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Processo n.º 498/09
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
No âmbito do processo penal comum que corre os seus termos sob o n.º 1552/04.1
SELSB, na 3.ª Secção do 5.º Juízo Criminal de Lisboa, por sentença proferida em
16 de Outubro de 2008, o arguido A. foi condenado:
a) na pena de 1 ano de prisão, pela prática, como autor material e em concurso
efectivo, de um crime de ameaça p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1, e de um crime
de injúria p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1, ambos do Código Penal;
b) e a pagar ao assistente a quantia de ? 2.500,00 a título de indemnização por
danos não patrimoniais.
Na sequência de recurso interposto pelo arguido, tal decisão condenatória foi
integralmente confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de
23 de Abril de 2009.
O arguido interpôs então recurso deste acórdão para o Tribunal Constitucional,
ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei da Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).
Tendo sido liminarmente considerado que o requerimento de interposição de
recurso não indicava todos os elementos legalmente exigíveis, o recorrente foi
notificado para enunciar de forma clara, precisa e sintética quais as
interpretações normativas cuja constitucionalidade pretendia ver apreciada e
quais os parâmetros constitucionais que considerava violados por essas
interpretações normativas.
Respondendo ao convite que lhe fora formulado, o recorrente requereu a
fiscalização concreta da constitucionalidade das seguintes normas:
«[...]
a.) Art.º 63.º n.º 1 do CPP (se interpretado no sentido e com a interpretação
normativa subjacente ao recorrido acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de
que a notificação para a audiência de julgamento não teria de ser notificada
também ao arguido mas apenas ao seu advogado). Sendo, ?in casu? o parâmetro
constitucional violado, o disposto no art.º 32.º n.º 1 da Lei Fundamental, o
disposto no art.º 20.º n.º 4 da mesma Lei Fundamental e o disposto no artº 6.º
da CEDH (Direito a um processo justo e equitativo).
b.) Art.º 113.º n.º 9 do CPP (em conjugação com o disposto no art.º 373.º n.º 3
do CPP) no sentido e com a dimensão normativa sufragada no recorrido Acórdão do
Tribunal da Relação de Lisboa de que o arguido não teria de ser notificado
pessoalmente da data da audiência de discussão e julgamento, sendo o parâmetro
constitucional violado por essa interpretação normativa o estatuído no art.º 32.º
n.º 1, (direitos do arguido em Processo Penal), 20.º n.º 4 da mesma Lei
Fundamental (Direito a um processo justo e equitativo) e art.º 6.º - 3 da CEDH (Direito
a um processo justo e equitativo).
c.) Art.º 333.º n.º 3 do CPP na interpretação normativa feita pelo Tribunal da
Relação de Lisboa de que o arguido não teria de ser notificado pessoalmente para
a sua comparência em juízo, sendo o parâmetro constitucional violado por essa
interpretação normativa o disposto nos art.ºs 32.º n.º 1 e 5, 20.º n.º 4 da Lei
Fundamental e ainda o art.º 6º da CEDH (direito a um processo justo e equitativo).
[...]».
O Recorrente foi então notificado pelo relator para apresentar as pertinentes
alegações, com a advertência para o eventual não conhecimento da primeira e
terceira questões de inconstitucionalidade anteriormente referidas.
O Recorrente apresentou as respectivas alegações, culminando as mesmas com a
formulação das seguintes conclusões:
«[...]
1. O art.º 63.º n.º 1 do CPP, se interpretado no sentido de que deve ser
considerado suficiente a notificação ao defensor da data da audiência, sem que
da mesma designação de data tivesse sido dado conhecimento pessoal ao arguido, -
encontra-se ferido de verdadeira inconstitucionalidade material, por violação do
princípio da lealdade e da transparência processuais e do direito a um processo
justo e equitativo consignado no art.º 6.º n.º 3 alínea b) da Convenção Europeia
dos Direitos do Homem, e da ampla garantia de direitos do arguido em processo
penal, a que faz jus o art.º 32.º n.º 1 da Lei Fundamental uma vez que o arguido
deverá obrigatoriamente ter conhecimento do conteúdo do mesmo despacho, que
designa dia para a audiência e que lhe concede (ao arguido) um prazo (tempo) e
meios necessários para se defender da acusação que sobre o mesmo pende.
2. Diversa interpretação da Lei retiraria toda a eficácia e toda a razão de ser
ao disposto no art.º 61.º n.º 1 alínea h) do CPP, esvaziando de modo
absolutamente intolerável de sentido o efectivo direito ao recurso por parte do
arguido em processo penal, constitucionalmente consagrado no art.º 32.º n.º 1 da
Lei Fundamental e o princípio do efectivo direito ao recurso consagrado na Convenção
Europeia dos Direitos do Homem. (art.º 13.º).
3. Além do mais, a própria natureza e génese do Mandato, regulado no art.º 1157.º
do Código Civil já citado, ao conferir ao defensor o direito de representação,
ou seja, o direito de actuar em nome do seu representado ou mandante, não
confere nem concede a possibilidade de se substituir ao próprio arguido, em
matéria da sua exclusiva esfera pessoal, como seja ao direito de se pronunciar
pessoalmente na audiência, nos termos em que entender mais adequados para a sua
defesa, sendo certo que não existe nos autos mandato com poderes especiais a que
alude o art.º 1159º n.º 1 do Código Civil.
4. O art. 113.º n.º 9 do CPP, se ou quando interpretado ? em conjugação com o
disposto no art. 373º n.º 3 do CPP ? no sentido de que o arguido não terá que
ser notificado pessoalmente da data da audiência de discussão e julgamento e só
a partir dessa notificação se iniciando a contagem do prazo de contestação e
entrega do Rol de Testemunhas a que alude o art. 315.º do CPP -, encontra-se
ferido de verdadeira inconstitucionalidade material, por violação do mesmo art.
32.º n.º 1 da Constituição da República e dos princípios de garantia dos
direitos de defesa do arguido nele consignado.
5. Resultando dos autos que no caso concreto, o arguido prestou TIR e após essa
prestação de TIR, veio a ser devolvida a carta que o Tribunal lhe endereçara
convocando-o para a audiência de julgamento (com a informação constante do verso
de fls. 241), entende a defesa que a decisão recorrida, ao ordenar esta
notificação de carácter não pessoal, (em vez de ordenar a notificação pessoal do
recorrente), fez clara interpretação inconstitucional do citado art.º 113.º n.º
9 do CPP, no qual se exige, também para este caso (de conhecimento da data da
audiência) a notificação do arguido com carácter pessoal.
6. Estatuindo o art.º 196.º n.º 3 alínea a) do CPP que o arguido passa a ter a
obrigação de comparecer perante o Tribunal quando e sempre que para tal for...
devidamente notificado?, o certo é que a sobredita obrigação processual tem como
premissa expressamente indicada no artigo em causa, a legalidade ou a
normalidade dessa notificação, não valendo uma qualquer ?notificação?.
7. Não sendo o arguido obrigado a conhecer todo o Rol de notificações a que a
lei alude (art.º 113.º do CPP) e que são inúmeras, a normalidade ou a legalidade
dessa notificação, no caso ?subjuditio? traduzir-se-ia na notificação efectuada
pessoalmente, sendo essa a imposição da lei processual no referente à designação
de dia para o julgamento (art.º 113.º n.º 9 do CPP e sendo essa também a
exigência do texto constitucional, art.º 32º n.º 1 e 6 e 20º n.º 4 da CRP).
