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Processo n.º 868/08
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que são
recorrentes A. e B. e recorrida a Fazenda Pública, foi interposto recurso de
fiscalização concreta de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele
Tribunal, de 24.09.2008, para apreciação da constitucionalidade da norma do n.º
7 (anterior n.º 6, que passou a n.º 7 pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro)
do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária (LGT).
2. Convidados a aperfeiçoarem o requerimento de interposição do recurso, os
recorrentes vieram dizer, em síntese, que a interpretação normativa do artigo
89.º-A, n.° 7 (anterior n.° 6), da LGT, reputada inconstitucional, por violação
do princípio da tutela jurisdicional efectiva (artigos 20.° e 268.°, n.° 4, da
Constituição), comporta dois segmentos:
− Aquele em que o Tribunal recorrido entende que, não havendo do ponto de vista
constitucional um direito a um certo prazo (desde que o prazo não se apresente
como ostensivamente exíguo, de molde a que de uma dimensão temporal
desproporcionada possam resultar manifestas e efectivas limitações do direito
tutelado), o prazo de 10 dias para o recurso judicial não é exíguo e,
consequentemente, não afronta o princípio da tutela jurisdicional efectiva.
− Aquele em que se entende que a previsão do recurso a que se refere o art.°
89.º-A da LGT como único meio processual ao dispor do contribuinte para reagir
contra a decisão de avaliação indirecta nos termos desse preceito legal e, por
antecipação, contra a liquidação que se baseie nessa avaliação satisfaz as
exigências legais e constitucionais de tutela jurisdicional efectiva do
contribuinte.
3. As partes foram notificadas para alegar, com a advertência para a
eventualidade de não conhecimento de parte do objecto do recurso, pelas razões
assim indicadas:
a) Podem não estar verificados os pressupostos para
apreciação da questão referente ao prazo de 10 dias para interposição do recurso
contencioso, previsto no artigo 89.º-A, n.º 6, da LGT, na medida em que tal
prazo se encontra estipulado em norma legal que não se inclui no objecto do
presente recurso de constitucionalidade, tal como delimitado pelos recorrentes,
e cuja inconstitucionalidade não foi suscitada durante o processo;
b) A interpretação normativa do artigo 89.º-A, n.º 6,
da LGT, adoptada no acórdão recorrido, pode não coincidir totalmente com a
indicada pelos recorrentes, na parte respeitante à obrigatoriedade de impugnar,
por antecipação, o acto de liquidação. A ser assim, o objecto do recurso pode
ficar limitado à interpretação do artigo 89.º-A, n.º 6, efectivamente adoptada
no acórdão recorrido.
4. Os recorrentes concluíram as respectivas alegações da forma seguinte:
«A) Um interpretação da norma do n.° 7 (anterior n.° 6) do art.° 89.°-A da Lei
Geral Tributária (LGT) de conformidade com o princípio da tutela jurisdicional
efectiva consagrado no art.° 20.°, n.°1, e no art.° 268.°, n.° 4, da
Constituição da República Portuguesa, impõe que seja entendido o recurso aí
previsto como um reforço das garantias dos contribuintes sem que vede ou afaste
a impugnação judicial da liquidação do imposto subsequente à avaliação indirecta
da matéria tributável prevista nesse mesmo art.° 89.°-A
B) A interpretação feita no douto acórdão recorrido da norma contida no n.° 7
(anterior n.° 6) do art.° 89.°-A da LGT no sentido de que o recurso aí previsto
constitui o único meio de acesso à justiça por parte do contribuinte para
sindicar os pressupostos da avaliação e a quantificação feita na avaliação
indirecta a que se refere esse mesmo art.° 89.°-A da LGT é materialmente
inconstitucional por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva
(art.°s 20.º, n.° 1, e 268.°, n.° 4, da CRP).»
5. A recorrida Fazenda Pública contra-alegou, concluindo o seguinte:
«a) O facto de não ter sido aceite que a impugnação da liquidação efectuada ao
abrigo das normas do art. 89.°-A da LGT (manifestações de fortuna e outros
acréscimos patrimoniais não justificados) pudesse abranger a decisão de
avaliação da matéria tributável decorre de esta ser uma questão (prejudicial)
com autonomia, constituindo um acto destacável, pelo que se volve em caso
decidido ou caso resolvido, se não for atacada por meio de «recurso para o
tribunal tributário», como no caso não foi;
b) Esta solução, expressamente prevista nos artigos 89.°-A, n.° 7 (anterior n.°
6), da LGT, e art. 46.° B do CPPT, imposta e justificada pelo carácter urgente
do procedimento, não é inconstitucional;
c) O prazo de 10 dias, previsto no artigo 146.°-B, n.° 2, do CPPT, não é
extraordinariamente exíguo, sendo antes o prazo regra em recursos urgentes em
matéria tributária (art.º 283.° CPPT);
d) De resto, é entendimento do Tribunal Constitucional que não há,
constitucionalmente, direito a um “certo prazo, existindo em diversos ramos de
direito, inclusive penal, casos de prazos curtos sem que isso signifique uma
restrição intolerável do direito de acesso à justiça;
e) Não foi feita uma interpretação errada do n.° 6 (na redacção vigente ao tempo
dos factos) do art.° 89.°-A da LGT e/ou incompatível com os art.° 20.° e 268.°,
n.° 4, da CRP.»
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II − Fundamentação
A) Questões prévias
6. Importa começar por decidir as questões prévias suscitadas no despacho acima
transcrito.
Não obstante a notificação que lhes foi dirigida, os recorrentes não se
pronunciaram sobre estas questões e, nas alegações, continuam a pugnar pela
apreciação da constitucionalidade da norma do n.º 7 do artigo 89.º-A da LGT, nas
duas dimensões apontadas (cfr. ponto 6 das alegações), muito embora nas
respectivas conclusões tenham abandonado qualquer referência à dimensão
normativa respeitante ao prazo.
6.1. No requerimento de interposição do recurso, a primeira questão que os
recorrentes apresentavam a julgamento era a da exiguidade do prazo de 10 dias
para interposição, pelo contribuinte, do recurso contencioso da decisão de
avaliação indirecta da matéria colectável, que reputavam inconstitucional por
violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva.
Como já se disse, tal questão, embora mencionada nas alegações apresentadas
junto deste Tribunal, foi abandonada nas respectivas conclusões. Nos termos do
disposto no artigo 684.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do
artigo 69.º da LTC, é lícito aos recorrentes restringir, nas conclusões da
alegação, o objecto inicial do recurso.
Deve, por isso, concluir-se que os recorrentes restringiram o objecto do recurso
à segunda questão inicialmente enunciada.
Sem prejuízo, cumpre referir que o recurso sempre seria inadmissível quanto
àquela primeira questão. Pois a dimensão normativa que os recorrentes reputavam
inconstitucional não podia ser retirada do único preceito legal que era indicado
como objecto do recurso (e único preceito a que imputaram o vício de
inconstitucionalidade, perante a instância recorrida), ou seja, o artigo 89.º-A,
n.º 7, da LGT.
Na verdade, o prazo para interposição daquele recurso contencioso não se
encontra previsto na norma sub judicio, mas antes no artigo 146.º-B, n.º 2, do
Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), cujo regime é aplicável
ao recurso previsto no artigo 89.º-A da LGT, por força do n.º 8 deste mesmo
preceito e do n.º 5 do referido artigo 146.º-B do CPPT.
Ora, o requerimento de interposição de recurso limita o seu objecto às normas
nele indicadas, não cabendo ao Tribunal Constitucional suprir a falta de
indicação das normas que o recorrente pretende submeter a julgamento (cfr.,
entre outros, os Acórdãos n.ºs 605/99 e 286/2000). Pelo que, não tendo os
recorrentes pedido a apreciação da constitucionalidade das citadas normas legais
que prevêem o referido prazo de 10 dias (cuja inconstitucionalidade, aliás,
também não suscitaram no decurso do processo), sempre se verificaria não estarem
preenchidos os pressupostos para o conhecimento do objecto do recurso na parte
respeitante à inconstitucionalidade do prazo para a interposição do recurso
contencioso atinente à decisão de avaliação da matéria colectável pelo método
indirecto.
6.2. O recurso fica, assim, limitado à questão da inconstitucionalidade da norma
do artigo 87.º-A, n.º 7, da LGT, quando interpretado no sentido de aí se prever
o “único meio processual ao dispor do contribuinte para reagir contra a decisão
de avaliação e, por antecipação, contra a liquidação que se baseie nessa
avaliação.”
A este respeito, escreve-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, ora
recorrido, o seguinte (cfr. fls. 108 dos autos):
«Os impugnantes, ora recorrentes, concluem que não existe “qualquer impedimento
ou obstáculo à impugnação judicial contra liquidação de IRS efectuada na
sequência de avaliação indirecta nos termos do indicado art. 89.º-A. E concluem
bem.
Na verdade, a liquidação pode ser impugnada com fundamento em “qualquer
ilegalidade”. Acontece, porém, que a questão (prejudicial) do valor da matéria
colectável tem autonomia na presente situação. Com efeito, e como decorre do
regime legal e da doutrina acima apontados, a decisão de avaliação da matéria
colectável, porque se trata de um acto destacável, volve-se em caso decidido ou
caso resolvido, se não for atacada por meio de “recurso para o tribunal
tributário”, como no caso não foi.»
E, mais à frente, conclui-se o seguinte (cfr. fls. 108 v. dos autos):
«A decisão de avaliação constitui acto destacável do procedimento
administrativo, pelo que se forma caso decidido ou caso resolvido na falta de
recurso judicial dessa decisão, a qual, assim, se consolida na ordem jurídica,
não podendo ser posta em causa na impugnação judicial da liquidação respectiva.»
Verifica-se que a interpretação adoptada na decisão recorrida não corresponde,
integralmente, à indicada pelos recorrentes. De facto, o Supremo Tribunal
Administrativo não considerou que o recurso previsto no artigo 89.º-A, n.º 6, da
LGT, era o único meio processual ao dispor do contribuinte para reagir, por
antecipação, contra a liquidação que se baseie nessa avaliação.
Pelo contrário, o acórdão recorrido salienta a possibilidade, oferecida pelo
ordenamento jurídico, de o contribuinte impugnar judicialmente o acto final da
liquidação, que tenha tido como pressuposto uma decisão de avaliação indirecta
da matéria colectável. E entende que o que já não pode ser questionado, no
âmbito da impugnação judicial da liquidação, é a decisão de avaliação, enquanto
acto destacável, susceptível de impugnação judicial imediata e autónoma, nos
termos do preceito em apreço.
Impõe-se, por isso, precisar o objecto do recurso, devendo entender-se que o
mesmo está limitado à dimensão enunciada na alínea B) das conclusões da alegação
dos recorrentes, ou seja, à norma do artigo 89.º-A, n.º 7, da LGT, quando
interpretada no sentido de prever o único meio processual ao dispor do
contribuinte para reagir contra a decisão de avaliação indirecta da matéria
colectável.
B) Mérito do recurso
7. O n.º 7 do artigo 89.º-A da LGT (redacção da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de
Dezembro), prevê o seguinte:
«Artigo 89.º-A
Manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais não justificados
1 − (…).
2 − (…).
3 − (…).
4 − (…).
5 − (…).
6 − (…).
7 − Da decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto
constante deste artigo cabe recurso para o tribunal tributário, com efeito
suspensivo, a tramitar como processo urgente, não sendo aplicável o procedimento
constante dos artigos 91.º e seguintes.
8 − (…).
9 − (…).»
De acordo com a delimitação do objecto do recurso, acima efectuada, está em
causa a apreciação da constitucionalidade desta norma, quando interpretada no
sentido de prever o único meio processual ao dispor do contribuinte para reagir
contra a decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto.
Os recorrentes sustentam que a norma, assim interpretada, é materialmente
inconstitucional, por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva.
7.1. Vejamos qual o enquadramento legal da norma.
A avaliação indirecta da matéria colectável é subsidiária da avaliação directa
(artigo 81.º da LGT), só podendo aquele método ser utilizado pela administração
tributária nos casos e condições expressamente previstos na lei, indicados no
artigo 87.º da LGT.
No artigo 89.º-A da LGT concretizam-se as situações previstas na alínea d) do
citado artigo 87.º, prevendo-se duas hipóteses em que é possível efectuar a
avaliação indirecta (cfr. n.º 1): (i) o contribuinte não apresentou declaração
de rendimentos e evidencia manifestações de fortuna previstas no n.º 4 do artigo
89.º-A; (ii) o contribuinte apresentou declaração de rendimentos, mas existe uma
desproporção superior a 50%, para menos, entre o rendimento líquido declarado e
o rendimento padrão indicado no mesmo n.º 4.
A norma questionada prevê uma forma processual própria para o contribuinte
impugnar judicialmente a decisão de avaliação da matéria colectável pelo método
indirecto, previsto no artigo 89.º-A: um recurso com efeito suspensivo (o que
significa que não pode ser praticado o acto de liquidação antes de estar
decidido o recurso, sob pena de ilegalidade daquele acto susceptível de conduzir
à sua anulação) e a tramitar como processo urgente (o que significa que o
processo corre em férias e os prazos processuais são mais curtos).
Ou seja, nos termos do disposto no artigo 89.º-A da LGT, a decisão de avaliação
indirecta da matéria tributável apresenta-se como um acto destacável para
efeitos de impugnação contenciosa, o que significa que é passível de recurso
directo e imediato, não lhe sendo aplicável (como expressamente decorre do seu
n.º 7) o procedimento de revisão da matéria tributável previsto no artigos 91.º
e s. da LGT (cfr. neste sentido DIOGO LEITE DE CAMPOS/ BENJAMIM SILVA RODRIGUES/
JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 3.ª ed., Viseu,
2003, 454).
7.2. A questão que se coloca no presente recurso é a de saber se a previsão
legal de um recurso contencioso específico para impugnar a decisão de avaliação
da matéria colectável pelo método indirecto, na medida em que implica − como
entendeu a decisão recorrida − que o contribuinte fica impedido de atacar aquela
decisão em momento posterior, designadamente, no âmbito da impugnação judicial
do acto de liquidação do imposto (que tenha por base a dita decisão de
avaliação) viola o princípio da tutela jurisdicional efectiva.
Ou seja, importa saber se é conforme ao princípio da tutela jurisdicional
efectiva o entendimento de que a forma processual urgente, prevista no artigo
89.º-A, n.º 7, da LGT, é a única via de impugnação judicial da decisão de
avaliação da matéria colectável pelo método indirecto. O que significa que, caso
o contribuinte não lance mão deste meio processual, já não poderá questionar
aquela decisão em sede de impugnação judicial do acto de liquidação do imposto
(que teve como pressuposto a referida decisão).
No entender dos recorrentes esta interpretação é «desproporcionadamente
limitadora da real e efectiva possibilidade de o contribuinte reagir
judicialmente contra a actuação da administração fiscal», nomeadamente, quando
confrontado o urgente e limitado meio processual previsto no artigo 89.º-A da
LGT em conjugação com o artigo 146.º-B do CPPT com o prazo-regra de 90 dias de
que o contribuinte dispõe para sindicar judicialmente a liquidação de um imposto
(artigo 102.º, n.º 1, do CPPT), como em termos semelhantes se prevê um
prazo-regra de 3 meses para impugnar actos administrativos em geral. Concluem os
recorrentes que uma interpretação constitucionalmente conforme do n.º 7 do
artigo 89.º-A da LGT há-de implicar que esse meio processual seja tido como
meramente facultativo para o contribuinte no sentido de reforçar aquilo que são
os demais meios processuais ao seu dispor. (cfr. pontos 11 a 13 das respectivas
alegações).
