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Processo n.º 516/11
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório1. A., Lda. impugnou judicialmente a decisão proferida pela Segurança Social que rejeitou liminarmente o seu pedido de protecção jurídica. Tendo visto a pretensão indeferida pelo Tribunal Judicial de Cascais, e por inconformada, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional pedindo a declaração de inconstitucionalidade da “aplicação do n.º 3 do artigo 7.º da Lei do Apoio Judiciário, aprovada pela Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, com a redacção introduzida pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, ao abrigo da qual a sentença ora recorrida considerou que a Recorrente não tem legitimidade para pedir apoio judiciário. A ser assim, tal norma, cuja apreciação de inconstitucionalidade ora se requer por via de recurso, veda às pessoas colectivas com fins lucrativos, sempre e sem qualquer atenuante, a possibilidade de beneficiarem de protecção jurídica, aplicação essa que, para além de discriminar as pessoas colectivas pela sua finalidade (porque as que não visarem o lucro já beneficiam de protecção jurídica) – violação do princípio constitucional da igualdade -, denega o acesso à justiça a uma pessoa colectiva com fins lucrativos que, por insuficiência (ainda que temporária) de meios económicos, não tenha capacidade para custear os custos da justiça – violação do princípio constitucional do acesso ao direito.”
2. Em 12 de Julho de 2011 foi proferida, pelo Relator, decisão sumária a negar provimento ao recurso, remetendo para a fundamentação constante do acórdão n.º 216/2010, publicado no Diário da República, II série, de 6 de Julho.
3. Inconformada, vem agora A., Lda. reclamar para a Conferência dizendo, no seu requerimento, o seguinte:
“1 — A decisão sumária n° 388/2011 negou provimento ao recurso interposto pela ora Reclamante, em síntese, com o seguinte fundamento: ‘Sobre a concreta questão de constitucionalidade que se perfila nos autos exarou o Plenário deste Tribunal Constitucional, o Acórdão n.° 216/2010 (publicado no Diário da República, II Série, de 6 de Julho), decidindo não julgar inconstitucional a norma do artigo 7.° n.° 3 da Lei n.° 34/2004 de 29 de Julho, com a redacção dada pela Lei ri.0 47/2007 de 28 de Agosto’.
2 — Salvo o devido respeito, a Reclamante não concorda com a decisão sumária proferida.
3 - Apesar de ser pessoa colectiva com fins lucrativos, a Reclamante, como outras empresas, pode não ter capacidade financeira, como não tem actualmente, para custear a demanda contra si intentada.
4 — As custas judiciais são elevadas e não se pode exigir que as pessoas colectivas tenham maior disponibilidade financeira do que as pessoas singulares.
5 — Sem o recurso ao apoio judiciário e face à situação financeira e custos judiciais em causa neste processo, à Reclamante ficaria vedado o acesso à justiça.
6— Esse facto, viola, frontalmente, o disposto no art. 20.°/1 da Constituição da República Portuguesa (adiante, abreviadamente CRP) como fez a reclamante notar no seu recurso.
7 — De facto, a lei pode distinguir as pessoas colectivas das pessoas singulares nos termos do disposto no art. 12.°/2 da CRP, atribuindo-lhes direitos e deveres distintos… O que a lei não pode fazer, sem grave violação dos princípios e direitos fundamentais consagrados, é distinguir diversos tipos dentro das pessoas singulares e das colectivas.
8 — Não parece que uma norma referente ao regime do apoio judiciário possa discriminar as pessoas colectivas quanto à sua finalidade.
9 — Apesar do fim da pessoa colectiva poder ser distinto, o que interessará para a aplicação desta norma é a situação de insuficiência económica em que cada uma delas estará em determinado momento
10 — Se uma pessoa colectiva, apesar de ter fins lucrativos, estiver em situação de insuficiência económica, ela não estará em condições diferentes, em termos de acesso à justiça, de uma outra pessoa colectiva sem fins lucrativos na mesma situação de insuficiência.
11 — A possibilidade de recuperação da situação de insuficiência económica — que, por raciocínio lógico, se admite que seja mais rápida nas pessoas colectivas que têm fins lucrativos
— está contemplada já no regime jurídico em causa, o qual prevê, no art. 10.º, alínea a) da Lei n.° 34/2004, de 29 de Julho (Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais), com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.° 47/2007, de 28 de Agosto, a possibilidade do requerente do apoio judiciário passar a estar em situação económica que lhe permita litigar sem apoio e as consequências dessa alteração de estado económico.
12 - Ou seja, em face da norma referida no parágrafo precedente, é manifesto que uma pessoa colectiva com fins lucrativos poderia também ser dispensada supervenientemente do benefício, caso este tivesse sido concedido.
13 — Por outro lado, o art. 7.°/3 do Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais foi interpretado no sentido de impedir a concessão de protecção jurídica (incluindo, portanto, o apoio judiciário em todas as suas modalidades) sem sequer procurar saber a situação de facto da sociedade requerente e o valor das custas processuais do caso em apreço.
14— De notar que, em sentido contrário do que consta na douta decisão sumária da qual se reclama, existem já dois Acórdãos do Tribunal Constitucional a pugnar pela inconstitucionalidade desta norma, um deles tirado num caso idêntico ao dos autos em que a ora Requerente era parte, a saber: Processo 822/09 da 2.ª Secção e Processo 279/09, da 2. Secção (também acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
15 — Pelo exposto, a Reclamante solicita a verificação e declaração pela Conferência, de inconstitucionalidade da norma ínsita no art. 7.°/3 do Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais por violação do disposto no art. 20.°/1 da CRP e do Princípio da Igualdade que deve, nos termos do disposto no art. 12.°/2 da CRP, ser aplicado às pessoas colectivas.
16— Como é sabido, a questão da inconstitucionalidade da interpretação da referida norma foi suscitada no processo pela Reclamante na sua impugnação judicial do despacho da Segurança Social que indeferiu o pedido de apoio judiciário.
17— A Reclamante entende que o art. 7.°/3 do Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais viola os Princípios da Defesa e do Processo Equitativo, consagrados nos art. 20.° da CRP, e do Direito ao Recurso, previsto no art. 32.°/1 da mesma Lei Fundamental.
18 — A aplicação da dita norma no sentido em que foi interpretada e aplicada impede a Reclamante de prosseguir a sua defesa nos autos onde corre a acção principal, pelo que há toda a utilidade de uma decisão, agora, por parte da Conferência do Tribunal Constitucional em sede de reclamação.
II- CONCLUSÕES
I. Não obstante tratar-se de pessoa colectiva com fins lucrativos, tal não significa que a Reclamante possa custear a sua intervenção em processos judiciais, cujas custas se cifram em valores elevados, sem que para isso recorra ao apoio judiciário.
II. Deve entender-se como critério para se aferir da necessidade de concessão de apoio judiciário a situação de insuficiência económica da Reclamante e não a finalidade desta, seja ou não o fim lucrativo.
III. Por outro lado, o art. 7.°/3 do Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais cuja sindicância se requer foi interpretado no sentido de indeferir o apoio judiciário em qualquer das suas modalidades sem sequer se procurar saber a situação de facto da sociedade Reclamante e o valor das custas processuais do caso em apreço.
IV. A Reclamante entende que a norma ínsita no art. 7.0/3 da Lei n.° 34/2004, de 29 de Julho, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.° 47/2007, de 28 de Agosto viola os Princípios da Defesa e do Processo Equitativo, consagrados no art. 20.° da CRP, e o Princípio do Direito ao Recurso, previsto no art. 32.°/1 da CRP.
V. A aplicação da dita norma no sentido em que foi interpretada e aplicada impede a Reclamante de prosseguir a sua defesa nos autos onde corre a acção principal, pelo que há toda a utilidade de ser emitida decisão em sede de reclamação para a conferência do Tribunal Constitucional.
Termos em que deve ser dado provimento à presente reclamação e ser julgada inconstitucional a norma ínsita no art. 7°/3 do Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais da Lei n.° 34/2004, de 29 de Julho, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.° 47/2007, de 28 de Agosto, na interpretação dada pela decisão proferida no processo n.° 2037/08.2TBCSC-B pelo Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais.”
4. Notificado da reclamação, o recorrido Instituto da Segurança Social IP – Centro Distrital de Lisboa, não respondeu.
Cumpre apreciar e decidir.
II – FundamentaçãoA reclamação apresentada carece, manifestamente, de fundamento. Com efeito, a questão de constitucionalidade suscitada nos autos foi já objecto de decisão pelo Plenário deste Tribunal, em momento posterior aos acórdãos que invoca em arrimo da solução propugnada pela Reclamante. Todos os restantes fundamentos por si invocados foram objecto de apreciação e decisão no referido acórdão n.º 216/2010, pelo que se conclui, liminarmente, pela improcedência da reclamação ora em análise.
III – DecisãoFace ao exposto acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional, indeferir a reclamação deduzida.
Custas pela Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 uc.
Lisboa, 11 de Outubro de 2011.- José Borges Soeiro – Gil Galvão – Rui Manuel Moura Ramos.