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Processo n.º 756/10
1ª Secção
Relator: Conselheira Maria João Antunes
Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Comarca de Mogadouro, em que é recorrente o Ministério Público e recorrido A., foi interposto o presente recurso ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da decisão daquele Tribunal de 27 de Setembro de 2010.
2. Para o que agora releva lê-se na decisão recorrida o seguinte:
«De acordo com o artigo 18l7.º, n.º 1 do Código Civil, aplicável a esta acção por via da remissão do artigo 1873.º do mesmo Código, na redacção do DL 496/77, de 25 de Novembro, a acção de investigação de paternidade só podia ser proposta, durante a menoridade do investigante ou nos dois primeiros anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.
Porém, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 23/06, publicado no DR, 1 Série. de 8/2/06, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do referido n.º 1 do artigo 1817.º do CC, a qual implica a remoção da dita norma do ordenamento jurídico, não podendo a mesma, face ao também preceituado no art. 204.º da CRP ser mais aplicada pelos Tribunais.
Porém, com a entrada em vigor da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, foi alterado o mencionado art. 1817.º, nº 1, no sentido de se fixar o prazo de propositura da acção de investigação, durante a menoridade do investigante – tal como aliás já sucedia – ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação. A presente acção foi proposta já depois da entrada em vigor desta nova lei, pelo que, uma vez que o autor atingiu a maioridade em 1979, cabe apurar se este novo prazo de caducidade deve ou não aplicar-se ao caso sub judice.
A nossa jurisprudência já se manifestou sobre esta problemática, defendendo a inconstitucionalidade das normas que prevejam prazos de caducidade para acções de investigação de paternidade, incluindo o n.º 1 do artigo 1817.º, na redacção dada pela nova Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, salientando-se o recentíssimo Acórdão do STJ de 08-06-2010 (processo n.º 1847/08.5TVLSB-A.Ll.S1), bem como o Acórdão do STJ de 7-7-2009, o Acórdão da Relação de Coimbra de 19-01-2010, o Acórdão da Relação de Lisboa, de 9-2- 2010, e o Acórdão da Relação do Porto de 15-03-2010, todos consultáveis em “www.dgsi.pt”, sendo que concordamos com os fundamentos e argumentos aí produzidos, para os quais remetemos.
Da mesma, forma, sobre a inconstitucionalidade do estabelecimento de prazos de caducidade, vejam-se também os recentes acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 626/2009, de 2-12-2009 e 65/2010, de 8-3-2010, consultáveis em “www.dgsi.pt, links do T. Constitucional “.
Na verdade, a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma constante do nº 1 do artigo 1817º do CC, aplicável ex vi do artigo 1873º do CC, constante do Acórdão nº 23/2006 do Tribunal Constitucional, foi generalizadamente interpretada, designadamente pela jurisprudência do STJ, como significando a imprescritibilidade do direito de investigar a paternidade, com o fim da sujeição deste a prazos.
(…)
Desta forma, na esteira da argumentação aduzida na jurisprudência acima citada, o direito à identidade pessoal, constitucionalmente consagrado, no art. 26.º, nº 1 da CRP, inclui, além do mais, os vínculos de filiação, existindo um direito fundamental ao conhecimento e reconhecimento, desde logo, da paternidade, ou seja, das raízes de cada indivíduo.
Assim, apesar da nova lei consagrar um prazo de caducidade mais longo, tal prazo é também inconstitucional uma vez que quaisquer prazos de caducidade estabelecidos para a propositura de acções de investigação de paternidade configuram uma restrição desproporcionada do direito à identidade pessoal ou à historicidade pessoal, o qual é imprescritível, e, dessa forma, configuram uma restrição violadora do normativo constitucional acima citado.
Pelo exposto, de acordo com o disposto no artigo 204.º da Constituição da República Portuguesa, recuso a aplicação ao caso em apreço da norma contida no n.º 1 do artigo 1817.º, do Código Civil, na redacção introduzida pela Lei nº 14/2009, de 1 de Abril, por a mesma padecer de inconstitucionalidade por violação dos preceitos e princípios constitucionais acima mencionados.
Assim, tendo em conta a não aplicação do disposto no artigo 1817.º n.º 1, do Código Civil, julgo não verificada a excepção de caducidade alegada pelos réus, e determino o prosseguimento dos autos para averiguação da paternidade.»
3. O Ministério Público interpôs recurso obrigatório para apreciação da constitucionalidade da norma contida no n.º 1 do artigo 1817º do Código Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril.
O recorrente e o recorrido foram notificados para produzir alegações.
O Ministério Público alegou, concluindo que deve «confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade adoptado na decisão recorrida, de 27 de Setembro de 2010, do Tribunal Judicial de Mogadouro.»
Cumpre apreciar e decidir
II. Fundamentação
1. A norma que é objecto do presente recurso é a contida no n.º 1 do artigo 1817º do Código Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril.
A redacção do citado preceito legal é a seguinte:
«Artigo 1817.º
Prazo para a proposição da acção
1 – A acção de investigação de maternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.
(…)».
2. A decisão recorrida recusou a aplicação desta norma com fundamento em inconstitucionalidade, por violação do direito à identidade pessoal, constitucionalmente consagrado no art. 26.º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
O Tribunal Constitucional apreciou e decidiu esta questão de constitucionalidade no Acórdão n.º 401/2011, tirado em plenário (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), mediante o qual decidiu “não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às acções de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º, do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da acção, contado da maioridade ou emancipação do investigante”.
Em aplicação do entendimento que se extrai desta decisão há que não julgar inconstitucional a norma que é objecto do presente recurso.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso, determinando a reforma da decisão recorrida em conformidade com o decidido quanto à questão de constitucionalidade.
Sem custas.
Lisboa, 11 de Outubro de 2011.- Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – José Borges Soeiro – Gil Galvão – Rui Manuel Moura Ramos.