Note-se, no entanto, que não pode discutir-se, no âmbito do presente recurso, a
constitucionalidade do prazo previsto para a utilização do meio contencioso
urgente previsto no n.º 7 do artigo 89.ºA, da LGT, pelas razões acima indicadas,
sendo certo, por outro lado, que os recorrentes não suscitaram qualquer outra
questão de inconstitucionalidade respeitante à tramitação do referido recurso
(regulada no artigo 146.º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário,
por remissão do n.º 8 do artigo 89.º-A da LGT).
Assim, a questão a decidir é, apenas, a de saber se é compatível com o princípio
constitucional da tutela jurisdicional efectiva a previsão de um único meio
contencioso, de natureza urgente, especificamente previsto para questionar a
decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto.
Diga-se, desde já, que não se vislumbra em que medida tal previsão legal pode
contender com o princípio da tutela jurisdicional efectiva.
Pelo contrário, a norma em causa, na medida em que estabelece um meio processual
urgente, específico para a impugnação judicial daquela decisão da administração
tributária, não pode deixar de ser entendida como concretização do direito de
acesso aos tribunais, (artigo 20.º, n.º 1, da Constituição) e, em especial, da
garantia de impugnação de quaisquer actos administrativos que lesem direitos ou
interesses legalmente protegidos dos administrados, enquanto modalidade da
tutela jurisdicional efectiva desses administrados (artigo 268.º, n.º 4, da
Constituição).
Como se salientou no Acórdão n.º 416/99 (embora a propósito de questão diversa,
em que estava em causa a definição dos requisitos ou pressupostos da
legitimidade para recorrer contenciosamente de um acto administrativo), «não
sendo o direito de acesso à justiça e aos tribunais um direito absoluto, não
existe qualquer contradição entre a garantia constitucional de acesso à justiça
e a delimitação pelo direito ordinário dos pressupostos ou requisitos de
natureza processual para efectivação dessa garantia».
Nessa medida, é de considerar que a previsão de um recurso contencioso urgente
como forma de impugnar um determinado acto administrativo ainda se pode incluir
na margem de conformação que a Constituição deixa ao legislador ordinário. Ponto
é que a conformação legal dessa forma processual não dificulte “irrazoavelmente
a acção judicial” (na expressão de GOMES CANOTILHO/ VITAL MOREIRA, Constituição
da República Portuguesa Anotada, I, 4ª ed., Coimbra, 2007, 409).
A esse respeito cumpre salientar que a urgência do meio processual não é
necessariamente desvantajosa para o contribuinte impugnante, pois embora lhe
imponha prazos de actuação mais curtos, assegura-lhe, em contrapartida, maior
celeridade na decisão. No caso em apreço, a forma processual questionada
oferece, inclusivamente, uma outra garantia ao contribuinte: a do efeito
suspensivo, que é concedido ope legis com a mera entrada da petição de recurso,
ficando a administração tributária impedida de praticar o acto de liquidação
antes da decisão deste recurso. Trata-se, aliás, de um efeito que não é comum
nem à impugnação judicial do acto de liquidação do imposto (nesta, o efeito
suspensivo só se obtém através da prestação de garantia adequada − cfr. artigo
103.º, n.º 4, do CPPT), nem à impugnação dos actos administrativos em geral
(cuja suspensão, em regra, só pode ser obtida através de uma providência
cautelar, intentada previamente ou na pendência da acção principal − cfr.
artigos 50.º e s. e 128.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
Resta dizer que o princípio da tutela jurisdicional efectiva também não sai
beliscado pelo entendimento de que a forma processual prevista no n.º 7 do
artigo 89.º-A da LGT é a única via de reacção judicial contra a decisão de
avaliação indirecta.
