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Processo n.º 176/09
Plenário
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
Relatório
Vinte e nove deputados à Assembleia da República, ao abrigo do disposto no
artigo 281.º, n.º 2, f), da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.),
deduziram pedido de fiscalização abstracta sucessiva, requerendo a declaração de
inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas que constam:
- do artigo 53.º, do Estatuto da Aposentação, na redacção dada pelo artigo 1.º,
n.º 1, da Lei n.° 1/2004, de 15 de Janeiro;
- do artigo 1.º, n.º 3, da Lei n.° 1/2004, de 15 de Janeiro;
- do artigo 3.º, da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, na redacção dada pelo
artigo 5.º, da Lei n.º 11/2008, de 20 de Fevereiro;
- do artigo 5.º, da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, na redacção dada pelo
artigo 1.º, da Lei n.º 52/2007, de 31 de Agosto;
- do artigo 5.º, n.º 1, 2 e 6, da Lei n.º 52/2007, de 31 de Agosto;
- do artigo 6.º, n.º 6 , da Lei n.º 52/2007, de 31 de Agosto;
- do artigo 7.º, n.º 2, da Lei n.º 52/2007, de 31 de Agosto;
- do artigo 37.º-A, do Estatuto da Aposentação, na redacção dada pelo artigo 4.º,
da Lei n.º 11/2008, de 20 de Fevereiro;
- do artigo 6.º, da Lei n.º 11/2008, de 20 de Fevereiro;
- do artigo 7.º, da Lei n.º 11/2008, de 20 de Fevereiro.
Invocaram os seguintes fundamentos:
- O regime legal da aposentação dos Trabalhadores da Administração Pública
sofreu nos últimos anos uma ofensiva seja no que se refere às condições de
aposentação seja no que concerne ao cálculo da pensão. Na verdade, a partir da
redacção originária (de 1972) do Estatuto da Aposentação (doravante só Estatuto),
as primeiras alterações posteriores ao 25 de Abril de 1974 favoreceram os
trabalhadores da Administração Pública, consagrando o direito à pensão completa
ou ?por inteiro? (doravante, só pensão máxima).
- A versão originária do artigo 37.º, n.º 1, do Estatuto, previa que o subscritor
deveria contar 60 anos de idade e 40 de serviço para aceder à aposentação e ter
direito à pensão máxima. O artigo 1.º, do Decreto-Lei n.° 191-A/79, de 25 de
Junho ? por seu turno ? introduziu um regime mais favorável, passando a exigir-se
que o subscritor contasse pelo menos 60 anos de idade e 36 anos de serviço (no
preâmbulo do diploma o legislador enunciou o propósito de ?ajustamento do regime
da aposentação aos novos princípios de justiça social que se deseja venham a
afirmar-se na sociedade portuguesa e, bem assim, às directrizes programáticas da
Constituição?). E depois, com o Decreto-Lei n.° 116/85, de 19 de Abril, e de
acordo com o seu artigo 10.º, n.° 1, que tacitamente derrogou o citado artigo 37.º,
n.º 1, facilitou-se, ainda mais, o acesso à pensão máxima, bastando que o
trabalhador contasse com 36 anos de serviço, qualquer que fosse a idade, para
poder aposentar-se, ?com direito à pensão completa?, embora dependendo de um
elemento condicionante, o da ?inexistência de prejuízo para o serviço?.
- O caminho depois percorrido, na década de 90, do século passado,
foi desfavorecendo, progressivamente, os trabalhadores da Administração Pública,
sob o objectivo da integração dos regimes de protecção social da função pública
com o regime geral da segurança social num ?regime unitário?.
- Assim, logo com o Decreto-Lei n.° 286/93, de 20 de Agosto, passou a aplicar-se
às pensões de aposentação uma fórmula de cálculo igual à do regime geral de
segurança social, embora só para os ?subscritores da Caixa Geral de Aposentações?
inscritos a partir de 1 de Setembro de 1993 (artigo 1, n.° 1). Passou, assim, a
haver dois universos distintos dos mesmos subscritores da Caixa Geral de
Aposentações: uns, com inscrição anterior a 1 de Setembro de 1993, com uma
fórmula de cálculo constante do Estatuto; outros, com inscrição posterior àquela
data, com uma fórmula de cálculo igual à do Regime Geral de Segurança Social.
Esta situação, introduziu uma discriminação irrazoável e inadequada entre esses
dois universos, por não haver coincidência, entre as duas fórmulas de cálculo da
pensão de aposentação aplicáveis aos subscritores da mesma Caixa Geral de
Aposentações (cfr. anexos 1 e II), e confronta-se, por conseguinte, com o artigo
13.º da Constituição, que proclama o princípio da igualdade.
- Depois, com a Lei n.° 32-B/2002, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do
Estado para 2003, foi introduzido no Estatuto o artigo 37°-A, prevendo
inovatoriamente a aposentação antecipada e revogando o regime do referido
Decreto-Lei n.° 116/85 ? artigo 9.º, n.os 2 e 3 daquela Lei. Apesar de tal norma
ter sido declarada inconstitucional ? 'por violação do direito das associações
sindicais à participação na elaboração da legislação do trabalho, previsto na
alínea a) do n.° 2 do artigo 56° da Constituição? (Acórdão do Tribunal
Constitucional n.° 360/03) ? as soluções nela contidas foram recuperadas pelo
legislador com a Lei n.° 1/2004, de 15 de Janeiro.
? Esta última lei ? a Lei n.° 1/2004 ? aditou ao Estatuto o citado artigo 37°-A,
que consagra a figura inovatória da aposentação antecipada, e deu nova redacção
ao artigo 53° do mesmo Estatuto, que se refere ao cálculo da pensão de
aposentação, com a consequência da diminuição do valor dessa pensão para um
máximo de 90%.
- Eis que, assim, de uma penada só, ressurgiram em pleno os requisitos da versão
originária do artigo 37° do Estatuto, que impõe os 60 anos de idade e 36 de
serviço para se atingir o direito à aposentação ?ordinária?, se diminuiu o valor
da pensão de aposentação para o tal máximo de 90% e se desencorajaram os
interessados no acesso à aposentação antecipada, face à aplicação de uma taxa
global de redução da pensão.
- Pode, pois, afirmar-se que desta maneira ficou automática e definitivamente
aniquilado o direito à pensão máxima, que era o horizonte dos subscritores
aberto com o Decreto-Lei n° 116/85, comprimindo o legislador o leque de
benefícios materiais àqueles que, vindos de um passado de labor e de
contribuições destinadas a um fim, se encontravam e encontram presentemente às
portas de uma aposentação justa e merecida. E ficou, também, eliminado o direito
a usufruir do regime favorável do Decreto-Lei n° 116/85, em que se acedia à
pensão, independentemente da idade, desde que verificado o requisito dos 36 anos
de serviço.
? Tal situação de agravamento não ficou por aqui e tudo piorou com a Lei n.° 60/2005,
de 29 de Dezembro, que estabelece, mais uma vez, novos mecanismos de
convergência do regime de protecção social da função pública com o regime geral
da segurança social no que respeita às condições de aposentação e cálculo das
pensões.
- É que aquelas condições e aquele cálculo constantes da Lei n.° 60/2005, saem
agravados, e muito, para os trabalhadores da Administração Pública.
- Com efeito, o artigo 3.º da Lei n.° 60/2005 altera as condições de acesso à
aposentação estabelecidas no n.° 1 do artigo 37° do Estatuto. A idade
estabelecida no preceito do Estatuto ?é progressivamente aumentada até atingir
65 anos em 2015?. Além disso, o tempo de serviço de 36 anos também só se manterá
até 31 de Dezembro de 2014. Por fim, a partir dessa data, apenas ?podem
aposentar-se os subscritores que contem, pelo menos, 65 anos de idade e o prazo
de garantia em vigor no regime geral da segurança social? (que é actualmente de
15 anos).
- Além de que, nos termos do artigo 5.º, a pensão é calculada de forma
diferenciada consoante o subscritor tenha sido inscrito até 31 de Agosto de 1993
ou após essa data, sendo que, neste segundo caso, a pensão se calculará nos
termos das normas legais aplicáveis ao cálculo da pensão dos beneficiários do
Regime Geral da Segurança Social, colocando-se novamente, deste modo, a questão
da discriminação entre dois universos dos mesmos subscritores da Caixa Geral de
Aposentações.
- O artigo 5.º, n.º 1, da mesma lei, por seu turno, altera as regras de cálculo
da pensão de aposentação dos subscritores da Caixa Geral de Aposentações,
inscritos até 31 de Agosto de 1993. A pensão máxima ou ?pensão por inteiro? foi
em definitivo erradicada e de um modo geral as pensões foram de novo penalizadas
com o cálculo previsto no citado preceito. É aumentada a idade legal de
aposentação e são acrescidos os anos de serviço para efeitos de aposentação
voluntária. É, também, agravado e penalizado o cálculo da pensão de aposentação
(se se pensar num trabalhador inscrito, por exemplo, em 1990, e que estaria na
expectativa de beneficiar do regime do Decreto-Lei n.° 116/85, de 19 de Abril,
ele terá agora de completar 65 anos de idade e de perfazer 40 anos de tempo de
serviço, para aceder à aposentação voluntária, com uma pensão correspondente e
que não é a pensão máxima).
- Acresce, ainda, que a Lei n.° 60/2005 significa o requiem da Caixa Geral de
Aposentações, pois revogou o artigo 1.º do Estatuto, fazendo terminar a
inscrição obrigatória de subscritores (artigos 2° e 9°) e obrigando à inscrição
no regime geral da Segurança Social de todo o pessoal ?que inicie funções a
partir de 1 de Janeiro de 2006? (artigo 2, n° 2).
- Deste modo, todo o novo sistema legal da aposentação voluntária vem pôr em
causa os direitos adquiridos e em formação e as expectativas jurídicas dos
trabalhadores da Administração Pública inscritos na mesma Caixa até à entrada em
vigor do Decreto-Lei n.° 286/93, de 20 de Agosto.
? A Lei n° 52/2007, de 31 de Agosto, veio (mais uma vez, a pretexto da adaptação
do regime da Caixa Geral de Aposentações ao regime geral da segurança social)
agravar mais ainda a situação.
- O artigo 1.º desta Lei n° 52/2007 alterou de novo, e para pior, o cálculo das
pensões anteriormente estabelecido no artigo 5° da Lei n° 60/2005.
- De facto, passou a existir um novo limite, que não existia, de 12 vezes o
indexante dos apoios sociais (IAS), que se aplica a uma das parcelas de cálculo
das pensões (artigo 5.º, n.º 1), à actualização das pensões (artigo 6.º, n.º 2),
? embora não se aplique aos subscritores ou pensionistas se, da aplicação das
regras previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 60/2005, de 29
de Dezembro (ou seja, considerando toda a carreira contributiva), resultar um
valor superior àquele limite de 12 vezes o IAS.
- Além disso, o valor da pensão passou a ser influenciado (nos termos de um novo
n.º 2, que se aditou ao citado artigo 5.º, da Lei n.º 60/2005), pela aplicação
de um 'factor de sustentabilidade', que vai provocar a redução periódica e continuada
do valor da prestação.
- Por fim, de acordo com o artigo 5.º, n.º 6, da Lei n° 52/2007, o valor da
pensão não pode, em nenhuma circunstância, ser superior a 90% da última remuneração
mensal do subscritor.
? De tudo isto resulta, no essencial, que os trabalhadores da Administração
Pública, obrigatoriamente inscritos e subscritores da Caixa Geral de Aposentações
até à entrada em vigor do citado Decreto-Lei n° 286/93, viram os seus direitos
adquiridos e em formação e as suas expectativas jurídicas, quanto à aposentação
voluntária, progressivamente, e de modo grave, afectados com as sucessivas
medidas legislativas tomadas com as Leis n.os 1/2004 e 60/2005 (esta na redacção
e republicação dadas pela Lei n°11/2008, de 20 de Fevereiro), e ainda com a Lei
n°52/2007, de 31 de Agosto, no que toca às condições de aposentação e ao cálculo
das pensões de aposentação.
? As mencionadas alterações legislativas são inconstitucionais, nos termos que
se seguem.
? O direito à aposentação e correlativa pensão é, caracteristicamente, um
direito social com protecção constitucional no artigo 63° da Lei Fundamental.
Esse direito social tem de conjugar-se com o princípio da dignidade da pessoa
humana proclamado no artigo 1° e não pode dissociar-se do ?direito à segurança
económica?, que acompanha as pessoas idosas e se inscreve numa ?política de
terceira idade?, definida no artigo 72° da Constituição (a consagração no n.° 3
do artigo 63° de um ?sistema de segurança social que protege os cidadãos na
doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade é uma das bandeiras do sistema
constitucional para os direitos sociais).
- O direito à aposentação está indissociavelmente ligado à relação jurídica do
emprego público dos trabalhadores da Administração Pública (entendida esta
Administração no seu sentido mais amplo e abrangente), com vínculo à Administração
a qualquer título, gerando um direito à inscrição na Caixa Geral de Aposentações.
- A relação jurídica de aposentação e a relação jurídica de emprego público
estão intimamente interligados, sendo ambas fontes de direitos adquiridos e em
formação e de expectativas jurídicas, de que são titulares os trabalhadores da
Administração Pública no activo e na reforma e que se radicam na sua esfera
jurídica.
- Nessa relação jurídica de aposentação inscreve-se o segmento do direito à
aposentação voluntária, a que se ligam as condições normais da sua efectivação e
que são, em regra, e independentemente de qualquer outro requisito, o tempo de
serviço e/ou a idade do trabalhador. Verificadas essas condições objectivas
nasce o direito a vencer uma pensão completa ou pensão ?por inteiro?(que sempre
esteve radicada no regime de aposentação e que só com as alterações legais de
2004, 2005, 2007 e 2008, foi fortemente abalada e sacrificada, em prejuízo dos
interessados no acesso à aposentação voluntária).
? O direito à aposentação, não pode ser livremente sacrificado pelo legislador,
num uso truculento da sua liberdade de conformação legislativa.
- É que essa liberdade do legislador tem de estar limitada ou comprimida pelo
respeito dos princípios da confiança jurídica e da boa fé, corolários do
princípio da segurança jurídica, que estão todos eles ínsitos na ideia de Estado
de Direito democrático constitucionalmente consagrado no artigo 2° da Lei
Fundamental. E deles deriva a proibição de que, de forma arbitrária, intolerável
e demasiado opressiva, segundo critérios economicistas e a pretexto de um
ambiente de crise no sector da segurança social, possam ser afectadas as
legítimas e fortes expectativas jurídicas dos trabalhadores da Administração
Pública, que se relacionam com a sua aposentação, percorrido o longo caminho da
vida profissional activa, mesmo que não se queira falar em direitos adquiridos
ou em formação.
- E, desde logo, a afectação das expectativas, autênticos direitos em formação,
que se relacionam com as condições ou os requisitos objectivos de que a lei faz
depender a verificação da aposentação voluntária e, ainda, com o cálculo da
pensão.
- Se há uma séria, fortíssima e legítima expectativa jurídica que acompanha os
trabalhadores ? pense-se, por exemplo, nos trabalhadores do interior do País, em
véspera da saída das Leis n.°s 1/2004 e 60/2005 ? de que a aposentação voluntária
lhes será concedida nos moldes legais existentes e já conhecidos, nunca em
função de requisitos futuros totalmente ignorados, então, se há alterações do
regime legal que desfavorecem os trabalhadores, de forma arbitrária, intolerável
e demasiado opressiva estar-se-á a violar os princípios citados da confiança
jurídica e da boa fé, corolários da segurança jurídica, que são pilares
estruturantes de um verdadeiro Estado de Direito democrático, proclamados ou
ínsitos no artigo 2° da Constituição, a par do princípio da dignidade da pessoa
humana, expresso no artigo 1°.
? Além disso, o artigo 5.º da Lei n.° 1/2004, ao distinguir, para efeitos de
cálculo das pensões, entre os subscritores inscritos até 31 de Agosto de 1993 e
os inscritos depois dessa data é susceptível de configurar uma discriminação
irrazoável e inadequada entre dois universos dos mesmos subscritores da Caixa
Geral de Aposentações traduzindo-se numa violação do artigo 13° da Constituição.
