve conhecimento da sua aplicação, ou seja, na sequência da decisão do Tribunal da Relação atinente à reclamação apresentada, que veio, como se disse, pela primeira vez em todo este processo, manifestar o entendimento de que o Ministério Público apresentou a sua resposta no prazo de 10 dias, acrescido dos três que a lei lhe faculta por via do disposto no art.º 145.°, n.º 5 do C. P. Civil, e não nos 20 invocados, foi na esteira de tal decisão, porque modestamente, antes não se conseguiu vislumbrar, nem tal seria exigível, que a recorrente através do seu recurso para o Tribunal Constitucional veio também suscitar a inconstitucionalidade do artigo 145.° do CPC, conforme consta de forma adequada, clara e perceptível do mesmo, designadamente da parte que de seguida se transcreve:
…“Pelo que, de uma forma ou de outra, isto é, quer se considere que ao Ministério Público foi concedido o prazo de 20 dias – o qual utilizou –, quer se considere que não foi concedido tal prazo, mas antes que praticou o acto dentro dos três dias previstos no referido art. 145.º – sem emitir declaração –, existe violação do princípio da igualdade de armas, inerente ao princípio do processo equitativo, consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição.”...».
3. O Procurador-Geral Adjunto no Tribunal Constitucional respondeu à reclamação, pugnando pelo seu indeferimento e aduzindo com este sentido, na parte essencial, o seguinte:
«7º
Crê-se, porém, que a argumentação da ora reclamante não colhe.
Desde logo, não é contestado o argumento, do Ilustre Conselheiro Relator, de que “o Tribunal a quo não aplicou como ratio decidendi a norma do artigo 74.º, n.º 1, do RGCO, no segmento normativo controvertido pelo recorrente, tendo deixado expresso que o prazo de 10 dias aplicava-se – e, in casu, aplicou-se –, quer à interposição do recurso, quer à resposta do Ministério Público.” (cfr. supra n° 3 do presente parecer).
8°
Por outro lado, também não é posto em causa o segundo argumento do Ilustre Conselheiro Relator, segundo o qual “na hipótese em análise, a recorrente assaca a violação dos parâmetros constitucionais à decisão recorrida por esta dar como assente que a resposta do Ministério Público deu entrada dentro dos três dias previstos no artigo 145.º do Código de Processo Civil (CPC), sem que tivesse sido emitida declaração nesse sentido, não controvertendo sub species constitutionis qualquer norma jurídica, uma vez que apenas questiona nesta sede a correcção jurídica do julgado, no plano do seu acerto constitucional. Matéria essa que, por não serem admissíveis recursos que, ao jeito da Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub species constitutionis, a concreta aplicação do direito efectuada pelos demais tribunais, escapa à sindicância deste Tribunal.” (cfr. supra n° 4 do presente parecer).
9º
Em terceiro lugar, a motivação da reclamação para a conferência não é inteiramente convincente, quanto ao facto de a questão da aplicação do art. 145° do CPC constituir uma decisão surpresa, por parte do Tribunal da Relação de Lisboa.
É esta, com efeito, uma disposição prevista na lei e abundantemente utilizada pelos práticos forenses. Como defender, então, que a sua aplicação tenha surgido, de forma inesperada, para a reclamante-
O problema residirá, apenas, no facto de a sua defesa ter sido alicerçada na invocação do art. 413°, n° 1 do CPP, quando o prazo aplicável decorria directamente do art. 74°, n° 1 do RGCO, ou seja, era de 10 dias.
E a dificuldade resulta, ainda mais vincada, pelo facto de a reclamante ter apresentado a sua reclamação no prazo de 19 dias, ou seja, mais 9 dias do que o legalmente previsto.
Assim, a questão não é, em primeira linha, a do prazo utilizado pelo Ministério Público, que se conformou com o prazo legalmente fixado, mas, sim, do prazo – excessivo – utilizado pela arguida para apresentar a sua reclamação.
10º
Finalmente, a motivação de recurso é omissa sobre a última parte da argumentação expendida na Decisão Sumária n° 394/11, segundo a qual falecem igualmente os pressupostos do recurso porquanto o aresto indicado pela recorrente – o Acórdão n.º 355/01 – tendo decidido “não julgar inconstitucional a dimensão normativa que resulta do artigo 145.º, n.ºs 5 e 6, do Código de Processo Civil, segundo a qual o Ministério Público está isento da multa aí prevista, devendo, contudo, e nos termos do artigo 80.°, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, o tribunal a quo fazer aplicação de tal preceito, no sentido de exigir que o Ministério Público, não pagando a multa, emita uma declaração no sentido de pretender praticar o acto nos três dias posteriores ao termo do prato”, não proferiu qualquer juízo de inconstitucionalidade, não havendo identidade entre esse juízo e aquele, como o proferido nesse Acórdão, em que o Tribunal profere uma “sentença interpretativa”, fixando o sentido com que as normas devem ser interpretadas.”
(cfr. supra n° 5 do presente parecer). ».
II. Fundamentação
4. A decisão sumária reclamada tem o seguinte teor:
“(...)
1. A., S.A., melhor identificada nos autos, recorre pata o Tribunal Constitucional da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa que indeferiu a reclamação deduzida pela recorrente do despacho proferido no 3.º Juízo Criminal de Cascais que não admitiu o recurso interposto da sentença aí exarada.
O recurso foi interposto ao abrigo das alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual redacção (LTC), por requerimento com o seguinte teor:
“(...)
Reclamou a arguida para o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, por não concordar com o despacho da 1ª Instância que não admitiu, por extemporaneidade, o recurso por aquela interposto, o qual foi entregue decorridos 19 dias da leitura da sentença.
Tal reclamação teve por fundamento o facto de no caso em apreço não se poder aplicar o prazo de 10 dias, determinado no artigo 74º do RGCOC, bem como, nos termos do acórdão do S.TJ n.º 1/2009, que veio fixar jurisprudência no sentido de que o prazo para a interposição de recurso e respectiva resposta, em processo de contra-ordenação, é de 10 dias.
Isto porque, tendo sido concedido ao Ministério Público o prazo de 20 dias para responder ao recurso interposto pela ora recorrente, conforme se pode confirmar pela notificação efectuada aquele a 18/2/2010, seria inconstitucional considerar-se que o prazo que a ora recorrente teria para recorrer seria o de 10 dias, nos termos do n° 1 do artigo 74º do RGCOC, quando o prazo de resposta concedido foi de 20 dias
Inconstitucionalidade que foi declarada com força obrigatória geral, pelo Acórdão nº 27/2006, publicado no Diário da República, SÉRIE I-A, n° 45, de 03/03, por considerar que tal diferença de prazos constituía uma violação do principio da igualdade de armas, inerente ao princípio do processo equitativo, consagrado no n.º 4 do artigo 20.° da Constituição.
Pelo que, considerar o Tribunal que a ora recorrente apenas teria 10 dias para interpor o recurso é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade de armas, inerente ao princípio do processo equitativo consagrado no n.º 4 do artigo 20.° da Constituição.
Na decisão de que ora se recorre, considerou o Tribunal da Relação que não existia qualquer inconstitucionalidade, por no seu entendimento não existir desigualdade entre as partes.
Isto porque, entendeu o referido Tribunal que o Ministério Público apresentou a sua resposta no prazo de 10 dias. acrescido dos três que a lei lhe faculta por via do disposto no art.. 145.º, n.º 5 do C. P. Civil, e não nos 20 invocados
Bem como, entendeu o Tribunal que a notificação feita ao Ministério Público, deveria ser interpretada com as particularidades do RGCO.
Porém, não podemos concordar com tal posição, por a mesma estar também ferida de inconstitucionalidade.
Porquanto, para que o Ministério Público possa usar da faculdade prevista no art.º 145., n.º 5, do C P. Civil, sem pagamento de multa, e sem se considerar que existe violação do princípio da igualdade de armas, é-lhe exigido que emita uma declaração no sentido de pretender praticar o acto nos três dias posteriores ao termo do prazo.
Veja-se neste sentido, o Acórdão n.º 355/01, proferido na 2ª Secção do Tribunal Constitucional (Proc. N.° 774/2000).
E, no presente caso, o Ministério Público não emitiu tal declaração.
Pelo que, de uma forma ou de outra, isto é, quer se considere que ao Ministério Público foi concedido o prazo de 20 dias – o qual utilizou –, quer se considere que não foi concedido tal prazo, mas antes que praticou o acto dentro dos três dias previstos no referido art. l45.º – sem emitir declaração –, existe violação do princípio da igualdade de armas, inerente ao princípio do processo equitativo, consagrado no n.º 4 do artigo 20.ºda Constituição”.
2. O recurso foi admitido pelo tribunal a quo. Todavia, uma vez que em face do disposto no n.º 3 do artigo 76.º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional e porque a presente situação se enquadra na hipótese delineada no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, passa a decidir-se nos termos seguintes.
3. Como se referiu, o presente recurso vem interposto ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alíneas b) e g), da LTC.
No que tange com os requisitos dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) da referida norma, exige-se que a questão de inconstitucionalidade tenha de ser suscitada em termos adequados, claros e perceptíveis, durante o processo, de modo que o tribunal a quo ainda possa conhecer dela antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre tal matéria e que desse ónus de suscitar adequadamente a questão de inconstitucionalidade em termos do tribunal a quo ficar obrigado ao seu conhecimento decorre a exigência de se dever confrontar a norma sindicanda com os parâmetros constitucionais que se têm por violados, só assim se possibilitando uma razoável intervenção dos tribunais no domínio da fiscalização da constitucionalidade dos actos normativos.
É evidente a razão de ser deste entendimento: o que se visa é que o tribunal recorrido seja colocado perante a questão da validade da norma que convoca como fundamento da decisão recorrida e que o Tribunal Constitucional, que conhece da questão por via de recurso, não assuma uma posição de substituição à instância recorrida, de conhecimento da questão de constitucionalidade fora da via de recurso (cf., por exemplo, os Acórdãos n.ºs 352/94, 560/94 e 155/95, in Diário da República II Série, respectivamente, de 6 de Setembro de 1994, de 10 de Janeiro de 1995 e de 20 de Junho de 1995).
Por seu turno, nos termos da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º apenas se admitem os recursos de decisões que apliquem norma(s) previamente julgada(s) inconstitucional (ais) por este Tribunal.
No entanto, em ambos os casos, o conhecimento do seu objecto implica que as normas cuja constitucionalidade se pretende ver sindicada tenham sido aplicadas pela decisão recorrida como ratio decidendi daquela, constituindo, assim, o autêntico fundamento normativo do juízo de que se recorre para o Tribunal Constitucional.
3.1. Na sua reclamação, o recorrente suscitou a inconstitucionalidade do artigo 74.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), quando interpretado no sentido de que o prazo para interposição de recurso é de 10 dias mas sendo de 20 dias o prazo para o Ministério Público lhe responder, por violação do princípio da igualdade de armas, inerente ao princípio do processo equitativo, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
Relativamente à questão dos prazos para interposição de recurso para lhe responder, a decisão recorrida julgou do seguinte modo:
“(...)
Assim, há que ter presente que no que concerne ao prazo estabelecido para a interposição do recurso, o n.º 1 desse mesmo art.º 74.° refere que “O recurso deve ser interposto no prazo de 10 dias a partir da sentença ou do despacho, ou da sua notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste.”
Nesta situação em que a lei especial expressamente consagra prazo próprio para os recursos das decisões proferidas em 1.ª instância, será esse o prazo a respeitar, não havendo qualquer razão para que se recorra a prazo distinto, previsto em lei subsidiária.
Diga-se que entretanto, em 16 de Janeiro de 2009, foi publicado no Diário da República (n.º 11, Série I) o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Uniformizador de Jurisprudência, n.º 1/2009 que veio consagrar a posição que acabámos de transmitir – “Em processo de contra-ordenação, é de 10 dias quer o prazo de interposição de recurso para a Relação quer o de apresentação da respectiva resposta, nos termos dos artigos 74.°, n°s 1 e 4, e 41.° do Regime Geral de Contra-Ordenações (RGCO).”
Por via deste Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (que consagra que o prazo de dez dias é aplicável quer ao recurso quer à resposta ao mesmo) deixou de ter razão de ser a inconstitucionalidade que anteriormente tinha sido declarada pelo Ac. do Tribunal Constitucional 27/2006, de 10 de Janeiro, publicado no DR n.º 45, de 03/03/2006 – e a que o Reclamante faz referência – pois que a mesma, resultava do facto de se consagrarem prazos distintos para o recurso e sua resposta.
Importa agora saber se, no caso, essa desigualdade verdadeiramente se registou.
A resposta será negativa.
Com efeito, não só o Ministério Público apresentou a sua resposta no prazo de 10 dias (acrescido dos três que a lei lhe faculta por via do disposto no art.º 145°, n.º 5 do Código de Processo Civil), como também inexiste qualquer despacho a considerar como sendo de 20 dias o prazo para a apresentação da resposta. A notificação a que o Reclamante faz alusão, efectuada oficiosamente pela secretaria, limita-se a dizer que o Ministério Público fica notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 413°, n.º 1 e 2 do Código de Processo Penal, sendo porém certo que se pode interpretar esse normativo devidamente adaptado às particularidades do RGCO, como resulta do disposto nos artgs. 74.º, n.ºs 1 e 4 e 41° do RGCO, e é indicado no citado Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 1/2009.
Não se tendo em concreto verificado qualquer situação de desigualdade, não há a registar qualquer situação de inconstitucionalidade”.
Decorre desse juízo que o Tribunal a quo não aplicou como ratio decidendi a norma do artigo 74.º, n.º 1, do RGCO, no segmento normativo controvertido pelo recorrente, tendo deixado expresso que o prazo de 10 dias aplicava-se – e, in casu, aplicou-se –, quer à interposição do recurso, quer à resposta do Ministério Público.
Por esse motivo, não há que tomar conhecimento do objecto do recurso quanto a essa questão.
3.2. Resulta, ainda, do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, a recorrente contesta igualmente a posição do Tribunal recorrido “porquanto, para que o Ministério Público possa usar da faculdade prevista no art.º 145., n.º 5, do C P. Civil, sem pagamento de multa, e sem se considerar que existe violação do princípio da igualdade de armas, é-lhe exigido que emita uma declaração no sentido de pretender praticar o acto nos três dias posteriores ao termo do prazo”, concluindo que “de uma forma ou de outra, isto é, quer se considere que ao Ministério Público foi concedido o prazo de 20 dias – o qual utilizou –, quer se considere que não foi concedido tal prazo, mas antes que praticou o acto dentro dos três dias previstos no referido art. l45.º – sem emitir declaração –, existe violação do princípio da igualdade de armas, inerente ao princípio do processo equitativo, consagrado no n.º 4 do artigo 20.ºda Constituição”.
Contudo, também relativamente a esta questão, não se encontram verificados os requisitos de conhecimento do recurso de constitucionalidade.
Vejamos.
Como é consabido, no recurso de constitucionalidade, não pode sindicar-se a decisão judicial em sim própria, mesmo quando esta faça aplicação directa de preceitos ou princípios constitucionais, quer no que importa à correcção, no plano do direito infraconstitucional, da interpretação normativa a que a mesma chegou, quer no que tange à forma como o critério normativo previamente determinado foi aplicado às circunstâncias específicas do caso concreto (correcção do juízo subsuntivo).
Ora, na hipótese em análise, a recorrente assaca a violação dos parâmetros constitucionais à decisão recorrida por dar como assente que a resposta do Ministério Público deu entrada dentro dos três dias previstos no artigo 145.º do Código de Processo Civil (CPC), sem que tivesse sido emitida declaração nesse sentido, não controvertendo sub species constitutionis qualquer norma jurídica, uma vez que apenas questiona nesta sede a correcção jurídica do julgado, no plano do seu acerto constitucional. Matéria essa que, por não serem admissíveis recursos que, ao jeito da Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub species constitutionis, a concreta aplicação do direito efectuada pelos demais tribunais, escapa à sindicância deste Tribunal.
Por outro lado, mesmo a perfilhar-se diferente entendimento quanto a esse aspecto essencial do recurso, a verdade é que também não podiam dar-se por preenchidos os requisitos específicos do recurso de constitucionalidade relativos às alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
De facto, quanto ao recurso previsto na alínea b) da referida norma, exige-se que a questão de constitucionalidade seja suscitada durante o processo, antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo.
Contudo, a recorrente não suscitou a inconstitucionalidade nem do artigo 74.º, n.º 1, do RGCO, nem do artigo 145.º do CPC, no contexto aqui em causa. E, não podendo validamente sustentar-se que o juízo recorrido constitua uma decisão surpresa na parte em que aplica as referidas normas, atento o conhecimento da data em que o acto do Ministério Público foi praticado, não estaria aquela dispensada de suscitar a referida inconstitucionalidade, prevenindo a sua aplicação pelo Tribunal recorrido.
Por fim, no que concerne à alínea g) do artigo 70.º, n.º 1, da LTC, que admite o recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos demais tribunais que apliquem norma já julgada inconstitucional, falecem igualmente os pressupostos do recurso porquanto o aresto indicado pela recorrente – o Acórdão n.º 355/01 – tendo decidido “não julgar inconstitucional a dimensão normativa que resulta do artigo 145.º, n.ºs 5 e 6, do Código de Processo Civil, segundo a qual o Ministério Público está isento da multa aí prevista, devendo, contudo, e nos termos do artigo 80.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, o tribunal a quo fazer aplicação de tal preceito, no sentido de exigir que o Ministério Público, não pagando a multa, emita uma declaração no sentido de pretender praticar o acto nos três dias posteriores ao termo do prazo”, não proferiu qualquer juízo de inconstitucionalidade, não havendo identidade entre esse juízo e aquele, como o proferido nesse Acórdão, em que o Tribunal profere uma “sentença interpretativa”, fixando o sentido com que as normas devem ser interpretadas.
4. Termos em que, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do objecto do recurso”.
5. A presente reclamação não abala os fundamentos da decisão sumária reclamada, os quais, adiantou o Ministério Público, aqui se mantêm.
5.1. Em primeiro lugar, e desde logo, porque a decisão sumária considerou que a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa não havia aplicado como ratio decidendi do aí decidido a norma do artigo 74.º, n.º 1, do RGOC, com o sentido apontado pela reclamante, porquanto, ao invés do alegado por esta, a decisão recorrida expressamente definiu – e foi com tal sentido que aplicou a norma – que o prazo de 10 dias se aplicava quer à interposição do recurso, quer à resposta do Ministério Público.
Aliás, a decisão reclamada é perfeitamente clara quando afirma que a norma cuja inconstitucionalidade fora suscitada durante o processo não fora aplicada pela decisão recorrida, no segmento interpretativo contestado pela ora reclamante.
Não infirmando a reclamante este fundamento da decisão sumária reclamada, tanto basta para justificar a improcedência da reclamação.