É pertinente relembrar a jurisprudência deste Tribunal a respeito da duplicação
ou alternatividade de meios processuais, discutida no âmbito da já revogada Lei
de Processos nos Tribunais Administrativos, a propósito da “acção para o
reconhecimento de um direito” aí prevista, e que assim se resume no Acórdão n.º
435/98 (depois secundado, nomeadamente, pelo Acórdão n.º 104/99):
«O legislador constitucional pretendeu assim criar, no quadro da justiça
administrativa, um modelo garantístico completo, de forma a facultar ao
administrado uma tutela jurisdicional adequada sempre que esteja em causa um
interesse ou direito legalmente protegido.
Porém, não pode afirmar-se que o legislador constitucional tenha pretendido uma
duplicação dos mecanismos contenciosos utilizáveis. Com efeito, o que decorre do
nº 5 do artigo 268º da Constituição é que qualquer procedimento da Administração
que produza uma ofensa de situações juridicamente reconhecidas tem de poder ser
sindicado jurisdicionalmente. É nesta total abrangência da tutela jurisdicional
que se traduz a plena efectivação das garantias jurisdicionais dos
administrados.
Mas já não se enquadra necessariamente nesta ideia de total garantia
jurisdicional uma duplicação ou alternatividade de meios processuais de reacção
a uma dada actuação da administração. Na verdade, não decorre do nº 5 [actual
n.º 4] do artigo 268º da Constituição a exigência da admissibilidade da acção
para o reconhecimento de um direito quando o particular possa interpor recurso
de anulação, precisamente porque este mecanismo processual se mostra adequado à
tutela do seu direito, pretensamente lesado pela actuação da Administração
(estará assim assegurada a plenitude da garantia jurisdicional dos
administrados, por via do recurso de anulação).»
Independentemente da posição que se tome sobre a referida questão da “acção para
o reconhecimento de um direito”, a qual é irrelevante para o caso em apreço, a
ideia central vertida no aresto citado é aqui inteiramente aplicável. Ou seja, a
ideia de que o princípio da tutela jurisdicional efectiva dos administrados não
exige que o legislador ordinário consagre diversas formas processuais −
alternativas ou duplicadas − para reacção contra uma mesma actuação da
Administração. A plenitude da garantia jurisdicional está suficientemente
assegurada através da previsão de um único meio processual, desde que este se
mostre adequado à tutela do direito ou interesse legalmente protegido que lhe
subjaz.
No caso vertente, o legislador optou por uma estruturação de meios processuais
que tutela adequadamente o contribuinte impugnante e é até, pode acrescentar-se,
adequada à natureza da actuação administrativa, cuja impugnabilidade está em
causa.
Note-se que a decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto
configura um acto intermédio, se perspectivado no âmbito do procedimento mais
amplo que termina com o acto de liquidação. Mas é também um acto que encerra uma
fase daquele procedimento (ou um seu incidente) em termos de se poder considerar
que as questões aí decididas não devem ser retomadas em momento ulterior. Não se
mostra, por isso, desadequada ou insuficiente, face ao princípio da tutela
jurisdicional efectiva, a previsão legal de um meio específico de impugnação
judicial desta decisão − que permite a sua impugnação directa e imediatamente,
que tem natureza urgente e efeito suspensivo relativamente à prática do acto de
liquidação − com preclusão da possibilidade de questionar posteriormente tal
decisão, aquando da impugnação do acto de liquidação.
Conclui-se, assim, pela improcedência do recurso.
III − Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se:
a) Não conhecer do recurso na parte acima
identificada no ponto 6.1.;
b) Não julgar inconstitucional a norma do n.º 7 do
artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária (redacção da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de
Dezembro) quando interpretada no sentido de que a forma processual urgente, aí
prevista, constitui a única via de impugnação judicial da decisão de avaliação
da matéria colectável pelo método indirecto; e, consequentemente,
c) Negar provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco)
unidades de conta.
Lisboa, 27 de Outubro de 2009
Joaquim de Sousa Ribeiro
João Cura Mariano
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos