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Processo n.º 700/09
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A. reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, n.º 3,
da Lei do Tribunal Constitucional, da decisão sumária de fls 87 e seguintes,
pela qual se não conheceu do objecto do recurso interposto para o Tribunal
Constitucional, com fundamento no incumprimento do ónus de suscitação perante o
tribunal recorrido da questão de constitucionalidade.
Alega o seguinte:
A reclamante, contrariamente ao que, de forma douta, aliás, vem sustentado na
decisão sumária de indeferimento do recurso por esse Venerando Tribunal
Constitucional, vem dizer que, já na reclamação que apresentou junto do
Presidente do Tribunal da Relação do Porto, através da qual reagiu contra o
indeferimento do recurso de 1ª Instância, sustentou e defendeu que esse
indeferimento violava, como viola, direitos fundamentais da recorrente,
constitucionalmente protegidos pelos arts 29°, n° 1, e 32°, n°s 1 e 2, da CRP,
designadamente o direito de recorrer.
Ora, através desta reclamação para a conferência, junto desse Venerando Tribunal
Constitucional, pretende a recorrente salientar que não teve razão o Ilustre
Relator quando, no seu douto despacho, veio fundamentá-lo invocando o facto de a
recorrente apenas no pedido de reforma da decisão da reclamação supra referida
ter suscitado, pela primeira vez, a questão da inconstitucionalidade que se
pretende ver apreciada
Com efeito, ao contrário do que vem referido na decisão desse Venerando Tribunal
Constitucional, já na reclamação para o Tribunal da Relação do Porto, a
recorrente fez referência à violação de normas constitucionais da seguinte
forma: Embora as razões formais invocadas pela Meritíssima Juíza a quo” se
revelem perfeitamente defensáveis, verdade é que maior oportunidade de justiça
concreta e melhor satisfação dos direitos de defesa da oponente serão logrados e
satisfeitos, designadamente os de ordem constitucional, consagrados nos arts.
29º, n° 1, e 32°, n°s 1 e 2, da CRP, se o recurso vier a ser admitido e vier a
prosseguir os seus termos, como se pretende.”
Ora, no que respeita à forma de suscitar processualmente a questão da
inconstitucionalidade, continua a acreditar-se que o mais importante é que a
questão seja mesmo suscitada e por forma a que o julgador compreenda a
verdadeira questão que a recorrente quer ver decidida, em defesa dos seus
direitos fundamentais, sendo manifesto que o Senhor Conselheiro relator, na sua
douta decisão, revelou ter, a esse respeito, toda a necessária e suficiente
compreensão das questões que, embora modestamente, foram suscitadas no recurso
que foi interposto para esse Venerando Tribunal Constitucional.
E verdade é que, tanto na reclamação como no pedido de reforma da douta decisão
que essa reclamação mereceu, a recorrente sustentou que o incidente que conduziu
à declaração de intempestividade do recurso aconteceu no período de vigência da
lei processual civil anterior e os novos prazos e mecanismos de recurso da nova
lei processual no 303/2007 de 24 de Agosto.
Nesse enquadramento da situação, explicitou claramente a recorrente que, tendo
sido aplicado o disposto no art. 685°, n° 1, do C.P.C., na interpretação de que
o prazo para a apresentação do recurso se encontraria caducado, essa decisão
acarretou uma diminuição substancialmente injustificada dos direitos de defesa e
de acesso da recorrente à justiça, assim se violando, com a aplicação desse
preceito e com essa interpretação, o que, em defesa da recorrente, se prescreve
nos arts. 9°, al. b), 12°, n° 1, 18°, nº 2, 20°, n° 1, e 32°, n°1, da CRP, razão
por que, obviamente, nessa interpretação, aquele preceito terá de ser havido
como inconstitucional
Por outro lado, parece ficar claro que aqueles direitos fundamentais da
recorrente ficaram violentamente amputados pela mera razão formal de, com as
alegações do recurso apresentado e a precedê-las, não ter a recorrente
previamente apresentado o respectivo requerimento de admissão do recurso, ou
seja, por razões de mera forma, negou-se, ao fim e ao cabo, toda a essência do
direito fundamental de recorrer que a Constituição protege.
Isto significa que, por razões meramente formais, foi rejeitado e ignorado todo
o valor, indiscutível e inequívoco, dessa mesma vontade de recorrer e da
inequívoca expressão dessa vontade, inserida em todo o texto das alegações —
substância do mesmo recurso — que, de todo o modo, fora apresentadas no prazo de
30 dias, contados a partir da notificação da sentença recorrida prazo esse que é
exactissimamente o mesmo que era prescrito pela redacção anterior do art. 685°,
n° 1, do C.P.C. e pela nova redacção que afinal, lhe veio a ser dada pela Lei n°
303/2007, de 24 de Agosto.
Assim sendo, e não se verificando quaisquer razões substanciais para a rejeição
deste recurso, e verificando-se que a sua rejeição coarcta e retira, na
pendência do mesmo processo, o direito fundamental de recorrer que à recorrente
cabe, considera-se ter sido feita uma aplicação do referido art. 685°, n° 1, do
C.P.C que, na interpretação que lhe foi conferida, materializa a
inconstitucionalidade do mesmo preceito, por violação do que se dispõe no arts.
9°, al. b), 12°, n° 1, 18°, n° 2, 20°, n° 1, e 32°, n°1 […]”.
Cumpre apreciar e decidir.
2. Nos termos previstos nos artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei
do Tribunal Constitucional, constitui pressuposto processual do recurso de
constitucionalidade o ónus de suscitação, de forma processualmente adequada,
perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, da questão de
constitucionalidade da norma ou interpretação normativa que constitui o objecto
do recurso.
Consignou-se na decisão sumária ora reclamada que a recorrente, pretendendo
impugnar a decisão do presidente do Tribunal da Relação do Porto que indeferiu a
reclamação de um despacho de não admissão de recurso, veio a suscitar a questão
da constitucionalidade, não nessa reclamação, mas no ulterior requerimento de
reforma da decisão que sobre ela incidiu, num momento em que já se encontrava
esgotado o poder jurisdicional e só poderia ser apreciada a existência de
eventual lapso manifesto que justificasse a pretendida alteração do julgado.
Pretende a recorrente, no entanto, que a questão de constitucionalidade foi, de
facto, colocada na reclamação originariamente apresentada perante o presidente
da Relação, e foi, assim, suscitada de modo processualmente adequado.
Ora, nessa reclamação, a recorrente limitou-se a referir o seguinte:
Embora as razões formais invocadas pela Meritíssima Juíza “a quo” se revelem
perfeitamente defensáveis, verdade é que maior oportunidade de justiça concreta
e melhor satisfação dos direitos de defesa da oponente serão logrados e
satisfeitos, designadamente os de ordem constitucional, consagrados nos arts.
29º, n.º 1, e 32º, n.º s 1 e 2, da C.R.P., se o recurso vier a ser admitido e
vier a prosseguir os seus termos, como se pretende.
Como bem se vê, neste excerto, não foi colocada qualquer questão de
constitucionalidade normativa, desde logo porque aí não é identificada qualquer
norma legal nem invocada qualquer interpretação normativa a que seja imputada a
ofensa de preceitos ou princípios constitucionais.
A recorrente não cumpriu, por conseguinte, o ónus de suscitação imposto pelos
citados artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal
Constitucional, pelo que nenhum motivo há para alterar a decisão reclamada.
3. Termos em que se indefere a reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 2 de Dezembro de 2009
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão