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Processo n.º 603/09
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam em conferência na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
A – Relatório
1 – A. e mulher B., com os demais sinais dos autos, reclamam para a
conferência ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de
15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da decisão sumária proferida pelo
relator na parte em que não tomou conhecimento do objecto do recurso de
constitucionalidade.
2 – A decisão reclamada tem o seguinte teor:
“1 – A. e mulher B., com os demais sinais dos autos, recorrem para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alíneas b) e g), da
Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), tendo feito
constar do requerimento de recurso as seguintes indicações quanto ao seu
objecto:
“(...)
a) Arts. 23º/5 e 26º/4 e 5 do CE 99 – o douto aresto recorrido interpretou e
aplicou os referidos preceitos legais considerando que “a lei fala em custo de
construção e não em valor de construção. (…) Calcular a indemnização com base no
valor de mercado da construção seria violar o princípio da igualdade no âmbito
da relação interna da expropriação, porquanto a ampla subjectividade, que
encerra, permitiria tratamentos diferenciados entre os particulares sujeitos a
expropriação que o legislador quis evitar” (v. fls. 21 e 22 do acórdão
recorrido).
A dimensão normativa atribuída aos dispositivos em causa, marginalizando o valor
de mercado do bem expropriado e da construção que nele seria possível efectuar,
viola as normas e princípios constitucionais consagrados nos arts. 2º, 13º e 62º
da CRP, impedindo a fixação de uma justa indemnização;
b) Arts. 28º/3 e 30º/1 do CE - o douto aresto recorrido interpretou e aplicou os
referidos preceitos legais considerando que “o arrendamento é inequivocamente um
encargo autónomo para efeito de indemnização do arrendatário, mas isso não
impede que o custo dos desalojamentos dos inquilinos deva reflectir-se na
indemnização ao proprietário, através da sua dedução ao valor do solo, como o
impõe o n.º 3 do artigo 28º CE [pelo que] não poderia a sentença (…) deixar de
deduzir os custos das demolições e dos desalojamentos necessários para o
aproveitamento económico da parcela” (v. fls. 27 do acórdão recorrido).
A dimensão normativa atribuída aos dispositivos em causa, admitindo a dedução da
indemnização paga aos arrendatários, viola a norma e princípios constitucionais
consagrados no art. 62º da CRP, impedindo a fixação de uma justa indemnização.
c) Art. 23º/4 do CE 99 – o douto aresto recorrido aplicou o normativo referido,
considerando expressamente que “a sentença limitou-se a aplicar a disposição
imperativa contida no n.º 4 do artigo 23º CE, aplicável, pelo que a dedução
efectuada não é ilegal, devendo, consequentemente, ser mantida” (v. fls. 29 do
acórdão recorrido).
A referida norma foi revogada pelo art. 3º da Lei 56/2008, de 4 de Setembro,
sendo assim manifestamente inaplicável in casu, e foi “julga(da)
inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da justa
indemnização, consagrado no artigo 62.º, n.º 2, da Constituição da República
Portuguesa, e da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, incluindo
o da igualdade tributária, enquanto expressão específica do princípio geral da
igualdade constante do artigo 13.º, da Constituição da República Portuguesa” (v.
Acs. TC n.º 112/2008, de 2008.02.20 e n.º 11/2008, de 2008.01.14,
www.tribunalconstitucional.pt; cfr. arts. 2º, 13º, 62º e 103º/3 da CRP).
2 – Em cumprimento do determinado ao abrigo do disposto no artigo 75.º-A, n.º 5,
da LTC, os recorrentes concretizaram, entre o mais, que as questões de
constitucionalidade invocadas nas alíneas a) e b) do seu requerimento foram
suscitadas com base no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, e que a questão
invocada na alínea c) do requerimento de interposição do recurso fora igualmente
suscitada no âmbito e para os efeitos do disposto na alínea g) do n.º 1 do
artigo 70.º da LTC.
3 – Encontrando-se verificadas as condições normativas elencadas no artigo
78.º-A, n.º 1, da LTC, passa a decidir-se imediatamente o recurso nos termos
seguintes.
4.1 – Constitui requisito do recurso interposto ao abrigo do disposto na alínea
b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e na
alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC que a questão de inconstitucionalidade
da norma tenha sido suscitada durante o processo.
