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Processo n.º 902/08
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é
recorrente A. e recorridos B., S.A., C., S.A., CMVM – Comissão de Mercado de
Valores Mobiliários, D., S.A., E., S.A., F., S.A. e G., foi proferida decisão
sumária, em 15 de Dezembro de 2008, que decidiu não tomar conhecimento do
objecto do recurso então interposto.
2. Notificado da mesma, o recorrente veio apresentar um requerimento aos autos,
“ao abrigo dos artigos 201º, nº 1, 266º, nº 1, 667º, nº 1, e 668º, nº 3, do
Código de Processo Civil (CPC), e 78º-B, n.º 1, da Lei nº 28/82, de 15 de
Novembro” (fls. 699), através do qual formulou diversos pedidos desprovidos de
qualquer fundamento legal, sem que, porém, viesse expressamente reclamar da
referida decisão.
Para além disso, juntou ainda aos autos um extenso requerimento (fls. 702 a 719)
dirigido ao Tribunal da Comarca de Lisboa
3. Dessa feita, a Relatora proferiu o seguinte despacho, em 08 de Junho de 2009:
“- Requerimento de rectificação e de arguição de nulidade processual (fls. 699 a
701)
1. Os dois pedidos de rectificação da decisão sumária proferida nos autos são
manifestamente desprovidos de cobertura legal, na medida em que o artigo 667º do
CPC, aplicável “ex vi” artigo 69º da LTC, apenas permite a rectificação de
decisões jurisdicionais para rectificação de erros materiais. Não se verifica
qualquer erro material na decisão sumária proferida. Caso o recorrente dela
discorde – como transparece do referido requerimento –, mais não lhe resta que
reclamar para a conferência, nos termos do n.º 3 do artigo 78º-A da LTC.
2. Quanto à alegada nulidade processual, regista-se que o recorrente persiste,
conforme tem vindo a ser habitual quer nos presentes, quer noutros autos, num
alegado dever de denúncia ao Ministério Público por parte de qualquer pessoa –
incluindo magistrados – que contactem com os autos.
Para que fique bem claro, o dever de denúncia previsto na alínea b) do n.º 1 do
artigo 242º, do Código Penal, apenas recai sobre os “funcionários” nela
identificados quando estes se deparem com “crimes de que tomarem conhecimento no
exercício das suas funções e por causa destas”. Ora, a Relatora não tomou
conhecimento de qualquer “crime” no exercício das suas funções. As considerações
tecidas pelo recorrente quanto à alegada falsificação de um documento devem ser
por si provadas perante um tribunal criminal, não dispondo o Tribunal
Constitucional de poderes, atribuídos pela Constituição ou pela lei, para aferir
da responsabilidade penal de indivíduos ou de pessoas colectivas. A mera
afirmação pelo recorrente de que foi praticado um crime não é geradora de
qualquer dever de denúncia de factos alegadamente constitutivos de um
determinado tipo de crime. Bom seria que o recorrente levasse esse seu temerário
entendimento até às últimas consequências e apresentasse ele próprio a
respectiva queixa pela prática dos factos que (apenas) ele reputa de criminosos.
Mais uma vez, constata-se não haver fundamento legal para a nulidade arguida. A
invocação do artigo 201º do CPC é, aliás, absurda, na medida em que aquele
preceito legal apenas se refere a omissões de actos processuais e não a deveres
externos ao processo. Como é evidente para qualquer destinatário diligente, o
dever de denúncia consagrado no artigo 242º do CPP configura um dever de
carácter pessoal que recai sobre o indivíduo que é momentaneamente titular do
título de “funcionário”, não sendo configurável como acto inserido em
determinado processo judicial, muito menos em sede de recurso de
constitucionalidade.
Por outro lado, ainda que o artigo 201º do CPC seja aplicável “ex vi” artigo 69º
da LTC, é manifesto que nem a lei comina de nula a omissão daquele dever de
denúncia – que como já demonstrado não recai sobre a Relatora –, nem tão pouco
tal omissão pode influir sobre o exame do recurso de constitucionalidade
interposto nos presentes.
Deste modo, não foi cometida qualquer nulidade processual, pelo que não se
verifica qualquer omissão a suprir.
3. Quanto ao mais, adverte-se que, atenta a manifesta improcedência dos vários
pedidos formulados e a circunstância de o fundamento de tais pedidos residir,
tão-só, na discordância do recorrente face ao teor da decisão sumária – que deve
ser deduzida sob forma de reclamação, nos termos do n.º 4 do artigo 78º-A da LTC
–, este Tribunal não tolerará qualquer tentativa de protelamento do trânsito em
julgado dos presentes autos, conforme temido pelos recorridos.
Caso o recorrente persista nesta conduta processual, que raia já o limite do
aceitável, forçoso será ponderar a sua condenação em litigância de má fé, nos
termos previstos nos n.ºs 6 e 7 do artigo 84º da LTC.
- Quanto ao requerimento de arguição de nulidades (fls.
702 a 719)
4. O requerimento supra identificado encontra-se endereçado ao Tribunal da
Comarca de Lisboa, pelo que os pedidos nele formulados deverão ser por aquele
apreciados, logo que os autos baixem ao tribunal recorrido. Não se verifica
qualquer razão para a baixa imediata dos autos, na medida em que já foi
proferida decisão sumária que aguarda o seu célere trânsito em julgado.” (fls.
823 a 825)
4. Notificado deste último despacho, o recorrente veio aos autos, em
23 de Junho de 2009, juntar novo requerimento – e, mais uma vez, não deduzindo
qualquer reclamação contra a decisão sumária proferida em 12 de Dezembro de 2008
(!) –, nos termos do qual, reitera questões já amplamente decididas e resolvidas
nos autos, persistindo no entendimento de que lhe assiste ainda o direito de,
posteriormente, vir a deduzir reclamação contra a referida decisão. Com efeito,
chega mesmo a afirmar:
“5. Refere-se, o dito despacho, ao direito previsto no artigo 78º-A, n.º 4, da
LTC. Mas, no modesto entendimento do mandatário do Recorrente, tal direito só
deve ser exercido depois de exercidos os poderes conferidos ao Relator pelo
disposto no artigo 78º-B, nº 1, da mesma Lei, sendo certo que o cumprimento do
disposto no artigo 97º do CPC, e 245º do CPP, compete, em primeiro lugar, ao
Relator.” (fls. 841)
5. Perante este requerimento, o Tribunal Constitucional, em
conferência na 3ª Secção, decidiu convolar o referido requerimento em
reclamação, tendo-a indeferido, com os seguintes fundamentos:
“Através do requerimento de fls. 840 e 841, o reclamante limita-se a
reiterar o entendimento de que recai sobre a Relator do presente recurso um
dever de denúncia da prática de determinado crime, pelo que a decisão sumária
padeceria de nulidade, por tal dever não ter sido cumprido.
Ora, conforme já inequivocamente demonstrado pelo despacho proferido
pela Relatora, em 08 de Junho de 2009, não recaía sobre ela qualquer dever de
denúncia:
“Para que fique bem claro, o dever de denúncia previsto na alínea b) do n.º 1 do
artigo 242º, do Código Penal, apenas recai sobre os “funcionários” nela
identificados quando estes se deparem com “crimes de que tomarem conhecimento no
exercício das suas funções e por causa destas”. Ora, a Relatora não tomou
conhecimento de qualquer “crime” no exercício das suas funções. As considerações
tecidas pelo recorrente quanto à alegada falsificação de um documento devem ser
por si provadas perante um tribunal criminal, não dispondo o Tribunal
Constitucional de poderes, atribuídos pela Constituição ou pela lei, para aferir
da responsabilidade penal de indivíduos ou de pessoas colectivas. A mera
afirmação pelo recorrente de que foi praticado um crime não é geradora de
qualquer dever de denúncia de factos alegadamente constitutivos de um
determinado tipo de crime. Bom seria que o recorrente levasse esse seu temerário
entendimento até às últimas consequências e apresentasse ele próprio a
respectiva queixa pela prática dos factos que (apenas) ele reputa de criminosos.
Mais uma vez, constata-se não haver fundamento legal para a nulidade arguida. A
invocação do artigo 201º do CPC é, aliás, absurda, na medida em que aquele
preceito legal apenas se refere a omissões de actos processuais e não a deveres
externos ao processo. Como é evidente para qualquer destinatário diligente, o
dever de denúncia consagrado no artigo 242º do CPP configura um dever de
carácter pessoal que recai sobre o indivíduo que é momentaneamente titular do
título de “funcionário”, não sendo configurável como acto inserido em
determinado processo judicial, muito menos em sede de recurso de
constitucionalidade.
Por outro lado, ainda que o artigo 201º do CPC seja aplicável “ex vi” artigo 69º
da LTC, é manifesto que nem a lei comina de nula a omissão daquele dever de
denúncia – que como já demonstrado não recai sobre a Relatora –, nem tão pouco
tal omissão pode influir sobre o exame do recurso de constitucionalidade
interposto nos presentes.
Deste modo, não foi cometida qualquer nulidade processual, pelo que não se
verifica qualquer omissão a suprir.”
Ora, este Tribunal não tem nada mais a acrescentar ao referido
despacho, considerando que a decisão sumária ora reclamada não padece de
qualquer nulidade, por pretensa preterição de dever de denúncia por parte da
Relatora, devendo a mesma decisão ser plena e integralmente confirmada.” (fls.
910 e 911)
6. Persistindo em não se conformar com aquela decisão definitiva,
veio agora o recorrente, pela primeira vez, invocar a nulidade da decisão
sumária e, por arrastamento, do acórdão proferido, em sede de incidente de
reclamação.
Em suma, o recorrente afirma: i) por um lado, que foi admitida a
intervenção nos autos, como recorridas, de pessoas jurídicas que não são partes
processuais nos autos recorridos, o que acarretaria a nulidade do acórdão
proferido (fls. 924); ii) que, por outro lado, que persiste uma omissão de
apreciação de requerimento, por si, apresentado nos autos, em 09 de Fevereiro de
2009; iii) e, a final, que a intervenção nos autos dos recorridos B., S.A., C.,
S.A., E., S.A. e F., S.A. configura a continuação da prática do crime de
falsificação de documento, pelo que procede à denúncia do mesmo
7. Notificados para o efeito, responderam os recorridos B., S.A. (fls. 934 a
938) e F., S.A. (fls. 941 a 945), em 24 de Setembro de 2009, no sentido de que:
i) por um lado, a alegação de nulidades é improcedente e extemporânea; o
eventual procedimento criminal já se haveria extinto por prescrição; ii) e, por
outro lado, o Tribunal Constitucional não dispõe de poderes para apreciar a
denúncia da prática do crime de falsificação de documento; iii) em suma, o
requerimento apresentada prossegue fins dilatórios.
II – FUNDAMENTAÇÃO
8. Resulta da sequência da actuação processual descrita no relatório que o
recorrente já teve – em tempo oportuno – a possibilidade de impugnar a validade
da decisão sumária, entretanto, reclamada, podendo, nessa altura, ter invocado a
alegada nulidade da mesma por ter admitido a intervenção como recorridos de
pessoas jurídicas que o recorrente considera agora não serem partes legítimas
nos presentes autos.
Como tal, independentemente de um ulterior conhecimento do teor do requerimento
ora apresentado – que só terá lugar após pagamento das custas legalmente devidas
–, é manifesto que o presente requerimento mais não visa do que obstar ao
cumprimento da decisão, entretanto, proferida e, consequentemente, à remessa dos
autos ao tribunal a quo.
Assim sendo, impõe-se que, ao abrigo do disposto no artigo 84º, n.º 8, da Lei do
Tribunal Constitucional, conjugado com o disposto no artigo 720º do Código de
Processo Civil, estes novos incidentes sejam processados em separado, sendo o
processo contado e, de imediato, remetido ao tribunal recorrido, para, nos
termos do n.º 2 deste último artigo, aí prosseguir os seus termos. Além disso,
de acordo com o disposto no n.º 8 do artigo 84º da LTC, só se proferirá decisão
no traslado depois de pagas as custas em que o requerente já foi condenado neste
processo no Tribunal Constitucional, pelo que os autos e seus eventuais apensos
só serão conclusos depois da verificação de tal facto.
III – DECISÃO
Nestes termos, ao abrigo do disposto n.º 8 do artigo 84º da Lei do Tribunal
Constitucional, decide-se ordenar que:
a) Seja extraído traslado de fls. 604 a 609, 630 a 637, 650 a 667, 683 a
986 do presente processo, bem como das capas dos autos a correr termos no
Supremo Tribunal de Justiça, relativos ao Proc. n.º 769/07-7 e ao Proc. n.º
8873/03-8 e do presente acórdão;
b) Após contados os autos e extraído o traslado, se remetam os mesmos, de
imediato, ao tribunal recorrido, para prosseguirem os seus termos, conforme
estatuído no n.º 2 do artigo 720º do Código de Processo Civil;
c) Uma vez pagas as custas, se abra conclusão, a fim de, então, se decidir
o agora requerido quanto à pretendida nulidade do Acórdão n.º 402/2009.
Lisboa, 11 de Novembro de 2009
Ana Maria Guerra Martins
Vítor Gomes
Rui Manuel Moura Ramos