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Processo n.º 705/2010
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
EM CONFERÊNCIA DA 1ª SECÇÃO ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1. A. pretende recorrer para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido na Relação de Coimbra em 14 de Julho de 2010, mediante a seguinte invocação:
1ª Encontra-se a correr em Espanha, no Tribunal de Ciudad Rodrigo – juzgado de instruccion nº 02 – o proc. nº 0582/2009 um inquérito de processo crime pelos mesmo factos que os dos presentes autos.
No processo que corre em Espanha o arguido esteve em prisão preventiva a qual veio a ser substituída por uma caução de 10000€. (doc. 1)
Os delitos que lhe são imputados estão previstos nos arts.318° bis e 178° bis do Cód. Penal Espanhol. (doc.2)
Os factos de ambos os processos crime que correm contra o arguido, são os seguintes:
Que se trata de uma rede de tráfico de pessoas (mulheres brasileiras) que opera de forma muito violenta, sendo o recorrente o alegado líder.
A rede actuaria da seguinte forma: Em distintas zonas do Brasil existem angariadores de mulheres que lhes oferecem a possibilidade de emigrar para Espanha.
Que B. é uma das angariadores e a pessoa que informa as mulheres das condições da viagem.
A chegada a Espanha as mulheres Brasileiras assumiam uma dívida que teriam de saldar mediante o exercício da prostituição nos clubes … e …, em Espanha.
E donde seriam levadas para casas de alterne em Portugal alegadamente exploradas pelo recorrente.
O recorrente exerce controlo férreo sobre as mulheres, e sendo relatados episódios de violência.
O arguido tem a correr contra si dois processos baseados sobre os mesmos factos e poderá, eventualmente, ser julgado duas vezes.
Nos termos do nº 1 do artigo 6.° da Convenção entre os Estados Membros das Comunidades Europeias sobre a Aplicação do Princípio Ne bis in idem” feita em Bruxelas, aos 25 de Maio de 1987 – que Portugal depositou, em 3 de Outubro de 1995, junto do Ministério Belga dos Negócios Estrangeiros, do Comércio Internacional e da Cooperação para o Desenvolvimento, o seu instrumento de ratificação – aplica-se o princípio “Ne Bis In Idem” à República de Portugal e ao reino de Espanha, ao qual estão vinculados.
O processo em Portugal deverá ser arquivado ou suspenso, pelo menos, até que o julgamento do arguido seja efectuado em Espanha, país onde se consumaram os alegados crimes, na tese do MºPº, pois a entrada das cidadãs ilegais na Europa fazia-se através de aeroportos Espanhóis e daí seguiam em transito para outras países europeus, entre os quais Portugal, sendo que tal situação está prevista no art.3l8° nº 1 do C. Penal Espanhol e por tal poderá ser julgado em Espanha.
Assim, inexiste motivos para a manutenção dos autos em Portugal e das medidas de coação aplicadas ao arguido, a manter-se este processo activo em Portugal, assim está-se a violar o “Non Bis In Idem” (art.29° nº 5 da C. R. Portuguesa), o que expressamente se invoca, pois o arguido já foi submetido a duas diligências judiciais, perante um juiz, em Espanha e Portugal, tendo-lhe sido aplicadas medidas de coacção em ambos, correndo o risco de ser acusado e julgado pelos mesmos factos em duas ordens jurídicas distintas.
O presente processo é ilegal e inconstitucional por violação do alegado princípio constitucional.
Nestes termos, requer a V. Exªs. se dignem considerar procedente e provado o presente recurso, e em consequência ordenar o arquivamento e/ou suspensão dos autos até conclusão do processo que correm em Espanha, e em qualquer dos casos levantar-se as medidas de coacção aplicadas ao arguido, declarando-se a violação pelo acórdão recorrido do princípio constitucional “Non Bis In Idem”
2. Todavia, o relator decidiu sumariamente não conhecer do objecto do recurso por entender que em causa não estava uma questão de inconstitucionalidade normativa, tal como exige o artigo 70º da LTC.
Diz a decisão sumária:
[...] O recurso para o Tribunal Constitucional das decisões judiciais, em fiscalização concreta de inconstitucionalidade, tem o seu âmbito definido no artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro (LTC); em qualquer dos casos previstos nessa disposição, o recurso tem natureza normativa, sendo restrito às normas efectivamente aplicadas na decisão recorrida.
O pedido formulado no requerimento em análise não se conforma com tais exigências, pois não tem carácter normativo e extravasa totalmente a competência que é atribuída ao Tribunal neste âmbito.
Nestes termos, decide-se não conhecer do seu objecto. [...]
3. Inconformado, o recorrente reclama para a conferência a impugnar a decisão. Alega:
A., recorrente, melhor id. nos autos, vem reclamar da douta sentença que não admitiu o recurso, declarando incompetente o tribunal constitucional relativamente à matéria do presente recurso, Os reclamantes não se conformam com a decisão e sua fundamentação, já que:
O arguido não se conformando com as medidas de coação que lhe foram determinadas ao abrigo do disposto no artigo 204° C P Penal, apresentou recurso para o tribunal da relação de Coimbra, invocando a violação de preceitos constitucionais (“ne bis in idem”), porém este tribunal considerou improcedentes as alegações do recorrente, pelo que se recorreu para V. Exas.
Assim, os presentes autos devem ser apreciados por V. Exas. por estar a ser aplicada uma norma cuja aplicação é inconstitucional da forma como foi aplicada nestes autos, o que foi suscitado durante o processo (art. 70° nº 1 al. b) da LTC.)
O arguido pugna pela competência do Tribunal Constitucional para apreciar a legalidade ou não das medidas de coacção aplicadas ao arguido.
Conclusões:
1ª O arguido não se conformando com as medidas de coação que lhe foram determinadas ao abrigo do disposto no artigo 204° C P Penal, apresentou recurso para o tribunal da relação de Coimbra, invocando a violação de preceitos constitucionais (“ne bis in idem”), porém este tribunal considerou improcedentes as alegações do recorrente, pelo que se recorreu para V. Exas.
Assim, os presentes autos devem ser apreciados por V. Exas. por estar a ser aplicada uma norma cuja aplicação é inconstitucional da forma como foi aplicada nestes autos, o que foi suscitado durante o processo (art. 70° nº 1 al. b) da LTC.)
Nestes termos, requer a V. Exa. se digne apreciar o recurso do autos, termos em que se conclui como consta das alegações já apresentadas.
4. Foi ouvido o representante do Ministério Público neste Tribunal que entende que a reclamação não merece deferimento.
5. Cumpre decidir. No requerimento de interposição do recurso, momento em que se fixa o âmbito da pretensão, o recorrente formulou o pedido de que o Tribunal Constitucional ordenasse «o arquivamento e/ou suspensão dos autos até conclusão do processo que corre em Espanha, ordenando o levantamento das medidas de coacção aplicadas ao arguido, e «declarando-se a violação pelo acórdão recorrido do princípio constitucional “Non Bis In Idem”». Neste pedido não se compreende, efectivamente, qualquer questão de natureza normativa que cumpra ao Tribunal Constitucional conhecer.
Ora, na reclamação nada se diz que possa infirmar esse juízo, apesar de inovadora referência a «uma norma cuja aplicação é inconstitucional» e à alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC. Com efeito, devendo os requisitos do recurso ser avaliados com referência ao já referido momento, é bem certo que no requerimento de interposição do recurso o reclamante não enunciou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa de que o Tribunal pudesse conhecer.
Tal é o suficiente para indeferir a reclamação, assim confirmando a decisão sumária de não conhecimento do recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 10 de Novembro de 2010.- Carlos Pamplona de Oliveira – Maria João Antunes – Gil Galvão.