A razão de ser de tal exigência é explicada por José Manuel M. Cardoso da Costa
(A Jurisdição Constitucional em Portugal, 3.ª edição revista e actualizada,
2007, pp. 31 e segs): “quanto ao controlo concreto – ao controlo incidental da
constitucionalidade (…), no decurso de um processo judicial, de uma norma nele
aplicável – não cabe o mesmo, em primeira linha, ao Tribunal Constitucional, mas
ao tribunal do processo. Na verdade, não obstante a instituição de uma
jurisdição constitucional autónoma, manteve-se na Constituição de 1976, mesmo
depois de revista, o princípio, vindo das Constituições anteriores (…), segundo
o qual todos os tribunais podem e devem, não só verificar a conformidade
constitucional das normas aplicáveis aos feitos em juízo, como recusar a
aplicação das que considerarem inconstitucionais (…). Este allgemeinen
richterlichen Prüfungs und Verwerfungsrecht encontra-se consagrado expressamente
(…), e com o reconhecimento dele a Constituição vigente permanece fiel ao
princípio, tradicional e característico do direito constitucional português, do
“acesso” directo dos tribunais à Constituição (…). Quando, porém, se trate de
recurso de decisão de aplicação de uma norma (…) é ainda necessário que a
questão da inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, em
consequência do que o juiz tomou posição sobre ela (…). Compreende-se, na
verdade, que a invocação da inconstitucionalidade unicamente ex post factum
(depois de proferida a decisão) não seja suficiente para abrir o recurso para o
Tribunal Constitucional (sob pena, além do mais, de se converter num mero
expediente processual dilatório)”.
Daí resulta que a questão de constitucionalidade tenha de ser suscitada perante
o tribunal a quo, em termos deste ficar vinculado ao seu conhecimento, o que,
por sua vez, apenas, ocorre quando esse problema integra a delimitação do
objecto da pronúncia judicial, configurando, assim, uma questão que o tribunal
tem de considerar e dirimir antes de aplicar o critério normativo cuja
constitucionalidade se controverte.
Por outras palavras, pode dizer-se que a suscitação de um problema de
inconstitucionalidade, apenas, poderá considerar-se adequada, quando a mesma
configure, entre o mais, uma quaestio decidendi de conhecimento imperativo para
o tribunal a quo.
Nestes termos, exigir-se-á que, em sede de recurso, a questão de
constitucionalidade seja objectivada de modo claro, directo e objectivo (cf.
Acórdão n.º 1210/96, disponível em www.tribunalconstitucional.pt) nas conclusões
da motivação do recurso uma vez que são estas que delimitam o âmbito e o objecto
do recurso e, concretizando o sentido dessa exigência, tem este Tribunal
estabelecido que «“suscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é
fazê-lo de modo tal que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que
tem uma questão de constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama,
obviamente, que (...) tal se faça de modo claro e perceptível, identificando a
norma (ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma) que (no entender
de quem suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se
aponte o porquê dessa incompatibilidade com a lei fundamental, indicando, ao
menos, a norma ou princípio constitucional infringido.” Impugnar a
constitucionalidade de uma norma implica, pois, imputar a desconformidade com a
Constituição não ao acto de aplicação do Direito – concretizado num acto de
administração ou numa decisão dos tribunais – mas à própria norma, ou, quando
muito, à norma numa determinada interpretação que enformou tal acto ou decisão
(cf. Acórdãos nºs 37/97, 680/96, 663/96 e 618/96, este publicado no Diário da
República II Série, de 15-05-1996). [§] É certo que não existem fórmulas
sacramentais para formulação dos pedidos, nem sequer para suscitação da questão
de constitucionalidade. [§] Esta tem, porém, de ocorrer de forma que deixe claro
que se põe em causa a conformidade à Constituição de uma norma (...)” – cf. o
referido Acórdão n.º 618/98 e os acórdãos para os quais aí se remete. O que, por
sua vez, encontra justificação no facto deste Tribunal, por mor das suas
particulares competências cognitivas e dos poderes que lhe estão consignados ex
constitutionis, não poder assumir-se como uma instância de amparo ao jeito da
Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol.
4.2 – Por esse motivo, não se encontram preenchidos os requisitos de
admissibilidade do recurso quanto às normas supra referidas nas alíneas a) e b)
do requerimento de recurso (integrado pela resposta ao convite nos termos do
artigo 75.º-A da LTC).
De facto, quanto a tais normas, é bem patente que o recorrente não suscitou a
sua inconstitucionalidade em termos de vincular o Tribunal a quo ao seu
conhecimento, tendo excluído do objecto do recurso o controlo
jurídico-constitucional de índole normativa em relação a esses preceitos no
segmento normativo especificamente impugnado.
O que se atesta considerando o teor das conclusões do recurso interposto para o
Tribunal da Relação de Lisboa, nas quais se afirmou:
“(...)
1ª. A CRP apenas permite a expropriação mediante o pagamento de justa
indemnização, a qual deve ser fixada com base no valor real e corrente de
mercado dos imóveis expropriados, considerando as suas efectivas potencialidades
económicas e edificativas, de forma a garantir aos expropriados uma compensação
plena da perda patrimonial suportada (v. arts. 13º e 62º da CRP; cfr. art. 23º
do CE 99) – cfr. texto n.º 1;
2ª. O cálculo da indemnização devida aos ora recorrentes deverá ser efectuado de
acordo com as disposições do Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99,
de 18 de Setembro (CE 99), por ser esse o diploma em vigor à data da publicação
da d.u.p. (v. art. 266º da CRP e art. 12º do C. Civil) – cfr. texto n.º 2;
3ª. As alíneas N e O dos Factos Provados (FP) na douta sentença recorrida
deverão ser eliminadas, pois:
a) Integram claramente conceitos jurídicos ou juízos que constituem “matéria de
direito” (v. Ac. STJ de 1986.12.04, BMJ 362/526; cfr. Ac. STJ de 2006.11.02,
Proc. 06B3267, www.dgsi.pt);
b) Sempre integrariam juízos conclusivos e não factos materiais simples, sendo
insusceptíveis de, como tal, serem provados (v. art. 712º/4 do CPC e 342º do C.
Civil; cfr. art. 511º do CPC e Ac. STJ de 2005.02.03, Proc. 048B4773,
www.dgsi.pt) – cfr. texto n.º s 3 a 5;
4.ª O douto Tribunal a quo não pode substituir-se às partes “no cumprimento dos
ónus de afirmações da matéria de facto” (v. Ac. STJ de 2005.06.22, Proc.
05B1993, www.dgsi.pt; cfr. art. 264º do CPC), pelo que os referidos juízos
conclusivos nunca poderiam ser integrados na factualidade provada (v. art.
712º/4 do CPC; cfr. art. 511º do CPC) – cfr. texto n.º s 6 e 7;
5ª. A parcela expropriada tem que ser classificada como solo apto para
construção, conforme resulta das alíneas E, F, G, H e L dos FP e foi
unanimemente reconhecido pelos Senhores Árbitros e pelos Senhores Peritos, pois
integra -se em espaços urbanos, ex vi do artigo 25º do regulamento do PDM de
Sintra, confronta com vias públicas e dispõe de todas as infra-estruturas
necessárias, situa-se dentro dos limites urbanos e na zona urbana do Cacém,
município de Sintra, dispondo de capacidades edificativas (v. art. 25º do CE 99)
– cfr. texto n.º s 8 a 10;
6ª. O índice de construção aplicável in casu é de, pelo menos, 1,38, pois é o
que resulta do art. 25º do RPDM de Sintra – espaços urbanos – e corresponde ao
tipo e volume de construção efectivo e possível na zona da parcela expropriada
(v. art. 25º do regulamento do PDM de Sintra) – cfr. texto n.º s 12 e 13;
7ª. O custo da construção adoptado pela douta sentença recorrida é
manifestamente insuficiente e injusto (v. arts. 13º e 62º da CRP), devendo ser
considerado o valor de mercado da construção na zona (v. Ac. TC n.º 677/2006, de
2006.12.12, in www.tribunalconstitucional.pt), em montante não inferior a 1500
€/m2, conforme foi unanimemente considerado pelos Senhores Peritos – cfr. texto
n.º s 14 a 18;
8ª. O valor redutor e limitativo fixado na Portaria n.º 1369/2002, de 19 de
Outubro, é claramente inaplicável in casu (v. arts. 62º e 65º da CRP; cfr. arts.
23º e 26º do CE 99) – cfr. texto n.º s 14 a 18;
9º. O índice fundiário aplicável in casu é de 25%, atendendo às infra-estruturas
urbanísticas de que a parcela expropriada dispõe, bem como à sua localização (v.
art. 26º/6 e 7 do CE 99; cfr. arts. 13º e 62º da CRP) – cfr. texto n.º s 19 e 20
18;
10ª. O arrendamento constitui “encargo autónomo”, não afectando o valor da
indemnização devida aos proprietários, como se decidiu na douta sentença
recorrida (v. art. 62º da CRP e arts. 28º e 30º do CE 99; cfr. Ac. RP, de
2002.06.25, Proc. 0220506, in www.dgsi.pt) – cfr. texto n.º s 21 e 22;
11.ª A dedução do diferencial da contribuição autárquica prevista no art. 23º/4
do CE 99 nunca seria aplicável in casu, sendo tal dispositivo legal claramente
inconstitucional e inaplicável in casu (v. Acs. STJ n.º s 11/2008 e 112/2008, in
www.tribunalconstitucional.pt; cfr. art. 2º, 9º, 13º, 18º, 62º e 103º da CRP) –
cfr. texto n.º s 23 a 27;
12ª. O valor das benfeitorias existentes na parcela expropriada deve ser fixado
em montante não inferior a € 60.250,00 (v. arts. 13º e 62º da CRP; cfr. art.
23º/2 do CE 99) – cfr. texto n.º s 28 a 30;
13ª. A douta sentença recorrida enferma ainda de erros de julgamento na parte em
que decidiu desconsiderar a mais-valia que beneficia a parcela expropriada, face
à sua localização, obras, melhoramentos e infra-estruturas que a servem (v.
arts. 13º e 26º da CRP) – cfr. texto n.º s 31 a 33;
14ª. As normas dos arts. 23º/4, 26º/2, 4, 5 e 28º/3 do CE 99, interpretadas e
aplicadas com o sentido normativo adoptado na sentença recorrida, são claramente
inconstitucionais, por violação do disposto nos arts. 2º, 13º, 62º e 103º da
CRP, sendo inaplicáveis in casu (v. art. 204º da CRP) – cfr. texto n.º s 12 a
34;
15ª. O montante indemnizatório tem ainda de ser actualizado de acordo com os
índices do INE, desde a data da d.u.p. até à data da decisão final do presente
processo, acrescendo, a partir desse momento, os respectivos juros moratórios
(v. arts. 13º, 62º e 205º da CRP; art. 804º a 806º do C. Civil; cfr. art. 24º do
CE 99 e Ac. RL de 2004.12.07, Proc. 6438/04-1, 1ª Secção; de 2003.11.20, Proc.
