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Processo n.º 899/09
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
A. interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo
do n.º 1, do artigo 150.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA),
do acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, datado de 23 de Abril de
2009, que negou provimento ao recurso jurisdicional por si interposto da decisão
do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datado de 11 de Novembro de 2008,
que, por seu turno, indeferira a providência cautelar que tinha sido por si
instaurada contra a Ordem dos Advogados com vista à suspensão de eficácia de uma
deliberação do Conselho Superior da Ordem dos Advogados.
O Supremo Tribunal Administrativo (STA), por acórdão datado de 9 de Setembro de
2009, decidiu não admitir o recurso de revista.
O requerente interpôs então recurso desta última decisão para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto nas alíneas b) e f), do n.º 1, do artigo
70.º, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional
(LTC), tendo por objecto a ?interpretação que o Supremo Tribunal Administrativo
fez quanto aos pressupostos de admissão do recurso de revista nos termos do n.º
1 do art. 150.º do CPTA?.
Uma vez admitido liminarmente o recurso de constitucionalidade pelo tribunal
recorrido e remetidos os presentes autos ao Tribunal Constitucional, o
Recorrente foi notificado pelo relator para explicitar de forma concisa, precisa
e clara qual a interpretação normativa sustentada pela decisão recorrida cuja
inconstitucionalidade pretende ver apreciada.
O Recorrente respondeu ao referido convite, acrescentando, para esse efeito, na
parte que ora releva, que ?na sua fundamentação, veio o STA dizer que no objecto
de recurso apresentado pelo aqui Recorrente não está em causa a apreciação de
uma questão que, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para
uma melhor aplicação do direito (n.º 19)? e que ?a interpretação que faz da
citada norma do CPTA acha-se desconforme e viola o princípio constitucional
inscrito no art. 20.º da CRP, ou seja, o princípio do livre acesso ao direito e
tutela jurisdicional efectiva a todos os cidadãos (n.º 39)?, sendo que ?o acto
administrativo aqui em causa é de elevada complexidade jurídica e como tal
mostra-se necessário e adequada uma melhor aplicação do direito, própria dos
recursos de revista no STA (n.º 13)?.
Em 25 de Novembro de 2009 foi proferida decisão sumária de não conhecimento do
mérito do recurso com a seguinte fundamentação:
?Nos termos do disposto no artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da
República Portuguesa (CRP), e no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, cabe
recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que 'apliquem
norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo'.
A fiscalização sucessiva concreta da constitucionalidade ali prevista ocorre
apenas e precisamente a propósito da aplicação jurisdicional de uma norma
jurídica; isto é, as decisões jurisdicionais em si mesmas não podem ser objecto
de controlo da constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional.
O presente recurso de constitucionalidade surge a propósito da aplicação ao caso
concreto da norma contida no n.º 1, do artigo 150.º do CPTA.
O n.º 1 do art. 150.º do CPTA dispõe que ?das decisões proferidas em segunda
instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente,
revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a
apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se
revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente
necessária para uma melhor aplicação do direito?.
No caso concreto, o Supremo Tribunal Administrativo não admitiu o recurso de
revista com fundamento na falta de preenchimento dos pressupostos daquele
recurso previstos no n.º 1 do art. 150.º do CPTA, tendo considerando inter alia
que ?a posição assumida pelo TCA enquadra-se no espectro das soluções jurídicas
plausíveis para as questões sobre que se debruçou, não se evidenciando que a
pronúncia emitida no Acórdão recorrido esteja inquinada de erro grosseiro, com o
que afastada fica a hipótese de fazer ancorar a admissão da revista numa
hipotética necessidade de melhor aplicação do direito?.
?Por outro lado ? acrescentou o tribunal recorrido ?, a resolução das questões
levantadas pelo ora recorrente e explicitadas na sua alegação não requer um
esforço interpretativo particularmente acentuado, antes assumindo um grau de
dificuldade que não ultrapassa o que é normal nas controvérsias judiciárias, não
se apresentando como de especial relevo jurídico?.
Tendo em vista este segmento da decisão recorrida, resulta inequívoco da leitura
do requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, oportunamente
aperfeiçoado, que o Recorrente não requereu a fiscalização concreta da
constitucionalidade da norma constante do n.º 1 do artigo 150.º, do CPTA, ou de
uma certa interpretação da referida disposição legal levada a cabo pelo tribunal
a quo.
Na verdade, o Recorrente limita-se a discordar da decisão recorrida na parte em
que o tribunal a quo considerou que o objecto do recurso de revista por si
interposto não consubstanciava ?a apreciação de uma questão que, pela sua
relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do
direito?.
Melhor dizendo, o Recorrente não coloca em causa a constitucionalidade dos
pressupostos do recurso de revista previstos no n.º 1, do artigo 150.º do CPTA;
antes pelo contrário, o Recorrente até entende que o recurso de revista deve ser
admitido porque considera que esses pressupostos legais estão preenchidos no
caso concreto.
No essencial, o Recorrente censura o resultado da aplicação da aludida norma
adjectiva sobre recursos ao caso concreto e, na prática, pretende que o Tribunal
Constitucional se substitua ao tribunal recorrido na operação de subsunção
jurídica, isto é, na apreciação do eventual preenchimento dos pressupostos do
recurso de revista.
Aqui chegados, é manifesto que o Recorrente não pretende ver apreciada a
inconstitucionalidade de qualquer norma jurídica e que o mesmo pretende apenas e
tão-só a apreciação de inconstitucionalidades imputadas à própria decisão
recorrida.
Assim sendo, verificada a falta de aplicação de uma norma jurídica cuja
constitucionalidade se pretende ver apreciada, importa concluir que não estão
preenchidos todos os requisitos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade
previsto no artigo 70.º, n.º 1, b), da LTC.
Não se mostrando satisfeito o aludido requisito, o Tribunal Constitucional não
pode apreciar a ?questão de inconstitucionalidade? concretamente suscitada pelo
recorrente, devendo ser proferida decisão sumária nesse sentido, nos termos do
artigo 78.º-A, nº 1, da LTC.
Finalmente, importa considerar que a alusão feita pelo Recorrente à interposição
de recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea f), do n.º 1, do
artigo 70.º da LTC, apenas pode ser entendida a título de lapso de escrita, uma
vez que o recurso de legalidade aí previsto respeita a violações de leis com
valor reforçado, e nada disso ocorre, nem foi invocado pelo Recorrente, na
situação em apreço.?
O Recorrente reclamou desta decisão, nos seguintes termos:
?1 ? O aqui Reclamante interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal
Administrativo, ao abrigo do n.º 1, do artigo 150º do C.P.T.A. do Acórdão do
Tribunal Central Administrativo do Norte, datado de 23 de Abril de 2009.
2 ? O Supremo Tribunal Administrativo, por Acórdão datado de 09 de Setembro de
2009, decidiu não admitir o recurso de revista com os fundamentos ali constantes.
3 ? O aqui Reclamante não se conformando com tal douta decisão, veio interpor
recurso para este Tribunal ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º, da Lei
da Organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional (LTC).
4 ? O Objecto do referido recurso recaía apenas e tão só sobre a interpretação
que o supremo Tribunal Administrativo fez quanto aos pressupostos de admissão do
recurso de revista nos termos do n.º 1 do artigo 150º do C.P.T.A.
5 ? Uma vez admitido liminarmente o recurso de constitucionalidade pelo tribunal
recorrido e remetidos os presentes autos ao Tribunal Constitucional, o aqui
Reclamante e ali Recorrente foi devidamente notificado pelo Exmo. Senhor Juiz
Conselheiro Relator para explicitar de forma concisa, precisa e clara qual a
interpretação normativa sustentada pela decisão recorrida cuja inconstitucionalidade
pretende ver apreciada.
6 ? O aqui Reclamante apresentou em forma de requerimento ao respectivo convite,
fazendo ali constar a norma ou princípio constitucional que considerou violado,
ou seja, o princípio constitucional inscrito no artigo 20.º da CRP, que refere
que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos Tribunais para defesa dos
seus direitos e interesses legalmente protegidos, como é o caso do aqui
reclamante.
7 ? Ora tal princípio constitucional, não atende nem pode atender à
excepcionalidade que a norma do n.º 1 do artigo 150º do C.P.T.A. prevê, ou seja,
que o recurso de revista para o STA tenha carácter excepcional.
8 ? Ora a interpretação dada pelo STA àquela norma do C.P.T.A. e a sua aplicação
jurisdicional ao presente caso é uma manifesta e grosseira violação ao princípio
constitucional acima invocado, ou seja, do acesso ao direito e tutela
jurisdicional efectiva a todos os cidadãos, por parte do Estado de Direito e
tendo em conta que os Tribunais fazem a aplicação da justiça, independentemente
da especialização de cada Tribunal.
9 ? Aliás, diga-se em abono da verdade, quer em direito penal quer em direito
civil, atento respectivamente as molduras penais e o quanto do valor da acção
cível têm sempre uma dupla jurisdição de recurso, o que não se verifica nos
Tribunais Administrativos atenta a excepcionalidade que a norma do n.º 1 do
artigo 150º do C.P.T.A. contém.
10 ? Tal excepcionalidade mostra-se contrária ao princípio constitucional
vertido no artigo 20 da C.R.P. e ainda ao princípio contido no artigo 13º da
Constituição.
11 ? O aqui Reclamante, no requerimento que apresentou não discordou da decisão
recorrida mas apenas colocou em causa a constitucionalidade dos pressupostos do
recurso de revista previsto no n.º 1, do artigo 150º do C.P.T.A..
12 ? Do exposto, é manifesto e patente que o aqui Reclamante e ali Recorrente
pretendeu sempre ver apreciada a inconstitucionalidade da norma inscrita no n.º
1 do artigo 150º do C.P.T.A..
13 ? Concluindo, no requerimento que o aqui Reclamante apresentou ao Exmo.
Senhor Juiz Conselheiro Relator, encontram-se preenchidos todos os requisitos de
admissibilidade do recurso de constitucionalidade previsto no artigo 70º, n.º 1,
alínea b) da LTC, sendo certo que cumpriu com os pressupostos exigidos no n.º 2
do artigo 75º-A da mesma LTC.
Termos em que, se requer:
a) Que a decisão sumária aqui sob reclamação seja remetida para a conferência a
que alude o n.º 3 do artigo 78º-A da LTC;
b) Que na referida conferência seja revogada a decisão sumária proferida pelo
Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Relator, dado que o requerimento apresentado pelo
aqui Reclamante e ali Recorrente preenchem todos os requisitos de
admissibilidade de recurso de constitucionalidade a que alude à alínea b) do n.º
1 do artigo 70º da LTC, bem como os requisitos exigíveis nos termos do n.º 2 do
artigo 75º-A da mesma LTC, deferindo-se, assim, a presente reclamação.?
O Recorrido respondeu, pronunciando-se pelo indeferimento da reclamação.
*
Fundamentação
A decisão reclamada não conheceu do recurso interposto por entender que no mesmo
se pretendia a fiscalização de constitucionalidade da própria decisão recorrida
e não de qualquer norma ou interpretação normativa por ela aplicada.
Sustenta o recorrente que com o recurso interposto pretendia a fiscalização da
norma constante do artigo 150.º, n.º 1, do C.P.T.A.
Contudo, da leitura do requerimento de interposição de recurso corrigido é
manifesto que não foi esse o objecto do recurso aí definido, mas sim o resultado
da subsunção jurídica efectuada pelo tribunal recorrido daquela norma ao caso
concreto, do qual o recorrente manifestava a sua discordância.
Não sendo o acto de reclamação momento idóneo para corrigir o objecto de recurso
definido no requerimento de interposição, deve a reclamação apresentada ser
indeferida.
*
Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por A. da decisão sumária
proferida nestes autos em 25-11-2009.
*
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta,
ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 303/98,
de 7 de Outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 12 de Janeiro de 2010
João Cura Mariano
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos