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Processo n.º 233-A/2008
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A. e mulher B., notificados do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 614/2008,
vieram dele ?reclamar? nos termos seguintes:
Na sequência da reclamação apresentada pelos ora reclamantes do despacho de 24
de Julho de 2008, veio o Ministério Público dizer (cfr. ponto 5 do despacho ora
reclamado, que: ?sendo manifesto que os ora reclamantes persistem na suscitação
de incidentes pós decisórios anómalos, manifestamente infundados e de cariz
ostensivamente dilatório ? tendo obviamente a obrigação de saber que o recurso
para o Plenário só é possível face a julgamentos de mérito contraditórios,
conforme decorre da jurisprudência uniforme e reiterada ? p. que se extraia de
imediato traslado, com vista à aplicação do regime previsto no artigo 84°, n° 8
da Lei n.° 28/82.?
O Ministério Público, enquanto guardião do princípio da legalidade, está
especialmente investido do munus de cuidar do que há de legal e ilegal na
tramitação destes autos, fazendo o cotejo crítico dos factos invocados e da sua
repercussão global conforme decorre do dever de fundamentação e do respeito pelo
princípio do contraditório, por forma a garantir a possibilidade de escrutínio
da decisão, devendo por isso expor com clareza o raciocínio lógico objectivo que
presidiu à sua apreciação. Porém, como claramente decorre da transcrição supra
efectuada e que consta do ponto 5. do despacho ora reclamado, a posição assim
assumida pelo Ministério Público foi meramente conclusiva ocultando o raciocínio
lógico objectivo determinante daquela apreciação assim veiculada para os autos.
E, conforme decorre da leitura do ponto 6. do despacho ora reclamado o mesmo
vício da mera conclusividade acaba por informar a fundamentação do despacho ora
reclamado. Com efeito,
Dão-se os reclamantes agora conta, por consulta dos autos com vista à formulação
desta reclamação, que folhas 1424 (que aqui se dá por integrado), em 28 de
Novembro de 2007, os autores C. e D., desistiram ambos do pedido de indemnização
civil.
Esta posição assumida pelos autores deveria ter sido objecto de despacho no
Tribunal da Relação de Coimbra, nos termos do disposto no artigo 287.° al. d) do
C. P. Civil, a julgar extinta a instância, mas este acto processual foi
inexplicavelmente omitido.
Quando estes autos saíram do Tribunal Judicial de Anadia, já o procedimento
criminal se encontrava extinto, por prescrição, tendo sido ordenada a sua
continuação apenas para efeitos de discussão da responsabilidade civil (cfr.
despacho de fls 1376, que aqui se dá por integrado).
Assim, contrariamente ao que foi exarado em fundamento do despacho reclamado,
para além do já anteriormente alegado, que aguarda decisão e que por isso aqui
se reitera e dá por integrado, há questões pré-decisórias que encontram lugar na
lei do processo, que já deveriam ter sido objecto de decisão no Tribunal da
Relação de Coimbra.
Sendo que, da parte dos ora reclamantes, nenhum protelamento censurável lhes é
imputável, já que os autos deveriam ter sido definitivamente declarados extintos,
a partir do referido dia 28 de Novembro de 2007.
Ora, não tendo a desistência do pedido cível sido objecto de despacho extintivo
da instância no Tribunal da Relação de Coimbra, nada obsta a que agora o seja
neste Tribunal Constitucional. Porém, por mera cautela e sempre em todo o caso,
se requer a anulação de todo o processado subsequente ao dia dito requerimento
dos autores de 28-11-2007, com todas as consequências legais.
Em todo o caso, reitera-se que existem nestes autos casos julgados de mérito
contraditórios sobre a mesma questão fundamental ? que sempre seriam e são
impeditivos da continuação da lide contra o Dr. D. desde 20 de Novembro de 2001
? sendo que a primeira que transitou em julgado foi a do Conselho Distrital de
Coimbra da Ordem dos Advogados de Coimbra documentada a folhas 202-205, que aqui
se dá por integrada, na qual se formulou um juízo de inconstitucionalidade no
que tange à perseguição criminal do Sr. Dr. E., Patrono Oficioso dos ora
reclamantes, por o mesmo no exercício do seu dever de ofício e por causa dele,
ter transcrito para os actos os factos que só os ora reclamantes coligiram,
seleccionaram e lhe transmitiram para dedução do contraditório na referida acção
de investigação de paternidade.
Consequentemente,
Existe, assim, no despacho em causa um erro juridicamente insustentável.
Conforme se pode ler em anotação ao artigo 669.° do CPC, Anotado, do Dr. Abílio
Neto, 13.ª Edição actualizada de Outubro de 1996.
?O n.° 1 deste artigo corresponde textualmente ao art.° 669.° na sua anterior
redacção, ao passo que o n.° 2, contém matéria inovadora, cuja justificação nos
é dada pelo Relatório do DL n.° 329-A/95, de 12/12, nos seguintes termos:
Sempre na preocupação de realização efectiva e adequada do direito material e no
entendimento de que será mais útil à paz social a ao prestígio e dignidade que a
administração da justiça coenvolve, corrigir que perpetuar um erro juridicamente
insustentável, permite-se, embora em termos necessariamente circunscritos e com
garantias de contraditório, o suprimento do erro de julgamento mediante a
reparação de mérito pelo próprio juiz decisor, ou seja, isso acontecerá nos
casos em que por lapso manifesto de determinação da norma aplicável ou na
qualificação jurídica, a sentença tenha sido proferida com violação de lei
expressa ou naqueles casos em que dos autos constem elementos, designadamente de
índole documental que, só por si e inequivocamente, impliquem decisão em sentido
diverso e não tenham sido considerados igualmente por lapso manifesto.
Claro que, para salvaguarda da tutela dos interesses da contra parte, esta
poderá sempre, mesmo que a decisão inicial o não admitisse, interpor recurso da
nova decisão assim proferida?.
Pelo exposto e nos termos do art.° 669.°, n.° 2, al. b) do CPC deve proceder-se
à apreciação efectiva de todos os factos pertinentes e, no atendimento desta
reclamação se requer que seja proferido despacho que julgue extinta a lide, nos
termos e com os fundamentos acima expostos e que aqui se dão por integrados com
todas as consequências legais.
2. Notificado desta ?reclamação? o representante do Ministério Público junto do
Tribunal Constitucional a ela respondeu do seguinte modo (fls. 108 e 109 dos
autos de traslado)
1º
A presente ?reclamação? apenas serve para confirmar inteiramente a conclusão que
se alcançara anteriormente nos autos, acerca da litigância dilatória do ora
reclamante.
2º
Na verdade, pretende-se agora ?transformar? o Acórdão n° 614/08 em ?decisão
sumária?, susceptível de ?reclamação para a conferência?, o que obviamente
acabou de prolatar o acórdão reclamado!
(?)
3. No Acórdão nº 614/2008, o Tribunal decidiu ao abrigo do disposto no nº 8 do
artigo 84º da Lei do Tribunal Constitucional, em conjugação com o artigo 720º do
Código de Processo Civil. Desta decisão não cabe reclamação. Não sendo por seu
turno aplicável ao caso o disposto na alínea b), nº 2, do artigo 669º do Código
de Processo Civil, é manifesto que o requerido a fls. 96 dos presentes autos de
traslado não tem suporte em qualquer meio processual idóneo, existente no
ordenamento jurídico.
4. Nestes termos, o Tribunal decide não conhecer do requerido a fls. 96, fixando
em 25 ucs. a taxa de justiça, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário
concedido.
Lisboa, 13 de Janeiro de 2010
Maria Lúcia Amaral
Carlos Fernandes Cadilha
Gil Galvão