4139/03-8, 8ª Secção; de 2001.02.01, Doc. RL 200102010047072, www.dgsi.pt; de
1992.03.26, CJ, 2/152; de 1987.03.05, CJ, 1987/2/133-134; Acs. RP de 2001.12.13,
3ª Secção, Proc. 1142/00; de 2001.06.04, Doc. RP 200106040150623; de 1997.02.13,
CJ 1997/1/228)”.
Daí resulta, de facto, que os recorrentes não suscitaram com propriedade as
questões de constitucionalidade que fizeram constar das duas primeiras alíneas
do requerimento de interposição do recurso, sendo certo que o ónus de suscitação
de tais problemas não pode considerar-se cumprido por mor de uma remissão
indiferenciada para a “interpretação e aplicação” feita pelo Tribunal (como
resulta da conclusão 14.ª), nem, tão-pouco, quando os recorrentes se limitam a
controverter a aplicação do direito ao caso concreto (conclusões 7.ª e 8.ª) ou,
a fortiori, se abstêm de definir a norma que pretender controverter sub species
constitutionis (conclusão 10.ª).
5 – Quanto à norma do artigo 23.º, n.º 4, do Código das Expropriações, impõe-se
diferente juízo.
Na verdade, quanto a esse critério não existem obstáculos ao conhecimento do
recurso de constitucionalidade, sendo aqui de acolher os fundamentos constantes
do Acórdão n.º 11/2008, do Plenário deste Tribunal (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt), para os quais se remete – no qual se julgou
inconstitucional por violação dos princípios constitucionais da justa
indemnização, consagrado no artigo 62.º, n.º 2, da Constituição da República
Portuguesa, e da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, incluindo
o da igualdade tributária, enquanto expressão específica do princípio geral da
igualdade constante do artigo 13.º, da Constituição da República Portuguesa, o
artigo 23.º, n.º 4, do Código das Expropriações de 1999.
Na verdade, embora o presente relator tenha, aí, ficado vencido, não pode,
agora, deixar de acolher a tese que fez vencimento no Plenário, porquanto, em
caso de recurso, por oposição de julgados, nos termos do art.º 79.º-D, da LTC,
sempre, seria ela a adoptada, para além de que a sua aceitação poderá, ainda,
encontrar algum fundamento, em tais circunstâncias, no princípio da igualdade na
jurisdição.
Consequentemente, formula-se idêntico juízo de inconstitucionalidade.
6 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não tomar conhecimento do objecto do recurso, quanto às normas constantes das
alíneas a) e b) do requerimento de recurso;
b) Julgar inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da justa
indemnização, consagrado no artigo 62.º, n.º 2, da Constituição da República
Portuguesa, e da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, incluindo
o da igualdade tributária, enquanto expressão específica do princípio geral da
igualdade constante do artigo 13.º, da Constituição da República Portuguesa, o
artigo 23.º, n.º 4, do Código das Expropriações de 1999;
c) Conceder provimento ao recurso, nesta parte, e, consequentemente, determinar
a reforma da decisão recorrida, em conformidade com o precedente juízo de
inconstitucionalidade”.
3 – Por seu turno, a reclamação vem suportada nos seguintes
argumentos:
“(...)
1. Conforme resulta do requerimento de interposição de recurso, de 2009.05.20,
os ora reclamantes interpuseram recurso para este Venerando Tribunal
Constitucional do douto Acórdão da Relação de Lisboa, de 2009.05.07, com
fundamento na invocação das seguintes questões de inconstitucionalidade:
a) Arts. 23°/5 e 26°/4 e 5 do CE 99 — o douto aresto recorrido interpretou e
aplicou os referidos preceitos legais considerando que “a lei fala em custo de
construção e não em valor de construção. (...) Calcular a indemnização com base
no valor de mercado da construção seria violar o princípio da igualdade no
âmbito da relação interna da expropriação” (v. fls. 21 e 22 do acórdão
recorrido).
A dimensão normativa atribuída aos dispositivos em causa, marginalizando o valor
de mercado do bem expropriado e da construção que nele seria possível efectuar,
viola as normas e princípios constitucionais consagrados nos arts. 2°, 13º e 62°
da CRP, impedindo a fixação de uma justa indemnização;
b) Arts. 28°/3 e 30°/1 do CE – o douto aresto recorrido interpretou e
aplicou os referidos preceitos legais considerando que “o arrendamento é
inequivocamente um encargo autónomo para efeito de indemnização do arrendatário,
mas isso não impede que o custo dos desalojamentos dos inquilinos deva
reflectir-se na indemnização ao proprietário, através da sua dedução ao valor do
solo, como o impõe o n.º 3 do artigo 28° CE [pelo que] não poderia a sentença
(...) deixar de deduzir os custos das demolições e dos desalojamentos
necessários para o aproveitamento económico da parcela” (v. fls. 27 do acórdão
recorrido).