? Acresce que, neste quadro legal de desfavorecimento dos trabalhadores da
Administração Pública, com mutações legais sucessivas que agravam, e de que
maneira, o regime de aposentação, não sabendo nunca os trabalhadores com que
podem contar no futuro, estar-se-á ainda a violar o princípio de proibição do
retrocesso social, enquanto dever do Estado de abster-se de atentar contra a
realização dada aos direitos sociais, aqui, o direito à aposentação e
correlativa pensão, consolidado na ordem jurídica e tutelado pela Constituição (a
este respeito, junta o Requerente um anexo, sob o título 'retrocesso social
resultante do Estatuto', dando o exemplo hipotético de um trabalhador com 36
anos de serviço, 60 anos de idade e uma remuneração mensal de ? 1000, o qual
segundo as regras em vigor em 1985, receberia ? 1000 euros de pensão, mas que,
em iguais condições, apenas irá receber ? 758 de pensão de aposentação, de
acordo com o regime actualmente em vigor).
- Na linha do entendimento do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 590/04,
citando outros arestos, será na violação desse dever de abstenção que consistirá
o retrocesso social, constitucionalmente proibido, sendo que a margem de liberdade
do legislador retroceder no grau de protecção já atingido ? e, aqui, ele foi
atingido com todo o sistema legal de aposentação anterior aos anos de 2004 e
2005 ? é necessariamente mínima (cfr. Acórdãos vol. 60.°, pág. 105 e seguintes).
É mínima e, por isso, as alterações que o legislador entendeu introduzir naquele
sistema ao longo da década de 2000 importaram, à luz de critérios de
proporcionalidade e de razoabilidade, uma lesão grave e profunda na ?confiança
do sistema? que os trabalhadores da Administração Pública depositaram durante a
sua carreira contributiva.
- Com efeito, o dever de manter o sistema mais favorável para os trabalhadores
deveria ser preocupação do Estado, cumprindo normas e princípios constitucionais,
sem nunca bulir com esferas patrimoniais assentes em legítimas expectativas de
muitos anos. Ainda que não se queira afirmar que os subscritores da Caixa Geral
de Aposentações ?adquiriram o direito? à pensão completa ou pensão máxima se
ainda não completaram os 36 anos de serviço ? isto, à luz do Decreto-Lei n.° 116/85
? é bom de ver que pelo menos, criaram, e ao longo dos anos fortaleceram, o
profundo sentimento de que haveriam de ?chegar lá?, de que por certo obteriam o
direito que outros antes de si alcançaram. Isso seria, na sua legítima
expectativa, a solução justa e nenhuma outra jamais esperariam (outra coisa veio
a resultar da aplicação das Leis n.°s 1/2004, 60/2005, 52/2207 e 11/2008).
- É, assim, posta em causa a conjugação da estabilidade da concretização
legislativa já alcançada, anteriormente àquelas Leis, no domínio do direito à
aposentação, com a liberdade de conformação que possa assistir ao legislador,
sobretudo quando este ressalvou situações constituídas no passado (ressalvadas
com o Decreto-Lei n.° 286/93, para os subscritores inscritos até 1 de Setembro
de 1993, mas não respeitadas depois pelo legislador com os diplomas legais de
2004, 2005, 2007 e 2008).
Notificado para se pronunciar sobre este pedido, o Presidente da Assembleia da
República ofereceu o merecimento dos autos.
Elaborado pelo Presidente do Tribunal o memorando a que se refere o artigo 63.º,
da Lei do Tribunal Constitucional, e tendo este sido submetido a debate, nos
termos do n.º 2, do referido preceito, cumpre agora decidir de acordo com a
orientação que o Tribunal fixou.
*
Fundamentação
1. As normas questionadas
O teor dos preceitos legais donde constam as normas questionadas é o seguinte:
Artigo 53.º, do Estatuto da Aposentação, na redacção dada pelo artigo 1.º, n.º 1,
da Lei n.° 1/2004, de 15 de Janeiro
?Cálculo da pensão
1 ? A pensão de aposentação é igual à 36.ª parte da remuneração mensal relevante,
deduzida da percentagem da quota para efeitos de aposentação e de pensão de
sobrevivência, multiplicada pela expressão em anos do número de meses de serviço
contados para a aposentação, com o limite máximo de 36 anos.
2 ? A pensão não pode, em caso algum, exceder o montante da remuneração líquida
a que se refere o n.º 1
[?]'.
Artigo 1.º, n.º 3, da Lei n.° 1/2004, de 15 de Janeiro
?É revogado o Decreto-Lei n.º 116/85, de 19 de Abril?
Artigo 3.º, da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, na redacção dada pelo artigo
5.º, da Lei n.º 11/2008, de 20 de Fevereiro
?Condições de aposentação ordinária
1? A idade de aposentação estabelecida no n.º 1 do artigo 37.º do Estatuto da
Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, é
progressivamente aumentada até atingir 65 anos em 2015, nos termos do anexo I.
2 ? O tempo de serviço estabelecido no n.º 1 do artigo 37.º do Estatuto da
Aposentação, de 36 anos, é progressivamente reduzido até atingir 17 anos em 2014,
nos termos do anexo II.
3 ? Podem aposentar -se os subscritores que contem, pelo menos, 65 anos de idade
e o prazo de garantia em vigor no regime geral da segurança social.?
Artigo 5.º, da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, na redacção dada pelo artigo
1.º, da Lei n.º 52/2007, de 31 de Agosto
?Cálculo da pensão de aposentação
1 ? A pensão de aposentação dos subscritores da Caixa Geral de Aposentações
inscritos até 31 de Agosto de 1993, com a denominação ?P?, resulta da
multiplicação do factor de sustentabilidade correspondente ao ano da aposentação
pela soma das seguintes parcelas:
a) A primeira parcela, designada ?P1?, correspondente ao tempo de serviço
prestado até 31 de Dezembro de 2005 e é calculada com base na seguinte fórmula:
R × T1/C
em que:
R é a remuneração mensal relevante nos termos do Estatuto da Aposentação,
deduzida da percentagem da quota para efeitos de aposentação e de pensão de
sobrevivência, com um limite máximo correspondente a 12 vezes o indexante dos
apoios sociais (IAS);
T1 é a expressão em anos do número de meses de serviço prestado até 31 de
Dezembro de 2005, com o limite máximo de C; e C é o número constante do anexo II;
b) A segunda, com a designação ?P2?, relativa ao tempo de serviço posterior a 31
de Dezembro de 2005, é fixada de acordo com os artigos 29.º a 32.º do Decreto-Lei
n.º 187/2007, de 10 de Maio, sem limites mínimo ou máximo, com base na seguinte
fórmula:
RR × T2 × N
em que:
RR é a remuneração de referência, apurada a partir das remunerações anuais mais
elevadas registadas a partir de 1 de Janeiro de 2006 correspondentes ao tempo de
serviço necessário para, somado ao registado até 31 de Dezembro de 2005,
perfazer o limite do anexo II;
T2 é a taxa anual de formação da pensão determinada de acordo com os artigos 29.º
a 31.º do Decreto -Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio;
N é o número de anos civis com densidade contributiva igual ou superior a 120
dias com registo de remunerações completados a partir de 1 de Janeiro de 2006,
para, somados aos anos registados até 31 de Dezembro de 2005, perfazerem o
limite do anexo II.
2 ? O factor de sustentabilidade correspondente ao ano da aposentação é fixado,
com base nos dados publicados anualmente pelo Instituto Nacional de Estatística,
nos seguintes termos:
EMV 2006/EMV ano i -1
em que:
EMV 2006 é a esperança média de vida aos 65 anos verificada em 2006;
EMV ano i -1 é a esperança média de vida aos 65 anos verificada no ano anterior
ao da aposentação.
3 ? Para efeito do disposto nos números anteriores, considera-se como ano da
aposentação aquele em que se verifique o facto ou acto determinante referido no
artigo 43.º do Estatuto da Aposentação.
4 ? A pensão de aposentação dos subscritores inscritos a partir de 1 de Setembro
de 1993 continua a ser calculada nos termos das normas legais aplicáveis ao
cálculo das pensões dos beneficiários do regime geral da segurança social, em
conformidade com o disposto no Decreto-Lei n.º 286/93, de 20 de Agosto.?
Artigo 5.º, n.º 1, 2 e 6, da Lei n.º 52/2007, de 31 de Agosto
?Montante da pensão bonificada
1 ? Sem prejuízo do disposto no n.º 4, a pensão de aposentação atribuída a
subscritores da Caixa Geral de Aposentações com a idade e o tempo de serviço do
anexo II é calculada nos termos gerais e bonificada pela aplicação do factor
definido no número seguinte.
2 ? O factor de bonificação é determinado pela fórmula 1 + y, em que y é igual à
taxa global de bonificação.
[?]
6 ? O montante da pensão bonificada não pode, em nenhuma circunstância, ser
superior a 90 % da última remuneração mensal do subscritor.?
Artigo 6.º, n.º 6, da Lei n.º 52/2007, de 31 de Agosto
?Actualização de pensões
6 ? As pensões de aposentação, reforma e invalidez fixadas com base em fórmula
de cálculo anterior à introduzida pela presente lei de montante superior a 12
vezes o IAS não são objecto de actualização até que o seu valor seja
ultrapassado por aquele limite.?
Artigo 7.º, n.º 2, da Lei n.º 52/2007, de 31 de Agosto
?Salvaguarda de direitos
2 ? A limitação no cálculo da primeira parcela da pensão a 12 vezes o IAS e a
regra de não actualização das pensões de valor superior àquele montante não se
aplicam aos subscritores ou pensionistas se, da aplicação das regras previstas
na alínea b) do n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, em
que RR é apurada a partir das remunerações posteriores a 1993 e N considera a
totalidade da carreira contributiva, resultar valor superior àquele limite.?
Artigo 37.º - A, do Estatuto da Aposentação, na redacção dada pelo artigo 4.º,
da Lei n.º 11/2008, de 20 de Fevereiro
?1 ? Podem requerer a aposentação antecipada, independentemente de submissão a
junta médica e sem prejuízo da aplicação do regime da pensão unificada, os
subscritores da Caixa Geral de Aposentações:
a) Com, pelo menos, 33 anos de serviço, para as pensões requeridas até 31 de
Dezembro de 2008;
b) Com, pelo menos, 55 anos de idade e que, à data em que perfaçam esta idade,
tenham completado, pelo menos, 30 anos de serviço, para as pensões requeridas a
partir de 1 de Janeiro de 2009.
2 ? O valor da pensão de aposentação antecipada prevista no número anterior é
calculado nos termos gerais e reduzido pela aplicação de um factor de redução
determinado pela fórmula 1 - x, em que x é igual à taxa de redução do valor da
pensão.
3 ? A taxa global de redução é o produto do número de anos de antecipação em
relação à idade legalmente exigida para a aposentação pela:
a) Taxa anual de 4,5 %, para as pensões requeridas até 31 de Dezembro de 2014;
b) Taxa mensal de 0,5 %, para as pensões requeridas a partir de 1 de Janeiro de
2015.
4 ? O número de anos de antecipação a considerar para a determinação da taxa
global de redução da pensão atribuída aos subscritores é reduzido:
a) Até 31 de Dezembro de 2014, de um ano por cada período de três ou, em
alternativa, de seis meses por cada ano que o tempo de serviço exceda a carreira
completa em vigor no momento da aposentação;
b) A partir de 1 de Janeiro de 2015, de um ano por cada período de três que o
tempo de serviço exceda 30 anos, no momento em que o subscritor atingiu 55 anos
de idade.?
Artigo 6.º, da Lei n.º 11/2008, de 20 de Fevereiro
?Alteração à organização sistemática da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro
1 ? O anexo II da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, passa a anexo III.
2 ? As referências no artigo 5.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, alterada
pela Lei n.º 52/2007, de 31 de Agosto, ao anexo II da Lei n.º 60/2005, de 29 de
Dezembro, consideram -se feitas ao anexo III da mesma lei.?
Artigo 7.º, da Lei n.º 11/2008, de 20 de Fevereiro
?Aditamento à Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro
É aditado à Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, o anexo II, com a seguinte
redacção:
«ANEXO II
(referido no n.º 2 do artigo 3.º)
A partir de 1 de Janeiro de 2008 ? 33 anos.
A partir de 1 de Janeiro de 2009 ? 30 anos.
A partir de 1 de Janeiro de 2010 ? 25 anos.
A partir de 1 de Janeiro de 2011 ? 23 anos.
A partir de 1 de Janeiro de 2012 ? 21 anos.
A partir de 1 de Janeiro de 2013 ? 19 anos.
A partir de 1 de Janeiro de 2014 ? 17 anos.?
Os preceitos acima transcritos integram-se num percurso legislativo que tem por
objectivo assumido a convergência do regime de protecção social da função
pública com o regime geral da segurança social, o qual é compatível com a incumbência
constitucional do Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de
segurança social unificado e descentralizado (artigo 63.º, n.º 2, da C.R.P.).
Na verdade, no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 286/93, de 20 de Agosto (o diploma
que os Requerentes referem como tendo operado uma viragem em matéria de
segurança social do regime da Caixa Geral de Aposentações, no sentido de uma
depreciação das condições dos respectivos beneficiários) pode ler-se: 'A Lei n.º
28/84, de 14 de Agosto, previu, no seu artigo 70.º, a integração do regime da
função pública com o regime geral da segurança social, de forma a estabelecer-se
um regime unitário de segurança social. [?] Estando agora criadas as condições
para a integração, o Governo solicitou e obteve a necessária autorização
legislativa para alterar o Estatuto da Aposentação no sentido de aplicar às
pensões de aposentação uma forma de cálculo igual à do regime geral da segurança
social. [?] Tal alteração, no entanto, abrangerá apenas os funcionários e
agentes da Administração Pública que se inscrevam, na Caixa Geral de
Aposentações, a partir da data de entrada em vigor do presente diploma'.
De modo semelhante na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 136/X, que
esteve na origem da Lei n.º 52/2007, de 31 de Agosto, onde figuram algumas das
normas impugnadas, já se constatava que ?a convergência do regime da Caixa Geral
de Aposentações com o regime geral da segurança social foi iniciada em 1993, com
a aplicação aos subscritores inscritos na CGA a partir de 1 de Setembro daquele
ano das regras de cálculo das pensões do regime geral, e conheceu um forte
impulso em 2005, com a eliminação de inúmeros regimes especiais, a inscrição dos
funcionários e agentes da Administração Pública admitidos a partir de 1 de
Janeiro de 2006 na segurança social e uma profunda alteração das condições de
aposentação e da fórmula de cálculo das pensões.
O movimento de aproximação do sistema de pensões do sector público ao do sector
privado entra agora numa nova fase, de estabilização progressiva das suas regras,
por um lado, e de partilha de conceitos inovadores com o regime geral,
concebidos para melhor lhe permitir responder aos desafios demográficos e
reforçar a sustentabilidade financeira do seu sistema, por outro.?
No mesmo sentido se pode ler na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 163/X,
donde resultou a Lei n.º 11/2008, de 20 de Fevereiro donde também constam
algumas das normas aqui sob fiscalização, que ?consolidadas as traves mestras da
reforma do regime da CGA, abre-se agora a possibilidade de efectuar ligeiros
ajustamentos ao novo quadro resultante das medidas implementadas, no sentido de
aprofundar o esforço de aproximação ao regime da segurança social, interpretando
fielmente as linhas de força da reforma, mas sem nunca perder de vista o
objectivo central de reforço da sustentabilidade financeira do sistema, cuja
salvaguarda desaconselha movimentos abruptos e exige que se mantenha inalterada
a fórmula de cálculo das pensões.?
Na verdade, as alterações ocorridas no regime de aposentação da função pública a
partir da referida Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, produziram-se em paralelo
com as alterações ocorridas no âmbito do Regime Geral da Segurança Social, na
sequência, em especial, da Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, que aprovou as Bases
Gerais do Sistema de Segurança Social, e do Decreto-Lei n.º 35/2002, de 19 de
Fevereiro, que a regulamentou e, mais recentemente, da Lei n.º 4/2007, de 16 de
Janeiro, e do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio.
Ora, estes diplomas do Regime Geral da Segurança Social introduziram regimes de
pensões, sucessiva e geralmente, menos favoráveis do que os anteriores, visando,
com essas alterações, manter a sustentabilidade do sistema de segurança social
num contexto de aumento da esperança média de vida e de tendencial inversão da
pirâmide demográfica.
A evolução da esperança média de vida, aliada a uma redução substancial das
taxas de natalidade, assim como os abrandamentos no crescimento económico, têm
um forte impacto nos sistemas de Segurança Social de cariz contributivo, uma vez
que esses factores determinam um aumento das despesas com o pagamento de pensões
à população reformada e uma diminuição das receitas provindas da população
activa.
O consequente desequilíbrio do sistema e a necessidade de adoptar medidas que o
evitem foram desde há muito objecto de diagnóstico e estudo em Portugal, tal
como na maior parte dos países da Comunidade Europeia. Assim, após a divulgação
em 1997 pela Comissão Europeia do Livro Verde Sobre Regimes Complementares de
Reforma no Mercado Único, seguiu-se a publicação em Portugal do Livro Branco da
Segurança Social (1998), do estudo ?A Sustentabilidade Financeira do Sistema
Solidariedade e Segurança Social? (2002), ou ainda do Relatório sobre a
Sustentabilidade da Segurança Social, que acompanhou o Orçamento de Estado para
2006. Em todos estes trabalhos se concluiu pela necessidade urgente de adoptar
medidas que evitassem o inevitável colapso do sistema de Segurança Social,
incapaz, num curto prazo, de se auto-financiar.
Os diplomas relativos ao regime da aposentação dos funcionários públicos onde se
inserem as normas agora impugnadas colocam-se precisamente nesta lógica de
sustentação do sistema por via de uma contenção da despesa.
Aquelas normas respeitam às condições de aposentação e às fórmulas de cálculo do
valor da respectiva pensão, visando retardar o momento da reforma e diminuir o
montante das pensões a pagar.
O artigo 3.º, da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, na redacção dada pelo
artigo 5.º, da Lei n.º 11/2008, de 20 de Fevereiro, conjugado com os artigos 6.º
e 7.º, deste último diploma, define as condições da aposentação ordinária,
exigindo que o subscritor conte, pelo menos, 65 anos de idade e 15 anos de
serviço, ou, em alternativa, até 2014, as condições do seguinte quadro:
ANO
IDADE
Tempo de serviço
2009
62 anos
30 anos
2010
62 anos e 6 meses
25 anos
2011
63 anos
23 anos
2012
63 anos e 6 meses
21 anos
2013
64 anos
19 anos
2014
64 anos e 6 meses
17 anos
O artigo 5.º, da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, na redacção dada pelo
artigo 1.º, da Lei n.º 52/2007, de 31 de Agosto, conjugado com o artigo 53.º, do
Estatuto da Aposentação, na redacção dada pelo artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.° 1/2004,
de 15 de Janeiro, define no seu n.º 1 o modo de cálculo das pensões de
aposentação dos subscritores da Caixa Geral de Aposentações inscritos até 31 de
Agosto de 1993.
Em traços gerais, estes aposentados têm direito a uma pensão calculada com base
em duas parcelas: uma, relativa ao tempo de serviço prestado até 31 de Dezembro
de 2005, de acordo com o Estatuto da Aposentação, e outra, respeitante ao tempo
de serviço posterior, nos termos das regras de cálculo do regime geral de
segurança social, considerando-se como valor relevante para efeitos de cálculo
da pensão, na primeira parcela, o da remuneração auferida no momento da aposentação,
com um limite máximo correspondente a 12 vezes o indexante dos apoios sociais e,
na segunda parcela, a média dos vencimentos mais elevados auferidos a partir de
2006. O valor das pensões de aposentação é ainda influenciado pela aplicação de
um factor de sustentabilidade que visa traduzir o impacto da evolução da
longevidade sobre o financiamento do sistema.
Já a pensão de aposentação dos subscritores inscritos a partir de 1 de Setembro
de 1993 continua a ser calculada nos termos das normas legais aplicáveis ao
cálculo das pensões dos beneficiários do regime geral da segurança social, em
conformidade com o disposto no Decreto-Lei n.º 286/93, de 20 de Agosto (n.º 4,
do artigo 5.º, da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, na redacção dada pelo
artigo 1.º, da Lei n.º 52/2007, de 31 de Agosto).
O artigo 5.º, n.º 1, 2 e 6, da Lei n.º 52/2007, de 31 de Agosto, atribui uma
bonificação a quem se aposente para além do momento em que se verificaram as
condições em que o poderia ter feito, tendo essa bonificação em consideração o
tempo decorrido entre aquele momento e a aposentação, nos termos da tabela
seguinte, não podendo o montante da pensão bonificada, em nenhuma circunstância,
ser superior a 90% da última remuneração mensal auferida pelo subscritor.
Ano da aposentação
Tempo de serviço no
momento da aposentação
Taxa de bonificação
mensal
Até 2014
36-39 anos
0,65
Superior a 39 anos
1,00
Após 2014
15-24 anos
0,33
25-34 anos
0,50
35-39 anos
0,65
Superior a 39 anos
1,00
O artigo 6.º, n.º 6, da Lei n.º 52/2007, de 31 de Agosto, não permite que as
pensões fixadas com base em fórmula de cálculo anterior à introduzida por esta
lei, de montante superior a 12 vezes o IAS, sejam objecto de actualização até
que o seu valor seja ultrapassado por aquele limite, com excepção da situação
prevista no artigo 7.º, n.º 2, da mesma Lei (quando da aplicação das regras
previstas na alínea b) do n.º 1, do artigo 5.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de
Dezembro, em que RR é apurada a partir das remunerações posteriores a 1993 e N
considera a totalidade da carreira contributiva, resulta um valor superior
àquele limite).
O artigo 1.º, n.º 3, da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, revogou o Decreto-Lei
n.º 116/85, de 19 de Abril, que havia permitido aos funcionários públicos aposentarem-se,
com direito à pensão completa, desde que não houvesse prejuízo para o serviço,
qualquer que fosse a sua idade, quando tivessem 36 anos de serviço, e o artigo
37-A, do Estatuto da Aposentação, introduzido pela Lei n.º 1/2004, na redacção
dada pelo artigo 4.º, da Lei n.º 11/2008, de 20 de Fevereiro, passou a regular
os termos e condições de uma reforma antecipada. Permite-se a aposentação antecipada
aos subscritores da Caixa Geral de Aposentações com, pelo menos, 55 anos de
idade e que, à data em que perfaçam esta idade, tenham completado, pelo menos,
30 anos de serviço, para as pensões requeridas a partir de 1 de Janeiro de 2009,
sendo o valor da respectiva pensão calculado nos termos gerais, mas penalizado
pela aplicação de um factor de redução, que tem em conta o tempo de antecipação
da reforma e o tempo de serviço prestado, com o valor de referência de 4,5%/ano.
Estas normas, relativamente às que as antecederam, tornaram mais exigentes as
condições de acesso à aposentação e adoptaram uma fórmula de cálculo das
respectivas pensões menos generosa.
Na verdade, a versão originária do artigo 37.º, n.º 1, do Estatuto da Aposentação
(1972), permitia que o subscritor que tivesse 60 anos de idade e 40 de serviço
acedesse à aposentação e tivesse direito à ?pensão completa? ou ?por inteiro?. O
artigo 1.º, do Decreto-Lei n.° 191-A/79, de 25 de Junho, introduziu um regime
mais favorável, passando a exigir que o subscritor contasse 60 anos de idade e
36 anos de serviço. E o artigo 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.° 116/85, de 19 de
Abril, facilitou, ainda mais, o acesso à pensão completa, bastando que o
trabalhador contasse com 36 anos de serviço, qualquer que fosse a idade, para
poder aposentar-se, embora dependendo de um elemento condicionante, o da ?inexistência
de prejuízo para o serviço?. E a ?pensão completa? correspondia à remuneração
auferida pelo funcionário à data da aposentação.
São aquelas novas regras do sistema de aposentação dos funcionários públicos,
que resultando numa diminuição dos benefícios anteriormente reconhecidos, os
Requerentes consideram infringir parâmetros constitucionais, como o direito à
segurança social, a proibição do retrocesso social, o princípio da segurança
jurídica e o princípio da igualdade.
2. O direito à segurança social
Os Requerentes entendem que as normas impugnadas violam o direito à segurança
social consagrado no artigo 63.º da Constituição.
Deve, contudo, deixar-se claro que o direito à segurança social, previsto no
artigo 63.º, n.º 1, da Constituição, 'como um todo', é um direito de natureza
essencialmente económica e social, sendo portanto passível de uma maior margem
de livre conformação, por parte do legislador, do que a generalidade dos
direitos, liberdades e garantias, uma vez que a sua aplicabilidade directa (não
estando excluída), é necessariamente mais limitada como se infere do artigo 18.º,
n.º 1, da Constituição. Não há dúvida de que 'os direitos sociais contêm também
? ou podem conter ? um conteúdo mínimo, nuclear ou, porventura essencial
directamente aplicável' (RUI MEDEIROS, in Constituição da República Portuguesa
Anotada, org. Jorge Miranda/Rui Medeiros, Tomo I, p. 634, da ed. de da Coimbra
Editora). Mas é certo, também, que esse conteúdo mínimo ou nuclear directamente
aplicável tem um âmbito relativamente mais restrito do que nos direitos,
liberdades e garantias e que, portanto, o legislador sempre manterá, em matéria
de direitos económicos e sociais, uma mais ampla margem de livre conformação.
O Tribunal Constitucional tem admitido que determinadas concretizações do
direito à segurança social são resistentes ao legislador. Foi o que sucedeu, por
exemplo, com o direito a um rendimento mínimo, que o Tribunal entendeu que
decorreria do n.º 3, do artigo 63.º, da Constituição, conjugado com a ideia de
dignidade humana consagrada no artigo 1.º, da Constituição (Acórdão n.º 509/02,
pub. em ATC, vol. 54.º, pág. 19). Na verdade, naquelas circunstâncias típicas
previstas no n.º 3, do artigo 63.º, quando esteja em causa a própria
subsistência mínima e, portanto, a existência socialmente condigna, o direito à
segurança social adquire uma urgência e uma força vinculante que o tornam
directamente aplicável e o subtraem, em ampla medida, ao poder de legislar.
Em geral não é, porém, assim.
Sendo o direito à segurança social um direito de carácter essencialmente
económico e social, a sua realização depende, sobretudo, de prestações positivas
de terceiros, isto é, dos actuais contribuintes para o sistema de segurança
social e, em última análise, do Estado. Isso explica que, por regra, o seu
conteúdo não se possa definir de forma independente da legislação. É ao
legislador que incumbe fazer as necessárias ponderações que garantam a
sustentabilidade do sistema e a justiça na afectação de recursos.
Deste modo, a mera sucessão de leis no tempo em matéria de segurança social não
é, em geral, passível de afectar o próprio direito à segurança social 'como um
todo', salvo os casos em que esteja em causa o mínimo de existência condigna, o
que não sucede na situação em análise, em que as alterações legislativas estão
muito longe de traduzir uma supressão da protecção mínima àqueles que, por força
da idade, perderam a capacidade de auferir rendimentos pelo trabalho.
O direito à segurança social não é, de modo algum, um direito imune à
possibilidade de conformação legislativa. As condições de acesso ao direito à
aposentação e a concreta forma de cálculo das respectivas pensões não são
intocáveis pelo legislador, podendo este legislar de modo a definir tais
condições e tal valor.
Assim, a protecção dos direitos a prestações sociais já instituídos opera, no
essencial, através dos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático,
tais como a igualdade ou a confiança legítima, e não através do apelo ao direito
à segurança social.
Deve, ainda, acrescentar-se que a Constituição consagra, em termos gerais, o
direito à segurança social, no artigo 63.º, mas não impõe aí, nem em nenhum
outro lugar, um direito à segurança social que esteja especificamente referido
aos funcionários públicos e pessoas para tal efeito equiparadas. Ou seja, em
matéria de segurança social, a Constituição não atribui qualquer direito
especial ou privilegiado a nenhuma categoria de pessoas em razão das suas
funções.
Pelo contrário, o objectivo constitucionalmente consagrado de convergência e
unificação do sistema de segurança social visa, no essencial, dar expressão
institucional aos princípios da igualdade e da universalidade, em matéria de
segurança social.
Deste modo, se a lei ordinária, porventura, consagra um regime especial para os
funcionários públicos em matéria de segurança social não é por imperativo
constitucional, mas por opção político-legislativa ? uma opção que, uma vez
tomada, compromete o legislador em termos de protecção da confiança e de
segurança das situações passadas, mas que não o impede, em absoluto, de alterar
tal situação especial.
Em suma, não procede a alegação de que as alterações legislativas violam o
direito à segurança social, no seu conteúdo constitucionalmente relevante, restando,
pois, resolver a questão à luz dos princípios do Estado de Direito democrático
que o requerente concretamente invoca.
Nesta tarefa, o Tribunal seguirá, de perto, a fundamentação do recente Acórdão n.º
188/09 (pub. no D.R., II Série, de 18-5-2009), onde se analisou a
constitucionalidade de uma alteração legislativa no âmbito do Regime Geral da
Segurança Social que, tal como agora, introduzia um regime legal menos favorável
em relação ao anterior e onde o então Requerente invocava a violação dos
princípios jurídico-constitucionais que são, também agora, convocados.
3. A proibição de retrocesso social
Alegam os Requerentes que as alterações legislativas que resultaram nas normas
impugnadas são inconstitucionais, por violarem o princípio da proibição do
retrocesso social ou da não reversibilidade dos direitos fundamentais sociais.
A questão do princípio da proibição do retrocesso social tem sido objecto de
vasta discussão na doutrina (para uma síntese abrangente do actual estado da
doutrina nesta matéria, vide JORGE MIRANDA, em Manual de Direito Constitucional,
IV, p. 435-440, da 4ª ed., da Coimbra Editora).
A jurisprudência do Tribunal, por seu turno, tem-se caracterizado por perfilhar
a visão de que o princípio apenas poderá valer numa acepção restrita, valendo,
por conseguinte, apenas quando a alteração redutora do conteúdo do direito
social se faça com violação de outros princípios constitucionais. O princípio da
proibição do retrocesso social, a admitir-se, sempre carecerá de autonomia
normativa em relação não só a outros parâmetros normativos de maior intensidade
constitucional mas de menor extensão económico-social, tais como o direito a um
mínimo de existência condigna, que é inerente ao princípio da dignidade da
pessoa humana, o princípio da igualdade, ou o princípio da protecção da
confiança legítima, que resulta da ideia de Estado de Direito, mas também ao
próprio núcleo essencial do direito social já realizado e efectivado através de
medidas legislativas.
Tudo isto é plenamente confirmado pelo recente, e já citado, acórdão n.º 188/09,
que aqui se transcreve nas passagens pertinentes ao chamado princípio da
proibição do retrocesso social:
'Este princípio não pode ser aceite, no entanto, com esta amplitude sob pena de
destruir a autonomia da função legislativa, cujas características típicas, como
a liberdade constitutiva e a auto-revisibilidade, seriam praticamente eliminadas
se, em matérias tão vastas como os direitos sociais, o legislador fosse obrigado
a manter integralmente o nível de realização e a respeitar em todos os casos os
direitos por ele criados (assim, Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na
Constituição Portuguesa de 1976, 3ª edição, Coimbra, págs. 408-409).
É também esta acepção restrita do princípio que tem sido acolhida pela jurisprudência
constitucional, como se depreende do seguinte excerto do acórdão n.º 509/2002:
?Embora com importantes e significativos matizes, pode-se afirmar que a generalidade
da doutrina converge na necessidade de harmonizar a estabilidade da
concretização legislativa já alcançada no domínio dos direitos sociais com a
liberdade de conformação do legislador. E essa harmonização implica que se
distingam as situações.
Aí, por exemplo, onde a Constituição contenha uma ordem de legislar, suficientemente
precisa e concreta, de tal sorte que seja possível «determinar, com segurança,
quais as medidas jurídicas necessárias para lhe conferir exequibilidade» (cfr.
acórdão nº 474/02), a margem de liberdade do legislador para retroceder no grau
de protecção já atingido é necessariamente mínima, já que só o poderá fazer na
estrita medida em que a alteração legislativa pretendida não venha a
consequenciar uma inconstitucionalidade por omissão ? e terá sido essa a
situação que se entendeu verdadeiramente ocorrer no caso tratado no já referido
acórdão nº 39/84.
Noutras circunstâncias, porém, a proibição do retrocesso social apenas pode funcionar
em casos-limite, uma vez que, desde logo, o princípio da alternância democrática,
sob pena de se lhe reconhecer uma subsistência meramente formal, inculca a
revisibilidade das opções político-legislativas, ainda quando estas assumam o
carácter de opções legislativas fundamentais.
A proibição do retrocesso social opera assim apenas quando se pretenda atingir «o
núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da
pessoa humana», ou seja, quando «sem a criação de outros esquemas alternativos
ou compensatórios», se pretenda proceder a uma «anulação, revogação ou
aniquilação pura e simples desse núcleo essencial» (Gomes Canotilho, Direito
Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª edição, Coimbra, págs. 339-340). Ou,
ainda, como sustenta Vieira de Andrade, quando a alteração redutora do conteúdo
do direito social afecte a «garantia da realização do conteúdo mínimo imperativo
do preceito constitucional» ou implique, pelo «arbítrio ou desrazoabilidade manifesta
do retrocesso», a violação do protecção da confiança (ob. cit., págs. 410-411)'.
No caso, como já dissemos a propósito da acusação de violação do direito à
segurança social, estão em causa alterações legislativas nas condições de
aposentação e na fórmula de cálculo das respectivas pensões que apesar de se
traduzirem numa diminuição dos benefícios anteriormente reconhecidos aos
funcionários públicos, estão muito longe de resultar numa aniquilação do direito
à protecção daqueles que devido à idade perderam a capacidade de auferir
rendimentos pelo trabalho.
Deste modo, só o respeito pelos princípios da confiança ou da igualdade poderão
impedir a reversibilidade dos direitos em causa.
4. Os princípios da confiança e da segurança jurídica
No essencial, as soluções legislativas aqui fiscalizadas reconduzem-se a um
aumento progressivo da idade da reforma e à alteração das regras de cálculo das
pensões que são, em geral, menos favoráveis aos beneficiários da Caixa Geral de
Aposentações que as anteriores.
No confronto com estes princípios também se revela útil o recurso à fundamentação
do referido acórdão n.º 188/09.
Neste aresto, o Tribunal começa por reconhecer a existência dos princípios
constitucionais da confiança e da segurança jurídica:
'Como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira, o princípio do Estado de direito,
a que alude o artigo 2º da Constituição, «mais do que constitutivo de preceitos
jurídicos, é sobretudo conglobador e integrador de um amplo conjunto de regras e
princípios dispersos pelo texto constitucional, que densificam a ideia de
sujeição do poder a princípios e regras jurídicas, garantindo aos cidadãos
liberdade, igualdade e segurança». E, como acrescentam os mesmos autores, não
está excluído que dele se possam colher normas que não tenham expressão directa
em qualquer dispositivo constitucional, mas que se apresentam «como consequência
imediata e irrecusável daquilo que constitui o cerne do Estado de direito democrático,
a saber, a protecção dos cidadãos contra a prepotência, o arbítrio e a injustiça
(especialmente por parte do Estado)» (Constituição da República Portuguesa
Anotada, I vol., 4ª edição, Coimbra, págs. 205-206).
É assim que se compreende que o princípio da segurança jurídica surja como uma
projecção do Estado de direito e se torne invocável, como critério jurídico-constitucional
de aferição de uma certa interpretação normativa, a partir do próprio conceito
de Estado de direito ínsito no falado artigo 2º da Constituição.
A garantia de segurança jurídica inerente ao Estado de direito corresponde, numa
vertente subjectiva, a uma ideia de protecção da confiança dos particulares
relativamente à continuidade da ordem jurídica. Nesse sentido, o princípio da
segurança jurídica vale em todas as áreas da actuação estadual, traduzindo-se em
exigências que são dirigidas à Administração, ao poder judicial e, especialmente,
ao legislador'.
Depois, o mesmo acórdão explica que estes princípios não inviabilizam as
alterações da lei e a sucessão de leis no tempo:
?Referindo-se à protecção da confiança dos particulares relativamente à manutenção
de um certo regime legal, Reis Novais defende, em tese geral, que «os
particulares têm, não apenas o direito a saber com o que podem legitimamente
contar por parte do Estado, como, também, o direito a não verem frustradas as
expectativas que legitimamente formaram quanto à permanência de um dado quadro
ou curso legislativo, desde que essas expectativas sejam legítimas, haja
indícios consistentes de que, de algum modo, elas tenham sido estimuladas,
geradas ou toleradas por comportamentos do próprio Estado e os particulares não
possam ou devam, razoavelmente, esperar alterações radicais no curso do desenvolvimento
legislativo normal» (Os princípios constitucionais estruturantes da República
Portuguesa, Coimbra, 2004, pág. 263). No entanto, face ao valor constitucional
contraposto do interesse público, a que o legislador está também vinculado, o
autor reconhece que «o alcance prático do princípio da protecção da confiança só
é delimitável através de uma avaliação ad hoc que tenha em conta as
circunstâncias do caso concreto e permita concluir, com base no peso variável
dos interesses em disputa, qual dos princípios deve merecer prevalência». E no
plano da ponderação do peso das posições relativas dos particulares, acentua que
«as expectativas têm de ser legítimas», excluindo que possam assumir qualquer
relevo valorativo as posições sustentadas «em ilegalidades ou em omissões
indevidas do Estado» (idem, págs. 264 e 267)
Também o Tribunal Constitucional tem já firmado o entendimento de que o princípio
do Estado de direito democrático postula «uma ideia de protecção da confiança
dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que
implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas
expectativas que a elas são juridicamente criadas», conduzindo à consideração de
que «a normação que, por natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou
demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança jurídica que as
pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do
Estado de direito democrático, terá de ser entendida como não consentida pela
lei básica» (entre outros, o acórdão n.º 303/90, in Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 17º vol., pág. 65).?
Por fim, no mesmo acórdão ainda, o Tribunal definiu as condições de actuação do
princípio da confiança em matéria de sucessão de leis:
?Referindo-se especificamente a situações de retrospectividade ou retroactividade
inautêntica, o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 287/90, teve também já
oportunidade de definir a ideia de arbitrariedade ou excessiva onerosidade, para
efeito da tutela do princípio da segurança jurídica na vertente material da
confiança, por referência a dois pressupostos essenciais:
a) a afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível,
quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os
destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda
b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve
recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado,
a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da
Constituição).
Os dois critérios enunciados (e que são igualmente expressos noutros arestos)
são, no fundo, reconduzíveis a quatro diferentes requisitos ou ?testes?. Para
que haja lugar à tutela jurídico-constitucional da «confiança» é necessário, em
primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado
comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade;
depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas
razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em
conta a perspectiva de continuidade do «comportamento» estadual; por último, é
ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em
ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de
expectativa (neste sentido, o recente acórdão n.º 128/2009).?
Olhando para as normas impugnadas verificamos, em primeiro lugar, que apenas
estão em causa direitos em formação, uma vez que as normas questionadas não
afectam os direitos já adquiridos pelos funcionários públicos, relativamente à
sua aposentação.
Em segundo lugar, constata-se que muitas das alterações foram acompanhadas de
regimes transitórios que visaram atenuar os seus efeitos relativamente àqueles
que se encontravam mais próximos de se poderem reformar nos termos do regime
revogado. Foi contemplado um aumento gradual da idade da reforma, as novas
regras de cálculo da pensão ordinária afectam quase exclusivamente apenas uma
parcela respeitante ao serviço prestado posteriormente à entrada em vigor do
novo regime, a qual vai progressivamente assumindo uma maior proporção no
montante da pensão, tendo ainda sido criados regimes transitórios para aplicação
do cálculo das pensões bonificadas e antecipadas.
Em terceiro lugar, as concretas alterações ocorridas que, como vimos, se
reconduzem, no essencial, a um aumento da idade da reforma e à introdução de
novas regras de cálculo das respectivas pensões, não assumem uma dimensão que
permita falar-se num agravamento abrupto e radical das condições de aposentação
dos funcionários públicos, podendo adjectivar-se o agravamento ocorrido como
moderado e gradual.
Mas, sobretudo, não é possível ignorar que, sendo o nosso sistema de
financiamento da Segurança Social de cariz essencialmente contributivo, ele está
necessariamente sob a influência das oscilações demográficas e económicas, pelo
que, num juízo objectivo, não é possível considerar qualquer regime de pensões
de reforma inteiramente seguro e adquirido por aqueles que, por serem seus
contribuintes, esperam vir a dele beneficiar.
Aliás, a necessidade de adoptar medidas como as que constam das normas aqui
sindicadas, como meio de evitar o perigo de se verificar um desequilíbrio
financeiro do sistema de Sistema de Segurança Social, provocado por um movimento
de inversão da pirâmide demográfica, já vinha sendo, desde há muito, objecto de
vários anúncios pelo próprio Estado, nomeadamente no Livro Branco da Segurança
Social (1998), no estudo ?A Sustentabilidade Financeira do Sistema Solidariedade
e Segurança Social? (2002), ou ainda do Relatório sobre a Sustentabilidade da
Segurança Social, que acompanhou o Orçamento de Estado para 2006.
Daí que não se possa considerar que as normas em apreço, tendo em atenção as
alterações que provocaram nas condições de aposentação dos funcionários públicos
e no montante das suas pensões, conjugadas com os factores que as determinaram,
tenham lesado expectativas consolidadas legitimamente fundadas quanto à
salvaguarda de determinadas posições ou situações jurídicas nessa matéria.
Não era legítimo que, perante o registo de significativas alterações em factores
com forte influência num sistema de financiamento da segurança social
essencialmente contributivo, fosse expectável que as condições de aposentação
dos funcionários públicos permanecessem imutáveis e indiferentes a tais mudanças.
Além disso, nunca nenhuma das modificações contidas nas normas sob fiscalização
se poderia considerar excessiva, injustificadamente desproporcionada ou
arbitrária, face aos interesses que visaram salvaguardar.
Na verdade, como já se referiu, essas alterações inseriram-se num quadro de
convergência com o regime geral da segurança social, o qual também tem sofrido
evoluções legislativas desfavoráveis aos beneficiários, procurando manter a
sustentabilidade do sistema de segurança social num contexto de aumento da esperança
média de vida e de tendencial inversão da pirâmide demográfica.
A sustentabilidade do sistema de segurança social é um objectivo que não deixa
de reflectir uma ideia de justiça intergeracional que emana do nosso texto
constitucional (vide JOÃO LOUREIRO, em ?Proteger é preciso, viver também: a
jurisprudência constitucional portuguesa e o direito da Segurança Social?,
comunicação efectuada por ocasião do XXV Aniversário do Tribunal Constitucional,
de que se cita versão policopiada), pelo que não se revelando que tais medidas
se possam considerar desproporcionadas ou excessivas, ponderando os fins por ela
perseguidos, sempre estariam dentro da margem de livre conformação do legislador.
Nestes termos, é inevitável o juízo de que não se pode considerar que as
alterações legislativas ocorridas, em matéria de pensões de aposentação, violem
os princípios da confiança legítima e da segurança jurídica, ínsitos na ideia de
Estado de Direito democrático consagrada no artigo 2.º da Constituição.
5. O princípio da igualdade
Os Requerentes alegam ainda que, com o Decreto-Lei n.° 286/93, de 20 de Agosto,
passou a haver dois universos distintos de subscritores da Caixa Geral de
Aposentações: uns, com inscrição anterior a 1 de Setembro de 1993, com uma fórmula
de cálculo constante do Estatuto de Aposentação; outros, com inscrição posterior
àquela data, com uma fórmula de cálculo igual à do regime geral de segurança
social. O diploma teria introduzido, assim, uma desigualdade irrazoável e inadequada
entre esses dois universos, solução que o n.º 4, do artigo 5.º, da Lei n.º 60/2005,
de 29 de Dezembro, na redacção dada pelo artigo 1.º, da Lei n.º 52/2007, de 31
de Agosto, mantém.
Relativamente ao confronto das normas impugnadas com este parâmetro
constitucional é elucidativo, a esse propósito, o acórdão n.º 99/04 (pub. no D.R.,
II Série, de 1-4-2004), onde se discutia um caso de sucessão de regimes de
aposentação e se concluía:
'Basicamente o que está em causa nas duas situações são as diferenças de regime
decorrentes da normal sucessão de leis, havendo que reconhecer ao legislador uma
apreciável margem de liberdade no estabelecimento do marco temporal relevante
para aplicação do novo e do velho regime. Aliás, numa outra decisão (acórdão nº
467/03, publicado no Diário da República ? II Série, de 19/11/03, págs. 17331/17335),
este Tribunal, referindo-se igualmente a uma situação de comparação de regimes
de aposentação de um ponto de vista dinâmico da sucessão no tempo, vistos ? tal
como aqui sucede ? na perspectiva do princípio da igualdade, considerou não
funcionar este princípio, enquanto exigência do texto constitucional, ?em termos
diacrónicos?.
Na mesma linha, veio, mais recentemente, o já citado acórdão n.º 188/09 reiterar
a jurisprudência aí firmada:
'É necessário começar por dizer que a mera sucessão no tempo de leis relativas a
direitos sociais não afecta, por si, o princípio da igualdade.
Apesar de uma alteração legislativa poder operar uma modificação do tratamento
normativo em relação a uma mesma categoria de situações, implicando que
realidades substancialmente iguais passem a ter soluções diferentes, isso não
significa que essa divergência seja incompatível com a Constituição, visto que
ela é determinada, à partida, por razões de política legislativa que justificam
a definição de um novo regime legal.
Por outro lado, os termos em que a nova lei adapta o respectivo regime jurídico
a situações já existentes no momento da sua entrada em vigor apenas podem brigar
com o princípio da igualdade se se vier a estabelecer tratamento desigual para
situações iguais e sincrónicas, o que quer dizer que o princípio da igualdade
não opera diacronicamente (acórdãos nº 34/86, 43/88 e 309/93, os dois primeiros
publicado in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 7º vol., pág. 42, e 11º vol.,
pág. 565, e, em matéria de sucessão de regimes legais de pensões, os acórdãos n.ºs
563/96, 467/03, 99/04 e 222/08).
[?]
Um diferente entendimento conduziria a transformar o princípio da igualdade numa
proibição geral de retrocesso social, em matéria de direitos sociais, no sentido
de que nunca poderia ser criado um novo regime legal que pudesse afectar
qualquer situação jurídica que se encontrasse abrangida pela lei anterior.
[?]
Isso não significa que a igualdade não tenha qualquer protecção diacrónica. O
que sucede é que essa protecção apenas pode ser realizada através do princípio
da protecção da confiança associado às exigências da proporcionalidade (neste
sentido, também, Reis Novais, O Tribunal Constitucional e os Direitos Sociais ?
o Direito à Segurança Social, in Jurisprudência Constitucional n.º 6, pág. 10).
'.
No caso, não foi invocada qualquer desigualdade sincrónica entre contribuintes
inscritos no mesmo momento. Os Requerentes limitam-se a contestar que possa
haver dois universos de pessoas sujeitas a regras de aposentação diferentes.
Simplesmente, isso decorre necessariamente da própria possibilidade de alteração
da lei e da não afectação das situações passadas ? ou seja, da diacronia
legislativa.
A diferenciação entre dois universos de beneficiários inscritos em momentos
temporalmente diversos não viola, por si só, o princípio da igualdade perante a
lei e o direito, consagrado no artigo 13.º da Constituição.
Não se verifica, portanto, qualquer violação do princípio da igualdade.
6. Conclusão
Não se constatando que qualquer uma das normas apreciadas viole qualquer
parâmetro constitucional não deve ser declarada a sua inconstitucionalidade.
*
Decisão
Pelos fundamentos expostos decide-se não declarar a inconstitucionalidade das
normas constantes dos seguintes preceitos:
- artigo 53.º, do Estatuto da Aposentação, na redacção dada pelo artigo 1.º, n.º
1, da Lei n.° 1/2004, de 15 de Janeiro;
- artigo 1.º, n.º 3, da Lei n.° 1/2004, de 15 de Janeiro;
- artigo 3.º, da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, na redacção dada pelo
artigo 5.º, da Lei n.º 11/2008, de 20 de Fevereiro;
- artigo 5.º, da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, na redacção dada pelo
artigo 1.º, da Lei n.º 52/2007, de 31 de Agosto;
- artigo 5.º, n.º 1, 2 e 6, da Lei n.º 52/2007, de 31 de Agosto;
- artigo 6.º, n.º 6 , da Lei n.º 52/2007, de 31 de Agosto;
- artigo 7.º, n.º 2, da Lei n.º 52/2007, de 31 de Agosto;
- artigo 37.º - A, do Estatuto da Aposentação, na redacção dada pelo artigo 4.º,
da Lei n.º 11/2008, de 20 de Fevereiro;
- artigo 6.º, da Lei n.º 11/2008, de 20 de Fevereiro;
- artigo 7.º, da Lei n.º 11/2008, de 20 de Fevereiro.
*
Lisboa, 6 de Janeiro de 2010
João Cura Mariano
Vítor Gomes
Maria João Antunes
Benjamim Rodrigues
Carlos Fernandes Cadilha
Ana Maria Guerra Martins
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão
Joaquim de Sousa Ribeiro
Maria Lúcia Amaral
José Borges Soeiro
Rui Manuel Moura Ramos