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Processo n.º 717/10
1. ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A. recorre ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro (LTC) do acórdão proferido em 24 de Maio de 2010 na Relação de Guimarães, pretendendo submeter à apreciação do Tribunal Constitucional a norma retirada dos n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 20-A/90 de 15 de Janeiro, que alega ser inconstitucional por violação dos artigos 32.º n.º 1 e 29.º n.º 1 da Constituição.
O recurso foi admitido e o recorrente apresentou a sua alegação, na qual conclui:
1.ª - Nos presentes autos os arguidos foram condenados em primeira instância, decisão essa confirmada pelo acórdão recorrido, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal mediante sentença produzida na sequência de acusação deduzida pelo Mº. Pº., posterior a inquérito deduzido pelas finanças, representadas por um agente da administração fiscal.
2.ª - A acusação devia ter sido liminarmente rejeitada como se sustentou ao longo do processo, já que os agentes da administração fiscal dependem organicamente da administração tributária e não do Ministério Público.
3.ª - Q inquérito realizado, no caso, porque não o foi sob a direcção, ao menos funcional, do Ministério Público, ou sob competência delegada por este é inconstitucional, pelo que a acusação que sobre o mesmo repousa não podia ser recebida (cfr. os artºs. 204º, 277º, 2 19º, 32º nº 4 da Constituição, 263º do Código de Processo Penal, 43º do RJIFNA e os Acs. Rei, de Coimbra de 7/2/1996 in Col. Jur. XXI, I, 51, Rel. de Lisboa de 4/5/90 in Col. Jur. XVIII, 158, do Tribunal Constitucional de 20/4/94 in BMJ 436, 96 e de 31/1/90 in BMJ 383, 181, 456/93 de 12/8/93 in BMJ 429/369).
4.ª - O acórdão recorrido e a decisão que versou sobre as questões prévias suscitadas funda-se, deste modo, em norma (o artº. 430 nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 20-A/90 de 15/1 e 40º n.º 2 do REGIT) que viola os artºs. 219º e 32º nºs 1 e 4 da Constituição, e n.º 2 e 3 do art.º 407º do Código de Processo Penal, pelo que não podia ser aplicadas e interpretadas no sentido supra exposto pelos tribunais (artº. 32º n.º 1, 204º, 277º da mesma Constituição).
Termos em que, na precedência do recurso, deve revogar-se a decisão recorrida, julgando-se inconstitucional
a) a interpretação conjugada efectuada pelo Tribunal recorrido dos n.º 2 e 3 do art.º 407º do Código de Processo Penal por violação do art.º 32º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
b) o citado artº. 43º n.ºs 1 e 2 da Lei 20-A/90 de 15/1 e 400 n.º 2 do REGIT, e em consequência, julgar-se a acusação improcedente e não provada, absolvendo-se o arguido para que se faça JUSTIÇA!
2. O representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional apresentou contra-alegação, concluindo:
1. A decisão impugnada consta do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 24 de Maio de 2010, proferido nos autos de “recurso penal”, n.º 293/04.4TAGMR.G1 (fls. 1221 a 1226).
2. É um recurso por constitucionalidade (decisão positiva), pois o acórdão impugnado, nesta parte, julgou improcedente a questão de constitucionalidade suscitada nos autos (fls. 1223).
3. Objecto do recurso, tal como fixada pelo recorrente, é a “interpretação que na 1.ª instância foi dada à norma do artigo 43º n.ºs 1 e 2 RJIFNA, por violação, nomeadamente, artigos 32º n.º 1 e 29º nº 1” da CRP, pois, “De facto o Ministério Público está obrigado a dar início ao inquérito, sob pena de não o fazendo, enquanto detentor exclusivo da acção penal violar as normas supra referidas” (fls. 1231, 1232 e 1253).
4. As conclusões 1.ª a 3.ª, da alegação do recorrente, não recaem sobre “questões normativas”, no sentido do sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade, pelo que não são matéria idónea do recurso de constitucionalidade.
5. A 4.ª conclusão só em parte cuida de “questões normativas”, no sentido do sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade, sendo certo que, na parte passível de conhecimento e decisão nesta sede, as referidas questões são totalmente improcedentes.
6. As normas que se extraem dos arts. 29.º (Aplicação da lei criminal), n.º 1, e 32.º (Garantias de processo criminal), n.ºs 1 e 4, todas da CRP, manifestamente, não regem sobre a questão da “instauração” ou “realização” do processo penal fiscal, na forma de “processo de averiguações”.
7. O regime do art. 43.º, n.ºs 1 e 2, do RJIFNA, em si mesmo e no sistema no quadro do qual tem ser interpretado, em nada belisca o comando constitucional do art. 219.º (Funções e estatuto), n.º 1, da CRP, na parte em reserva para o Ministério Público o exercício da acção penal.
8. Com efeito, “salvo quando as disposições processuais das leis fiscais dispuserem de forma diferente”, o RJIFNA expressamente estabelecia como “direito aplicável” ao processo penal fiscal “as disposições do Código de Processo Penal e da legislação complementar” (art. 41.º), sendo que, após o encerramento do “processo de averiguações”, o mesmo é remetido ao “Ministério Público competente” (art. 45.º) e, finalmente, o Ministério Público estava expressa e exclusivamente investido dos poderes de acusar, arquivar e realizar actos de inquérito nos autos (RJIFNA, art. 47.º, n.ºs 1 e 2).
9. Mais cabia, sempre, ao Ministério Público “dirigir o inquérito”, sendo que os agentes da administração fiscal, enquanto “órgãos de polícia criminal”, “coadjuvam” e estão postas sob a respectiva “direcção”, “dependência funcional” e “directa orientação”, nos termos da lei processual penal (RJIFNA, art. 41.º, e CPP, arts. 53.º, n.º 2, al. b), 55.º, n.º 1, 56.º e 263.º, n.ºs 1 e 2).
10. Deste conjunto de competências e poderes decorria, insofismavelmente, que a titularidade do inquérito e seus actos era do Ministério Público, nos termos gerais (CPP, art. 262.º), pelo que, em sede do processo penal fiscal do RJIFNA, na forma de “processo de averiguações”, não havia violação da “reserva de função”, que lhe é cometida em matéria do exercício da acção penal pela lei constitucional (art. 219.º, n.º 1).
Pelo exposto, e o mais que doutamente suprirão, por manifesta e total improcedência dos seus motivos, deve por V. Exas. ser negado provimento ao presente recurso de constitucionalidade.
3. Cumpre decidir.
Reporta-se o presente recurso à imputada inconstitucionalidade da norma retirada dos n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 20-A/90 de 15 de Janeiro, diploma que aprovou o Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras, e que, no entender do recorrente, prevê excepções constitucionalmente proibidas ao poder exclusivo do Ministério Público para o exercício da acção penal. Diz o preceito em causa:
1 - Face ao conhecimento de factos que indiciem a presumível prática de um crime fiscal, o agente da administração fiscal competente inicia um processo de averiguações tendente a determinar os elementos constitutivos do crime e as circunstâncias da sua averiguação.
2 - Ao agente da administração fiscal cabem, durante o processo de averiguações, os poderes e as funções que o Código de Processo Penal atribui ao Ministério Público relativamente à prática de actos de inquérito.
3 - O processo de averiguações tem de estar concluído no prazo máximo de seis meses contados da data em que foi adquirida a notícia do crime ou praticado qualquer acto de averiguações.
4 - No caso de ser intentado processo fiscal gracioso ou contencioso em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos praticados, não será encerrado o processo de averiguações enquanto não for praticado acto definitivo ou proferida decisão final sobre a referida situação tributária, suspendendo-se, entretanto, o prazo a que se refere o número anterior.
4. Todavia, à semelhança do que o Tribunal ponderou no Acórdão n.º 105/04 (DR, II série de 24 de Março de 2004), também aqui não pode dizer-se que as normas impugnadas prevejam (ou que tenham sido aplicadas com o sentido de preverem) qualquer competência exclusiva da administração fiscal e da Segurança Social para a investigação dos crimes fiscais, não colidindo, assim, com a legitimidade do Ministério Público para promover o processo criminal, nem com a direcção efectiva do inquérito, antes deixando intocadas as suas funções como titular da acção penal. Diz o Acórdão n.º 105/04:
Ora, mesmo para quem entenda que, segundo a Constituição da República, o exercício da acção penal é um poder detido em exclusivo pelo Ministério Público – questão que pode deixar-se em aberto (cfr., ainda assim, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Anotada, 3ª ed., pág. 830, que encaram essa exclusividade como sendo “problemática”; por outro lado, foi já outra também a solução no domínio das transgressões fiscais antes da entrada em vigor do RJIFNA, admitindo-se que as funções do Ministério Público continuavam a ser desempenhadas pelo Representante da Fazenda Pública; já Anabela Miranda Rodrigues, “O inquérito no novo Código de Processo Penal”, in Jornadas de Direito Processual Penal, Centro de Estudos Judiciários, págs. 68, perfilha posição contrária, defendendo a exclusividade do poder do Ministério Público) – é certo que as normas em causa não são de julgar inconstitucionais.
Com efeito, os recorrentes concluem pela inconstitucionalidade dos artigos 43º e 44º do RJIFNA pelas circunstâncias: de a instauração do processo de averiguações caber directamente à administração fiscal ou da segurança social, apelidando-a de uma competência própria (a ponto de, segundo o n.º 3 do artº 42º do RJIFNA, qualquer autoridade judiciária ter de transmitir ao agente da administração fiscal competente os elementos de que disponha e que indiciem a presumível prática de crime fiscal, conhecidos no decurso de um processo por crime não fiscal); de ser competente para a realização desse processo a entidade indicada no artigo 44º, ou seja, o director distrital de finanças; de essa administração não orientar a sua actividade por princípios de objectividade e de imparcialidade; e de, finalmente, não terem sequer que dar conhecimento ao Ministério Público da instauração do processo de averiguações.
Ora, e desde logo, o dever da administração fiscal competente para proceder às averiguações de comunicar a instauração do respectivo processo ao Ministério Público decorre directamente do disposto no artigo 248º do CPP, que assim dispõe:
“ 1 – Os órgãos de polícia criminal que tiverem notícia de um crime por conhecimento próprio ou mediante denúncia, transmitem-na ao Ministério Público no mais curto prazo.
2 - Em caso de urgência, a transmissão a que se refere o número anterior pode ser feita por qualquer meio de comunicação para o efeito disponível. A comunicação oral deve, porém, ser seguida de comunicação escrita”.
Este preceito é aplicável à administração fiscal por força do estipulado no artigo 41º do RJIFNA, onde se dispõe que “ao processamento dos crimes fiscais são aplicáveis as disposições do Código de Processo Penal e da legislação complementar, salvo quando as disposições processuais das leis fiscais dispuserem de forma diferente” (pois, na verdade, nenhuma destas disposições prescreve em sentido diferente).
Por outro lado, o agente da administração que procede às averiguações relativas ao crime fiscal detém o estatuto de órgão de polícia criminal, nos termos do transcrito artigo 43º, n.º 2, do RJIFNA. Nesta medida, está colocado na posição do órgão de polícia criminal a que se refere o artigo 248º do Código de Processo Penal.
Nesta lógica não se pode entender a iniciativa da administração fiscal de instaurar o processo de averiguações sem a existência de uma prévia autorização do Ministério Público, como uma verdadeira competência “própria” (na acepção dada pelos recorrentes), ou desligada da titularidade do Ministério Público quanto ao exercício da acção penal e quanto à possibilidade de direcção do inquérito.
O artigo 263º, n.º 1, do CPP confia a direcção do inquérito ao Ministério Público, assistido pelos órgãos de polícia criminal. E o que é certo é que nenhum dos preceitos do RJIFNA retira esse poder de direcção ao Ministério Público. Ao invés, o referido n.º 2 do artigo 43º do RJIFNA põe antes o agente competente da administração (a que o artigo 44º se refere) na veste de órgão de polícia criminal, ao prescrever que lhe cabem os “poderes e as funções que o Código de Processo Penal atribui” a tais órgãos. E, tendo em conta a especial preparação técnica desses agentes da administração no domínio material em causa, o preceito vai ainda mais longe e presume-lhes delegada a “prática de actos que o Ministério Público pode atribuir àqueles órgãos”.
Assim sendo, pode ver-se a instauração do processo de averiguações fiscais por parte da respectiva entidade administrativa competente enquanto um acto praticado a coberto da legitimidade do Ministério Público.
Ao que acresce que é ao Ministério Público que cabe apreciar a consistência indiciária dos elementos de prova recolhidos e enveredar pela acusação ou pelo arquivamento, consoante considere terem ou não “sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente” (artigo 47º do RJIFNA), podendo, como é evidente, optar, antes de se pronunciar num desses dois sentidos, por efectuar ou mandar efectuar pelos órgãos de polícia criminal quaisquer diligências que se lhe afigurem úteis à descoberta da verdade, ao abrigo do seu poder de direcção do inquérito e de titular da acção penal.
Não pode, pois, dizer-se que as normas impugnadas prevejam (ou que tenham sido aplicadas com o sentido de preverem) qualquer competência exclusiva da administração fiscal e da segurança social para a investigação dos crimes fiscais, não colidindo, pois, com a legitimidade do Ministério Público para promover o processo criminal, nem com a direcção efectiva do inquérito, e antes deixando intocadas as suas funções como titular da acção penal.
Não valem, também, os argumentos que os recorrentes desferem, de falta de objectividade e de imparcialidade na direcção do processo de averiguações. Esses valores são acolhidos como densificações estabelecidas no plano da lei ordinária (cfr. artigo 2º, n.º 2, do Estatuto do Ministério Público – Lei n.º 143/99, de 31 de Agosto) do princípio constitucional da “autonomia nos termos da lei” a que se refere o artigo 219º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, mas, agindo os órgãos da administração fiscal como órgãos de polícia criminal, eles “actuam, no processo, sob a orientação das autoridades judiciárias e na sua dependência funcional” (artigo 56º do Código de Processo Penal). Comungam, pois, dos mesmos deveres do Ministério Público, não se vendo que ocorra qualquer violação do artigo 219º da Constituição.
6. O mesmo se deve dizer relativamente ao artigo 111º da Constituição, onde se prevê o dever de os órgãos de soberania (entre os quais se não conta o Ministério Público enquanto tal – cfr. o artigo 110º, n.º 1, da Constituição) observarem a separação estabelecida na Constituição.
Aliás, os recorrentes não concretizam que parâmetros normativos deste preceito saem violados, sendo a sua alegação por demais genérica para ter idoneidade para dar a conhecer as razões pelas quais o preceito constitucional se poderia ter por violado pelas normas em causa.
O único ponto que se vislumbra como podendo abarcar a questão é a imputação feita pelos recorrentes de a administração agir a um tempo como “ofendida” e a outro tempo como “órgão de polícia criminal”. Mas mesmo entendida assim a alegação dos recorrentes, sempre lhes faltará a razão. É que não poderá olhar-se para a administração fiscal como sendo a titular do interesse ofendido: ofendido é o Estado enquanto titular directo dos bens jurídicos violados pelo crime. A administração fiscal é apenas um serviço da administração directa do Estado a quem estão cometidas certas atribuições – a principal das quais consiste na arrecadação das receitas tributárias – e a prossecução de certos interesses, cuja ofensa é elevada, em alguns casos, a razão de ser dos tipos penais fiscais.
E anote-se, aliás, que a lógica dos recorrentes conduziria ad absurdum também a que o Ministério Público não pudesse exercer a acção penal, pois que nos termos da Constituição também ele representa o Estado (artigo 219º).
Não procede, pois, a alegação da violação do artigo 111º da Constituição.
7. E o mesmo se conclui quanto à inconstitucionalidade que é imputada aos mesmos artigos 43º e 44º do RJIFNA, por violação dos n.ºs 4 e 5 do artigo 32º da Constituição.
Este n.º 4 dispõe que “toda a instrução é da competência de um juiz, o qual pode, nos termos da lei, delegar noutras entidades a prática dos actos instrutórios que se não prendam directamente com os direitos fundamentais”. Sobre este preceito, deve, porém, recordar-se que a sua compatibilidade com a condução do inquérito penal por órgãos de polícia criminal, sob a direcção do Ministério Público, com uma fase de instrução de natureza facultativa, nos termos previstos no Código de Processo Penal, foi já objecto de decisão deste Tribunal, logo em fiscalização preventiva deste diploma, pelo acórdão n.º 7/87 (in DR, I série-A, de 9 de Fevereiro de 1987), que decidiu não se pronunciar pela inconstitucionalidade das normas desse diploma que atribuem a direcção do inquérito ao Ministério Público (veja-se o ponto 2.3 desse aresto).
No presente caso há apenas que, em relação às normas em questão, remeter, quanto ao confronto com o artigo 32º, n.º 4, da Constituição, para tal fundamentação, recordando que o processo de averiguações em causa é, tal como o inquérito no processo penal, um momento que tanto pode desembocar na acusação como no arquivamento dos autos (cfr. artigo 47º do RJIFNA): enquanto o processo de averiguações tende a investigar a existência do crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles, descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação (cfr. artigos 262º do CPP e 43º e 47º do RJIFNA); a instrução visa “a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento” (artigo 286º, n.º 1, do CPP). E recordando ainda que, como se viu, não se prevê nas normas em questão qualquer competência exclusiva da administração fiscal, que afaste, designadamente, a legitimidade do Ministério Público para promover a acção penal.
8. O n.º 5 do artigo 32º da Constituição consagra a regra de que o processo criminal assenta numa estrutura acusatória.
Ora, não se vê em que é que a possibilidade de instauração do processo de averiguações sem prévia comunicação ao Ministério Público, mas apenas depois, bem como a realização dos actos que integram a fase das averiguações por parte da administração fiscal, agindo como órgão de polícia criminal em quem se presume delegada a prática dos actos que o Ministério Público pode atribuir àqueles órgãos (artigo 43º, n.º 2, do RJIFNA) – entre eles se contando a possibilidade de constituir as pessoas investigadas como arguidas e de lhes fixar a medida de coacção do termo de identidade e residência (art.ºs 58º, 59º e 196º do CPP) –, contenda com tal estrutura acusatória, e, designadamente, com o direito do arguido de contraditar os actos instrutórios, ainda que praticados no processo de averiguações, visando destruir o valor indiciário da acusação (seja em sede de instrução, seja em sede de julgamento).
O direito do arguido em nada sai afectado pelo simples facto de o processo de averiguações ter sido levado a cabo (no uso de uma competência não exclusiva) pela administração fiscal ou da Segurança Social, investidas na qualidade de órgãos de polícia criminal, mantendo, porém, o Ministério Público todas as competências que, segundo o Código de Processo Penal, não pode delegar nestes órgãos, e podendo, a qualquer momento, avocar o processo (cuja instauração lhe é comunicada) para, mesmo em relação àquelas competências que podia delegar (e que se presumem delegadas) conduzir directamente o processo.
9. Não se verificando, portanto, a violação, pelos artigos 43º e 44º do RJIFNA, de qualquer dos parâmetros constitucionais invocados pelos recorrentes, nem se descortinando quaisquer outros que devam ter-se por violados, há que negar provimento ao presente recurso.
No mesmo sentido se orientou o Acórdão n.º 29/05, que pode ser consultado no site do Tribunal. É esta a jurisprudência a que se adere. Assim, pelos fundamentos do citado aresto, o Tribunal Constitucional decide não julgar inconstitucionais os n.ºs 1 e 2 do 43º do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90 de 15 de Janeiro.
5. Em consequência, nega-se provimento ao recurso. Custas pelos recorrentes, fixando a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de conta.
Lisboa, 11 de Outubro de 2011.- Carlos Pamplona de Oliveira – José Borges Soeiro – Gil Galvão – Maria João Antunes – Rui Manuel Moura Ramos.