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Processo n.º 131/098
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
A. intentou acção emergente de contrato individual de trabalho contra os B., S.
A., pedindo a declaração de nulidade do termo aposto no contrato a termo
celebrado com a ré e a declaração de ilicitude do despedimento resultante da não
renovação desse contrato.
Alegou para tanto a falsidade do fundamento invocado para a celebração de
contrato a termo, porquanto o autor não podia ser considerado como «trabalhador
à procura do primeiro emprego», nos termos e para os efeitos previstos no artigo
129º, n.º 3, alínea b), do Código do Trabalho, por já ter sido contratado
anteriormente, pela mesma entidade, por um período superior a seis meses.
A acção foi julgada improcedente em primeira instância, pelo que o autor
interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, suscitando,
além do mais, a questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 129º, n.º 3,
alínea b), do Código de Trabalho, quando interpretada no sentido de que
trabalhadores à procura do primeiro emprego, a que alude esse preceito, se
refere unicamente a trabalhadores que nunca hajam celebrado um contrato de
trabalho por tempo indeterminado, por considerar que viola o princípio da
segurança no trabalho consagrado no artigo 53º da Constituição.
Por acórdão de 15 de Janeiro de 2009, a Relação negou provimento ao recurso e
confirmou a decisão recorrida, considerando no que respeita à questão de
constitucionalidade invocada que a norma em causa não afronta o invocado
princípio constitucional.
O recorrente interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do
disposto no artigo 70°. n.° 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional,
pretendendo ver apreciada a constitucionalidade da norma do artigo 129°, n.° 3,
alínea b), do Código do Trabalho, quando interpretada no sentido de que
trabalhador à procura de primeiro emprego é aquele nunca antes haja celebrado um
contrato de trabalho por tempo indeterminado, independentemente do conceito
ínsito nos diplomas sobre política de emprego em vigor à data dos factos.
Seguindo o processo para alegações, o recorrente formulou, na parte útil, as
seguintes conclusões:
[…]
11.º Ora, salvo o devido respeito, o disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo
129.º do Código do Trabalho, com a redacção dada pela Lei n.º 99/2003, de 27 de
Agosto, em vigor à data dos factos, interpretado no sentido de que trabalhador à
procura de primeiro emprego é unicamente aquele que não tenha sido anteriormente
contratado por tempo indeterminado ofende o princípio da segurança no emprego
tal qual se encontra previsto e assegurado nos termos do artigo 53.º da CRP.
12.º Da mesma forma, a proibição constante do artigo 139.º, n.º 3, do Código do
Trabalho, em vigor à data dos factos, não previne situações abusivas como as dos
autos.
13.º A questão que aqui se coloca será, a de saber se existe uma justificação
materialmente válida que permita o recurso à contratação a termo, bem como se a
norma em causa se encontra suficientemente integrada num sistema orientado a
limitar o recurso à sua utilização. Assim, para que a norma invocada “passe” no
teste da constitucionalidade colocamo-nos perante a necessidade de responder
afirmativamente a duas questões cumulativas:
1) Existem interesses preponderantes que justifiquem a admissibilidade de
contratação a termo de trabalhador apenas pelo facto de este nunca anteriormente
ter sido contratado por tempo indeterminado, independentemente de o mesmo já ter
celebrado 1, 2, 10 ou 20 contratos a termo certo ou incerto?
2) O sistema de normas em que a norma plasmada na alínea b) do n.º 3 do artigo
129.º do Código do Trabalho, na redacção dada pela Lei n.º 99/2003, de 27 de
Agosto, se encontra inserida é suficiente para limitar o recurso à contratação a
termo fundada naquele motivo justificativo?
14.º Ora, salvo o devido respeito, é entendimento do Recorrente merecerem
aquelas duas interrogações respostas negativas.
15.º Como largamente refere a doutrina, as situações de admissibilidade de
contratação a termo plasmadas na alínea b) do n.º 3 do artigo 129.º do Código do
Trabalho, ao contrário das restantes situações, têm como motivo justificativo
uma “causa subjectiva”, reportando-se à qualidade dos trabalhadores em causa,
supostamente sujeitos menos qualificados tecnicamente, tendo em atenção a
ausência de experiência profissional, utilizando, desta forma, a contratação a
termo como mecanismo facilitador da sua inserção no mercado de trabalho.
16.º Seriam, assim, cândidas as intenções do legislador ordinário. No entanto, a
norma em causa não assegura nem compreende as situações a que supostamente se
pretende reportar e que estariam dentro dos limites da conformação do
legislador. Efectivamente, ao interpretar-se a norma constante da alínea b) do
n.º 3 do artigo 129.º do Código do Trabalho, no sentido de que trabalhador à
procura de primeiro emprego seria unicamente aquele que nunca anteriormente
tenha sido contratado por tempo indeterminado, não se mostram preenchidos os
pressupostos em que assentaria a admissibilidade da excepcionalidade da
contratação a termo fundada na ausência de experiência profissional.
17.º De facto, o legislador laboral não atende ao prever aquela norma às
situações de ausência de experiência profissional. Efectivamente, possível é, em
face da legislação então em vigor e em apreço nos autos, que um determinado
trabalhador celebre 10, 20 ou 30 contratos a termo certo e que após uma vida
inteira de experiência laboral celebre um contrato a termo cujo motivo
justificativo seja o facto de ser trabalhador à procura de primeiro emprego.
18.º Ora, a norma em causa com a interpretação que é dada pelo Tribunal a quo
viola flagrantemente o princípio da segurança no emprego e da efectividade do
direito ao trabalho (conforme previstos nos artigo 53.º e 58.º da CRP), bem como
o princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da CRP. Um trabalhador pelo
facto de ter trabalhado durante todo o seu percurso profissional numa situação
de precariedade, em face da legislação vigente, independentemente da sua vasta
experiência profissional encontra-se numa situação claramente prejudicada em
relação a outro que tenha já celebrado um contrato por tempo indeterminado,
independentemente de o mesmo ter vigorado apenas durante uma semana.
19.º Por outro lado, a previsão de um período experimental nos contratos de
trabalho sem termo assegura já à entidade empregadora a possibilidade de aferir
da qualidade profissional do trabalhador contratado, revelando-se a previsão da
possibilidade de um regime mais gravoso para os trabalhadores à procura de
primeiro emprego francamente desproporcional.
20.º O aqui Recorrente foi contratado a termo certo, com o motivo justificativo
de ser trabalhador à procura de primeiro emprego. Como foi dado como provado, o
mesmo já havia celebrado, com aquela mesma entidade patronal, algum tempo antes,
um outro contrato de trabalho para as mesmas funções que teve a duração de 8
meses, o que implica que já havia adquirido experiência profissional
equivalente. Qual a razão constitucionalmente relevante na situação em apreço
que permite ao legislador laboral colocar o trabalhador em causa em situação
mais penalizante do que um qualquer outro trabalhador que, eventualmente, nunca
tenha trabalhado na área em apreço, restringindo o seu direito fundamental à
segurança no emprego?
21.º Aceitar a interpretação que consiste em atender que quando o legislador
laboral alude a “primeiro emprego” quer apenas impedir a contratação a termo de
trabalhadores que já antes trabalharam mediante contratos de trabalho por tempo
indeterminado, possibilitando a contratação a termo dos demais trabalhadores,
independentemente do tempo de trabalho e dos empregos que já tenham tido
potenciará um cenário de precarização extrema. Veja-se a este propósito um caso
real, ocorrido em França, segundo Júlio Gomes, “um trabalhador contratado a
termo 70 vezes – por incrível que pareça - tratar-se-á face à lei portuguesa
(seguindo esta orientação) de um trabalhador à procura de primeiro emprego”
(Direito do Trabalho, Vol. I, Coimbra Editora, 2007, p. 597).
22.º E quanto à segunda questão que acima formulámos, ou seja, a de saber se
existe um sistema de normas suficiente para limitar o recurso à contratação a
termo fundada naquele motivo justificativo? Também esta merece uma resposta
negativa.
23.º Entendeu o Tribunal a quo que a limitação do art. 139.º, n.º 3, do CT,
seria suficiente para evitar “situações abusivas”, considerando, assim, que a
norma constante da alínea b) do n.º 3 do artigo 129.º do CT na interpretação por
si dada permitiria o respeito pelo princípio da segurança no emprego,
encontrando-se balizada por aquela restrição temporal.
24.º Ora, salvo o devido respeito, que é elevado, a limitação em causa, nem
qualquer outra norma do sistema jurídico, não permite impedir nem que, por um
lado, um dado trabalhador permaneça perpetuamente em situação de trabalhador à
procura de primeiro emprego e contratado a termo enquanto tal (desde que para
diferentes empregadores), nem tão pouco que uma dada entidade patronal contrate
para o mesmo posto de trabalho durante toda a sua existência, preenchendo
necessidades permanentes e estruturais da empresa, diferentes trabalhadores com
o fundamento de que se trata de um trabalhador à procura de primeiro emprego.
25.º A consagração da possibilidade de contratação a termo de um trabalhador
apenas com o fundamento de que nunca antes havia sido contratado por tempo
indeterminado não constitui uma resposta à diferente posição de “menos-valia” de
experiência profissional do trabalhador em causa, mas sim a possibilidade de
eternizar situações de precariedade e possibilitar violações permanentes e
reiteradas ao princípio constitucionalmente consagrado da segurança no emprego.
Recorrendo ao adágio popular, o que o legislador fez com a norma em causa foi
“deixar entrar pela janela o que impediu entrar pela porta”.
26.º Como refere o Excelentíssimo Conselheiro Mário Torres, na sua declaração de
voto de vencido no acórdão do Tribunal Constitucional 160/2005, tendo em vista
situação semelhante no âmbito da LCCT: “Em seguida, quando ao aditado artigo
41.º-A da LCCT, importa desde logo salientar que se trata de norma que não foi
reproduzida no Código do Trabalho actualmente vigente. E se ela impedia a
contratação com termo indefinido, tal proibição valia apenas quanto à mesma
entidade patronal, não obstando a que um trabalhador pudesse estar, durante toda
a sua vida activa, sempre contratado a termo, desde que o fosse para diversas
entidades empregadoras. E não se pode esquecer que, com frequência, a mesma
empresa em termos económicos recorre ao expediente de criação de novas empresas,
dela inteiramente dependentes mas juridicamente vistas como sendo pessoa
jurídica formalmente distinta, fazendo circular os trabalhadores, numa série
interminável de contratações precárias, pelas suas diversas “empresas-filhas”
(cfr. o caso tratado no Acórdão n.º 658/2004, em que também estavam em causa B.,
e a declaração de voto de vencido que nele apus)”.
27.º Face ao exposto, a norma plasmada na alínea b) do n.º 3 do art.º 129.º do
Código do Trabalho, interpretada no sentido de que trabalhador à procura de
primeiro emprego é unicamente aquele que não tenha sido anteriormente contratado
por tempo indeterminado, é materialmente inconstitucional por violação dos
artigos 13.º, 53.º e 58.º, n.º 1 e 2, alínea a), da CRP.
Não obstante e sem prescindir no anteriormente alegado,
28.º À data da entrada em vigor do Código do Trabalho (2003), bem como à data da
celebração do contrato de trabalho entre Recorrente e Recorrida (4 de Maio de
2005), os diplomas sobre política de emprego, ou seja, a Portaria n.º
196-A/2001, de 10 de Maio, alterada pela Portaria n.º 255/2002, de 12 de Março,
e a Portaria 1191/2003, de 21 de Abril, definiam trabalhadores à procura de
primeiro emprego como aqueles que nunca hajam prestado a sua actividade no
quadro de uma relação de trabalho subordinado, cuja duração, seguida ou
interpolada, ultrapasse os seis meses (cfr. art.º 7.º, n.º 1, e 4.º, n.º 1,
respectivamente).
29.º Como anteriormente se referiu, o aqui Recorrente já anteriormente havia
prestado uma actividade no quadro de uma relação de trabalho subordinado
(precisamente com a Recorrida) cuja duração foi de 8 meses.
30.º O Acórdão recorrido, ao desatender às normas acima explanadas, não recorreu
aos diplomas sobre política de emprego por forma a densificar o conceito de
trabalhador à procura de primeiro emprego.
31.º Refere o Acórdão do TC 160/2005, reportando-se à LCCT, que no que aqui é
fundamental encontrava paralelismo com a norma invocada, que a mesma
“consubstancia uma medida de emprego e se o Tribunal Constitucional a considerou
legítima, não se vê por que razão não há-de o conceito de trabalhadores à
procura do primeiro emprego ser interpretado uniformemente, no segmento
desaplicado da norma do artigo 41.º, n.º 1, alínea h) e nos diplomas relativos à
política de emprego”.
32.º Assim, parece aquele Acórdão encontrar o fundamento para o julgamento de
não inconstitucionalidade no facto de a norma em causa se encontrar abrangida
por um conjunto de normativos legais de fomento ao emprego que produziriam uma
maior apetência pela contratação desta classe de trabalhadores.
33.º Ora, no caso em apreço, esses circunstancialismos não seriam de aplicar,
uma vez que o Recorrente não se encontrava abrangido no conceito de trabalhador
à procura de primeiro emprego previsto nos diplomas relativos à política de
emprego. Permitir, assim, que a norma constante da alínea b) do n.º 3 do artigo
129.º do Código do Trabalho abarque um universo superior ao previsto nos
diplomas relativos à política de emprego coloca os mesmos numa situação
injustificadamente menos favorável.
34.º Assim, e sem prejuízo do anteriormente alegado, a norma constante do
artigo 129.º, n.º 3, alínea b), do Código do Trabalho, interpretada no sentido
de que trabalhador à procura de primeiro emprego é aquele nunca antes haja
celebrado um contrato de trabalho por tempo indeterminado, independentemente do
conceito ínsito nos diplomas sobre política de emprego em vigor à data dos
factos, é inconstitucional, por violação dos artigos 13.º, 53.º e 58.º, n.º 1 e
2, alínea a), da CRP.
A recorrida contra-alegou invocando que o recorrente carece de legitimidade para
interpôr o recurso porquanto se limitou a impugnar a decisão judicial em si
mesma e não a norma ou a interpretação normativa cuja inconstitucionalidade
pretende ver discutida, e, no mais, pronuncia-se no sentido da improcedência do
recurso.
Cabe apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Sustenta a recorrida, na sua contra-alegação, que há lugar ao não conhecimento
do objecto do recurso, uma vez que o recorrente se limita a impugnar decisão
recorrida sem que impute o vício de inconstitucionalidade a uma norma ou
interpretação normativa que tenha sido aplicada por essa decisão.
Resulta, no entanto, com evidência, do requerimento de interposição de recurso
que o recorrente pretende ver apreciada a constitucionalidade da norma do artigo
129º, n.º 3, alínea b), do Código do Trabalho, tendo aí identificado, de forma
clara, a interpretação que foi efectuada pelo tribunal recorrido, na apreciação
do caso concreto, e que considera infringir certos princípios constitucionais.
O recorrente cumpriu, por isso, com rigor, o pressuposto processual do recurso
de constitucionalidade que decorre do artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do
Tribunal Constitucional, pelo qual o recurso incide sobre decisões dos tribunais
que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o
processo.
Não há, pois, obstáculo à apreciação do mérito do recurso, pelo que se mostra
ser improcedente a invocada questão prévia.
Constitui objecto do recurso a norma da alínea b) do n.º 3 do art.º 129.º do
Código do Trabalho (na sua redacção originária), quando interpretada no sentido
de que trabalhador à procura de primeiro emprego é unicamente aquele que não
tenha sido anteriormente contratado por tempo indeterminado.
A referida disposição, sob a epígrafe «Admissibilidade do contrato», prescreve,
na parte que interessa considerar, o seguinte:
1 — O contrato de trabalho a termo só pode ser celebrado para a satisfação de
necessidades temporárias da empresa e pelo período estritamente necessário à
satisfação dessas necessidades.
2 — Consideram-se, nomeadamente, necessidades temporárias da empresa as
seguintes:
[…]
3 — Além das situações previstas no nº. 1, pode ser celebrado um contrato a
termo nos seguintes casos:
a) Lançamento de uma nova actividade de duração incerta, bem como início de
laboração de uma empresa ou estabelecimento;
b) Contratação de trabalhadores à procura de primeiro emprego ou de
desempregados de longa duração ou noutras situações previstas em legislação
especial de política de emprego.
Como resulta da matéria de facto tida como assente, a ré havia celebrado com o
recorrente, com invocação do fundamento mencionado na primeira parte da alínea
b) do n.º 3 do artigo 129º do Código do Trabalho, um contrato a termo, pelo
período de seis meses, com início em 5 de Maio de 2005. Antes do termo do
contrato, a ré declarou não pretender renová-lo, pelo que a relação contratual
cessou em 4 de Novembro de 2005.
Já anteriormente, a ré havia contratado o recorrente a termo, com o mesmo motivo
justificativo (trabalhador à procura de primeiro emprego), através de um
contrato celebrado em 30 de Abril de 2004 e que se prolongou de 3 de Maio até ao
final desse ano.
O tribunal recorrido adoptou o entendimento, que tem sido também seguido por
jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça em relação à
correspondente norma do artigo 41º, n.º 1, alínea h), do Decreto-Lei n.º
64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT), segundo o qual deve entender-se como
trabalhador à procura do primeiro emprego aquele que nunca foi contratado por
tempo indeterminado, e concluiu, em consonância, que não havia qualquer
ilegalidade na aposição do termo no segundo contrato celebrado entre as partes,
uma vez que, nessa ocasião, o recorrente apenas tinha sido contratado uma outra
vez a termo (cfr., entre outros, os acórdãos do STJ de 5 de Dezembro de 2007,
Processo n.º 2619/07, e 2 de Julho de 2008, Processo n.º 603/08, e, já na
vigência do artigo 129º, n.º 3, alínea b), do Código do Trabalho, o acórdão de
14 de Maio de 2009, Processo n.º 3916/08).
O recorrente alega, porém, que uma tal interpretação do aludido preceito legal é
inconstitucional, por violação dos artigos 13.º, 53.º e 58.º, n.ºs 1 e 2, alínea
a), da Lei Fundamental.
O direito à segurança no emprego, consagrado constitucionalmente como o primeiro
dos direitos fundamentais dos trabalhadores (artigo 53º da CRP), constitui já
uma expressão directa do direito ao trabalho, entendido como o direito de obter
emprego ou exercer uma actividade profissional (artigo 58º da CRP), e, nesse
sentido, é já, no âmbito da Constituição do Trabalho, uma manifestação do
direito à vida e à dignidade da pessoa humana (GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA,
Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 4ª edição, Coimbra, pág.
707).
Por outro lado, o direito à segurança no emprego abrange, não apenas o direito a
não ser despedido sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos, mas
também todas as situações que se traduzam em precariedade da relação de
trabalho. O empregador não poderá limitar-se a constituir relações de trabalho
com prazos curtos, por forma a efectuar livremente despedimentos por via da não
renovação dos contratos. Por isso o trabalho a termo, sendo por natureza
precário, só é admissível quando ocorram razões que o justifiquem (Idem, pág.
711).
Por identidade de razão, pode entender-se que o direito à segurança no emprego
obsta a que a entidade patronal possa manter indefinidamente o trabalhador numa
situação de precariedade, mediante o recurso sucessivo a contratos a termo para
o exercício das mesmas funções ou para a satisfação das mesmas necessidades de
serviço. O legislador ordinário parece, aliás, ter sido sensível a este
argumento ao efectuar através da Lei n.º 18/2001, de 3 de Julho, ainda na
vigência do regime precedente, o aditamento do artigo 41º-A à LCCT, pelo qual
impôs a conversão automática da relação jurídica em contrato sem termo quando se
verifique a celebração sucessiva ou intervalada de contratos a termo para o
desempenho da mesma actividade, e ao estabelecer nos termos do actual artigo
132º do Código do Trabalho certas limitações à celebração de contratos a termo
sucessivos.
Neste contexto, a possibilidade de se recorrer a trabalho precário para fazer
face a necessidades temporárias de trabalho ou aumentos anormais do volume de
serviço da empresa parece não suscitar grandes dúvidas, do ponto de vista da sua
conformação constitucional, já que se trata da situação típica em que se mostra
relevantemente justificada a excepção ao princípio de que a relação de trabalho,
em ordem ao direito à segurança no trabalho, deverá ser temporalmente
indeterminada. A questão poderá ser mais controversa no que se refere à
invocação de um motivo que tem a ver, não com dificuldades meramente
conjunturais da empresa, mas com considerações de política de emprego, tal como
sucede quando a contratação a termo é justificada ao abrigo do artigo 129º, n.º
3, alínea b), do Código do Trabalho ou da precedente norma da alínea h) do n.º 1
do artigo 41º da LCCT. E é justamente neste âmbito que se tem movido a
jurisprudência do Tribunal Constitucional.
O acórdão n.º 581/95 do Tribunal Constitucional (publicado no Diário da
República, n.º 18, I Série-A, de 22 de Janeiro de 1996), intervindo em sede de
fiscalização abstracta, concluiu pela não inconstitucionalidade da norma do
artigo 41.º, n.º 1, alínea h), da LCCT, partindo da ideia de que a
excepcionalidade da contratação a termo, que o legislador quis salvaguardar como
desiderato da garantia constitucional da segurança no emprego, se encontra
concretizada, no plano legislativo, por duas ordens de considerações: i) por um
lado, a lei faz depender a contratação a termo de um elenco taxativo de
situações em que se considera justificável o recurso ao trabalho precário, sem
pôr por isso em causa que a relação de trabalho temporalmente indeterminada é a
regra; ii) por outro lado, o legislador fez rodear a celebração de contratos a
termo de um sistema de normas teleologicamente orientado que se destina a
limitar o recurso a esse regime contratual: o contrato a termo é escrito (artigo
42.º, n.º 1) e deve indicar o seu “motivo justificativo” ou, sendo celebrado a
termo incerto, indicar “a actividade, tarefa ou obra cuja execução justifique a
respectiva celebração (...)” (artigo 42.º, n.º 1, alínea e)); se o contrato a
termo certo é sujeito a renovação, “então não poderá efectuar-se para além de
duas vezes e a sua duração terá por limite três anos consecutivos” (artigo 44.º,
n.º 2); “até ao termo do contrato (a termo certo como a termo incerto), o
trabalhador tem, em igualdade de condições, preferência na passagem ao quadro
permanente, sempre que a entidade empregadora proceda a recrutamento externo
para o exercício, com carácter permanente, de funções idênticas àquelas para que
foi contratado” (artigo 54.º, n.º 1).
Subsistem depois - acrescenta-se no acórdão - outros momentos normativos que
concorrem para demover a entidade empregadora do recurso sistemático ao contrato
a termo e que funcionam como garantias ad posteriori ou periféricas a favor da
estabilidade no emprego. São elas: a atribuição ao trabalhador a uma compensação
por caducidade do contrato a termo certo (artigo 46.º, n.º 3) e a termo incerto
(artigo 50.º, n.º 4), e a proibição de contratar a termo, para o mesmo posto de
trabalho, um novo trabalhador, nos três meses que decorrem sobre a cessação do
trabalho a termo com outro trabalhador, quando a cessação a este não é imputável
(artigo 46.º, n.º 4).
O Tribunal Constitucional concluiu, à luz de todas as precedentes considerações,
que às normas do artigo 41.º não pode reconhecer-se um “défice de
constitucionalidade” que porventura lhe adviesse de uma falta de apoio no
sistema.
Reportando-se, por seu turno, à situação específica da contratação a termo com
base no disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41º da LCCT – contratação de
trabalhadores à procura de primeiro emprego -, o acórdão n.º 581/95 sublinha que
essa disposição tem uma lógica própria, no sentido de que ela radica numa ratio
que tem em conta a qualidade dos trabalhadores-destinatários, e não propriamente
a natureza do trabalho a prestar, com o que se terá pretendido estimular a
celebração de contratos de trabalho pela convicção de inexistência de riscos
para a entidade empregadora. Ou seja, no caso da norma do artigo 41.º, n.º 1,
alínea h), o legislador optou por modelar o contrato de trabalho sobre uma
ponderação em que se sopesa o inconveniente de limitar a relação laboral no
tempo com a oportunidade que é dada a trabalhadores no desemprego de entrarem,
ainda que em termos precários, no mercado do trabalho.
O acórdão constata que aquela ponderação não é ilegítima se tivermos em conta
que a garantia de segurança no emprego está em relação com a efectividade do
direito ao trabalho (artigo 58.º da C.R.P.) e que é a própria Lei Fundamental
que comete ao Estado a incumbência de realização de políticas de pleno emprego,
em nome também da efectividade desse direito (artigo 58.º, n.º 3, alínea a), da
C.R.P.), e, sobretudo, se se considerar, por referência à norma em análise, que
a opção de alargamento dos casos de contratação a termo tem pressuposta uma
“menos-valia” da experiência profissional daqueles candidatos ao emprego.
Esta orientação foi, entretanto, sufragada pelos acórdãos n.ºs 207/2004,
210/2004 e 267/2004 (todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Vimos, assim, que os argumentos que apontam no sentido da não
inconstitucionalidade da disposição do artigo 41º da LCCT radicam no carácter
objectivo e circunscrito das razões que tornam admissível a contratação a termo,
mas também em diversos elementos interpretativos de ordem sistemática que
cerceiam a possibilidade de renovação do contrato a termo certo e concedem aos
trabalhadores certos direitos contratuais.
No mais, e em relação concretamente à norma do artigo 41.º, n.º 1, alínea h), da
LCCT, o julgamento do Tribunal Constitucional assenta em considerações de
política de emprego, entendendo-se como legítimo que o legislador, criando nas
entidades empregadoras a convicção de inexistência de riscos na contratação de
trabalhadores, possa facilitar a contratação a termo de trabalhadores à procura
do primeiro emprego como contrapartida à oportunidade que se lhes proporciona de
obterem um trabalho, ainda que precário, que de outro modo poderiam não
alcançar.
Estas considerações parecem manter ainda plena validade, não obstante a
alteração do regime legal.
A norma do artigo 129º, n.º 3, alínea b), do Código do Trabalho reproduz
integralmente a mencionada disposição do artigo 41.º, n.º 1, alínea h), da LCCT,
sobre a qual se pronunciou o acórdão n.º 581/95, e os mecanismos que visam
evitar a utilização abusiva dos contratos a termo têm respaldo no novo texto
legal: a justificação do termo (artigo 130º); a sujeição do contrato a termo a
certas formalidades, incluindo a redução a escrito, sob pena de se considerar
como contrato sem termo (artigo 131º); a imposição de limites à celebração de
contratos sucessivos (artigo 132º); a fixação de uma duração máxima para o
contrato a termo, incluindo as renovações (artigo 132º, n.º 1, alínea d), e
139º); a preferência na celebração de contrato sem termo (artigo 135º); a
compensação por caducidade do contrato a termo certo que decorra de declaração
do empregador (artigo 388º, n.º 2).
Não é significativo, nesse plano, que o novo Código do Trabalho não tenha
incluído uma norma como a do artigo 41º-A da LCCT, aditada pela Lei n.º 18/2001,
de 3 de Julho (que proibia a celebração sucessiva ou intervalada de contratos a
termo, entre as mesmas partes, para o exercício das mesmas funções ou para
satisfação das mesmas necessidades do empregador, sob pena de conversão
automática da relação jurídica em contrato sem termo), quando é certo que o
mesmo resultado se atinge através do regime decorrente do artigo 141º daquele
diploma, que permite considerar sem termo o contrato a termo certo quando tenham
sido excedidos os prazos de duração máxima ou o número de renovações legalmente
admissíveis.
Sendo de manter o entendimento anteriormente expresso pelo Tribunal
Constitucional, é de concluir que existe uma justificação materialmente válida
para o recurso à contratação a termo, mesmo nos casos – como o previsto no
artigo 129º, n.º 3, alínea b), do Código do Trabalho – em que esteja em causa um
propósito legislativo de incentivo ao emprego, e não apenas o interesse pontual
de satisfação de necessidades temporárias das entidades empregadoras.
Assentando-se neste ponto, não é possível discutir, para formular um juízo de
constitucionalidade, o mérito da medida legislativa em si mesma considerada,
sendo para o caso irrelevante que possam existir outros instrumentos jurídicos
aptos à realização do mesmo objectivo ou que possam ocorrer situações de fraude
à lei que provoquem, na prática, um prolongamento artificial do regime de
contratação a termo (aspecto focado no voto de vencido aposto no acórdão do
Tribunal Constitucional n.º 160/2005).
O recorrente sustenta, no entanto, que a interpretação adoptada pelo tribunal
recorrido, ao caracterizar como trabalhador à procura de primeiro emprego aquele
que nunca antes tenha sido contratado por tempo indeterminado, conduz a uma
situação de precarização extrema, permitindo que trabalhadores que tenham
permanecido em regime de contrato a termo durante uma grande parte da sua vida
activa continuem a ser considerados, para efeito do disposto artigo 129º, n.º 3,
alínea b), como trabalhadores à procura do primeiro emprego.
É, na verdade, possível configurar uma situação de inconstitucionalidade por
violação do princípio da segurança no emprego num caso em que se verifique a
manutenção indefinida de um trabalhador em regime de trabalho precário, mediante
o recurso sucessivo, pela entidade patronal, a contratos a termo.
Não é, no entanto, essa a situação factual dos autos nem é a essa a
interpretação normativa que constitui o objecto do recurso.
O tribunal recorrido limitou-se a consignar que trabalhador à procura de
primeiro emprego, para os efeitos previstos no artigo 129º, n.º 3, alínea b), do
Código do Trabalho, é aquele que não tenha sido contratado por tempo
indeterminado. Adoptou aí a definição legislativamente fixada para a situação de
primeiro emprego pelo artigo 3º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 257/86, de 27 de
Agosto (entretanto substituído pelo Decreto-Lei n.º 34/96, de 18 de Abril),
vigente à data da entrada em vigor da LCCT, que consagrou o referido fundamento
de contratação a termo.
Como não compete ao Tribunal Constitucional sindicar a correcção da
interpretação do direito ordinário efectuado pelo tribunal recorrido, é, por
outro lado, irrelevante que se não tenha atendido, no preenchimento do conceito,
à formulação mais restrita que resulta das Portarias n.ºs 196-A/2001, de 10 de
Março, e 1191/2003, de 10 de Outubro, aplicável para a concretização das medidas
de apoio à criação de novos postos de trabalho aí especialmente previstas.
No caso, o recorrente tinha sido antes contratado a termo uma única vez e por um
período de oito meses, com o fundamento constante da referida disposição do
artigo 129º, n.º 3, alínea b), do Código do Trabalho.
A lei estabelece, por outro lado, mecanismos de contenção do sistema de
precarização de emprego que tornam inviável que um trabalhador possa permanecer
ao serviço de uma mesma entidade para além um período relativamente curto de
tempo.
Nada permite concluir, por conseguinte, que a interpretação em causa possa dar
cobertura a uma inadmissível e injustificada situação de precariedade da relação
de trabalho em termos de afrontar o âmbito de protecção do artigo 53º, n.º 1, da
Constituição.
Por outro lado, inserindo-se a referida disposição legal, como se deixou
demonstrado, no elenco de medidas legislativas destinadas à criação de postos de
trabalho, e representando, assim, um modo de actuação estadual que visa
concretizar o direito positivo dos cidadãos à obtenção de emprego (a que, aliás,
se refere o artigo 58º, n.º 2, alínea a), da Constituição), dificilmente se lhe
poderá imputar, na interpretação acolhida pelo tribunal recorrido, o vício de
inconstitucionalidade por violação do direito ao trabalho (cfr. GOMES
CANOTILHO/VITAL MOREIRA, ob. cit., pág. 763).
De facto, a equivalência feita entre trabalhadores à procura do primeiro emprego
e trabalhadores não contratados por tempo indeterminado apenas facilita, até ao
limite legal previsto no artigo 139º, n.º 1, a renovação do contrato a termo, e,
portanto, o prolongamento da relação de emprego de trabalhadores que antes
tenham estado já em situação de trabalho precário. A não renovação do contrato a
termo ou a não integração do trabalhador nos quadros da empresa após a cessação
desse contrato, sendo uma medida de gestão de pessoal da entidade empregadora,
não é uma consequência que possa ser imputada à norma do artigo 129º, n.º 3,
alínea b), do Código do Trabalho, com o sentido interpretativo que lhe foi
conferido.
Nessa perspectiva, o preceito legal viabiliza de forma mais intensa o direito ao
trabalho, na medida em que possibilita a contratação a termo de trabalhadores
que já não poderiam ser admitidos a esse titulo, caso não pudessem ser
considerado trabalhadores à procura do primeiro emprego por já terem sido
contratados num momento anterior.
É, além disso, patente que não há, no caso, qualquer violação do princípio da
igualdade. A situação do trabalhador que tenha sido contratado a termo, ainda
que disponha de experiência profissional adquirida por efeito das renovações
desse contrato, não é idêntica à do trabalhador contratado sem termo, nada
impondo que ambos devam ser tratados pelo legislador em igualdade de
circunstâncias em relação a todos os aspectos da regulação da actividade
laboral. E não é sequer possível estabelecer um termo de comparação entre essas
duas situações para efeito do regime legal previsto no artigo 129º, n.º 3,
alínea b), do Código do Trabalho.
Na verdade, não há motivo para considerar que trabalhadores que tenham idêntica
experiência profissional, independentemente de a terem obtido em execução de
contrato de trabalho a termo ou sem termo, sejam tratados de forma diferenciada
em relação a situações para as quais esse factor releve como critério de
aferição de aptidão profissional. O ponto é que, estando em causa uma medida de
incentivo ao emprego, o que releva, segundo o critério da lei, é que o
trabalhador se encontre em situação de primeiro emprego, e é para o caso
inteiramente irrelevante (e até contraproducente) que este possa ser equiparado
a um trabalhador contratado por tempo indeterminado.
Não há, pois, violação do princípio da igualdade.
III. Decisão
Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC.
Lisboa, 27 de Outubro de 2009
Carlos Fernandes Cadilha
Ana Maria Guerra Martins
Maria Lúcia Amaral
Vítor Gomes
Gil Galvão