A dimensão normativa atribuída aos dispositivos em causa, admitindo a dedução da
indemnização paga aos arrendatários, viola a norma e princípios constitucionais
consagrados no art. 62° da CRP, impedindo a fixação de uma justa indemnização.
c) Art. 23°/4 do CE 99 — o douto aresto recorrido aplicou o normativo referido,
considerando expressamente que “a sentença limitou-se a aplicar a disposição
imperativa contida no n.º 4 do artigo 23º CE, aplicável, pelo que a dedução
efectuada não é ilegal, devendo, consequentemente, ser mantida” (v. fls. 29 do
acórdão recorrido).
A referida norma foi revogada pelo art. 3° da Lei 56/2008, de 4 de Setembro,
sendo assim manifestamente inaplicável in casu, e foi “julga(da)
inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da justa
indemnização, consagrado no artigo 62.º, n.º 2, da Constituição da República
Portuguesa, e da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, incluindo
o da igualdade tributária, enquanto expressão específica do princípio geral da
igualdade constante do artigo 13.º, da Constituição da República Portuguesa” (v.
Acs. TC n.º 112/2008, de 2008.02.20 e n.º 11/2008, de 2008.01.14,
www.tribunalconstitucional.pt cfr. arts. 2°, 13°, 62° e 103°/3 da CRP).
A douta decisão sumária em análise considerou que os ora reclamantes “não
suscitaram com propriedade as questões de inconstitucionalidade que fizeram
constar das duas primeiras alíneas do requerimento de interposição de recurso”,
tendo decidido “não tomar conhecimento do objecto do recurso, quanto às normas
constantes das alíneas a) e b) do requerimento de recurso”.
Salvo o devido respeito – e é verdadeiramente muito –, cremos que o recurso
interposto pelos ora reclamantes não podia também deixar de ser admitido com
fundamento nas invocadas inconstitucionalidades dos referidos arts. 23°/5,
26°/4, 28°/3 e 30º/1 do CE.
Vejamos.
2. Nos termos dos artigos 70°/1/b) e 72°/2 da LTC, são pressupostos objectivos
do recurso interposto para este Venerando Tribunal Constitucional:
a) Aplicação efectiva de uma norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade
tenha sido suscitada adequadamente no decurso de um processo;
b) Necessidade de a decisão recorrida fazer caso julgado no processo principal;
c) Menção na petição de recurso dos elementos exigidos no art. 75°-A/1 e 2 da
LTC (v. Blanco de Morais, Justiça Constitucional, 2005, II/700; cfr. Ac. TC
1/05, de 5 de Janeiro, Proc. 909/04, Cons. Maria João Antunes, 364/96, de 6 de
Março, Proc. 27/92, Cons. Tavares da Costa, ambos in www.tribunalconstitucional;
Ac. RL de 1998.01.13, Proc. 0006285, www. dqsi. pt).
Contrariamente ao decidido na douta decisão reclamada, cremos ser manifesto que
os ora reclamantes suscitaram no decurso do processo “com propriedade as
questões de inconstitucionalidade”, como resulta claro do seguinte:
a) Nas conclusões das alegações para o Tribunal da Relação de Lisboa, de
2008.11.24, os ora reclamantes invocaram expressamente que “o custo da
construção adoptado pela douta sentença recorrida é manifestamente insuficiente
e injusto (v. arts. 13° e 62° da CRP), devendo ser considerado o valor de
mercado da construção na zona (v. Ac. TC n.º 677/2006, de 2006.12.12, in
www.tribunalconstitucional.pt), em montante não inferior a 1500 €/m2, conforme
foi unanimemente considerado pelos Senhores Peritos” (v. conclusão 7ª; cfr.
texto nºs. 14 a 18):
b) Nas conclusões das referidas alegações os ora reclamantes invocaram ainda que
“as normas dos arts. 23°/4, 26°/2, 4, 5 e 28°/3 do CE 99, interpretadas e
aplicadas com o sentido normativo adoptado na sentença recorrida, são claramente
inconstitucionais, por violação do disposto nos arts. 2°, 13°, 62° e 103° da
CRP, sendo inaplicáveis in casu (v. art. 204° da CRP)” (cfr. conclusão 14ª; cfr.
texto nºs. 12 a 34):
c) No texto das referidas alegações os ora reclamantes invocaram também que “o
critério do custo da construção não pode deixar de ser considerado
inconstitucional ou, pelo menos, inaplicável (v. art. 23°/5 do CE 99), pois não
permite a fixação do valor real e corrente de mercado dos bens expropriados, nos
termos constitucionalmente impostos (v. arts. 13° e 62° da CRP)” (v. texto nº.
16):
Conforme resulta de simples leitura de cada uma das conclusões referidas, os ora
recorrentes invocaram expressamente diversas questões de inconstitucionalidade
normativa, indicando ainda de forma especificada e em abono das questões
suscitadas, anterior decisão deste Venerando Tribunal que, em situação
semelhante, em sede de fiscalização concreta de constitucionalidade, julgou
inconstitucional “a norma do nº 2 do artigo 25° do Código das Expropriações de
1991, interpretada no sentido de equiparar ao custo da construção o valor da
construção, relevante para se determinar o valor do solo apto para a construção”
(v. Ac. TC nº. 677/2006, de 2006.12.12).
Ora, no douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa recorrido, de 2009.05.07,
decidiu-se expressamente que “o valor do solo apto para construção calcula-se em
função do custo da construção”, uma vez que “calcular a indemnização com base no
valor de mercado da construção seria violar o princípio da igualdade no âmbito
da relação interna da expropriação, porquanto a ampla subjectividade, que
encerra, permitiria tratamentos diferenciados entre os particulares sujeitos a
expropriação que o legislador quis evitar”.
Assim sendo, temos de concluir que os ora reclamantes invocaram “com propriedade
as questões de inconstitucionalidade” ao longo de todo o processo, já que tais
questões foram expressamente alegadas nos textos nºs. 14 a 18, 21 a 27 e
conclusões 7ª, 8ª, 10ª, 11ª e 14ª das alegações apresentadas em 2008.11.24, no
Tribunal da Relação de Lisboa, inscrevendo-se assim na sua esfera de
“competência vinculada” (v. Ac. TC 162/92, de 6 de Maio, Proc. 241/91, Cons.
Messias Bento, www.tribunalconstitucional. pt).
3. Acresce que, a propósito do requisito da aplicação efectiva da norma julgada
inconstitucional, este Venerando Tribunal Constitucional tem pacifica e
uniformemente entendido que “há aplicação da norma para efeitos da alínea b) do
n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 não só nos casos de aplicação expressa,
como também nos casos da aplicação implícita” (v. Ac. TC 406/87, de 7 de
Outubro, Proc. 82/87, www.dgsi.pt cfr. Acs. TC 9/06, de 5 de Janeiro, Proc.
480/05; 454/03, de 14 de Outubro, Proc. 458/03; 445/99, de 8 de Julho, Proc.
37/99; 11/99, de 12 de Janeiro, Proc. 271/97; 1081/96, de 23 de Outubro, Proc.
438/96; 226/94, de 8 de Março, Proc. 47/93; 160/91, de 4 de Abril, Proc. 720/00;
47/90, de 21 de Fevereiro, Proc. 87/89, todos in www.tribunalconstitucional.pt
721/97, de 23 de Dezembro, Proc. 392/97; 637/96, de 7 de Maio, Proc. 252/95;
234/96, de 29 de Fevereiro, Proc. 178/95; 33/96, de 17 de Janeiro, Proc. 789/92;
235/93, de 13 de Março, Proc. 611/92; 69/92, de 24 de Fevereiro, Proc. 219/91;
20/91, de 5 de Fevereiro, Proc. 203/90; 207/86, de 12 de Junho, Proc. 95/86;
158/86, de 14 de Maio, Proc. 31/86; 88/86, de 19 de Março, Proc. 171/89; 112/85,
de 2 de Julho, Proc. 179/84, todos in www.dqsi.pt).
E, conforme tem decidido este Venerando Tribunal, verifica-se aplicação
normativa implícita sempre que:
a) O Tribunal a quo possa e deva conhecer da questão de constitucionalidade
invocada durante o processo (v. Acs. TC 318/90, de 12 de Dezembro, Proc. 291/89,
Cons. Alves Correia, www.tribunalconstitucional.pt 176/88, de 14 de Julho, Proc.
310/87, Cons. Cardoso da Costa, www.dgsi.pt);
b) A sentença, pese embora não fazer qualquer alusão à norma, não poderia deixar
de a ter aplicado, já que não poderia ter logicamente decidido ou decidido de
uma determinada maneira, sem proceder à sua convocação como fundamento da
decisão (v. Acs. TC 466/91, de 17 de Dezembro, Proc. 160/91, Cons. Ribeiro
Mendes, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 20° vol., p.p. 605 e segs;
451/89, de 21 de Junho, Proc. 287/87, Cons. Nunes de Almeida, www.dgsi.pt cfr.
Blanco de Morais, Justiça Constitucional, 2005, II/702);
c) A aplicação da norma se deduza necessariamente da decisão recorrida (v. Ac.
TC 9/06, de 5 de Janeiro, Proc. 480/05, Cons. Maria dos Prazeres Beleza,
www.tribunalconstitucional.pt) ou é “extraível de um raciocínio lógico utilizado
na decisão” (v. Ac. TC 231/91, de 23 de Maio, Proc. 164/91, Cons. Bravo Serra,
www.dgsi pt).
No caso sub judice é manifesto que sempre teria ocorrido aplicação implícita das
normas em causa.
3.1. Por um lado, a Relação de Lisboa podia e devia conhecer da questão de
constitucionalidade, já que a mesma foi expressamente suscitada ao longo do
presente processo, conforme se demonstrou, inscrevendo-se assim na sua esfera de
“competência vinculada” (v. Ac. TC 162/92, de 6 de Maio, Proc. 241/91, Cons.
Messias Bento, www.tribunalconstitucional.pt).
3.2. Por outro lado, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa recorrido, de
2009.05.07, pronunciou-se sobre a questão do custo da construção, mantendo a
aplicação de normas reputadas de inconstitucionais, na sequência do entendimento
do Tribunal de Família e Menores e Juízos Cíveis de Sintra.
Nesta linha, decidiu o douto acórdão deste Venerando Tribunal Constitucional, de
1996.05.07, o seguinte:
“Porque a questão de constitucionalidade se prende directamente com o objecto do
recurso interposto – o seu julgamento acha-se dependente do próprio âmbito de
cognição daquele tribunal – tem de considerar-se que no acórdão recorrido se fez
aplicação implícita das normas cuja constitucionalidade se havia anteriormente
suscitado” (v. Ac. TC 637/96, Proc. 252/95, Cons. Monteiro Diniz,
www.tribunalconstitucional. pt).
4. Registe-se a finalizar que a interpretação restritiva do art. 70°/1/b) da
LTC, nos termos definidos pela douta decisão sumária em análise, sempre
constituiria uma restrição, sem qualquer fundamento, ao direito de acesso aos
Tribunais dos ora reclamantes, constitucionalmente consagrado,
impossibilitando-a de obter tutela judicial efectiva (v. arts. 200 e 268°/4 da
CRP).
Com efeito, o artigo 20°/1 da CRP determina:
“A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus
direitos e interesses legítimos, não podendo a justiça ser denegada por
insuficiência de meios económicos”.
A garantia da via judiciária impõe-se, como direito de natureza análoga aos
direitos, liberdades e garantias, a todas as entidades públicas e privadas (v.
arts. 17° e 18°/1 da CRP) e naturalmente, também aos Tribunais, sujeitos à
Constituição e à lei (v. arts. 203° e 204° da CRP; cfr. Gomes Canotilho e Vital
Moreira, CRP Anotada, 3ª ed., p.p. 161 e segs.; Jorge Miranda, Manual de Direito
Constitucional, 1988, IV/251 e segs.; Mário de Brito, Acesso ao Direito e aos
Tribunais, in O Direito, 1995, III — IV/351-353; Carlos Lopes do Rego, Acesso ao
Direito e aos Tribunais, in Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal
Constitucional, 1993, p.p. 45 e segs.).
Nesta linha, escreveu doutamente Garcia de Enterria:
“La jurisprudência no puede emplearse en crear impedimentos o limitaciones a los
derechos fundamentales, y menos aún derecho a la tutela judicial efectiva, de
cuyo ejercicio resulta justamente la possibilidade misma de que las decisiones
judiciales se produzean” ... “y lo que es inconstitucional, en efecto, es
utilizar los poderes interpretativos y aplicativos de las leys para crear
impedimentos o limitaciones a los derechos fundamentales, y en particular ai
derecho de libre acesso de los ciudadanos a la justicia para obtener de elia una
tutela efectiva a los derechos e intereses legítimos” (v. Revista Española de
Derecho Administrativo, n.º 46, p.p. 177).
O reputado administrativista espanhol refere ainda que “lo esencial es Llegar ai
fondo de los recursos, a lo que deben subordinarse las formalidades procesales,
evitando su sustantivización; que las excepciones a la admisión de los recursos
son de interpretación, no ya enunciativa o declarativa, sino positivamente
restrictiva, en cuanto regias odiosas por contradecir o limitar esse derecho
fundamental y natural; que lo esencial es hacer posible el ejercicio de dicho
derecho, para lo cual debe buscarse siempre en toda cuestión disputada sobre la
materia la interpretación precisamente más favorable a este efecto” (v. Eduardo
García de Enterría citado, in Juán María Pemán Gavín, Algunas Manifestaciones
dei principio «Pro Actione» en la reciente Jurisprudencial del Tribunal Supremo,
Revista de Administración Pública, Madrid, n.º 104, p.p. 252).
O referido ensinamento foi acolhido e já por diversas vezes reiterado pela
jurisprudência espanhola, referindo-se que “la Sala no puede dejar de apuntar la
también reciente doctrina jurisprudencial (...) que insiste en la necesidad de
mantener que en la materia de los requisitos o presupuestos procesales
(inadmisibilidad) los criterios informantes dei sistema — art. 24.1 de la
Constitución y Exposición de Motivos de la Ley — son los de flexibilidad y
apertura com la finalidad de lograr una completa o plena garantía jurisdiccional
por parte de todos los litigantes (ya sean personas físicas ou jurídicas) y que
sólo se logra si el Tribunal da una respuesta adecuada y congruente com la
temática planteada sin escudarse en razones formales que eu la mayoría de los
casos — y por las especialidades del proceso contencioso — suponen auténticas
denegaciones de justicia (S. de febrero 1982, Arz. 931, Ponente: Martín Martín)”
(Juán María Pemán Gavín, ob. cit., p.p. 258).