8º. Ora, ?in casu? não poderia ter sido ?dispensada? a presença do arguido (para
a hipótese contida no texto constitucional no seu art.º 32.º n.º 6 CRP) uma vez
que não foram, previamente a essa ?dispensa?, assegurados os direitos de defesa
do arguido, exigência contida nesse mesmo preceito (o 32.º n.º 6 da CRP). E não
foram assegurados, dada a inexistência de notificação pessoal.
9º. Pelo que a recorrida decisão fez, com o devido respeito uma interpretação
literal do art.º 113.º n.º 9 e do art.º 196.º n.º 3, ambos do CPP. Já que,
apesar da exigência contida no art.º 113.º n.º 9 do CPP (quanto à obrigatoriedade
de notificação pessoal do arguido neste caso), a instância partiu do princípio (e
isso ressalta nas sua decisão) de que se o recorrente não recebeu a carta foi
porque não quis recebê-la e que face ao disposto no art.º 196.º do CPP o arguido
estaria então ?regularmente notificado?.
10º. Por isso se entende que o decidido viola a Constituição e a lei penal
adjectiva, porquanto não é esse o sentido do art.º 32.º da CRP ou do 20.º n.º 4
CRP não sendo também esse o sentido do art.º 113.º n.º 9 ou do art.º 196.º n.º 3
ambos do CPP.
11º. No caso concreto, esse mesmo direito de defesa do recorrente (como o
direito inalienável de ser notificado pessoalmente da data da audiência?) foi
postergado pela instância. Ora, ?o que interessa é que (os preceitos legais?
tenham como parâmetro de validade imediata, não a lei (?outra lei?) ? no caso o
art.º 196.º CPP) ? mas a Constituição (in douto Acórdão do TC n.º 405/87), também
sendo certo que ?a validade do Direito não pode afirmar-se com total indiferença
pelo seu conteúdo. Se a dimensão jurídica das leis ficasse reduzida ao processo,
o seu princípio normativo - material seria apenas o poder?, como já ensinava o
insigne professor Castanheira Neves.
12º. Num caso como o dos autos em que estava em causa um direito fundamental, a
decisão tomada pela instância violou o texto Constitucional, também no sentido
em que esqueceu que há leis com uma densificação material determinada, como por
exemplo as leis que incidem sobre os actos organizadores dos direitos,
liberdades e garantias. A recorrida decisão perfilhou, em nossa opinião, uma
visão não substancialista da lei, recusando um critério constitucional -
material caracterizador da função legislativa.
13º. É que, no caso concreto, o art.º 113.º n.º 9 do CPP tem necessariamente
dimensão substantiva - material e não apenas processual ou organizatória. E
assim equacionada a questão, dúvidas não restam que o disposto no art.º 196.º nº
3 alínea d) do CPP (que ainda assim não teria aplicação neste caso dado o
arguido nada ter incumprido), sempre deveria ceder face ao comando do art.º 113.º
n.º 9 do CPP (único preceito a regular, especificamente a génese da notificação
do arguido para o dia da audiência), bem como à exigência contida no próprio
texto Constitucional e Constitucional-Europeu (art.º 32.º n.º 5 e outros 32.º n.º
1, art.º 20.º n.º 4 e ?maxime? art.º 6.º n.º 3 alínea b) da CEDH).
14º. - Na verdade, dispondo o art.º 6.º n.º 3 alínea b) da Convenção Europeia
dos Direitos do Homem que ?todo o acusado tem, como mínimo, e entre outros, o
direito de ?Dispor do tempo e dos meios necessários para a preparação da sua
defesa?, é por demais óbvio que no caso concreto o recorrente não teve nem o
tempo nem os meios necessários para a preparação da sua defesa.
15.º - Daí a suscitada inconstitucionalidade material do mencionado art.º 113,º
n.º 9 do CPP se ou quando interpretado no sentido ou com a dimensão normativa de
que num caso como o dos autos o arguido não deveria ser notificado pessoalmente,
apenas porque a carta que o Tribunal lhe endereçou veio devolvida pelos CTT com
a indicação aposta no verso de fls. 241. O parâmetro constitucional desse modo
violado é o constante do art.º 32.º n.º 1, 5 e 6 da CRP (já que a excepção de
julgamento aqui prevista é para casos muito diferentes do destes autos, ou seja,
para aqueles específicos casos em que ao arguido é previamente ?assegurado o
direito de defesa?), tendo-se ainda violado, por erro interpretativo, o disposto
no art.º 18.º n.º 2 da CRP ao majorar-se o estatuído no art.º 196.º n.º 3 alínea
d) do CPP em ordem a sobrepor tal norma quer à apontada exigência contida no art.º
113.º n.º 9 do CPP quer ao próprio texto Constitucional.
16.º- Como corolário do que fica dito, violado também se mostra violado o
disposto no art.º 6.º (direito a um processo justo e equitativo) da C.E.D.H.
Como refere Ireneu Cabral Barreto na sua Convenção Europeia Anotada (ob. cit.),
?Para uma efectiva protecção dos ?direitos do homem? não é suficiente uma
consagração substantiva; será necessário estabelecer garantias fundamentais de
processo, de modo a reforçar os mecanismos de salvaguarda daqueles direitos?.
17.º - A recorrida decisão viola, também, por manifesto erro de interpretação/valoração,
o disposto no art.º 20.º n.º 4 da Lei Fundamental, já que, como vimos, ao
recorrente não foi assegurado, neste ?interim? o direito a um processo justo e
equitativo, exigência também contida no já apontado art.º 6.º da Convenção
Europeia dos Direitos do Homem.
18.º - Inconstitucionalidade material do art.º 333.º n.º 3 do CPP aplicada na
decisão recorrida: valem, ?hic et hunc? os mesmos argumentos já aduzidos ?supra
?, ou seja, ao socorrer-se da norma excepcional contida no art.º 333º n.º 1 do
Código do Processo Penal, (e não o seu número 3 como por lapso manifesto se
deixou exarado em requerimento entregue em 7 de Julho 2009 para este Venerando
Tribunal), a instância considerou, tacitamente, que o arguido não deveria ter
sido notificado pessoalmente para a audiência em que iria ser julgado.
19.º - Deste modo, o art.º 333.º n.º 3 do CPP, se interpretado no sentido ou com
a dimensão normativa de que não é necessário ser o arguido notificado
pessoalmente da data da audiência (apenas porque uma carta que lhe foi enviada
para a morada constante do seu T.I.R. ter sido devolvida), bastando a
notificação da mesma data e das obrigações dela decorrentes (cumprimento
eventual do disposto no art.º 315.º do CPP), ao seu defensor, encontra-se ferido
de verdadeira inconstitucionalidade material, por violação do art.º 32.º n.º 1,
5 e 6 da Lei Fundamental e do geral princípio do direito ao recurso nele
consignado.
20.º E, como já se referiu a propósito da inconstitucionalidade material do art.º
113.º n.º 9 do CPP ? na interpretação feita pela decisão recorrida ? violado se
mostra também aqui o parâmetro constitucional contido no art.º 32.º n.º 1 e 5 da
Lei Fundamental, bem como o disposto no art.º 20.º n.º 4 da mesma Constituição,
o que significa que foi violado ? nessa interpretação ? quer o texto
constitucional português, quer a imposição europeia a que faz jus o apontado art.º
6.º n.º 3 alínea b) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Razão pela qual o presente recurso de constitucionalidade deve proceder,
declarando este alto Tribunal as suscitadas inconstitucionalidades com as
respectivas consequências e efeitos processuais.
[...]».
O Ministério Público contra-alegou e concluiu pela seguinte forma:
«[...]
1 ? Porque, quanto à norma do artigo 63º, nº 1, do CPP, a decisão recorrido não
a aplicou na dimensão cuja inconstitucionalidade o recorrente pretende ver
apreciada, não deverá conhecer-se do recurso.
2 ? Não tendo sido suscitada, durante o processo e de forma adequada, a
inconstitucionalidade da norma do artigo 333º, nº 3, do CPP, não deverá, também
nesta parte, conhecer-se do recurso.
3 - As notificações respeitantes ao dia designado para o julgamento devem ser
feitas ao arguido e ao seu defensor (artigo 113º, nº 9, do CPP).
4 - Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 313º, nº 3 e 113º, nºs 1,
alínea c , 3 e 9, todos do CPP, aquela notificação ao arguido, quando esta tenha
prestado termo de identidade e residência, deve ser feita por via postal simples,
com prova de depósito, e dirigida à morada indicada por aquele.
5 - Nestas circunstâncias, a notificação, não por contacto pessoal, mas pela
forma descrita, não violando as garantias de defesa do arguido (artigo 32º, nº 1,
da Constituição), nem o direito a um processo equitativo (artigo 20º, nº 4, da
Constituição) mostra-se adequada a uma mais célere tramitação processual, celeridade
essa que goza de tutela Constitucional (artigo 32º, nº 2, da Constituição).
6 - A conclusão anteriormente extraída, não é posta em causa, nos casos em que,
como o dos autos, o arguido tem conhecimento pessoal da acusação, a carta é
comprovadamente depositada no receptáculo, e não são adiantados quaisquer factos
que levem a legitimamente duvidar que a carta foi recebida e que o arguido teve
conhecimento do seu conteúdo.
7- Termos a que deverá improceder o presente recurso.?
Por seu turno, o assistente contra-alegou e concluiu pela seguinte forma:
«[...]
1. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem, reiteradamente, afirmado que,
no âmbito de um processo penal equitativo, a comparência do acusado reveste uma
grande importância, mas que este direito não reveste um carácter absoluto, antes
devendo harmonizar-se com outros interesses, designadamente os da justiça, pelo
que são admissíveis os julgamentos in absentia.
2. Essencial a essa aceitação, entre outros pressupostos, é que ao arguido que
não comparece em julgamento tenha sido dado conhecimento efectivo da data e
local da sua realização.
3. Esta noção tem sido interpretada pelo TEDH como obrigando os Estados a
diligenciarem para que ao arguido seja dado conhecimento da data e local do
julgamento, embora sem lhes impor um ónus desproporcionado, designadamente
através da exigência de que também o acusado tome as providências adequadas para
possibilitar que se torne efectivo esse conhecimento.
4. Na esteira deste entendimento o TEDH já decidiu que as autoridades não podem
ser responsáveis pela impossibilidade de comparência de um arguido no julgamento
se este não tomou as providências necessárias para receber o correio que lhe era
endereçado.
5. É, portanto, à luz desta jurisprudência que se afigura dever questionar-se se
o disposto na lei nacional quanto às obrigações decorrentes da prestação de TIR,
concretamente no que respeita à forma como as notificações, após a aplicação
dessa medida de coação, serão feitas ao arguido, está ou não de acordo com a
exigência de um processo equitativo a que alude o art. 6.º da CEDH.
6. Após prestar TIR o arguido, para o efeito de ser notificado por via postal
simples, deve indicar a sua residência, o local de trabalho ou outro domicilio à
sua escolha, ficando obrigado a não mudar de residência ou dela se ausentar por
mais de cinco dias sem informar a nova residência ou o lugar onde pode ser
encontrado, sendo-lhe comunicado que todas as posteriores notificações
processuais serão feitas por via postal simples para a morada que indicou,
excepto se, entretanto, tiver comunicado ao processo uma outra morada para
receber as notificações (art. 196.º, n.º 1, 2, e 3, al. a) a c) do C.P.P.).
7. É-lhe também dado conhecimento de que o incumprimento dessas obrigações
legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos
quais tenha o direito ou o dever de estar presente, bem como a realização da
audiência na sua ausência (art. 196.º, n.º 3, al. d), do C.P.P.).
8. A lei processual penal não exige a notificação pessoal do arguido nos casos
em que ele presta TIR e, por via disso, toma conhecimento dos trâmites seguintes
relativos a notificações.
9. Ao arguido cabe tomar as providências necessárias para receber o correio que
lhe é endereçado para a morada que para o efeito indicou nos autos.
10. Resulta dos autos que, através via postal simples (carta depositada na
morada fornecida pelo arguido) foi o arguido notificado da data designada para
julgamento, em cumprimento do disposto no artigo 113.º, n.ºs 1, al. c) e 3.
11. Decorre igualmente dos autos que a morada para a qual foi enviada a
notificação é efectivamente a do arguido, e aquela que o arguido fez constar no
TIR que prestou pois foi aí que, também através de carta simples com depósito,
foi o mesmo notificado da data designada para a leitura da sentença (cfr. fls.
287 e 298 dos autos).
12. Acresce que, em respeito pelo artigo 32.º, n.º 6 da Constituição da
República Portuguesa, estão definidos nos artigos 333.º e 334.º do C.P.P. os
casos em que pode ser dispensada a presença do arguido na audiência de julgamento,
estando nos termos daquele assegurado o direito de recurso, cujo prazo se conta
a partir da notificação da sentença, direito de que o arguido podia ter feito
uso.
13. Face ao exposto, as decisões tomadas nos autos foram proferidas no respeito
pelo disposto nos artigos 63.º, n.º 1, 113.º, n.º 9, 373.º, n.º 3, 333.º, n.ºs 1,
2 e 3 e 196.º do C.P.P. e não se vê que a interpretação que delas fizeram viole
quer a Constituição, nomeadamente os artigos 32.º e 20.º n.º 4, quer a Convenção
Europeia dos Direitos do Homem, nomeadamente o seu artigo 6.º, nº 3.
14. Assim, na interpretação que fizeram das supra normas processuais penais,
considerando que o arguido estava notificado da data designada para julgamento e
determinando a realização do julgamento na sua ausência, as instâncias não
violaram nem a Constituição da República Portuguesa nem a Convenção Europeia dos
Direitos do Homem.
Termos e fundamentos por que deve ser considerado improcedente o presente
recurso.
[...]».
*
Fundamentação
1. Da delimitação do objecto do recurso
1.1. Do não conhecimento do recurso de constitucionalidade na parte respeitante
à interpretação normativa do artigo 63.º, n.º 1, do Código de Processo Penal
No respectivo requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade,
oportunamente aperfeiçoado, o recorrente suscitou a inconstitucionalidade
material do artigo 63.º, n.º 1, do CPP, na interpretação segundo a qual o
arguido não tem de ser notificado do despacho que designa dia para a realização
da audiência de julgamento, sendo suficiente a respectiva notificação ao
defensor.
Esta questão de inconstitucionalidade emerge de um processo em que a audiência
de julgamento foi realizada na ausência do recorrente (arguido), com intervenção
de defensor nomeado, tendo o recorrente invocado nas alegações de recurso
interpostas para o tribunal recorrido a nulidade da falta de notificação do
despacho que designou data para a audiência de julgamento.
Sobre a referida arguição de nulidade recaiu a decisão recorrida mas a aludida
interpretação normativa não foi explícita ou implicitamente aplicada como
fundamento da mesma (ratio decidendi).
Para ilustrar esta afirmação, passa-se a transcrever o segmento da decisão
recorrida em que foi apreciada a matéria respeitante à notificação do despacho
que designa a data para a realização da audiência de julgamento:
«[...]
Inicia o recorrente a sua impugnação da sentença condenatória manifestando o
entendimento de que foi cometida a nulidade do art.º 119º al. c) CPP, com
violação do disposto nos art.ºs 113º nº 9 e 333º n.ºs 1 e 2 CPP, por ausência de
notificação pessoal do despacho que designou data para julgamento.
Dispõe o art.º 119º al. c) CPP que ?Constituem nulidades insanáveis, que devem
ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como
tal forem cominadas em outras disposições legais:
?
c) A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a
respectiva comparência;
??.
Nos termos do art.º 332º n.º 1 CPP ?É obrigatória a presença do arguido na
audiência, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 333.ºe nos n.ºs 1 e
2 do artigo 334.º
??
Por sua vez, o art.º 333º CPP estabelece no seu n.º 1 que ?Se o arguido
regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da
audiência, o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis
para obter a sua comparência e a audiência só é adiada se o tribunal considerar
que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua
presença desde o início da audiência.?
Fazendo apelo ao que dos autos consta, verifica-se que o arguido havia prestado
TIR nos autos (cfr. fls. 45) no qual indicou a morada em que residia.
Na sequência do despacho de fls. 211/214 que recebeu a acusação e designou data
para julgamento veio a ser remetida para a morada constante do TIR, depois de
devolvida carta registada enviada para outra morada (cfr. fls. 229), a
notificação ao arguido daquele despacho, conforme resulta de fls. 232, foi
efectuada por carta que foi depositada no receptáculo da morada fornecida pelo
arguido no seu TIR (cfr. fls. 242) e que veio, posteriormente, a ser devolvida
com a anotação constante do verso de fls. 241.
Ora, da prestação do TIR consta expressamente a obrigação de comunicação de nova
residência pelo arguido bem como a consequência dessa não comunicação.
Percorridos os autos, não vemos qualquer comunicação feita pelo arguido acerca
da alteração da morada fornecida no TIR pelo que, com a remessa feita a fls. 232
para a morada constante do TIR, mostram-se cumpridas as formalidades para a
notificação do arguido e, em consequência, deve o arguido ter-se como
regularmente notificado, tal como foi considerado no despacho proferido no
inicio da audiência.
Sempre acrescentamos que em toda esta questão nunca o recorrente afirmou que não
morava na residência que havia fornecido no TIR e que a carta envida para a
respectiva notificação não lhe chegara às mãos em virtude desse facto, o que
também não pode ser inferido da devolução de tais cartas aos serviços de correio
depois de terem sido objecto de depósito na caixa de correio; percorridos
novamente os autos constata-se que o arguido foi mais tarde efectivamente
notificado nessa morada, através de carta simples com depósito, da data
designada para a leitura da sentença tal como se extrai de fls. 287 e 298, tendo
comparecido ao acto.
Em suma, a morada para a qual foi enviada a notificação do despacho a que alude
o art.º 311º CPP é a do arguido, pelo que a invocada nulidade não se verifica.
[...]».
A disposição legal aludida pelo recorrente ? art. 63.º, n.º 1, do CPP ? dispõe
que ?o defensor exerce os direitos que a lei reconhece ao arguido, salvo os que
ela reservar pessoalmente a este?.
Ora, resulta do excerto da decisão recorrida acabado de transcrever que o
Tribunal da Relação de Lisboa não decidiu a referida arguição de nulidade com
fundamento na aplicação da norma constante do artigo 63.º, n.º 1, do CPP, muito
menos interpretada nos precisos termos enunciados pelo recorrente em sede de
recurso de constitucionalidade, tanto mais que o tribunal a quo até considerou
que o recorrente foi regularmente notificado do despacho que designou data para
a audiência de julgamento.
Sucede que a fiscalização sucessiva concreta apenas tem lugar a propósito da
aplicação jurisdicional efectiva de uma norma jurídica cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, assumindo aquela
fiscalização, assim, uma função instrumental aferida pela susceptibilidade de
repercussão útil no processo concreto de que emerge, não servindo, pois, para
dirimir questões meramente académicas.
Uma vez que a interpretação normativa configurada pelo recorrente não
corresponde a qualquer ratio decidendi da decisão do Tribunal da Relação de
Lisboa, o presente recurso de constitucionalidade não seria dotado de qualquer
repercussão útil no processo concreto de que emerge, isto é, o tribunal a quo
nunca seria confrontado com a obrigatoriedade de reformar o sentido do seu
julgamento.
Verificada a falta de aplicação da referida interpretação normativa, importa
concluir que não estão preenchidos todos os requisitos de admissibilidade do
recurso de constitucionalidade previsto no artigo 70.º, n.º 1, b), da LTC,
estando, assim, vedado o respectivo conhecimento nesta parte.
1.2. Do não conhecimento do recurso de constitucionalidade na parte respeitante
à interpretação normativa do artigo 333.º, n.º 3, do Código de Processo Penal
No requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, oportunamente
aperfeiçoado, o recorrente suscitou também a inconstitucionalidade material do
artigo 333.º, n.º 3, do CPP, na interpretação segundo a qual o arguido não tem
de ser notificado por contacto pessoal para comparecer em juízo.
A referida disposição legal prescreve que, caso a audiência tenha começado sem a
presença do arguido, nas situações previstas no n.º 2, do art. 333.º, ?o arguido
mantém o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência, e se
ocorrer na primeira data marcada, o advogado constituído ou o defensor nomeado
ao arguido pode requerer que este seja ouvido na segunda data designada pelo
juiz ao abrigo do artigo 312.º, n.º 2?.
Em sede de recurso perante o tribunal a quo, o arguido tinha alegado que teria
havido violação do disposto nos artigos 333.º e 334.º, n.º 3, do CPP, em virtude
de ter sido dispensada a sua presença em julgamento e, por essa via, não ter
tido a oportunidade de prestar declarações em audiência.
O tribunal a quo apreciou esta matéria nos seguintes termos:
«[...]
Conforme já acima mencionámos, o arguido havia sido notificado da data designada
para julgamento através de carta simples, nos termos do disposto nos art.ºs 113º
n.ºs 1 c) e 3 e 283º n.º 6 ? 2ª parte, uma vez que o mesmo indicou nos autos a
sua residência (vd. fls. 45).
Por outro lado, é também de salientar que, conforme decorre das obrigações do T.I.R.,
a mudança de residência do arguido sem a respectiva comunicação aos autos,
legitima a realização da audiência na sua ausência, nos termos do disposto no
art.º 333º do C.P.Penal, como aconteceu nos presentes autos, isto depois de a
Mma. Juíza se ter pronunciado pela dispensabilidade da presença do arguido em
cumprimento do disposto no n.º 2 do art.º 333º CPP e tal como se demonstra de
fls. 259 dos autos.
Na sequência desse despacho, nenhum requerimento foi feito por parte da defesa
do arguido no sentido de impugnar os termos daquele despacho judicial interpondo
o competente recurso ou requerer, ao abrigo do art.º 333º n.º 3 CPP, nesse
momento ou em fase posterior da audiência que o arguido fosse ouvido na segunda
data designada para julgamento.
De resto, a sua dispensabilidade de presença mostra-se declarada no despacho em
questão sem que do mesmo tivesse sido interposto recurso atempadamente, pelo que
o mesmo transitou em julgado, o que se verificava já quando o recorrente
compareceu à leitura da sentença no dia 16.10.2008.
Assim sendo, nenhuma violação dos art.ºs 333º e 334º CPP se mostra feita com tal
decisão.
[...]».
Efectivamente, o tribunal a quo aplicou o art. 333.º, n.º 3, do CPP, na interpretação
segundo a qual o arguido não tem de ser notificado por contacto pessoal para
comparecer em juízo, nomeadamente para efeito de prestação de declarações até o
encerramento da audiência que se iniciou na sua ausência.
Todavia, não obstante o arguido se ter insurgido, perante o tribunal recorrido,
contra a circunstância de não ter intervindo até ao final da audiência de julgamento,
a verdade é que o arguido não suscitou, podendo e devendo, qualquer questão de
inconstitucionalidade, por referência à referida disposição legal, em termos do
tribunal a quo estar obrigado a dela conhecer, conforme exige o n.º 2, do artigo
72.º da LTC.
Verificada a falta de suscitação adequada da referida questão de inconstitucionalidade,
importa concluir que o recorrente carece de legitimidade para interpor o
presente recurso de constitucionalidade, estando, assim, vedado o respectivo
conhecimento nesta parte.
1.3. Do conhecimento do recurso de constitucionalidade na parte respeitante à
interpretação normativa dos artigo 113.º, n.º 9, e 313.º, n.º 3, do Código de
Processo Penal
No requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, oportunamente
aperfeiçoado, o recorrente suscitou também a inconstitucionalidade material da
norma constante do artigo 113.º, n.º 9, do CPP, em conjugação com o disposto no
artigo 373.º, n.º 3, do CPP, na interpretação segundo a qual o arguido não tem
de ser notificado pessoalmente da data da audiência de julgamento.
Verifica-se que a alusão feita pelo recorrente ao artigo 373.º, n.º 3, do CPP,
respeitante aos efeitos da leitura da sentença perante o defensor e na ausência
do arguido, se deve a mero lapso de escrita, pretendendo o recorrente referir-se
ao artigo 313.º, n.º 3, do mesmo diploma, uma vez que é este preceito que
estabelece a forma de notificação ao arguido do despacho que designa dia para a
audiência, cuja constitucionalidade é aqui impugnada.
Conforme resulta do primeiro excerto da decisão recorrida acima transcrita
entendeu-se que a notificação ao arguido do despacho que designou a data para
julgamento não tinha que ser efectuada mediante contacto pessoal com o arguido,
tendo-se julgado processualmente válida a notificação realizada por via postal
simples por referência à morada constante do termo de identidade e residência.
Para esse efeito, o tribunal recorrido não enunciou expressamente a aplicação
dos artigos 113.º, n.º 9, e 313.º, n.º 3, do CPP, mas implicitamente foram essas
as disposições legais aplicadas, dado que são elas que estabelecem essa forma de
notificação ao arguido do despacho em causa.
Assim sendo, o objecto do presente recurso de constitucionalidade restringir-se-á
ao conhecimento da constitucionalidade das normas constantes do artigo 113.º, n.º
9, e 313.º, n.º 3, do CPP, na interpretação segundo a qual o arguido não tem de
ser notificado por contacto pessoal do despacho que designa data para a
audiência de julgamento, podendo essa notificação ser efectuada por via postal
simples para a morada indicada pelo arguido no termo de identidade e residência.
2. Do mérito do recurso
2.1. O caso dos autos
A tramitação do presente procedimento penal revela que o arguido prestou termo
de identidade e residência (T.I.R.) no início do inquérito, tendo declarado
residir na R. das Flores, n.º 5, Perolivas, 7200-000, Reguengos de Monsaraz, e
sido informado de que as posteriores notificações seriam feitas por via postal
simples para essa morada, excepto se comunicasse a sua alteração (fls. 45).
O arguido nunca comunicou qualquer alteração de morada ou sequer qualquer
ausência desta por período superior a 5 dias.
O arguido foi notificado pessoalmente pela GNR naquela morada da dedução da
acusação em 18 de Dezembro de 2006 (fls. 193/194).
O despacho que designou dia para a audiência de julgamento em 17-9-2008 foi
objecto de notificação ao arguido em 9-4-2008 por via postal simples para a
mesma morada indicada pelo arguido aquando da sua sujeição à referida medida de
coacção (fls. 232, 233, 241, 242).
A carta enviada para esse efeito foi devolvida aos correios e ao tribunal com a
menção ?mudou-se?(fls. 241).
No dia designado para a realização da audiência de julgamento o arguido não se
encontrava presente, tendo-se iniciado a audiência, por se considerar que a sua
presença não era indispensável (fls. 258-260).
Foi marcado o dia 16-10-2008 para a leitura da sentença, tendo o arguido sido
notificado desta marcação em 2-10-2008 por via postal simples para a mesma
morada indicada pelo arguido aquando da sua sujeição à referida medida de
coacção (fls. 287 e 298)
O arguido esteve presente no dia designado para a leitura da sentença, tendo
assistido pessoalmente à respectiva leitura (fls. 313).
Por último, o arguido foi representado por defensor desde a dedução da acusação,
nomeadamente durante a audiência de julgamento, e só veio a constituir
mandatário judicial após a leitura da sentença condenatória, para efeito de
interposição de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 164, 203, 258,
313 e 319).
Neste recurso o arguido invocou a nulidade da falta da sua notificação pessoal
da data designada para a realização da audiência de julgamento, tendo o Tribunal
da Relação de Lisboa considerado que o arguido foi correctamente notificado, por
via postal simples enviado para a morada indicada pelo arguido aquando da
prestação do termo de identidade e residência no processo.
2.2. A interpretação normativa questionada
O presente recurso de constitucionalidade versa a temática das garantias de
defesa do arguido em processo penal, mais concretamente a forma pela qual se
deve processar a convocação do arguido para efeito de intervenção na audiência
de julgamento.
O tribunal recorrido aplicou as normas dos artigos 113.º, n.º 9, e 313.º, n.º 3,
do CPP, na interpretação segundo a qual o arguido não tem de ser notificado por
contacto pessoal do despacho que designa data para a audiência de julgamento,
podendo essa notificação ser efectuada por via postal simples para a morada indicada
pelo arguido no termo de identidade e residência.
E é precisamente sobre o acto processual de notificação do despacho que designa
data para a audiência que incide todo o interesse do presente recurso de
constitucionalidade.
A lei ordinária prescreve que o arguido e seu defensor sejam notificados do
despacho que designa dia para a audiência de julgamento, pelo menos, 30 dias
antes da data fixada para essa audiência (artigos 113.º, n.º 9, e 313.º, n.º 2,
do CPP, este último na redacção do Decreto-lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro).
Esta notificação do arguido é feita mediante via postal simples quando o arguido
tiver indicado a sua residência ou domicílio profissional à autoridade policial
ou judiciária que elaborar o auto de notícia ou que os ouvir no inquérito ou na
instrução e nunca tiver comunicado a alteração da mesma através de carta
registada, conforme dispõe o artigo 313.º, n.º 3, do CPP, na redacção do Decreto-lei
n.º 320-C/2000.
Quando o arguido é sujeito a termo de identidade e residência indica a sua
residência, local de trabalho ou outro local à escolha para efeito de ser
notificado mediante via postal simples, e fica, desde então, obrigado a não
mudar de residência nem dela se ausentar por mais de 5 dias sem comunicar a nova
morada ou o lugar onde possa ser encontrado (artigo 196.º, n.os 1, 2 e 3, alínea
b), do CPP, na redacção do Decreto-lei n.º 320-C/2000).
O arguido é ainda avisado nesse acto de que as posteriores notificações serão
feitas por via postal simples para a morada por ele indicada, excepto se ele
vier a comunicar outra, através de requerimento entregue ou remetido por via
postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr termo (artigo
196.º, n.º 3, c), do CPP, na redacção do Decreto-lei n.º 320-C/2000).
E sempre que a notificação do arguido é efectuada por via postal simples, o
funcionário judicial lavra uma cota no processo com a indicação da data da
expedição da carta e do domicílio para o qual foi enviado e o distribuidor do
serviço postal deposita a carta na caixa de correio do notificando, lavra uma
declaração indicando a data e confirmando o local exacto do depósito e envia-a
de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação
efectuada no 5.º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo
distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do acto de
notificação (artigo 113.º, n.º 3, do CPP, na redacção do Decreto-lei n.º 320-C/2000).
A introdução desta forma de notificação do arguido pelo Decreto-lei n.º 320-C/2000,
em detrimento da notificação por contacto pessoal, foi assim explicada pelo
legislador, no preâmbulo daquele diploma:
?Pretende ajustar-se o Código de Processo Penal?a uma das prioridades da
política de justiça, a saber, o combate à morosidade processual.
A aplicação das normas do Código de Processo Penal revela que ainda persistem
algumas causas de morosidade processual que comprometem a eficácia do direito
penal e o direito do arguido «ser julgado no mais curto prazo compatível com as
garantias de defesa», nos termos do n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da
República Portuguesa, tornando-se assim imperioso efectuar algumas alterações no
processo penal de forma a alcançar tais objectivos.
Para a consecução de tais desígnios, introduz-se uma nova modalidade de
notificação do arguido, do assistente e das partes civis, permitindo-se que
estes sejam notificados mediante via postal simples sempre que indicarem, à
autoridade policial ou judiciária que elaborar o auto de notícia ou que os ouvir
no inquérito ou na instrução, a sua residência, local de trabalho ou outro
domicílio à sua escolha e não tenham comunicado a mudança da morada indicada
através da entrega de requerimento ou da sua remessa por via postal registada à
secretaria onde os autos se encontram a correr nesse momento.
No caso de notificação postal simples, o funcionário toma cota no processo com
indicação da data da expedição e do domicílio para a qual foi enviada e o
distribuidor do serviço postal depositará o expediente na caixa de correio do
notificando, lavrará uma declaração indicando a data e confirmando o local
exacto desse depósito, e envia-la-á de imediato ao serviço ou ao tribunal
remetente, considerando-se a notificação efectuada no 5.º dia posterior à data
indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação
esta que deverá constar do acto de notificação.
Se for impossível proceder ao depósito da carta na caixa de correio, o
distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, apõe-lhe a data e envia-a
de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente.
Nestas situações não se justifica a notificação do arguido mediante contacto
pessoal ou via postal registada, já que, por um lado, todo aquele que for
constituído arguido é sujeito a termo de identidade e residência (artigo 196.º,
n.º 1), devendo indicar a sua residência, local de trabalho ou outro domicílio à
sua escolha. Assim sendo, como a constituição de arguido implica a sujeição a
esta medida de coacção, justifica-se que as posteriores notificações sejam
feitas de forma menos solene, já que qualquer mudança relativa a essa informação
deve ser comunicada aos autos, através de requerimento entregue ou remetido por
via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr nesse
momento.
Deste modo, assegura-se a veracidade das informações prestadas à autoridade
judiciária ou policial pelo arguido, regime que deve ser aplicável ao assistente
e às partes civis, porque estes têm todo o interesse em desburocratizar as suas
próprias notificações.?
Na verdade, a solução legal da exigência da notificação do arguido por contacto
pessoal, que caracterizava desde há muito tempo o nosso sistema processual penal,
sobretudo quando aplicada aos despachos que designam data para o julgamento,
havia sido num passado recente, uma das causas identificadas para os adiamentos
sucessivos das audiências de julgamento e para as situações de envelhecimento e
perecimento da prova e de prescrição de procedimentos criminais que tanto
comprometem a imagem social e a celeridade da administração da justiça.
Daí que o legislador tenha resolvido encarar esse grave problema, optando por
consagrar um meio de notificação mais célere e de maior facilidade de execução,
mas com menores garantias de certeza quanto ao real conhecimento pelo arguido do
conteúdo do despacho notificado.
2.3. O direito de defesa do arguido e o direito a um processo equitativo
O recorrente entende que a interpretação normativa sob fiscalização viola as
garantias de defesa do arguido em processo criminal e o direito fundamental a um
processo equitativo consagrados na Constituição, porque possibilita a realização
de julgamentos sem o conhecimento do arguido, ficando este, assim, impedido de
intervir no julgamento e de se defender.
Essa situação apenas pode ser prevenida, no entender do recorrente, através da
exigência da notificação ao arguido do despacho que designa data para a
audiência de julgamento por contacto pessoal.
Nos termos do n.º 4, do artigo 20.º, da Constituição, na redacção da Lei
Constitucional n.º 1/97, ?todos têm direito a que uma causa em que intervenham
seja objecto de decisão (...) mediante processo equitativo?.
Por outro lado, o n.º 1, do artigo 32.º, da CRP, prescreve que ?o processo
criminal assegura todas as garantias de defesa?.
Segundo GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, a relação existente entre estas duas
normas constitucionais é evidente (em ?Constituição da República Portuguesa
Anotada?, vol. I, pág. 415, da 4.ª edição, da Coimbra Editora):
«[...] O significado básico da exigência de um processo equitativo é o da conformação
do processo de forma materialmente adequada a uma tutela judicial efectiva. Uma
densificação do processo justo ou equitativo é feita pela própria Constituição
em sede de processo penal (cfr. art. 32.º) - garantias de defesa, presunção de
inocência, julgamento em prazo curto compatível com as garantias de defesa,
direito à escolha de defensor e à assistência de advogado, reserva de juiz
quanto à instrução do processo, observância do princípio do contraditório,
direito de intervenção no processo, etc. [...]».
E os mesmos Autores acrescentam mais à frente (ob. cit., fls. 516):
«[...] Em ?todas as garantias de defesa? engloba-se indubitavelmente todos os
direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua
posição e contrariar a acusação [...]».
A questão da forma pela qual é realizada a notificação ao arguido do despacho
que designa a data para a audiência de julgamento não é nada despicienda à luz
da Constituição.
A Constituição preocupa-se expressamente com a estrutura da audiência de
julgamento em sede de processo penal e prescreve que a mesma está subordinada ao
princípio do contraditório (artigo 32.º, n.º 4, da CRP).
O direito de defesa e o direito ao contraditório traduzem-se fundamentalmente na
possibilidade do arguido intervir no processo, invocar as razões de facto e de
direito, oferecer provas, controlar e contraditar todas as provas e argumentos
jurídicos trazidos ao processo.
O legislador ordinário deu corpo a esta garantia constitucional através da
aprovação de várias normas do Código de Processo Penal atinentes à estrutura
contraditória da audiência de julgamento, entre as quais avultam:
a) a possibilidade do arguido apresentar uma contestação e requerer a produção
de prova relativamente à matéria da acusação ou da pronúncia (artigo 315.º);
b) a regra geral da obrigatoriedade da presença do arguido na audiência (artigo
332.º, n.º 1).
c) a regra geral da proibição de valoração de provas que não tiverem sido
produzidas ou examinadas em audiências (artigo 355.º, n.º 1);
d) a regra geral da submissão de todos os meios de prova apresentados ou
produzidos no decurso da audiência ao princípio do contraditório (artigo 327.º,
n.º 2):
e) o direito do arguido prestar declarações em qualquer momento da audiência, em
especial, no início e no final da audiência de julgamento (artigos 341.º, alínea
a) e 361.º).
Obviamente, todos estes direitos de defesa apenas poderão ser exercidos pelo
arguido se o mesmo for previamente notificado pelo tribunal para comparecer e
intervir na audiência de julgamento, dando-se-lhe conhecimento da data em que a
mesma se realiza.
Esta é uma exigência de um processo penal equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP),
que obrigatoriamente deve assegurar todas as garantias de defesa ao arguido,
nomeadamente o direito ao contraditório (artigo 32.º, n.º 1 e 5, da CRP).
Resta saber se o meio utilizado neste processo para notificação do arguido da
data da realização da audiência de julgamento e considerado como o adequado pela
decisão recorrida ? a notificação por via postal simples para a morada indicada
no termo de identidade e residência prestado pelo arguido ? satisfaz aquela
exigência constitucional.
2.4. A jurisprudência constitucional
O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a forma da notificação da
acusação ao arguido, julgando inconstitucional a solução normativa traduzida na
possibilidade de notificação edital da acusação ao arguido (Acórdãos n.º 388/99
e 54/2000, publicados no DR, II Série, de 8 de Novembro de 1999 e de 23 de
Outubro de 2000, respectivamente).
E foi então considerado que aquela forma de notificação não era compatível com
as garantias de defesa ao inviabilizar o exercício do direito de requerer a
abertura da instrução, uma vez que só excepcionalmente tal forma de notificação
levaria ao conhecimento efectivo do seu destinatário o teor do despacho de
acusação.
O Tribunal Constitucional ainda não se pronunciou sobre a solução normativa que
constitui o objecto do presente recurso de constitucionalidade, mas já teve
oportunidade de apreciar a constitucionalidade da utilização da notificação
postal simples noutros momentos do procedimento penal igualmente relevantes no
plano das garantias de defesa, nomeadamente para efeito de comunicação ao
arguido da sentença condenatória e da decisão revogatória da suspensão da
execução da pena de prisão.
Assim, o Tribunal Constitucional não julgou inconstitucional a interpretação
normativa que se traduz na notificação da sentença condenatória ao arguido por
via postal simples para a morada indicada no termo de identidade e residência,
na sequência de julgamento realizado na sua ausência, a seu pedido, por residir
no estrangeiro, tendo sido assegurada a sua representação por defensor durante a
audiência de julgamento (Acórdão n.º 111/2007, publicado no DR, II Série, de 20
de Março de 2007).
Diversamente, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a interpretação
normativa que se traduz na notificação da decisão de revogação da suspensão da
execução da pena de prisão ao arguido por via postal simples para a morada
indicada no termo de identidade e residência (Acórdão n.º 422/2005, publicado no
DR, II Série, de 22 de Setembro de 2005).
Em ambas as situações, o Tribunal Constitucional não colocou em causa a eficácia
da notificação por via postal simples em si mesma para assegurar a cognoscibilidade
do acto notificando. Porém, no último aresto, o Tribunal Constitucional não pôde
ser indiferente à circunstância do termo de identidade e residência se ter
extinguido com o trânsito em julgado da sentença condenatória, com a consequente
caducidade das obrigações assumidas pelo arguido relativamente à morada aí indicada
para efeito de ulteriores notificações por via postal simples.
A utilização da notificação por via postal simples iniciou-se no âmbito do
processo civil, área onde também se faz sentir, ainda que com diferentes
consequências, o peso do direito fundamental a um processo equitativo e da
proibição da indefesa, que acabam por ser transversais a todos os ramos de
direito adjectivo.
Efectivamente, basta ter presente que numa acção cível declarativa, a mera
revelia do demandado pode gerar consequências bastantes desfavoráveis, nomeadamente
o efeito cominatório semi-pleno (confissão dos factos articulados pelo autor)
que pode levar à rápida condenação do demandado no pagamento de quantias de
valores muito elevados.
Em particular, e com pontos de contacto evidentes com a situação sob análise,
importa relembrar que, com a entrada em vigor do Decreto-lei n.º 183/2000, de 10
de Agosto, nas acções para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de
contrato reduzido a escrito, a citação passou a ser efectuada mediante o envio
de carta simples, com prova de depósito, dirigida ao citando e endereçada para o
domicílio ou sede que tenha sido inscrito naquele contrato para identificação da
parte, excepto se esta tiver expressamente convencionado outro local onde se
deve considerar domiciliada ou sediada para efeitos de realização da citação em
caso de litígio, tudo acompanhado da concessão da dilação de 30 dias para o
início do prazo de contestação (artigos 236.º-A, n.os 1, 5 e 6, e 252.º-A, n.º 3,
do CPC).
Ora, o Tribunal Constitucional foi também chamado a apreciar a conformidade
constitucional desta nova solução legal e não a reputou inconstitucional à luz
das exigências inerentes ao direito a um processo equitativo (Acórdão n.º 182/2006,
publicado no DR, II Série, de 8 de Março de 2006).
Segundo o Tribunal Constitucional, as exigentes formalidades e as especiais
cautelas adoptadas no sistema de notificação por via postal simples ofereciam
garantias suficientes de que o acto de comunicação seria colocado na área de
cognoscibilidade do seu destinatário em termos de ele poder exercer os seus
direitos de defesa.
Foi também então entendido que não surgia excessivamente oneroso para os
particulares destinatários das comunicações judiciais, no âmbito do dever de
colaboração com a justiça, enquanto manifestação de uma cidadania responsável, a
manutenção, em condições de segurança, dos receptáculos existentes para a correspondência
postal que lhes seja dirigida e a consulta regular dos mesmos.
2.5. A Jurisprudência do TEDH
Também com relevância para o caso em apreço, importa ter presente que o artigo 6.º,
n.º 3, alíneas c) e d), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, dispõe que
o acusado tem inter alia o direito de defender-se a si próprio e de interrogar
ou fazer interrogar as testemunhas de acusação.
Segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, os referidos
direitos só podem ser exercidos plenamente na própria audiência de julgamento,
para a qual o acusado tem de ser adequadamente notificado, sem prejuízo da
possibilidade de ulterior renúncia ao direito de intervir na audiência (Decisão
do caso Colozza v. Italy, de 12 de Fevereiro de 1985, Decisão do caso T. v.
Italy, de 12 de Outubro de 1992, Decisão do caso Somogyi. v. Italy, de 18 de
Maio de 2004, Decisão do caso Sejdovic. v. Italy, de 10 de Novembro de 2004,
Decisão do caso R. R. v. Italy, de 9 de Junho de 2006, disponíveis em www.echr.coe.int).
Nestes arestos, o TEHD, quanto à forma adoptada para efectuar a notificação do
acusado para a audiência de julgamento, entendeu que os Estados Contratantes
gozam de uma ampla discricionariedade na escolha dos meios utilizados para
realizar a referida notificação, desde que seja garantida a efectividade do
conhecimento pelo acusado através dos procedimentos legalmente previstos, não
relevando, assim, um conhecimento presumido, vago ou informal.
2.6. Da constitucionalidade da interpretação normativa questionada
No essencial, o recorrente entende que a notificação por aviso postal simples do
despacho que designa dia para a audiência de julgamento não assegura a
cognoscibilidade do acto notificando.
