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Processo n.º 79/2010
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. A., Lda., Recorrente nos presentes autos em que figura como Recorrida a Fazenda Pública, deduziu, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Coimbra, oposição à execução fiscal que lhe havia sido movida pelo Serviço de Finanças de Oliveira do Hospital para cobrança de dívidas de IRC respeitantes aos anos de 2001 e 2002.
Alegou, para tanto, que havia requerido no Serviço de Finanças certidão gratuita da fundamentação da liquidação, no prazo estabelecido pelo artigo 37.º do CPPT e que, não lhe tendo sido entregue tal certidão, a dívida era inexigível. Esta pretensão não obteve, no entanto, provimento. Por sentença de 31 de Janeiro de 2009, o TAF de Coimbra julgou totalmente improcedente a oposição, considerando, nomeadamente, que tendo os fundamentos do acto notificado sido enviados anteriormente à contribuinte, na medida em que o mesmo assenta em correcções determinadas na sequência de uma inspecção cujo relatório lhe havia sido devidamente notificado, a insuficiência da notificação não assentava na necessidade de repetir tal envio. Considerou ainda o Tribunal que “qualquer declaratário normal, colocado na posição da Oponente, deduziria que as liquidações entretanto notificadas resultaram necessariamente das correcções efectuadas naquele relatório […].”
2. A Recorrente interpôs recurso desta decisão em matéria de direito para o Supremo Tribunal Administrativo, alegando, nomeadamente, o seguinte:
“ […] fundamentos que a sustentam, bem como, quando tal não suceda, a faculdade do contribuinte os obter em razão da deficiência daquela notificação, de modo a poder plenamente controverter o acto tributário nas diversas vicissitudes que comprometam a sua validade.
6. Quando a notificação do acto de liquidação não contiver os fundamentos do acto notificado, pode o sujeito passivo requerer ao abrigo do artigo 37° do CPPT certidão que os contenha.
7. A interpretação dos artigos 36. °, n. °s 1. e 2, do CPPT, no sentido de que não padece de insuficiência a notificação da liquidação que não inclui os fundamentos do acto tributário notificado, não é só contra legem, mas também contra a norma normarum, designadamente o disposto no artigo 268.°, n.° 3 e 4.
8. Padecendo do mesmo vício, mas por violação das disposições combinadas dos artigos 20.° e 268.°, n.° 4, da CRP, a norma do artigo 37.°, n.° 2, do CPPT na interpretação sufragada pelo tribunal recorrido, segundo a qual o regime decorrente desse preceito não tem aplicação aos casos em que não a notificação da liquidação não inclui os fundamentos do acto notificado.
9. Quando a notificação não contenha os fundamentos do acto notificado, padece a mesma de ilegalidade por violação do disposto no artigo 36.°, n.° 2, do CPPT.
10. Nessas circunstâncias, não existe notificação válida do acto tributário, o que prejudica a produção dos seus efeitos, conforme decorre do artigo 36°, n.° 1, do CPPT.
11. O artigo 37°, n.°s 1 e 2, admite a sanação dessa ilegalidade quando o contribuinte não requerer a notificação dos elementos omitidos e que deviam constar da notificação. No entanto, no caso de ter sido requerida a notificação desses elementos, inexiste sanação da apodada ilegalidade, não podendo considerar-se a notificação validamente realizada sem que os mesmos tenham sido levados ao conhecimento do contribuinte, o que acarreta a ineficácia do acto notificado (artigo 36.°, n.° 1, do CPPT).
12. Enquanto que o n.° 2 do artigo 37.° do CPPT apenas disciplina o início da contagem do prazo de impugnação/reclamação/recurso, não contendendo substantivamente com a ineficácia do acto irregularmente notificado, o suporte legal para a ineficácia do acto irregularmente notificado encontra-se substantivamente na disposição do artigo 36.° do CPPT.
13. Não pode o recorrente considerar-se validamente notificado sem que lhe sejam comunicados todos os elementos legalmente exigidos quando este expressamente os requeira.
14. Não produzindo efeitos o acto ‘notificado’ não pode instaurar-se a execução fiscal por inexigibilidade da dívida, sobretudo nos casos, como o presente em que foi requerida certidão contendo os elementos em causa antes de instaurada a execução e em tempo para que a Administração respondesse no prazo legal também antes da instauração do processo executivo.
15. A inexigibilidade da dívida tributária constitui causa de oposição à execução, e sendo a dívida inexigível devia a mesma ter sido julgada procedente.
16. Diverso entendimento do alegado, implica a inconstitucionalidade da norma do artigo 36.°, n.°s 1 e 2, do CPPT na interpretação segundo a qual a validade da notificação, e a eficácia do acto notificando, dispensa a comunicação dos fundamentos do acto de liquidação, mesmo quando a mesma tenha sido expressamente requerida e os elementos omitidos não tenham sido notificados ao requerente na sequência desse acto, por violação do disposto no artigo 268.°, n.°s 1 e 3 da CRP.
17. O mesmo juízo se fazendo em relação à norma do artigo 37.°, n.° 2, do CPPT, interpretada no sentido de que, não contendo a notificação os elementos legalmente exigidos quanto à fundamentação do acto notificado, o uso da faculdade prevista na norma apenas ‘suspende’ o decurso dos prazos de reclamação, recursos, impugnação ou outros meios judiciais, podendo instaurar-se o processo de execução fiscal sem que ao contribuinte tenha sido entregue a certidão requerida com a fundamentação fáctico-jurídica do acto notificado, por violação do disposto nos mesmos artigos do texto constitucional.”
Por acórdão de 25 de Novembro de 2009, o Supremo Tribunal Administrativo (STA) veio negar provimento ao recurso, com os seguintes fundamentos:
“[…]
Admitindo que não é modelar a forma como a Administração tributária cumpriu o dever de fundamentação a que está obrigada – concedendo-se quanto ao cumprimento ‘algo deficiente’ do disposto nos artigos 36.°, n.° 2 do CPPT e 77.°, n.° 1 e 2 da Lei Geral Tributária (LGT), fundamentalmente por falta de explicitação de qual era a ‘fundamentação já remetida’, o que se teria evitado se dela constasse menção da data em que foi remetido ao contribuinte a notificação do relatório da inspecção na qual se contém a fundamentação das liquidações subsequentes, designadamente as em causa nos presentes autos –, não se concede, contudo, com a alegação segundo a qual as deficiências de fundamentação da liquidação, não tendo sido sanadas em razão do pedido de certidão contendo a fundamentação do acto legalmente exigida, nos termos do n.° 1 do artigo 37.° do CPPT, têm por consequência a inexigibilidade da dívida exequenda, ao abrigo da alínea i) do n.° 1, do artigo 204.° do CPPT.
O que está em causa é, muito claramente, uma irregularidade da notificação (e não a inexistência ou a nulidade desta), por falta de menção inequívoca dos fundamentos que a motivam. Irregularidade esta que, diga-se, não obstou no passado, nem obsta no futuro a que o contribuinte possa reagir contra as liquidações se para tal tiver fundamento, pois que a utilização da faculdade do n.° 1 do artigo 37.° do CPPT lhe garante estar a tempo, ex vi do n.° 2 do mesmo artigo, de as poder vir questionar.
Daqui não resulta, porém, a inexigibilidade da dívida, pois que das notificações das liquidações constava muito claramente o termo do prazo de pagamento voluntário (cfr. os números 3 e 4 do probatório supra transcrito), momento a partir do qual as dívidas se tornaram coercivamente exigíveis.
É que, como se disse no Acórdão deste Tribunal do passado dia 7 de Outubro (recurso n.° 128/09), que aqui acompanhamos, «Quando não é efectuada uma notificação do acto de liquidação e é instaurada execução fiscal, está-se perante um fundamento de oposição à execução fiscal enquadrável na alínea i) do n.° do art. 204.° do CPPT, como tem vindo a entender uniformemente este Supremo Tribunal Administrativo. O regime previsto no art. 37.º, n.°s 1 e 2, e 39.°, n.° 9, do CPPT é de que, fora dos casos previstos nesta última disposição, em que a notificação se considera nula, o acto de comunicação ao destinatário de um acto em matéria tributária que não o informa de todos os elementos do acto notificado só é irrelevante para efeitos de determinação dos prazos de reacção contra o acto notificado, por via administrativa ou judicial, e mesmo esta única consequência apenas ocorre se for utilizada a faculdade prevista no n.° 1 daquele art. 37.°. Na verdade, por um lado, fora dos casos de nulidade previstos no art. 39.°, n.° 9, é aquela a única consequência prevista para a irregularidade da notificação, no referido n.° 2 do art. 37.º. O facto de apenas nos casos previstos no art. 39.º, n.° 9, do CPPT a não observância dos requisitos legais das notificações implicar a sua nulidade, que tem como consequência a eliminação jurídica da totalidade dos efeitos do acto que dela enferma (art. 134.°, n.° 1, do CPA), revela que se pretendeu legislativamente que, em todos os outros casos de não observância dos requisitos legais, a notificação irregular produza todos os efeitos para os quais é idónea, com excepção da determinação do início dos prazos de reacção contra o acto notificado, no caso de vir a ser usada a faculdade prevista no n.° 1 deste art. 37.°. Por outro lado, o facto de não se exigir, para regularização da situação gerada com a notificação irregular, a realização de uma nova notificação substituindo a anterior, mas apenas a «notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha» (n.° 1 deste art. 37.°), confirma que se pretendeu que se mantenham os efeitos produzidos pela notificação dos elementos não omitidos, pois não se impõe que eles sejam comunicados novamente. À mesma conclusão conduz o facto de, se não for pedida, no prazo legal, a comunicação dos requisitos omitidos, a notificação produzir todos os seus efeitos, como se os contivesse. Sendo assim a notificação sem todos os requisitos exigidos, mas que contenha aqueles sem os quais ela é considerada nula, indicados no n.° 9 do art. 39.° do CPPT, não deixará de valer como acto de comunicação ao destinatário quanto a tudo o que comunicou, produzindo os efeitos próprios de uma notificação quanto àquilo de que o informou, só não produzindo, no caso de o destinatário utilizar tempestivamente a faculdade prevista no art. 37.º, n.° 1, do CPPT, o efeito de determinar o início dos prazos de impugnação administrativa e contenciosa do acto notificado. (...) Mas, essa notificação (...), é relevante para outros fins, designadamente, se tiver sido comunicado ao destinatário o montante a pagar e o prazo de pagamento voluntário da dívida liquidada, para determinar o início desse prazo e, consequentemente, também a subsequente possibilidade de cobrança coerciva, nos termos dos arts. 85.° e 86.° do CPPT, que nasce com o decurso do prazo de pagamento voluntário sem que ele seja efectuado. Isto é, tendo a comunicação efectuada aptidão para informar o destinatário sobre o montante da quantia liquidada e o prazo de pagamento voluntário e não sendo afastada por lei a relevância da notificação para este fim, quando ocorrer omissão de indicação da fundamentação de facto e de direito, tem de se concluir a notificação produz o seu efeito útil que lhes está legalmente associado de tornar eficaz o acto de liquidação em relação ao destinatário» (fim de citação).
Assim sendo, ter-se-á de concluir que não procede o fundamento de oposição à execução fiscal invocado pelo recorrente e de que não merece censura a sentença recorrida, que julgou improcedente a oposição deduzida.
Também não se julga, contrariamente ao alegado (cfr. o n.° 17 das conclusões das suas alegações de recurso), que esta interpretação do n.° 2 do artigo 37.° seja inconstitucional, por violação dos números 1 e 3 e da Constituição da República Portuguesa.
Não se vê, sequer, nem o recorrente explícita, como a interpretação acolhida possa por em causa o direito à informação (n.° 1) e à notificação e fundamentação dos actos lesivos (n.° 3).
A interpretação adoptada obsta, isso sim, a que a faculdade que o legislador consagrou, e bem, no n.° 1 do artigo 37.° do CPPT, possa ser abusivamente utilizada para impedir à legítima cobrança de créditos tributários sempre que se verifique alguma deficiência, que não nulidade ou inexistência, na notificação dos actos tributários, deficiência não impeditiva, contudo, do cumprimento da finalidade do direito à fundamentação de garantia de condições materiais para o adequado exercício dos direitos de defesa dos contribuintes.
O recurso não merece, pois, provimento.”
3. Na sequência desta decisão, é interposto o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações subsequentes (Lei do Tribunal Constitucional – LTC), em requerimento com o teor que se transcreve:
“ […]
a) artigo 36.°, n.°s 1 e 2, do CPPT, na interpretação segundo a qual a validade da notificação, e a eficácia do acto notificando, dispensa a comunicação dos fundamentos do acto de liquidação, quando essa fundamentação seja expressamente requerida e os elementos omitidos não sejam notificados ao requerente na sequência desse acto, por violação do disposto no artigo 268.°, n.°s 1 e 3 da CRP.
b) Artigo 37.°, n.° 2, do CPPT, na interpretação segundo a qual não contendo a notificação os elementos legalmente exigidos quanto à fundamentação do acto notificado, o uso da faculdade prevista na norma apenas suspende o decurso dos prazos de reclamação, recursos, impugnação ou outros meios judiciais, permitindo a instauração de processo de execução fiscal sem que ao contribuinte tenha sido entregue a certidão requerida com a fundamentação fáctico-jurídica do acto notificado, por violação do disposto no artigo 268.°, 1 e 3 da CRP.
As questões de constitucionalidade foram suscitadas nas alegações de recurso interposto para esse Supremo Tribunal.”
4. Já neste Tribunal, foi a Recorrente convidada a produzir alegações, tendo concluído nos seguintes termos:
“1. Os actos-administrativos tributários, maxime os de liquidação do imposto carecem de fundamentação, constituindo esta uma imposição constitucional vertida no artigo 268.°, n.° 3, da CRP.
2. A notificação dos actos de liquidação não pode dispensar a comunicação dos fundamentos que determinaram a liquidação do imposto,
3. Nos termos constitucionais — e também de acordo com uma interpretação adequada das disposições constantes do artigo 36.°, n.°s 1 e 2 do CPPT —, ‘A notificação respeita ao acto administrativo globalmente considerado, pelo que, no caso de ele dever ser fundamentado, deve incluir também a fundamentação, que dele deve fazer parte integrante. O cidadão tem o direito de conhecer, do mesmo passo, o teor da decisão e a respectiva fundamentação, não tendo de requerer esta posteriormente a fim de avaliar o alcance integral da decisão e poder 4ecidir do recurso a quaisquer meios de impugnação.’
4. No âmbito do direito tributário, esse imperativo constitucional de fundamentação encontra-se directamente concretizado na norma do artigo 77.° da LGT, a qual deve ser sempre remetida ao contribuinte por força do disposto no artigo 36.° do CPPT, exigência que se torna compreensível na medida em que a fundamentação de um acto de liquidação deve ser o esteio, o suporte, por que foi efectuada aquela concreta liquidação e não qualquer uma outra, de molde a permitir ao contribuinte apreender os concretos factos donde ela emerge e poder determinar-se pela sua aceitação/pagamento ou impugnação, se entender que a mesma se encontra eivada de qualquer um vício que a inquine de ilegal, variando assim, a densidade fundamentadora consoante o tipo de acto em causa e a participação ou não do mesmo no procedimento da sua formação.
5. Como decorre da Constituição, o cumprimento não se queda por exigir a existência de tal fundamentação, mas também que a mesma seja notificada ao contribuinte, exigindo-se que as notificações ‘conterão sempre a decisão e os seus fundamentos’.
6. O acto de liquidação não poderá considerar-se validamente notificado e eficaz quando a administração não comunique ao particular a respectiva fundamentação, sobretudo nos casos em que o contribuinte, arcando com o ónus de o exigir procedimentalmente, assim o requeira.
7. Não está, no entanto, em causa a constitucionalidade de qualquer disposição que imponha ao administrado o ónus de requerer que a Administração lhe notifique os fundamentos do acto de liquidação que afecta dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, o que foi requerido, outrossim o facto de, perante tal circunstância, o acto se considerar valida e regulamente notificado e eficaz com a consequente instauração da execução fiscal de cobrança coerciva sem que a administração proceda à requerida notificação.
8. Tendo o contribuinte cumprido o ónus de requerer a certidão contendo os elementos em falta na ‘notificação’, deixa de fazer sentido mobilizar-se o princípio da segurança ou da certeza jurídica relativamente ao acto indevidamente notificado, a não ser na estrita medida em que a Constituição não permite que a Administração possa fazer-se valer de uma notificação insuficiente, omissa quanto aos fundamentos do acto praticado, e prossiga para a execução daquele em sede de cobrança coerciva sem previamente comunicar ao contribuinte a respectiva fundamentação previamente requerida.
9. Nestas circunstâncias, jamais se mostrará compatível com as exigências plasmadas nos artigos 268.°, n.° 1 e 3, da CRP, um critério normativo como aquele subscrito pelo Tribunal a quo, por mor do qual se considera que os actos de liquidação se têm por validamente notificados e eficazes quando desacompanhados da sua fundamentação, mesmo quando esta tenha sido requerida.
10. Se do regime do artigo 37.° do CPPT, ao estipular a necessidade de particular requerer a notificação da fundamentação e falta, decorre a sanação da deficiência da notificação que não contenha os fundamentos do acto notificado se o interessado não fizer uso desse expediente, considerando-se válida a notificação e eficaz o acto notificado,
11. Não poderá decorrer a mesma conclusão, considerando-se sanada uma notificação que não contenha a fundamentação do acto, se o interessado a requerer em tempo.
12. É, aliás, completamente irrazoável que se extraia da disposição do artigo 37.° do CPPT apenas a possibilidade de sanação da notificação insuficiente por omissão dos fundamentos do acto, sem lhe atribuir qualquer relevo jurídico a esse nível quando o administrado requeira a comunicação desses elementos, designadamente é irrazoável permitir-se que o mesmo fique sujeito à execução do acto e à cominação de juros moratórios antes mesmo de tomar conhecimento dos fundamentos do acto de liquidação de modo a poder decidir se, na sua óptica, o imposto é devido nos termos exigidos e se deve proceder ao seu pagamento.
13. Os critérios normativos aplicados pelo Tribunal ao determinarem a plena validade e eficácia do acto de liquidação mesmo quando o sujeito passivo requeira a fundamentação omitida, conduzem a uma situação em que se verifica uma autêntica dispensa de notificação dos fundamentos, porque a administração pode sempre executar o acto independentemente de ter comunicado ao administrado os respectivos fundamentos.
14. Por esse motivo, a norma do artigo 37.°, n.° 2 do CPPT, não pode apenas ser interpretada no sentido de que, em face do requerimento do particular, apenas ficam suspensos os prazos de impugnação, sem que da mesma se extraiam igualmente as devidas consequências em termos de não se poder considerar sanada a falta de notificação da fundamentação.
15. Até porque o contribuinte, tomando conhecimento dos fundamentos, pode inclusivamente decidir-se pelo pagamento e não mobilizar qualquer meio de reacção graciosa ou judicial, sendo que, nesse caso, a prevalecer a interpretação dada a essa norma, seria o contribuinte a suportar os custos do processo e os juros legais sobre a dívida, porque a administração não lhe comunicou os fundamentos do acto e prosseguiu com a sua execução, isto em face do reconhecimento de que o acto de liquidação é plenamente válido, eficaz, et pour cause executável, independentemente da sua cabal notificação mesmo após o particular a ter expressamente requerido.
16. O artigo 36.°, n.°s 1 e 2, do CPPT, na interpretação segundo a qual a validade da notificação, e a eficácia do acto notificando, dispensa a comunicação dos fundamentos do acto de liquidação, quando essa fundamentação seja expressamente requerida e os elementos omitidos não sejam notificados ao requerente na sequência desse acto, viola assim o disposto no artigo 268.°, n.°s 1. e 3 d CRP.
17. O Artigo 37.°, n. ° 2, do CPPT, na interpretação segundo a qual no contendo a notificação os elementos legalmente exigidos quanto à fundamentação do acto notificado, o uso da faculdade prevista na norma apenas suspende o decurso dos prazos de reclamação, recursos, impugnação ou outros meios judiciais, permitindo a instauração do processo de execução fiscal sem que ao contribuinte tenha sido entregue a certidão requerida com a fundamentação fáctico-jurídica do acto notificado, viola também o disposto artigo 268.°, n.° 1 e 3 da CRP.
18. Ambos os critérios atentam igualmente contra o princípio da proporcionalidade, o que apenas agora se conta a disposição do artigo 79.°-C, da Lei do Tribunal Constitucional).”
A Recorrida não contra-alegou.
5. Foi então a Recorrente convidada, por despacho do Relator, a pronunciar-se sobre a eventual possibilidade de não conhecimento do recurso pelo facto de a dimensão interpretativa desenvolvida nas suas alegações não corresponder à ratio decidendi da decisão recorrida, na medida em que esta incorporou a relevância atribuída ao facto de que a Recorrente havia sido já notificada dos fundamentos das liquidações em causa, verificando-se, portanto, in casu, não uma falta de fundamentos mas uma falta de menção inequívoca dos fundamentos. Na sequência deste convite, a Recorrente pronunciou-se, pugnando pelo conhecimento do objecto do recurso, invocando, nomeadamente, o seguinte:
“15.° O acórdão recorrido jamais resolve a questão de direito da eficácia dos actos de liquidação em função da existência de qualquer certeza de que a recorrente fora notificada regularmente das liquidações em falta — em contrário do afirmado pelo Tribunal Constitucional!
16.° Se assim fosse, muito fácil tinha sido ao acórdão recorrido a resolução da questão colocada!
17.° Nesse campo, o acórdão recorrido assumiu expressamente que a fundamentação da liquidação estava consubstanciada ‘na fundamentação já remetida’, sem que aquela explicitasse qual era a fundamentação remetida (donde remeter para o contribuinte a determinação da concreta fundamentação dos diferentes actos de liquidação de que tivesse sido alvo!), o que ‘se teria evitado se dela constasse menção da data em que foi remetido ao contribuinte a notificação do relatório da inspecção na qual se contém a fundamentação das liquidações subsequentes’, mas que essa deficiência a penas importaria uma irregularidade da notificação que não tinha por consequência a inexigibilidade da dívida exequenda’.
18.° Ao nível dos factos relativos à determinação da fundamentação, o acórdão recorrido ficou-se por aqui: não é, pois, verdade que o acórdão recorrido tenha distraído a ratio decidendi ao ‘facto de que a recorrente havia sido já notificada dos fundamentos das liquidações em causa’, como se diz no despacho ao qual se responde.
19.º No que importa ao seu fundamento normativo, e por muitas voltas que se dêem, o acórdão recorrido baseou-se na interpretação do artigo 36.°, n.°s 1 e 2, do CPPT segundo a qual a validade da notificação, e a eficácia do acto notificando, dispensa a comunicação dos fundamentos do acto de liquidação, quando essa fundamentação seja expressamente requerida e os elementos omitidos não sejam notificados ao requerente na sequência desse acto, e na interpretação do artigo 37.°, n.° 2, do CPPT, segundo a qual, não contendo a notificação os elementos legalmente exigidos quanto à fundamentação do acto notificado, o uso da faculdade prevista na norma apenas suspende o decurso dos prazos de reclamação, recursos, impugnação ou outros meios judiciais, permitindo a instauração do processo de execução fiscal sem que ao contribuinte tenha sido entregue a certidão requerida com a fundamentação fáctico-jurídica do acto notificado.
20.° Entendimento contrário constitui uma simples afirmação pretoriana do Tribunal Constitucional, pois não se acredita que esse Tribunal desconheça a diferença — bem esclarecida no parecer do representante do M.°P.° junto do STA — entre o dever de notificação da fundamentação do acto de liquidação e a notificação do relatório de inspecção.
21.° Será passar por cima do acórdão recorrido quando este diz, tout court (transcreve-se!): ‘Isto é, tendo a comunicação efectuada [aquela que comunica o acto de liquidação] aptidão para informar o destinatário sobre o montante da quantia liquidada e o prazo de pagamento voluntário e não sendo afastada por lei a relevância da notificação par este fim, quando ocorrer omissão de indicação da fundamentação de facto e de direito [desse acto de liquidação, entenda-se!], tem de se concluir a notificação produz o seu efeito útil que lhes está legalmente associado de tornar eficaz o acto de liquidação em relação ao destinatário’.”
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II – FundamentaçãoDo Objecto do Recurso6. O conhecimento das questões integradas pelo recorrente constitucional no objecto de recurso só é possível se se encontrarem satisfeitos diversos requisitos previstos na Constituição e na LTC.
No que ora nos interessa, é de assinalar que estes recursos desempenham uma função instrumental perante a causa em que emerge. Significa isto que o respectivo objecto, tal como surge configurado pelo recorrente constitucional, deve coincidir com a ratio decidendi da pronúncia de que se recorre, designadamente identificando-se com a interpretação que a instância atribuiu ao preceito ou preceitos impugnados.
Vejamos agora de que modo é que se verifica, nos autos em consideração, a ausência deste pressuposto:
7. Na questão que suscita a propósito do artigo 36.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT, a Recorrente identifica a interpretação que estipula que “a validade da notificação e a eficácia do acto notificado dispensa a comunicação dos fundamentos do acto de liquidação quando tal fundamentação tenha sido expressamente solicitada”. Esta não foi, contudo, a interpretação que o STA atribuiu à referida norma, na esteira do que havia sido já decidido pelo TAF de Coimbra. O que o STA entendeu foi que a ausência de resposta a tal pedido de fundamentação não culminava na nulidade da dita notificação, e sim na respectiva irregularidade. Assim, não obstante o Tribunal entender que não se estava perante uma ausência absoluta de notificação, a insuficiência em apreço teria como consequência a irregularidade da notificação (“por falta de menção inequívoca dos fundamentos que a motivam” – cfr. fls. 228). Desta irregularidade, o Tribunal retirou duas consequências: por um lado, a dívida fiscal resultante do acto de liquidação tornou-se exigível, podendo, desse modo, a Administração Fiscal instaurar o processo de execução; por outro, e na medida em que a Recorrente se havia socorrido do mecanismo previsto no artigo 37.º, n.º 1 do CPPT, enquanto tal irregularidade não fosse sanada, não começariam a correr os prazos de defesa contra o acto de liquidação (cfr. n.º 2 do mesmo artigo). Por conseguinte, não é possível afirmar que o STA interpretou o artigo 36.º, n.ºs 1 e 2 no sentido de que não é afectada a validade da notificação nem a eficácia do acto notificado não obstante o mesmo ser omisso quando aos fundamentos, tendo sido tal fundamentação expressamente requerida. Tal eficácia sai, efectivamente, afectada na medida em que a notificação não produz, desde logo, todos os seus efeitos, nomeadamente quanto ao prazo de defesa que só corre a partir do momento em que a Administração notifica os fundamentos requeridos pela oponente. A irregularidade verificada obsta a que a notificação possa produzir todos os seus efeitos, desde logo, ao nível da contagem dos prazos para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio judicial, nos termos do artigo 37.º, n.º 1 do CPPT.
Em conclusão a norma não foi rigorosamente aplicada no sentido questionado.
8. Relativamente à questão suscitada a propósito do artigo 37.º do CPPT, “na interpretação segundo a qual, não contendo a notificação os elementos legalmente exigidos quanto à fundamentação do acto notificado, o uso da faculdade prevista na norma apenas suspende o decurso dos prazos de reclamação, recursos, impugnação ou outros meios judiciais, permitindo a instauração do processo de execução fiscal sem que ao contribuinte tenha sido entregue a certidão requerida com a fundamentação fáctico-jurídica do acto notificado”: toda a argumentação desenvolvida pela Recorrente nas suas alegações se foca, exclusivamente, no conteúdo normativo assim delimitado, deixando intocado um aspecto deveras relevante da fundamentação da decisão do STA – retomado, aliás, da decisão proferida em primeira instância – e que integra, de igual modo, a sua ratio decidendi. Com efeito, da argumentação desenvolvida pelo Tribunal a quo, retira-se – em primeira linha – que o que se verificou não foi um absoluto incumprimento do dever de fundamentação a cargo da Administração Fiscal, como pugna, reiteradamente, a Recorrente. Verificou-se, sim, no entender daquele Tribunal, um cumprimento “algo deficiente” de tal dever de fundamentação – não porque o mesmo tenha sido absolutamente omitido – como reiterada e sistematicamente sustenta a Recorrente – mas porque se verificou uma “falta de explicitação de qual era a ‘fundamentação já remetida’, o que teria sido evitado se dela constasse menção da data em que foi remetido ao contribuinte a notificação do relatório da inspecção na qual se contém a fundamentação das liquidações subsequentes (…).”
8.1. O STA não entendeu, por conseguinte, ao arrepio do que sustenta a Recorrente, que se tenha verificado uma total ausência de fundamentação cuja consequência não redundaria na inexigibilidade da dívida mas sim, apenas, na suspensão dos prazos de defesa, na medida em que, não sendo aplicável a previsão do artigo 39.º, n.º 9 do CPPT, não se verificaria nulidade da notificação. O STA apreciou um deficiente cumprimento do dever de fundamentação apenas porque a Administração não identificou, nas liquidações adicionais, a data em que a fundamentação relativa a tais actos administrativos havia sido já devidamente enviada à contribuinte. Este deficiente cumprimento do dever de fundamentação redunda, assim, na óptica do STA, na mera irregularidade da notificação, a qual, salienta ainda, “não obstou no passado, nem obsta no futuro a que o contribuinte possa reagir contra as liquidações se para tal tiver fundamento (…)” (fls. 229).
8.2. Esta valoração encontra-se, no entanto, ausente do raciocínio desenvolvido pela Recorrente nas suas alegações, o qual se cinge à invocada ausência de fundamentação da notificação, como se nada tivesse ocorrido anteriormente, designadamente como se a referida fundamentação não lhe tivesse já sido remetida em momento anterior aquando da notificação do relatório da inspecção, facto a que as notificações das liquidações adicionais aludem, ainda que em moldes genéricos. Assim, a Recorrente foca a sua argumentação na “possibilidade de um sujeito passivo ser validamente notificado de um acto de liquidação de imposto quando aquela se não faz acompanhar de fundamentação que possibilite a apreensão cognoscível da motivação e dos elementos essenciais que determinaram a prática do acto, tendo-o por eficaz, mesmo quando o contribuinte requeira aqueles elementos em falta e a administração não os envie, encetando o processo da execução fiscal (…)”, olvidando, de modo absoluto, que o que o STA dá por verificado é um deficiente cumprimento do dever de notificação, o qual teria sido evitado com a mera indicação da data em que a fundamentação havia sido já remetida (não se exigindo, como decorre do que vem alegado pela Recorrente, que a notificação tivesse sido acompanhada, novamente, de toda a fundamentação). Assim, quando, designadamente, a Recorrente invoca a violação do dever de fundamentação e de notificação dos actos administrativos pelo facto de se permitir a instauração do processo de execução fiscal “antes de o mesmo conhecer os motivos pelos quais lhe é imputada uma dívida fiscal” (fls. 257), afasta-se, decisivamente, das “razões de decidir” do tribunal a quo, o qual considerou, efectivamente, que tais motivos haviam já sido notificados ao Recorrente tanto que, em situação semelhante relativa a liquidação adicional de IVA resultante da mesma inspecção, a mesma havia já reagido.
A Recorrente enuncia uma norma que a disposição legal impugnada não comporta, referente à instauração do processo de execução fiscal, matéria tratada noutras disposições do aludido código (CPTT) e que aqui assumem um relevo absolutamente essencial, pois é nesses elementos que residiria, na opinião da recorrente, a alegada inconstitucionalidade.
III – Decisão9. Face ao exposto acordam, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional, não conhecer do objecto do recurso.
Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 12 unidades de conta.
Lisboa, 10 de Novembro de 2010.- José Borges Soeiro – Gil Galvão – Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – Rui Manuel Moura Ramos.