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Processo n.º 671/10
2.ª Secção
Relatora: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações posteriores (Lei do Tribunal Constitucional, doravante, LTC), nos termos e com os fundamentos seguintes:
« (…) o Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão proferido nestes autos a 05 de Maio de 2010, interpretou e aplicou preceitos legais em sentido desconforme à Constituição.
(…) Os preceitos legais onde se encontra vertida a norma jurídica cuja conformidade constitucional o Recorrente pretende ver apreciada são os artigos 120.º, n.ºs 1, 2 e 3, alínea a), e 410.º, n.º 3, do Código de Processo Penal (CPP).
(…) A dimensão normativa extraída dos referidos preceitos legais cuja conformidade constitucional se pretende ver apreciada é aquela que resulta da interpretação daqueles preceitos no sentido de as nulidades de despachos judiciais susceptíveis de recurso, designadamente as nulidades previstas no artigo 194.º do CPP, terem de ser invocadas no próprio acto e antes do terminus do mesmo, nomeadamente antes do encerramento do auto de interrogatório judicial, não podendo tais nulidades ser invocadas em sede de recurso daqueles despachos.
(…) Os parâmetros constitucionais à luz dos quais se pretende sindicar a conformidade da mencionada dimensão normativa são os constantes dos artigos 1.º, 2.º, 18.º, n.ºs 1 e 2, 20.º, n.ºs 1 e 4, 32.º, n.ºs 1, 2 e 5, e 205.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.”
Tal recurso não foi admitido, por despacho proferido em 28 de Junho de 2010, no Tribunal da Relação do Porto, porquanto:
“(…) Como bem e expressamente reconhece o arguido recorrente, nenhuma “concreta questão de inconstitucionalidade” foi expressamente invocada por si no decorrer do processo.”
Inconformado, veio o recorrente reclamar de tal despacho, rebatendo o argumento utilizado para não admitir o seu recurso, com a seguinte fundamentação:
« (…) Este momento processual (rectius, a notificação do Acórdão que julgou o recurso interposto do despacho de aplicação de medidas de coacção) foi a primeira vez que o Arguido foi confrontado, durante todo o processo, com este entendimento, com esta interpretação das normas jurídicas aplicadas para sustentar a impossibilidade de apreciação das nulidades invocadas,
(…) Sendo certo que, quer no despacho que admitiu o recurso interposto para a Relação do Porto, quer na Resposta do Ministério Público à Motivação do mesmo, nunca este entendimento foi sequer alvitrado pelos Exmos. Senhores Magistrados da 1.ª instância (…)
(…) Diga-se, aliás, que, na Resposta ao Recurso interposto pelo Arguido, o Exmo. Senhor Magistrado do Ministério Público se pronunciou, abundantemente, sobre as nulidades invocadas naquele Recurso,
(…) O que, naturalmente, reforça ainda mais – se preciso fosse – o carácter anómalo e insólito da aplicação das normas cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada.
(…) Com a prolação do Acórdão da Relação do Porto, esgotaram-se as oportunidades processuais para suscitar, durante o processo, a questão de constitucionalidade que o Arguido pretende ver apreciada.
(…) Apenas restando a possibilidade de fazê-lo no próprio requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
(…) Foi o que fez o Arguido: apresentou, junto da Relação do Porto, requerimento de interposição de recurso, para o Tribunal Constitucional, do Acórdão que negou provimento ao Recurso interposto do despacho que lhe aplicou medidas de coacção.
Neste requerimento, e conforme lhe competia, o Arguido explicou, de forma detalhada, os motivos pelos quais apenas naquele momento processual, ou seja, no próprio requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, suscitava, pela primeira vez, a questão de inconstitucionalidade que pretende ver apreciada (…)”
Mais adiante, o reclamante sintetiza as razões, que apresenta, nos seguintes termos:
“ (…) esta concreta questão de inconstitucionalidade não foi expressamente invocada pelo Recorrente no decorrer do processo.
Contudo,
O presente recurso é, ainda assim, admissível, por ao recorrente não ser exigível que tivesse antevisto a possibilidade de aplicação da norma cuja (in)constitucionalidade se pretende ver apreciada no caso sub judice, pelo que não se lhe impunha o ónus de suscitar a questão em momento anterior à prolação do Acórdão recorrido, ou seja, antes da aplicação – primeira e única em todo o processo – da norma em causa.
(…) Não era exigível, por três razões:
(…) Em primeiro lugar, porque, como se disse, a primeira vez que a norma em causa foi aplicada foi no Acórdão da Relação do Porto que negou provimento ao Recurso interposto do despacho de aplicação de medidas de coacção.
(…) Esta razão sai ainda reforçada se atentarmos no facto de, como já se afirmou, quer no despacho que admitiu o recurso interposto para a Relação do Porto, quer na Resposta do Ministério Público à Motivação do mesmo, nunca o entendimento em causa ter sido sequer alvitrado pelos Ex.mos Senhores Magistrados da 1ª instância,
(…) Bem como no facto de o Sr. Procurador, na sua Resposta ao Recurso do Arguido, se ter pronunciado sobre as nulidades invocadas no mesmo; as mesmas nulidades que, posteriormente, o Colectivo da Relação do Porto entendeu não poder apreciar…
(…) Em segundo lugar, porque existe um Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo tribunal de Justiça – Acórdão n.º 1/94 -, onde se sustenta, de forma expressa, um entendimento em sentido oposto à dimensão normativa que o Tribunal da Relação do Porto extraiu dos preceitos legais onde se encontra ínsita a norma cuja (in)constitucionalidade se pretende ver apreciada,
(…) Ou seja, no sentido de que as nulidades – quaisquer nulidades – de despachos judiciais susceptíveis de recurso não têm de ser arguidas no momento definido na alínea a) do n.º 3 do artigo 120.º do CPP, podendo sê-lo apenas em sede de recurso.
(…) Em face desta jurisprudência, e uma vez que a norma aqui em causa foi aplicada, pela primeira vez, no Acórdão recorrido, não podia o Recorrente prever – nem tal lhe era exigível – tal aplicação, não se lhe aplicando o ónus de se antecipar à mesma e suscitar, logo no Recurso interposto do despacho de aplicação das medidas de coacção, a inconstitucionalidade ora invocada.
(…) A aplicação da norma em causa configura, pois, uma decisão-surpresa, assim conferindo ao recorrente a possibilidade de só agora invocar respectiva inconstitucionalidade.
(…) Por fim, e em terceiro lugar, não era exigível ao Recorrente antever, in casu, a aplicação da norma cuja (in)constitucionalidade se pretende ver apreciada devido ao carácter absurdo (além de manifestamente inconstitucional, como oportunamente, e caso seja conferida possibilidade para tal, se demonstrará) do regime que tal norma cria no sistema processual-penal português.
(…) É um regime que não faz qualquer sentido. De facto, com a entrada em vigor do artigo 410.º, n.º 3, do CPP, é absurdo, salvo o devido respeito, sustentar-se o entendimento sufragado pela Relação do Porto no Acórdão recorrido, razão pela qual não era exigível que o Recorrente tivesse antevisto a possibilidade de aplicação da norma aqui em causa.
(…) Esta é, pois, uma das situações excepcionais em que ao interessado é conferida a possibilidade de invocar a questão da inconstitucionalidade, pela primeira vez, perante o Tribunal Constitucional, por não lhe ser exigível que o tivesse feito antes.”
2. Recebidos os autos de Reclamação, neste Tribunal Constitucional, foi solicitado o envio de certidão de peças processuais consideradas pertinentes para apreciação dos pressupostos de admissibilidade do recurso, que não tinham sido juntas.
3. O Ministério Público, neste Tribunal, pronunciou-se, ao abrigo do artigo 77.º, n.º 2, da LTC, pugnando pelo indeferimento da reclamação, expondo a argumentação que se transcreve:
“ (…) Um dos requisitos de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC) consiste em a questão de constitucionalidade ser suscitada, durante o processo, de forma processualmente adequada, ou seja, antes de ser proferida a decisão recorrida e por forma a que o tribunal recorrido dela possa conhecer.
(…) O recorrente só está dispensado desse ónus quando a interpretação levada a cabo na decisão recorrida for inesperada, anómala ou surpreendente, não tendo aquele disposto da possibilidade processual de suscitar atempadamente a questão (v.g. Acórdão nº 21372004).
(…) Vejamos, pois, se foi essa a situação que se verificou nos presentes autos, como alega o recorrente.
(…) Na motivação do recurso interposto para a Relação, o recorrente invoca diversas nulidades do despacho do Senhor Juiz de Instrução Criminal: enquanto aplicou medidas de coacção não promovidas pelo Ministério Público – sendo que pelo menos uma era mais grave do que as requeridas (artigo 194º, nº 1 e 2, do CPP), por não se encontrar devidamente fundamentado (artigo 194, nº 4 do CPP) e por o arguido não ter sido previamente ouvido sobre a aplicação das medidas (artigo 120º, nº 2, alínea d), do CPP).
(…) O Ministério Público, na primeira instância, respondeu sustentando que não se verificava qualquer das nulidades arguidas, devendo ser negado provimento ao recurso.
(…) Na “vista” ao Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto (artigo 416º, nº 1, do CPP) a senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu “parecer”(fls. 392 a 395) concordando integralmente com a resposta do Ministério Público apresentada na primeira instância; acrescentou, ainda, que as nulidades invocadas pelo recorrente a existirem, eram dependentes de arguição e que tinham de ser arguidas no próprio acto e antes desse acto ter terminado, como derivava do disposto nos artigos 120º, nº 2 e 3, alínea a) e 141º, nº 6, do CPP, uma vez que o arguido e os seus defensores, a ele assistiram, o que, não tendo sido feito, implicava que as mesmas nulidades se encontravam sanadas.
(…) Notificado desta resposta, o arguido respondeu (artigo 417º, nº 2, do CPP) longamente, dedicando uma parte da resposta à “manifesta improcedência do entendimento do Ministério Público quanto ao regime de arguição de nulidades”, uma vez que com base no artigo 410º, nº 3, do CPP, as nulidades insanáveis ou sanáveis de actos susceptíveis de recurso podiam ser arguidas apenas em sede de recurso, fundamentando um tal entendimento.
(…) Nesta resposta e na parte agora relevante, atrás referida, não vem sequer referido qualquer princípio ou preceito constitucional que a interpretação constante do “parecer” do Ministério o Público na Relação, pudesse violar.
(…) O Acórdão da Relação do Porto – a decisão recorrida – entendeu que as nulidades em causa – “como avisadamente sustentado pelo Ministério Público no seu parecer” – sendo dependentes de arguição e não tendo ela ocorrido no prazo fixado, encontravam-se sanadas. Ou seja, foi acolhida, integralmente, a interpretação que o Ministério Público, na Relação, fizera.
(…) Nestas circunstâncias, parece-nos óbvio que o recorrente não pode invocar que foi surpreendido com a interpretação acolhida pela Relação, não sendo verdade que, como afirma, foi a primeira vez que, durante o processo, foi confrontado com aquele entendimento (ponto 6 da reclamação, a fls. 2).
Aliás, o recorrente quando fala da tramitação do processo, “estranhamente” nunca refere o “parecer” do Ministério Público na Relação, ao qual respondeu da forma que já anteriormente descrevemos.
Essa resposta era o momento processual adequado para suscitar a questão de constitucionalidade daquela interpretação em cuja dimensão, naturalmente, se podia integrar a invocada complexidade do processo.
Assim, tendo disposto de oportunidade para suscitar a questão, não o tendo feito, é evidente que não estamos perante aqueles casos excepcionais e anómalos em que o recorrente está dispensado do ónus de suscitação prévia.”
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso, da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a existência de um objecto normativo – norma ou interpretação normativa - como alvo de apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da CRP; artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
5. Na presente situação, o reclamante assume que não suscitou, previamente, perante o tribunal a quo, a questão de constitucionalidade cuja apreciação pretende.
Justifica, porém, tal omissão, referindo que não lhe era exigível que tivesse antevisto a possibilidade de aplicação da norma, ora colocada em crise, no caso sub judice, pelo que não se lhe impunha o ónus de suscitar a questão em momento anterior à prolação do acórdão recorrido, pugnando, deste modo, pela admissibilidade do recurso interposto.
A tese do reclamante não colhe, porquanto, na verdade, a interpretação normativa em análise foi defendida, no próprio processo, pelo Ministério Público, na 2ª Instância, no parecer proferido nos termos dos artigos 416.º, n.º 1 e 417.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal (CPP).
De facto, no referido parecer, pode ler-se:
“ (…) Qualquer uma dessas nulidades agora invocadas em recurso, a existirem, e porque são nulidades dependentes de arguição, tinham que ser arguidas no próprio acto e antes desse acto ter terminado, como deriva do disposto nos artºs 120 nºs 2 e 3 a) e 141 nº 6 do CPP, uma vez que o arguido e os seus defensores, a ele assistiram (…)
Não o tendo feito (…) estão as mesmas sanadas pois que, não sendo nulidades de conhecimento oficioso nem relativas à sentença, tinham que ser primeiramente suscitadas no tribunal a quo, para sobre as mesmas se pronunciar.”
Notificado de tal parecer, o reclamante veio responder, ao abrigo do n.º 2 do artigo 417.º do mesmo diploma, nada tendo referido, quanto à questão de constitucionalidade que agora pretende ver apreciada.
Face a tais circunstâncias, fica liminarmente prejudicada a tese do reclamante, quanto ao carácter surpreendente ou inesperado da interpretação normativa seguida na decisão recorrida.
Na verdade, a jurisprudência constitucional vem entendendo, de forma criteriosa e necessariamente restritiva, a excepção ao princípio de que a suscitação da questão de constitucionalidade deve preceder a prolação da decisão recorrida, reservando-a para aquelas situações, absolutamente anómalas, em que o recorrente não podia razoavelmente antecipar a possibilidade de uma dada dimensão normativa – objectivamente surpreendente – ser acolhida na decisão recorrida.
Salienta-se que a inexigibilidade do dever de antecipação em análise deve ser perspectivada à luz de um modelo de litigância diligente e prudente, em que não se enquadra a parte que, demasiado confiante na bondade da sua tese, desconsidera outras soluções plausíveis de direito, nomeadamente as preconizadas por outro sujeito processual, no contexto da mesma acção.
É que, recaindo sobre as partes o ónus de analisarem as diversas possibilidades interpretativas, susceptíveis de virem a ser seguidas na decisão, cumpre-lhes, em observância de um dever de litigância tecnicamente prudente, a formulação de um juízo de prognose que antecipe as várias hipóteses, razoavelmente previsíveis, de enquadramento normativo do litígio, de modo a confrontarem atempadamente o tribunal com as inconstitucionalidades que poderão viciar as normas ou interpretações normativas convocadas.
Na sequência das considerações expendidas, podemos concluir que a excepção ao ónus de suscitação prévia da questão de constitucionalidade encontra-se liminarmente afastada, quando o recorrente é confrontado com a defesa da interpretação normativa – cuja constitucionalidade problematiza – por um dos sujeitos processuais, que tem direito a pronunciar-se, e a tramitação processual legalmente prevista lhe permite contraditar tal tese, antes da prolação da decisão. Não aproveitando o recorrente a oportunidade processual de confrontar o tribunal a quo com o seu entendimento, sobre a desconformidade constitucional da referida interpretação, antes de o mesmo produzir a decisão recorrida, fica definitivamente prejudicada a possibilidade de vir interpor ulterior recurso de constitucionalidade, com tal objecto.
Assim, no caso concreto, não tendo o recorrente suscitado a questão de constitucionalidade, que pretende ver apreciada, perante o tribunal a quo, em nenhum momento, antes da prolação da decisão recorrida, nem mesmo na resposta ao parecer do Ministério Público, na 2.ª Instância – quando ainda estava em tempo de o fazer, de forma profícua, e perfeitamente alertado para a existência da tese jurídica, cuja inconstitucionalidade veio agora alegar – conclui-se que o recurso, por si interposto, é inadmissível, por incumprimento do pressuposto de legitimidade previsto no n.º 2 do artigo 72.º da LTC.
Em sentido idêntico decidiu este Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 674/2005 (disponível in www.tribunalconstitucional.pt), onde pode ler-se:
“Analisados os autos, conclui-se sem margem para dúvidas que no presente caso não estão preenchidos os requisitos indispensáveis ao conhecimento do recurso, desde logo porque o recorrente não cumpriu o referido ónus de suscitar a questão de constitucionalidade durante o processo (…). Como o próprio recorrente reconhece, não suscitou, perante o tribunal a quo, a inconstitucionalidade da norma que pretende ver apreciada no presente recurso de constitucionalidade.
Não estamos perante uma daquelas situações excepcionais, em que o recorrente tenha sido confrontado com uma aplicação ou interpretação normativa de todo imprevista ou inesperada. Na verdade, o recorrente foi especificamente alertado para a posição do Ministério Público no sentido da impossibilidade de se conhecer do recurso, por omissão de cumprimento do ónus de indicação dos recursos interlocutórios em cuja apreciação mantinha interesse processual (…)
Ora, o recorrente podia ter respondido, nessa altura, pondo em causa o entendimento advogado pelo representante do Ministério Público, e suscitando a inconstitucionalidade da norma do n.º 5 do artigo 412.º do Código de Processo Penal. Era, para tal, irrelevante que essa norma não constasse de despacho ou decisão judicial, antes tendo sido invocada pelo Ministério Público. Mais do que só passível de aplicação abstracta, tal norma passou então a estar invocada no processo para obtenção de um certo efeito, sobre ela (rectius: em função dela) tendo de se pronunciar o tribunal a quo.
O recorrente dispôs, pois, de oportunidade para se pronunciar sobre a inconstitucionalidade, que pretendia existir, da norma em causa, mas não o fez. Ao esperar para ver, o recorrente deixou passar a oportunidade processual para suscitar atempadamente a questão de constitucionalidade.
Assim, por não ter sido suscitada a questão de constitucionalidade “durante o processo” (…), não se pode tomar conhecimento do recurso.”
Igualmente, no Acórdão n.º 126/98 (disponível no mesmo site), refere-se:
“ (…) o problema fora já levantado no parecer exarado nos autos pelo Promotor de Justiça junto do STM (…) ao que o arguido teve oportunidade de responder pessoalmente (ao ser notificado do parecer do Promotor de Justiça), colocando, assim, a questão perante o tribunal a quo a tempo de este a conhecer antes de proferida a decisão.
Houve, assim, oportunidade processual para suscitar o problema atempadamente, não podendo falar-se de “decisão surpresa” uma vez que suscitada a questão pelo Promotor de Justiça era inteiramente plausível que o STM pudesse vir a aderir à tese suscitada nesse parecer.
De acordo com o disposto, não se conhecerá do recurso (…).”
6. Restará dizer – secundando o reparo do Ministério Público, junto deste Tribunal - que mal se compreende que o reclamante, reconhecendo que não suscitou a questão de constitucionalidade perante o tribunal a quo, nunca tenha referido, ao longo da sua argumentação, o parecer do Ministério Público, na 2ª Instância, proferido nos termos dos artigos 416.º, n.º 1 e 417.º, n.º 1, ambos do CPP – apesar de ter analisado a posição assumida pelos magistrados da 1ª Instância e apesar, ainda, de a decisão recorrida referir expressamente que a solução encontrada já tinha “avisadamente” sido sustentada pelo Ministério Público, no seu parecer – entrando em linha de conta com a existência de tal parecer, que, ainda que não considerasse obstativa da sua tese, sempre lhe exigiria um esforço de específica fundamentação, porquanto não poderia passar-lhe despercebida a sua relevância, para - pelo menos, em abstracto – destruir os alicerces de toda a estrutura argumentativa, em que assenta a presente reclamação.
III - Decisão
7. Pelo exposto, indefere-se a reclamação, apresentada por A., da decisão do Tribunal da Relação do Porto, datada de 28 de Junho de 2010, que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 23 de Novembro de 2010.- Catarina Sarmento e Castro – João Cura Mariano – Rui Manuel Moura Ramos.