Atenta a importância da presença e da intervenção do arguido na audiência de
julgamento, acima colocada em evidência, é manifesto que a respectiva notificação
deve assumir uma forma que permita assegurar, com alguma segurança, que o
arguido teve efectivo conhecimento do acto notificando.
Também ninguém questiona que a notificação por contacto pessoal é a forma mais
segura de comunicação dos actos.
Todavia, a solução legal da exigência da notificação do arguido por contacto
pessoal, levanta sérios problemas, pois, quando pensada em termos sistemáticos
para garantir o princípio do contraditório em todos os momentos processualmente
mais relevantes, conduz necessariamente ao bloqueamento da administração da
justiça penal.
Para alcançar essa conclusão, basta recordar que no âmbito do processo penal
comum, em termos de normalidade, o arguido precisa de ser contactado e/ou
convocado, pelo menos, em três momentos processuais relevantes para efeito de
exercício do contraditório até ser proferida sentença em primeira instância: 1)
notificação do arguido para efeito de prestação de declarações durante o
inquérito; 2) notificação da acusação ao arguido; 3) notificação do despacho que
designa data para a audiência de julgamento ao arguido.
É por demais evidente que a exigência da notificação do arguido por contacto
pessoal em todas as referidas situações conduz a bloqueios óbvios e inaceitáveis
ao longo de todo o procedimento criminal, sobretudo a partir do encerramento do
inquérito e da dedução da acusação.
Foi, aliás, a constatação dessa situação que motivou o legislador a substituir a
notificação pessoal pela notificação através de envio de aviso postal para
morada previamente indicada pelo arguido para esse fim, procurando assim
consagrar uma solução que conciliasse a celeridade processual com a necessidade
do arguido ter um efectivo conhecimento da data da realização da audiência de
julgamento para nela poder exercer os seus direitos de defesa.
Não se esqueça que a celeridade processual em matéria penal também tem dignidade
constitucional ? já que todo o arguido deve ser julgado no mais curto prazo e
até pode ser julgado na ausência ?, estando o legislador ordinário apenas
obrigado a que as soluções adoptadas nesse sentido não comprometam as garantias
de defesa do arguido (artigo 32.º, n.º 2, 2.ª parte, e n.º 6, da CRP).
Daí que seja obrigação do legislador conciliar estes diferentes interesses do
processo penal.
Ora, a solução normativa da notificação por via postal simples, se não é capaz
de assegurar, com uma certeza absoluta, que o arguido teve conhecimento da data
designada para a realização do julgamento, oferece garantias suficientes de que
o respectivo despacho é colocado na área de cognoscibilidade do arguido em
termos de ele poder exercer os seus direitos de defesa.
Na verdade, não se pode dizer a respeito desta forma de notificação que a mesma
não é idónea a transmitir o acto notificando ao conhecimento do destinatário.
E muito menos se pode dizer que a notificação em questão seja realizada
relativamente a arguidos que nem sequer conhecem formalmente a pendência de um
procedimento criminal contra si ? como, aliás, sucedeu na maioria dos casos
acima referidos que foram submetidos ao crivo do TEDH.
Pelo contrário, tenha-se presente que a solução legal da notificação por via
postal simples pressupõe sempre o prévio contacto pessoal do arguido com o processo,
consubstanciado, pelo menos, na respectiva constituição como arguido e na
respectiva sujeição a termo de identidade e residência.
Por outro lado, o receptáculo postal para o qual é remetida a notificação pelo
funcionário judicial e no qual é realizado o depósito pelo distribuidor postal é
exclusivamente escolhido e indicado pelo próprio arguido.
É certo que não ficam cobertas as situações em que o arguido, por qualquer
motivo (v.g. por ter mudado de residência, por se ter ausentado temporariamente,
por desleixo) deixa de aceder ao referido receptáculo postal, sem que
previamente comunique essa situação ao tribunal.
Mas o não conhecimento pelo arguido do acto notificado nestas situações é
imputável ao próprio arguido, uma vez que, a partir da prestação do termo de
identidade e residência, passou a recair sobre ele o dever de verificar
assiduamente a correspondência colocada no receptáculo por si indicado e de
comunicar ao tribunal qualquer situação de impossibilidade de acesso a esse
local.
Se o Estado está obrigado a diligenciar pela notificação dos arguidos, nesta
modalidade, estes também têm de tomar as providências adequadas a que se torne
efectivo esse conhecimento.
Este é um dever compatível com o seu estatuto de sujeito processual, não podendo
esta solução ser acusada de estabelecer um ónus excessivo ou desproporcionado
que seja imposto aos cidadãos suspeitos da prática de crimes, atenta a
facilidade do seu cumprimento, perante a importância dos fins que visa atingir.
Além disso, faz-se notar que o depósito da carta pelo distribuidor postal não
gera nenhuma presunção inilidível de notificação em caso de erro do distribuidor
postal e é rodeada de algumas cautelas processuais.
De facto, importa ter presente que o despacho que designa data para a audiência
de julgamento deve ser notificado ao arguido, pelo menos, 30 dias antes da
referida data ? para permitir a organização da defesa e para prevenir também
eventuais ausências superiores a 5 dias ?, e que essa notificação é também
realizada na pessoa do defensor, o qual, em regra, na observância dos seus
deveres profissionais, não deixará de tentar entrar em contacto com o arguido
para efeito de preparação da defesa. Caso o arguido esteja efectiva e
genuinamente contactável para efeito de intervenção no procedimento criminal,
raramente se frustrará a comunicação entre o defensor e o arguido durante o
referido prazo de 30 dias que antecede o início da audiência de julgamento.
Finalmente, e ainda que as garantias previstas para uma dada fase processual não
possam ser completamente postergadas com base na invocação de garantias
previstas para a fase processual subsequente, não se pode deixar de relembrar
que a defesa do arguido ausente é sempre assumida pelo defensor e, que nesse
caso, a lei exige a notificação da sentença ao arguido por contacto pessoal,
estando assim minimamente acauteladas as garantias de defesa, incluindo o
direito ao recurso (artigos 333.º, n.os 5 e 6, e 334.º, n.º 4, do CPP).
Ponderados todos estes dados, conclui-se que a modalidade de notificação aqui em
análise não deixa de satisfazer a exigência de que deve ser proporcionado ao
arguido um efectivo conhecimento da data da realização da audiência de
julgamento, de modo a que este possa exercer os seus direitos de defesa.
Deve, assim, este recurso ser julgado improcedente porque não se vislumbra que a
interpretação normativa aqui fiscalizada viole qualquer parâmetro constitucional,
maxime as garantias de defesa do arguido em processo criminal e o direito
fundamental a um processo equitativo.
*
Decisão
Nestes termos, decide-se
a) Não conhecer do recurso quanto às questões de constitucionalidade das
interpretações normativas dos artigos 63.º, n.º 1, e 333.º, n.º 3, do Código de
Processo Penal;
b) não julgar inconstitucional as normas constantes dos art. 113.º, n.º 9, e 313.º,
n.º 3, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual o arguido
não tem de ser notificado por contacto pessoal do despacho que designa data para
a audiência de julgamento, podendo essa notificação ser efectuada por via postal
simples para a morada indicada pelo arguido no termo de identidade e residência;
c) e, consequentemente, negar provimento ao recurso interposto para o Tribunal
Constitucional por A., do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido
nestes autos em 23 de Abril de 2009.
*
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta,
ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98,
de 4 de Outubro (artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma).
Lisboa, 12 de Janeiro de 2010
João Cura Mariano
Joaquim de Sousa Ribeiro
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos