Imprimir acórdão
Processo n.º 410/11
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que são recorrentes A. e Outros, o relator proferiu a Decisão Sumária n.º 346/2011 de não conhecimento do objecto do recurso, com os seguintes fundamentos:
«(…) 2. Resulta do requerimento de interposição do recurso que os recorrentes pretendem que o Tribunal aprecie a constitucionalidade de uma certa interpretação dos artigos 253.º, 256.º e 277.º do Código de Processo Civil (CPC), que, no entanto, não identificam qual seja.
Não obstante, revela-se inútil convidar ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso, uma vez que sempre seria de concluir pela falta dos pressupostos necessários ao conhecimento do objecto do recurso.
Na verdade, os recorrentes não cumpriram o ónus de suscitação da questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido (artigo 72.º, n.º 2, da LTC). Concretamente, nas alegações (e respectivas conclusões), do recurso que apresentaram do acórdão da Conferência para o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo (fls. 202 e s. dos autos), os recorrentes não suscitaram qualquer questão de constitucionalidade normativa, antes se limitaram a questionar a decisão aí recorrida no plano do direito infraconstitucional.
Note-se que o presente recurso de constitucionalidade vem interposto do acórdão do Pleno proferido na sequência do citado recurso (acórdão de 14.1.2010), pelo que esse era o momento atempado para suscitar uma questão de constitucionalidade.
Pelo contrário, já não se mostra atempada a suscitação de uma questão de constitucionalidade no pedido de reforma e de arguição de nulidades daquele acórdão, uma vez que, nessa fase, o tribunal recorrido já não poderia ter apreciado tal questão, por se encontrar esgotado o seu poder jurisdicional (como, aliás, expressamente se afirma no acórdão de 17.3.2011). E ainda que assim não se entendesse, sempre teria de se concluir que o acórdão por último citado (de 17.3.2011) não fez aplicação, como sua ratio decidendi, das normas que os recorrentes reputam inconstitucionais.
3. Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se não conhecer do objecto do recurso. (…)»
2. Notificados da decisão, os recorrentes vieram reclamar para a conferência, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, nos seguintes termos:
«(…) Inconformada com a decisão sumária n.º 346/2011 [e não 34/2011, como por lapso consta do requerimento] de 20-06-2011, vem a recorrente A. e filhos, nos termos e para os efeitos do n.º 4 do art.º 76.º e 77.º da Lei n.º 28/82, apresentar a presente reclamação, o que faz no prazo legal:
1
Para inadmitir o recurso interposto do acórdão do Pleno do STA, de fls. 230 e seg., refere essa douta decisão sumária “que os recorrentes não cumpriram o ónus de suscitação da questão da constitucionalidade perante o tribunal recorrido (artº. 72.º da LTC). “Concretamente nas alegações (e respectivas conclusões, do recurso que apresentaram do acórdão da Conferência para o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo (fls. 202 e s. dos autos) os recorrentes não suscitaram qualquer questão de constitucionalidade normativa, antes se limitaram a questionar a decisão aí recorrida no plano do direito infraconstitucional”
Com o que, respeitosamente se discorda, por não corresponder à verdade, como a leitura integral das alegações de fls. 202 e segts, e peças conexas, inequivocamente demonstra.
2
Tendo os recorrentes anteriormente suscitado, explícita e implicitamente a questão de a notificação da suspensão da instância ter de ser feita na pessoa dos Recorrentes (cabeça de casal) e filhos, nomeadamente para deduzirem a sua habilitação, alertaram e imploraram ao Tribunal Pleno a fls 209, no n.º 30 o seguinte:
“Ao negar-se-lhes a habilitação sucessória (por falta de notificação)... “o douto tribunal recorrido com a interpretação que parece fazer do... art.º 253.º e outros do CPC, está a vedar-lhes o acesso à justiça e a discriminar em relação a outros “sucessores” da parte falecida que obtém do tribunal a advertência, por via adequada e solene, para o exercício no processo dos seus direitos, o que viola o disposto nos art.ºs 2.º, 20.º, 13.º e 218.º da CRP”
3
No art. 10 dessas alegações, a fls 205, os recorrentes, referindo-se à imposição legal de o tribunal lhes ter de informar pessoalmente da suspensão da instância, advertiu que outra interpretação da norma - art 253.º - era errada e inconstitucional e advertiu:
“Decidiu o Tribunal Constitucional que o direito de defesa e o princípio do contraditório postulam que os destinatários de uma decisão jurisdicional tenham ou possam ter completo conhecimento do seu conteúdo, nomeadamente para contra ela poderem reagir através de meios processuais adequados - Ac. TC n.ºs 183/98 e 384/98”.
Isto, para sustentar que além da notificação da suspensão da instância feita pelo tribunal ao advogado oficioso, era imperativo e obrigatório, no caso, que também a cabeça de casal (ora recorrente), e filhos, fossem notificados/citados dessa suspensão (tal como prevê o n.º 2 desse art. 253.º do CPC), sob pena de outra interpretação violar o direito da recorrente a um processo transparente e equitativo - art.º 20.º da CRP.
4
A fls. 187 dos autos, perante a Secção do STA, a Recorrente suscitou a questão de a falta da sua notificação/citação, na forma e cominação exigida por lei, ser geradora de NULIDADE de todo o processado a partir da falta dessa notificação, representando a interpretação do tribunal do art.º 253.º do CPC, no sentido de bastar-se só com a notificação a um advogado oficioso do defunto exequente, a negação de acesso ao direito dos recorrentes, sucessores do falecido exequente – art.º 20.º da CRP
5
No requerimento do pedido de reforma do acórdão da Secção, a fls. 226, os recorrentes invocaram que a notificação da suspensão da instância, prevista no art. 253/1 do CPC, não foi feita de forma pessoal, oficial e formal, como o exige esse Venerando Tribunal Constitucional (Acs. n.ºs 383/05, 579/99, 183/98 e 384/98), e a forma como esta norma foi interpretada e aplicada violava a Constituição – art.º 20.º da CRP
6
No pedido de reforma do acórdão do Pleno os recorrentes invocaram a fls. 251:
“11 - Subsistindo a invocada nulidade e falta de pronúncia no aliás mui douto acórdão, verifica-se que ele está também ferido de inconstitucionalidade por a interpretação que o Tribunal faz dos art. 253.º e 277.º, conjugados, do CPC (notificações aos advogados), e sua aplicação como ratio decidendi, no sentido de considerar os herdeiros (interessados e ausentes do processo) notificados por via de uma notificação a um advogado deles desconhecido, violar o direito fundamental e as garantias consagradas aos herdeiros nos art.ºs 2.º, 16.º e 20.º da Constituição, e que demandam que uma notificação autónoma lhes era devida do Tribunal, como em casos análogos o Tribunal Constitucional julgou (Acórdãos do TC n.ºs 383/05, 579/99, 183/98 e 384/98 entre outros), o que para todos os efeitos, mais uma vez, se invoca”.
E a fls 252:
“3) que se reconheça que a interpretação feita pelo acórdão dos art.ºs. 253.º e 277.º conjugados, do CPC, considerando bastante a notificação aos herdeiros revéis feita na pessoa de um advogado, desconhecido dos herdeiros, por isso omitindo fazer uma notificação “pessoal, formal e inequívoca” como a lei exige, é inconstitucional por violadora das garantias que lhes são consagradas nos art.ºs 2.º, 16.º e 20.º da Constituição”.
7
Está pois repetidamente e ao longo do processo, suscitada pelos recorrentes a questão da inconstitucionalidade normativa – art.ºs 253.º e 257.º do CPC - perante o tribunal recorrido que a desatendeu e interpretou e aplicou essa norma afrontando os princípios e as garantias constitucionais dos recorrentes.
É possível que o não tenham feito com o brilhantismo que caracteriza o estilo literário dos Colendos Conselheiros, mas a questão central da inconstitucionalidade, mesmo se de forma tosca, está lá suscitada e a lei não exige mais, como se verá.
8
Quanto a suscitação destas questões de inconstitucionalidade no iter processual, ensinam GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, na sua Constituição da República Portuguesa Anotada, vol II, Coimbra Editora, comentando os artigos 277.º e 280.º da CRP:
A fls 948:
“… basta que a questão da constitucionalidade tenha sido aduzida em qualquer fase do processo, e que este facto seja ou deva ser do conhecimento do tribunal que proferiu a decisão recorrida É o que sucede em três situações jurisprudencialmente tratadas.... (iii) no caso de ocorrências de circunstâncias supervenientes ou em que o recorrente no teve oportunidade de suscitar a inconstitucionalidade em tempo adequado. Isto pode acontecer em caso de reforma da sentença - AcTC 74/00, 56/00.
A pag. 980:
“Ela não tem de ser suscitada no tribunal que proferiu a sentença de que se recorre, bastando que tenha sido levantada numa fase pregressa do processo (por isso não pode acompanhar-se a doutrina dos AcTC n2 36/91, 177/91 e 292/00)
“O levantamento da questão da inconstitucionalidade tem de ser feito em forma processualmente idónea (AcTC 2/88). No entanto pode sê-lo de forma apenas implícita desde que seja inequívoca a identificação da norma arguida de inconstitucionalidade”.
A fls. 949:
“Não se torna necessário que a norma tenha sido expressamente aplicada, basta que tal decorra implicitamente da decisão (Ac TC 3 18/90, 466/90 e 445/99)”
9
A breve síntese acima transcrita revela ex abudanti que todos os requisitos e pressupostos de suscitação da questão de inconstitucionalidade previstos na lei foram cumpridos pelos recorrentes: a interpretação da norma - art. 253 do C. P. Civil - feita pelo tribunal recorrido foi atacada de inconstitucional e este tribunal, não obstante, aplicou-a explicitamente.
10
De facto, na decisão ora recorrida, o Pleno decide a fls. 237:
“Dito isto, temos que as notificações feitas na pessoa deste mandatário judicial, primeiro do despacho que decretou a suspensão da instância e, depois do despacho que a julgou deserta [vide alíneas c) e e) do probatório] foram correctamente levadas a cabo, de acordo com o previsto no art.º 253.º/1 do C.P.Civl”
Esta “interpretação” restritiva do art.º 253.º do CPC feita pelo tribunal foi posta em causa, pois este preceito postula, in casu, que também a recorrente devesse ser simultânea e pessoalmente notificada/citada da suspensão da instância, sob pena de se interpretar e aplicar essa norma, como o fez o acórdão, em violação do disposto no art.º 20.º da CRP
11
Em conclusão: Está pois demonstrado que os recorrentes suscitaram em local, sede e tempo oportunos a questão da interpretação inconstitucional da norma invocada -253.º do CPC, que assim foi aplicada ratio decidendi - na decisão impugnada, como melhor se demonstrará nas alegações.
12
Como esse Venerando Tribunal Constitucional, que tem sido o garante dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, em que se inclui o acesso ao direito (art. 20.º da CRP), vem reafirmando, as regras adjectivas devem revelar-se funcionalmente adequadas aos fins do processo e conformar-se com os princípios da proporcionalidade, não estando autorizados obstáculos que dificultem ou prejudiquem de forma desproporcionada ou arbitrária o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva (Ac TC n.º 51/88, 122/02, 403/02)
Requer-se pois que em Conferência, a presente reclamação seja atendida e seja admitido o presente recurso, como já o admitira o Venerando Tribunal recorrido para, em sede de alegações, se demonstrar mais pormenorizadamente o ilícito constitucional praticado pela decisão recorrida
Pedem e esperam deferimento (…)»
3. O recorrido não apresentou resposta.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A decisão sumária ora reclamada pronunciou-se pelo não conhecimento do objecto do recurso, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, com fundamento, primeiro, na não suscitação atempada de uma questão de constitucionalidade normativa, idónea a constituir objecto do recurso de constitucionalidade; segundo, na intempestividade da suscitação de uma tal questão em sede de pedido de reforma e de arguição de nulidades do acórdão recorrido; e, terceiro, ainda que tal suscitação se pudesse considerar atempada, na não aplicação das normas reputadas constitucionais como ratio decidendi do acórdão recorrido.
A reclamação agora apresentada em nada afasta esta conclusão. Pelo contrário, o seu teor confirma aquela ausência de suscitação.
Como este Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado, a suscitação de uma questão de constitucionalidade normativa exige que o recorrente identifique, com um mínimo de precisão, a interpretação ou dimensão normativa que reputa inconstitucional, de modo a permitir ao Tribunal Constitucional enunciá-la, no caso de a vir a julgar inconstitucional.
Nas alegações do recurso que apresentaram junto do tribunal recorrido, não só os reclamantes não enunciaram qual a dimensão normativa que reputavam inconstitucional, como se limitaram a assacar o vício de inconstitucionalidade à própria decisão recorrida (o que é patente nos trechos transcritos no n.º 2 da presente reclamação) ou a invocar normas ou jurisprudência constitucional em favor da sua posição (cfr. ponto 3. da reclamação).
Resta dizer, repetindo o já afirmado na decisão sumária reclamada, que o pedido de reforma e de arguição de nulidades do acórdão proferido pelo Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (fls. 249 e s. dos autos) já não é o momento atempado para suscitar, pela primeira vez, a questão de constitucionalidade, não se verificando qualquer circunstância excepcional que possa justificar uma tal suscitação tardia. Além disso, as normas cuja inconstitucionalidade foi invocada naquele pedido de reforma não foram adoptadas como ratio decidendi do último acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo (datado de 17.03.2011), nem poderiam ter sido, atento o seu objecto decisório.
Por tudo isto deve manter-se, na íntegra, a decisão sumária reclamada.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 11 de Outubro de 2011.- Joaquim de Sousa Ribeiro – J. Cunha Barbosa – Rui Manuel Moura Ramos.