5.2. Por outro lado, a reclamação deixa igualmente inatacado o fundamento da decisão sumária de que a reclamante se apresentara a discutir a correcção da decisão judicial em si própria, perante os parâmetros constitucionais, no que tange à parte da mesma em que deu como matéria processual assente a de que a resposta do Ministério Público, no recurso interposto no processo de contra-ordenação, havia dado entrada dentro do prazo legalmente estabelecido de 10 dias, adicionado da tolerância legalmente estabelecida no artigo 145.º do CPC, de três dias.
Na verdade, a reclamante defende que a decisão recorrida procedeu a uma errada aplicação do comando do artigo 145.º do CPC, porquanto o Ministério Público, ao apresentar a sua resposta, não fizera a declaração de se querer prevalecer da tolerância prevista no preceito e que, sendo assim, o tribunal recorrido não a poderia ter em conta e que, ao tê-la, age com violação do princípio da igualdade das partes.
A reclamante apresenta-se, assim, a impugnar a correcção do juízo aplicativo levado a cabo pela decisão recorrida e não a validade constitucional de qualquer norma jurídica que o mesmo suponha ou de que faça aplicação.
Neste âmbito, importa ainda notar que não decorre sequer da decisão recorrida que a aplicação da tolerância de prazo consignada no art.º 145.º do CPC dependa ou não de declaração nesse sentido pela parte que dela se pretende prevalecer.
A decisão recorrida fez aplicação do preceito sem que, correcta ou incorrectamente, tenha equacionado e resolvido a questão posta pela reclamante.
Ora, esse eventual erro de julgamento não pode ser conhecido em recurso de constitucionalidade normativa.
Deste modo, também a falta de impugnação daquele fundamento da decisão sumária faz soçobrar, igualmente, a reclamação.
5.3. Em terceiro lugar, independentemente de a decisão recorrida não se haver pronunciado sobre os pressupostos de aplicação do regime estatuído no art.º 145.º do CPC e de, a título académico, poder até admitir-se que a interpretação sustentada pela reclamante constituía um dos seus sentidos plausíveis e de que a decisão recorrida pressuporia – se bem que não necessariamente, pois o julgador poderá nem sequer o ter cogitado – um outro diverso comando normativo – o de que não é obrigatória a declaração da parte de que pretende prevalecer-se do preceito – e, finalmente, de que a reclamante pretende questionar constitucionalmente a norma correspondente a este último sentido normativo do art.º 145.º do CPC, sempre a reclamação seria de indeferir.
Na verdade, ao contrário do sustentado pela reclamante, não poderá ter-se a aplicação deste hipotético sentido normativo como correspondendo a uma decisão surpresa que a reclamante não pudesse ter antecipado e colocado ao tribunal recorrido para controlo da sua validade constitucional.
Confrontada com a prática de um acto processual fora do prazo peremptório estabelecido legalmente para a sua prática, caberia, no mais singelo dever de prudência técnica, pressuposta pelo exercício profissional do mandato forense, equacionar, a quando da notificação da apresentação da resposta do M.º P.º, no recurso jurisdicional do processo de contra-ordenação e antes da decisão judicial, a questão de saber se esse prazo peremptório não poderia ser dilatado nos termos do artigo 145.º do Código de Processo Civil e quais os pressupostos para o uso dessa prerrogativa, suscitando, então, a respectiva questão de constitucionalidade.
Trata-se, ademais, de um instrumento processual de uso frequente na prática forense, pelo que a sua mobilização poderia ter sido perfeitamente antecipada logo a seguir à apresentação da resposta pelo Ministério Público e, consequentemente, suscitando nesse momento a pertinente questão de constitucionalidade normativa.
Não procede, pois, também este fundamento da reclamação.
III. Decisão
6. Termos em que, em face de tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação.
Custas pela reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 UCs.
Lisboa, 11de Outubro de 2011.- J. Cunha Barbosa – Joaquim de Sousa Ribeiro – Rui Manuel Moura Ramos.