O entendimento defendido pelos ora reclamantes é, de resto, o único compatível
com o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva (v. art. 20º da
CRP), e com a garantia do acesso aos Tribunais (v. art. 20º da CRP e art. 2°/2
do CPC), desconsiderando-se a aplicação de critérios contra cives e de
formalismos processuais desnecessários e desconformes com o princípio pro
actionem.
5. É pois manifesto que, contrariamente ao decidido na douta decisão sumária
reclamada, nunca se poderia entender que os ora reclamantes “não suscitaram com
propriedade as questões de inconstitucionalidade que fizeram constar das duas
primeiras alíneas do requerimento de interposição de recurso”.
(...)”.
B – Fundamentação
4 – Apesar da argumentação aduzida pelos reclamantes relativamente à
verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso, mantêm-se válidas as
razões pelas quais o Tribunal decidiu não tomar conhecimento do objecto do
recurso, considerando que as questões de constitucionalidade em causa não haviam
sido adequadamente suscitadas perante o Tribunal a quo, de modo a que essa
instância se encontrasse vinculada ao seu conhecimento, porquanto, como aí se
deixou consignado, “o ónus de suscitação de tais problemas não pode
considerar-se cumprido por mor de uma remissão indiferenciada para a
‘interpretação e aplicação’ feita pelo Tribunal (como resulta da conclusão
14.ª), nem, tão-pouco, quando os recorrentes se limitam a controverter a
aplicação do direito ao caso concreto (conclusões 7.ª e 8.ª) ou, a fortiori, se
abstêm de definir a norma que pretender controverter sub species constitutionis
(conclusão 10.ª)”.
Tal justificação não se encontra minimamente posta em causa pelo
teor da reclamação decidenda, como se demonstra, considerando a parte em que os
reclamantes pretendem ter por suscitadas as questões de constitucionalidade com
base nas seguintes considerações:
“a) Nas conclusões das alegações para o Tribunal da Relação de Lisboa, de
2008.11.24, os ora reclamantes invocaram expressamente que “o custo da
construção adoptado pela douta sentença recorrida é manifestamente insuficiente
e injusto (v. arts. 13° e 62° da CRP), devendo ser considerado o valor de
mercado da construção na zona (v. Ac. TC n.º 677/2006, de 2006.12.12, in
www.tribunalconstitucional.pt), em montante não inferior a 1500 €/m2, conforme
foi unanimemente considerado pelos Senhores Peritos” (v. conclusão 7ª; cfr.
texto nºs. 14 a 18):
b) Nas conclusões das referidas alegações os ora reclamantes invocaram ainda que
“as normas dos arts. 23°/4, 26°/2, 4, 5 e 28°/3 do CE 99, interpretadas e
aplicadas com o sentido normativo adoptado na sentença recorrida, são claramente
inconstitucionais, por violação do disposto nos arts. 2°, 13°, 62° e 103° da
CRP, sendo inaplicáveis in casu (v. art. 204° da CRP)” (cfr. conclusão 14ª; cfr.
texto nºs. 12 a 34):
c) No texto das referidas alegações os ora reclamantes invocaram também que “o
critério do custo da construção não pode deixar de ser considerado
inconstitucional ou, pelo menos, inaplicável (v. art. 23°/5 do CE 99), pois não
permite a fixação do valor real e corrente de mercado dos bens expropriados, nos
termos constitucionalmente impostos (v. arts. 13° e 62° da CRP)” (v. texto nº.
16)
De facto, quanto aos elementos referidos nas alíneas a) e b) do
excerto supra transcrito, a fundamentação da decisão sumária reclamada permite
compreender cabalmente os motivos pelos quais as menções constantes das
conclusões 7.ª e 14.ª, não consubstanciam validamente a suscitação de qualquer
questão de constitucionalidade normativa.
Por outro lado, quanto à afirmação constante da alínea c) do
excerto, relativa à inconstitucionalidade do “critério do custo de construção”,
cumpre relembrar que as conclusões do recurso interposto para o Tribunal
recorrido, pelas quais o objecto da pretensão recursória é delimitado, não
individualizam, com base nos critérios antecipadamente explicitados na decisão
reclamada e que aqui se reiteram, essa questão de constitucionalidade, a qual
não pode, pois, considerar-se suscitada para efeitos de admissibilidade do
recurso interposto para este Tribunal.
Por fim, importa, ainda, notar que os critérios de verificação de
admissibilidade dos recursos interpostos para este Tribunal Constitucional estão
desde há muito divulgados, sedimentados e pacificados, não correspondendo a
qualquer forma de interpretação “restritiva” que tolha o exercício do direito de
acesso aos tribunais, dando-se por assente que o cumprimento de critérios
processuais é, também, um pólo constitutivo do próprio Estado de direito.
C – Decisão
5 – Destarte, atento o exposto, decide-se indeferir a presente
reclamação.
Custas pelos recorrentes, com taxa de justiça que se fixa em 20
(vinte) UCs.
Lisboa, 2/12/2009
Benjamim Rodrigues
Joaquim de Sousa Ribeiro
Rui Manuel Moura Ramos