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Processo n.º 898/10
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. No Tribunal Judicial de Matosinhos foi proferida sentença, na acção de impugnação de paternidade que A. propôs contra B. e C. a pedir a sua condenação a reconhecerem que o autor não é pai do 2º réu, que decidiu:
[...] Certo é, no entanto, que o art. 1842º, nº 1, al. a) do Código Civil estabelece um prazo de caducidade para a propositura de uma tal acção: o marido da mãe dispõe de um prazo de três anos, a contar da data do seu conhecimento sobre a não paternidade, para esse efeito.
No caso em apreço, é manifesto que o autor vem intentar a presente acção de impugnação de paternidade muito depois dos três anos prescritos na referida norma, pois sabia-o já quando casou com a mãe do C., antes do nascimento deste, sabendo-se que esta conta já mais de 19 anos. Mas nem por isso deve considerar-se caducado o direito do autor à propositura desta acção, como se passa a justificar.
O Acórdão do TC 11.0 23/2006, de 10-01, declarou inconstitucional, com força obrigatória geral, a norma do n.º 1 do art. 1817.º do CC, nos termos da qual o direito de investigar a paternidade caducava nos dois primeiros anos posteriores à maioridade do investigante. A Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril veio introduzir uma alteração a essa norma, designadamente ampliando para dez anos aquele prazo de dois anos. Porém, como vem assinalando a jurisprudência, a esta nova solução são ainda aplicáveis as razões que fundaram a anterior declaração de inconstitucionalidade: continua a ser materialmente inconstitucional uma norma que estabelece um tal prazo ‘na medida em que é limitador da possibilidade de investigação a todo o tempo, constituindo, o estabelecimento do mesmo e nos tempos que correm, com o novo paradigma do direito fundamental à identidade pessoal e de livre desenvolvimento da personalidade, uma restrição não justificada, desproporcionada e não admissível do direito do filho saber em vida de quem descende.” (Ac. do STJ de 21/9/2010, proc. nº 4/07.2TBEPS.G1.S1; cfr. também Ac. do STJ de 21/9/2010, proc. nº 495/04 – 3TBOR.C. 1 .S. 1, ambos in www.dgsi.pt).
Os interesses que estão em causa no citado juízo de inconstitucionalidade material, traduzidos na afirmação da verdade biológica, na identidade pessoal e no livre desenvolvimento da personalidade, protegidos pelo art. 26º da Constituição da República Portuguesa, verificam-se não apenas nas situações de investigação da filiação, mas, identicamente, também naquelas em que se pretende excluir uma relação juridicamente estabelecida mas não coincidente com a verdade biológica.
Veja-se, a este propósito e neste sentido, o Ac. do STJ de 25/3/20 10, proc. nº l44/07.8TBFVN.C1.S1, in www.dgsi.pt:
I-(...)
II - Na acção de impugnação de paternidade proposta pelo marido da mãe, o autor defende um direito próprio à verdade biológica, com vista a ilidir a presunção de paternidade atentatória da mesma.
III- (...)
IV - Se o filho pode impugnar a paternidade, sem limitação de prazo, também, a impugnação da paternidade pelo presumido progenitor pode ser intentada, sem incorrer em caducidade, sob pena de inaceitável discriminação de um dos elos da relação jurídico-filial.
V - A impugnação deduzida pelo autor, relativamente à paternidade presumida do réu menor, no que concerne à substância de um casamento que não chegou a durar sete anos e de uma coabitação inferior a quatro, não agride um estado jurídico e social prévio, dotado de uma longevidade e densidade consideráveis, capaz de justificar uma particular censura jurídico-constitucional.
VI - A norma constante do art. 1842.º, n.º 1, al. a), do CC, na dimensão interpretativa que prevê um prazo limitador da possibilidade do progenitor e marido da mãe propor, a todo o tempo, acção de impugnação da paternidade, desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se que não era pai biológico, é inconstitucional, por violação do direito à tutela judicial efectiva e bem assim como do preceituado pelos arts. 26.º, n.º 1, 36.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da CRP.”
Tal como anteriormente se referiu, e agora à luz da argumentação superiormente desenvolvida no Acórdão cujo sumário se citou, a que se adere in totum, recusa-se a aplicação do prazo limitador da propositura da acção, pelo marido da mãe – caso do aqui autor – constante do art. 1842, nº 1, al. a) do Código Civil, por ofensa do direito à integridade e à identidade pessoal, garantidos pelos arts. 25º e 26º da CRP.
Por consequência, recusando-se a aplicação, por inconstitucionalidade material, ao caso em apreço, do disposto no art. 1842º, nº 1, al. a) do C.C., nada impede a procedência desta acção, importando reconhecer razão ao autor, afirmando-se a sua não paternidade em relação a C., havendo de se determinar a correspondente alteração no respectivo assento de nascimento.
Inútil é, além de inviável a fixação da data provável de concepção do C., que o autor incluiu no seu pedido.
Por todo o exposto, com fundamento nas normas legais citadas, maxime no art. 1839º, nº 2 do Código Civil, e recusando-se a aplicação, por inconstitucionalidade, do prescrito pelo art. 1 842º, nº 1, al. a) do C. Civil, julgo a presente acção provada e procedente, em razão do que declaro que C. não é filho de A., o que se determina seja averbado no assento de nascimento daquele, de forma a que neste deixe de constar tal relação de paternidade.
Não se conclui que as partes tenham litigado de má fé, não obstante a demonstração factual diversa do alegado pelo autor, por se entender que este, através da sua Mandatária, se limitou a tentar que fossem garantidos os pressupostos constantes do regime legal aplicável, sendo que, independentemente disso, se lhe reconheceu razão substantiva.
2. O Ministério Público recorreu desta decisão directamente para o Tribunal Constitucional com fundamento no artigo 70.º, n.º 1, alínea a) da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro), invocando que tal decisão recusara a aplicação da norma do artigo 1842º, nº 1, alínea a), do Código Civil, na redacção da Lei nº 14/2009, de 1 de Abril, por ser materialmente inconstitucional, na medida em que a aplicação do prazo limitador da propositura da acção, pelo marido da mãe, constante de tal norma, constitui ofensa do direito à integridade e à identidade pessoal, garantidos pelos artigos 25º e 26º, da Constituição.
3. O recurso foi admitido no tribunal recorrido. Alegou o recorrente e concluiu:
90.º – Por todo o exposto ao longo das presentes alegações, e embora sem deixar de reconhecer que qualquer posição adoptada em matéria de direito de família, designadamente no domínio da filiação, é susceptível de leituras multifacetadas, assentes em concepções muito pessoais dos interesses em confronto neste tipo de relações, propende-se – pese embora o muito respeito que se tem pela jurisprudência já proferida por este Tribunal Constitucional sobre a matéria, particularmente os Acórdãos 446/10 e 39/11 – a concluir, como a decisão recorrida, pela inconstitucionalidade do art. 1842, nº 1, alínea a) do Código Civil.
91º – Com efeito, considerando que o princípio da verdade biológica se encontra subjacente às alterações legislativas sobrevindas em matéria de direito de família e filiação, a conclusão a retirar de tal constatação é a de que a definição da relação jurídica familiar não deve poder ficar sujeita a prazos de caducidade que impeçam a sua concretização.
Tais prazos não se revelam absolutamente necessários e, muito menos, proporcionais, aos valores que estão em causa neste tipo de relação.
92º – Ainda que assim se não entenda, porém, deverá haver, pelo menos, uma proporção razoável entre a fixação de um prazo de caducidade para a propositura de uma acção de investigação de paternidade e para a propositura de uma acção de impugnação de paternidade, não sendo licito fazer pender a balança, exclusivamente, para um dos elementos da relação familiar, neste caso, o filho.
93º – São, na verdade, estreitamente associados os direitos de investigar a sua paternidade, bem como o de a impugnar, pretendendo ambos definir uma relação jurídica familiar assente na verdade biológica.
94.º – Assim, a fixação de um prazo de caducidade de três anos, para o marido da mãe intentar a acção de impugnação da paternidade, desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se que não era o pai biológico, poderá revelar-se inconstitucional, por violação do direito à tutela judicial efectiva, bem como dos arts. 26º, nº 1, 36º, nº 1 e 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
O recorrido não alegou, cumprindo decidir.
4. O Plenário do Tribunal Constitucional, face a posições divergentes na jurisprudência das suas Secções, conheceu da matéria relativa à imprescritibilidade do prazo de propositura de acção sobre investigação de paternidade no Acórdão n.º 401/2011. Concluiu, nesse aresto, que «a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às acções de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º, do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da acção, contado da maioridade ou emancipação do investigante, não se afigura desproporcional, não violando os direitos constitucionais ao conhecimento da paternidade biológica e ao estabelecimento do respectivo vínculo jurídico, abrangidos pelo direitos fundamentais à identidade pessoal, previsto no artigo 26.º, n.º 1, e o direito a constituir família, previsto no artigo 36.º, n.º 1, ambos da Constituição».
Em consequência, o Tribunal decidiu, «não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às acções de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º, do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da acção, contado da maioridade ou emancipação do investigante».
Ora, tal como se reconhece na decisão recorrida, a questão relativa à conformidade constitucional da imposição de prazos de caducidade nas acções de investigação de paternidade ou de maternidade pode colocar-se em termos semelhantes nas acções de impugnação de paternidade ou maternidade. E tanto assim é, que os argumentos adoptados pelo tribunal recorrido foram extraídos de casos em que em causa estava o prazo de investigação e não o de impugnação. Decorre do exposto que o julgamento da questão assenta em argumentos jurídicos que são comuns às duas situações, por estarem em causa, afinal, os mesmos parâmetros constitucionais.
Precisamente por isso, é de ligar a solução do caso presente ao decidido no mencionado acórdão, por se entender ser de aplicar a sua doutrina, que se mantém inabalada, pese a douta alegação apresentada pelo recorrente.
5. A norma em causa permite que a acção de impugnação possa ser intentada pelo marido, no prazo de três anos contados desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir -se a sua não paternidade. A decisão recorrida não fez uma ponderação específica sobre a eventual exiguidade deste prazo de 3 anos, remetendo genericamente para uma fundamentação que concluía pela desconformidade constitucional da existência de qualquer prazo de caducidade. Ora, na ausência desta ponderação concreta, haverá que recordar a jurisprudência do Tribunal sobre o assunto, que conduz a uma decisão de não inconstitucionalidade. Assim o decidiram, recentemente, os Acórdãos 446/10 e 39/11. Diz-se no primeiro dos referidos arestos:
10. Para além de a dimensão do direito à identidade pessoal do marido da mãe, afectada com a extinção do direito de impugnar, não ser valorativamente equiparável à que está em causa, numa acção de investigação de paternidade, podem invocar-se razões específicas a ponderar, como justificativas da consagração de um prazo de caducidade para o exercício daquele direito. Elas foram apontadas no Acórdão n.º 589/2007, nos seguintes termos:
«Sabe-se que as razões que justificam a fixação de um prazo de caducidade para a acção de impugnação de paternidade não são inteiramente coincidentes com as que tinham determinado a perempção da acção de investigação de paternidade, pois que para além das considerações de natureza pragmática que se prendem com a certeza e a segurança jurídica e a eficácia das provas, releva ainda com particular acuidade, naquele primeiro caso, a protecção da família conjugal. É esse interesse que explica que um terceiro (pretenso progenitor) não tenha legitimidade ex novo para afastar a presunção de paternidade do marido da mãe e obter o reconhecimento da sua paternidade, e só possa intervir processualmente através do Ministério Público (mediante requerimento que lhe deverá ser apresentado em prazo muito curto) e depois de previamente reconhecida a viabilidade do pedido (artigo 1841.º do Código Civil). O direito de impugnação da paternidade está, assim, apenas, na disponibilidade directa dos membros da família, no sentido de que só o marido, a mãe e o filho é que se encontram autonomamente legitimados a intentar a acção. E não está, por isso, excluído que a situação ode discrepância entre a paternidade presumida e a realidade biológica se mantenha sempre que não haja interesse concreto por parte dos interessados na destruição da paternidade presumida».
Nesta situação, releva, como factor de ponderação, a protecção da família constituída, ou, como se destaca no mencionado Acórdão, «o interesse geral da estabilidade das relações sociais e familiares e ao sentimento de confiança em que deve basear-se a relação paternal, quando se trate de filhos nascidos na vigência do matrimónio». A relação paterno-filial seria necessariamente posta em crise, se colocada numa situação de permanente precariedade e incerteza, por sujeita a ser abolida por acção, exercitável a todo o tempo, sem qualquer preclusão, do pai presumido.
11. Mas não são apenas interesses gerais ou valores de organização social, em torno da instituição familiar, que podem justificar a consolidação definitiva, na ordem jurídica, a partir de determinado limite temporal, de uma paternidade não correspondente à realidade biológica.
Também quanto às posições subjectivas em jogo, na acção de impugnação de paternidade se detecta uma relevante diferença em relação às que se confrontam numa acção de investigação de paternidade. Nesta, o eventual interesse do investigado em não assumir um vínculo de paternidade correspondente à realidade biológica não é merecedor de tutela, pelo menos do ponto de vista do direito à identidade pessoal e à auto-conformação da personalidade, não devendo se reconhecida “uma faculdade de o pai biológico se eximir à responsabilidade jurídica correspondente” (Guilherme de Oliveira, “Caducidade das acções de investigação”. Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito de Família, 2004, págs. 7 s., 11).
Já o eventual interesse daquele que é tido como filho em manter esse estatuto não pode ser inteiramente desconsiderado (como seria com um regime de imprescritibilidade). Sobretudo quando o vínculo jurídico tem tradução consistente no “mundo da vida” familiar e social, gerando, como é normal, laços afectivos, a destruição retrospectiva desse vínculo acarreta (ou agrava) a perda de sentido de uma componente nuclear da memória e da historicidade pessoais, da auto-representação de si, por parte de quem é filho. Valores também situados na esfera da identidade pessoal podem ser invocados em tutela do interesse do outro sujeito da relação paterno-filial em ver como definitivamente adquirido o estatuto de que goza, após o decurso de um certo prazo em que o pai teve efectiva oportunidade de o impugnar judicialmente. Outros factores de identidade pessoal podem sobrepor-se, na óptica do filho, aos de ordem genética, não podendo ser dado por seguro que o seu interesse, mesmo excluindo dimensões patrimoniais, corresponda sempre à coincidência entre o vínculo jurídico e o biológico. Esse interesse, quando exista, é, aliás, susceptível de ser autonomamente exercitado, pois ao filho é reconhecida legitimidade própria para impugnar (alínea c) do n.º 1 do artigo 1842.º).
12. Acresce um outro elemento diferenciador, respeitante ao termo inicial do prazo de caducidade, também ele contribuindo para evidenciar que não há paridade entre a previsão do n.º 1 do artigo 1817.º e a da alínea a) do n.º 1 do artigo 1842.º, por um lado, e fornecendo, por outro, uma razão adicional justificativa desta última norma.
Temos em mente o segmento, já constante da versão anterior e mantido, nos mesmos termos, na redacção da Lei n.º 14/2009, segundo o qual o prazo se começa a contar desde que o marido “teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade”. Resulta daqui que o início de contagem não se dá por referência ao momento de verificação de um evento externo (o nascimento do filho, por exemplo, como noutras legislações), mas só se produz com a cognição, na esfera subjectiva do marido da mãe, de factos indiciadores da sua não paternidade. E note-se que se exige o efectivo conhecimento desses factos, não se contentando a lei com a sua cognoscibilidade. Só quanto ao alcance negatório do vínculo biológico que seja de conferir a esses factos está o intérprete habilitado a formar um juízo objectivo (quanto à possibilidade de, a partir deles, se concluir pela não paternidade).
Este regime autoriza a atribuir valor significante à inércia do pai presumido, em sentido abdicativo do direito a impugnar, ou, no mínimo, a dirigir-lhe uma imputação de auto-responsabilidade. Com a fixação de um termo inicial subjectivo (logo, acolhedor das variáveis casuísticas) e a não consagração de um prazo máximo objectivo fica garantido o que, pelo menos neste âmbito, é essencial: a concessão de uma oportunidade real ao pretenso pai de averiguar, pelos trâmites processuais adequados, se o vínculo corresponde à realidade biológica, e de se libertar dele, em caso negativo. Se lhe chegam ao conhecimento (em qualquer momento) dados que lhe permitiriam duvidar seriamente da existência de um vínculo natural e ele nada faz, em prazo legal que só decorre a partir desse momento e possa ser tido de duração suficientemente adequada, sibi imputet, extinguindo-se, por força desse comportamento conscientemente omissivo (não pelo decurso de um prazo objectivo), o direito de impugnar a presunção de paternidade.
São aqui inteiramente válidas as considerações expendidas no Acórdão n.º 626/2009, a propósito do prazo, também subjectivo, do n.º 3 do artigo 1817.º, no sentido de que «tendo o titular deste direito conhecimento dos factos que lhe permitem exercê-lo é legítimo que o legislador estabeleça um prazo para a propositura da respectiva acção, após esse conhecimento, de modo a que o interesse da segurança jurídica não possa ser posto em causa por uma atitude desinteressada daquele». Em matéria que contende com o estado civil de um outro, estando em causa um vínculo estabelecido, constitutivo da personalidade, não só do impugnante, como também do filho, não é injustificado nem excessivo fazer recair sobre o pai um ónus de diligência quanto à iniciativa processual para apuramento definitivo da filiação (para o que hoje existem meios peremptoriamente concludentes), não fazendo prolongar, através de um regime de imprescritibilidade, uma situação de incerteza indesejável.
Essa tem sido também a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que, no caso Rasmussen contra Dinamarca, em sentença de 28 de Novembro de 1984, decidiu que, em acções de impugnação, “a fixação de prazos de caducidade tem uma justificação objectiva e razoável”. Essa posição foi mantida, mais recentemente, na sentença de 12 de Janeiro de 2006 (Mizzi contra Malta).
13. Apurado que um regime de caducidade da acção de impugnação de paternidade, com prazo a contar desde o conhecimento, pelo marido da mãe, “de circunstâncias de que possa concluir-se a não paternidade” não enferma, em si mesmo, de qualquer inconstitucionalidade, resta ajuizar da conformidade constitucional da duração concretamente estabelecida.
Foi neste ponto que incidiu a alteração introduzida, na norma em causa, pela Lei n.º 14/2009: foi aumentado para três o prazo de dois anos anteriormente vigente.
Nunca o Tribunal se pronunciou, até à data, sobre o novo regime de duração do prazo de caducidade. Mas, o Acórdão n.º 589/2007 e, na sua esteira, o Acórdão n.º 179/2010 debruçaram-se sobre o prazo de dois anos, tendo o primeiro concluído, sobre a questão, em posição a que o segundo aderiu:
«Este parece ser um prazo razoável e adequado à ponderação do interesses acerca do exercício do direito de impugnar e que permitirá avaliar todos os factores que podem condicionar a decisão».
É de manter este juízo, cuja validade sai reforçada com o alongamento do prazo. Ainda que a decisão de avançar com um processo de impugnação exija um período de maturação e de reflexão que não se coaduna com a pressão de um prazo excessivamente curto, pela natureza dos interesses envolvidos e pelas implicações, qualquer que seja o resultado, que advêm de uma tal decisão, cremos que o prazo de três anos é suficiente para garantir a viabilidade prática do exercício do direito de impugnar a paternidade, não o impedindo ou dificultando gravemente.
Conclui-se, pois, que também quanto à duração do prazo de caducidade estabelecido, a norma do artigo 1842.º, n.º1, do Código Civil não padece de inconstitucionalidade.
14. Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar não inconstitucional a norma do artigo 1842.º, n.º 1, alínea a), do Código Civil, na redacção dada pela Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, que estabelece que a acção da impugnação da paternidade pode ser intentada pelo marido da mãe, no prazo de três anos contados desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade;[...]
Há que aplicar esta doutrina ao caso.
Julga-se, em consequência, que a norma retirada do artigo 1842º, nº 1, alínea a), do Código Civil, na redacção da Lei nº 14/2009, de 1 de Abril, aqui em apreço, não é materialmente inconstitucional.
6. Decide-se, por isso, revogar a decisão recorrida, determinando a sua reforma tendo em conta o juízo de não inconstitucionalidade da norma desaplicada.
Sem custas.
Lisboa, 11 de Outubro de 2011.- Carlos Pamplona de Oliveira – José Borges Soeiro – Gil Galvão – Maria João Antunes – Rui Manuel Moura Ramos.