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Processo n.º 595/06
Plenário
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I ? RELATÓRIO
1. Um grupo de deputados à Assembleia da República requereu, ao abrigo do artigo
281.º, n.º 2, alínea f), da Constituição da República Portuguesa (CRP) e dos
artigos 51.º, n.º 1 e 62.º, n.º 1, da Lei da Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional (LTC), a declaração da inconstitucionalidade,
com força obrigatória geral, das normas contidas no artigo 98.º, n.ºs 9 e 11, do
Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC) e no artigo
44.º, n.ºs 5 e 6, da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento de
Estado para 2006 ? LOE-06), preceitos relativos ao pagamento especial por conta
(PEC) por parte de pessoas colectivas isentas de tributação em IRC.
As normas em causa dispõem da seguinte forma:
?Artigo 98.º
(Pagamento especial por conta)
(?)
9 - O pagamento especial por conta a efectuar pelos sujeitos passivos de IRC que,
no exercício anterior àquele a que o mesmo respeita, apenas tenham auferido
rendimentos isentos corresponde ao montante mínimo previsto no n.º 2, sem
prejuízo do disposto no n.º 3.
(?)
11 - Ficam dispensados de efectuar o pagamento especial por conta:
a) Os sujeitos passivos totalmente isentos de IRC nos termos dos artigos 9º e 10º
do Código do IRC e do Estatuto Fiscal Cooperativo;
b) Os sujeitos passivos que se encontrem com processos no âmbito do Código dos
Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, aprovado pelo
Decreto-Lei nº 132/93,de 23 de Abril, a partir da data de instauração desse
processo;
Artigo 44.º
(Imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas)
(?)
5 - O disposto no n.º 9 do artigo 98.º do Código do IRC, na redacção dada pela
presente lei, é aplicável aos pagamentos especiais por conta efectuados ou
devidos pelos sujeitos passivos nele referidos nos períodos de tributação
iniciados em 2005.
6 - A entrega até 31 de Janeiro de 2006 do montante do pagamento especial por
conta resultante do disposto no n.º 9 do artigo 98.º do Código do IRC, na
redacção dada pela presente lei, pelos sujeitos passivos nele referidos extingue
os procedimentos contra?ordenacionais respeitantes à falta da sua entrega.?
Apesar de não impugnadas, importa ter presentes as disposições contidas nos
artigos 9.º e 10.º do CIRC, pois só assim será possível ter uma ideia exacta do
alcance das medidas legislativas objecto do presente controlo de
constitucionalidade:
?Artigo 9.º
Estado, Regiões Autónomas, autarquias locais, suas associações de direito
público e federações e instituições de segurança social
1 - Estão isentos de IRC:
a) O Estado, as Regiões Autónomas e as autarquias locais, bem como qualquer dos
seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados,
compreendidos os institutos públicos, com excepção das entidades públicas com
natureza empresarial;
b) As associações e federações de municípios e as associações de freguesia que
não exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas;
c) As instituições de segurança social e previdência a que se referem os artigos
87º e 114º da Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto;
d) Os fundos de capitalização administrados pelas instituições de segurança
social.
2 - Sem prejuízo do disposto no n.º 4 do presente artigo, a isenção prevista nas
alíneas a) a c) do número anterior não compreende os rendimentos de capitais tal
como são definidos para efeitos de IRS.
3 - Não são abrangidos pela isenção prevista no n.º 1 os rendimentos dos
estabelecimentos fabris das Forças Armadas provenientes de actividades não
relacionadas com a defesa e segurança nacionais.
4 - O Estado, actuando através do Instituto de Gestão do Crédito Público, está
isento de IRC no que respeita a rendimentos de capitais decorrentes de operações
de swap e de operações cambiais a prazo, tal como são definidos para efeitos de
IRS.?
?Artigo 10.º
Pessoas colectivas de utilidade pública e de solidariedade social
1 - Estão isentas de IRC:
a) As pessoas colectivas de utilidade pública administrativa;
b) As instituições particulares de solidariedade social e entidades anexas, bem
como as pessoas colectivas àquelas legalmente equiparadas;
c) As pessoas colectivas de mera utilidade pública que prossigam, exclusiva ou
predominantemente, fins científicos ou culturais, de caridade, assistência,
beneficência, solidariedade social ou defesa do meio ambiente.
2 - A isenção prevista na alínea c) do número anterior carece de reconhecimento
pelo Ministro de Estado e das Finanças, a requerimento dos interessados,
mediante despacho publicado no Diário da República, que define a respectiva
amplitude, de harmonia com os fins prosseguidos e as actividades desenvolvidas
para a sua realização, pelas entidades em causa e as informações dos serviços
competentes da Direcção-Geral dos Impostos e outras julgadas necessárias.
3 - A isenção prevista no n.º 1 não abrange os rendimentos empresariais
derivados do exercício das actividades comerciais ou industriais desenvolvidas
fora do âmbito dos fins estatutários, bem como os rendimentos de títulos ao
portador, não registados nem depositados, nos termos da legislação em vigor, e é
condicionada à observância continuada dos seguintes requisitos:
a) Exercício efectivo, a título exclusivo ou predominante, de actividades
dirigidas à prossecução dos fins que justificaram o respectivo reconhecimento da
qualidade de utilidade pública ou dos fins que justificaram a isenção, consoante
se trate, respectivamente, de entidades previstas nas alíneas a) e b) ou na
alínea c) do n.º 1;
b) Afectação aos fins referidos na alínea anterior de, pelo menos, 50% do
rendimento global líquido que seria sujeito a tributação nos termos gerais, até
ao fim do 4º exercício posterior àquele em que tenha sido obtido, salvo em caso
de justo impedimento no cumprimento do prazo de afectação, notificado ao
director-geral dos Impostos, acompanhado da respectiva fundamentação escrita,
até ao último dia útil do 1º mês subsequente ao termo do referido prazo;
c) Inexistência de qualquer interesse directo ou indirecto dos membros dos
órgãos estatutários, por si mesmos ou por interposta pessoa, nos resultados da
exploração das actividades económicas por elas prosseguidas.
4 - O não cumprimento dos requisitos referidos nas alíneas a) e c) do número
anterior determina a perda da isenção, a partir do correspondente exercício,
inclusive.
5 - Em caso de incumprimento do requisito referido na alínea b) do nº 3, fica
sujeita a tributação, no 4º exercício posterior ao da obtenção do rendimento
global líquido, a parte desse rendimento que deveria ter sido afecta aos
respectivos fins.?
Importa ainda referir que o regime jurídico do PEC se encontra regulado, nos
seus aspectos essenciais, no artigo 98.º do CIRC, o qual está inserido no
Capítulo VI, relativo ao Pagamento, e, de forma mais específica, na Secção I,
sob a epígrafe ?Entidades que exerçam, a título principal, a actividade
comercial, industrial ou agrícola?. Além deste preceito, integram também o
regime do PEC os artigos 83.º, n.ºs 2 e 7 (relativos ao procedimento e forma de
liquidação ? o primeiro refere as várias deduções previstas e o segundo
estabelece que das deduções realizadas de acordo com o n.º 2 não pode resultar
um valor negativo) e 87.º (Pagamento especial por conta), ambos do CIRC.
Saliente-se, finalmente, que o regime jurídico do PEC tem de ser lido à luz de
outros preceitos infra-constitucionais, como é o caso dos artigos 33.º da Lei
Geral Tributária (LGT) e o artigo 114.º do Regime Geral das Infracções
Tributárias (RGIT):
?Artigo 33.º LGT
?As entregas pecuniárias antecipadas que sejam efectuadas pelos sujeitos
passivos no período de formação do facto tributário constituem pagamento por
conta do imposto devido a final?.
?Artigo 114.º RGIT
?1. A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período
superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da
prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável
entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o
limite máximo abstractamente estabelecido.
2. Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de
negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será
aplicável coima variável entre 10% e metade do imposto em falta, sem que possa
ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
(?)
5. Para efeitos contra-ordenacionais são puníveis como falta de entrega da
prestação tributária:
(?)
f) A falta de pagamento, total ou parcial, da prestação tributária devida a
título de pagamento por conta do imposto devido a final, incluindo as situações
de pagamento especial por conta.
(?)?.
2. Os requerentes motivam o pedido do seguinte modo:
A Administração Fiscal notificou, durante os meses de Outubro e Novembro de 2005,
um grande número de entidades licenciadas para operar no Centro Internacional de
Negócios da Madeira (CINM) no sentido de estas procederem ?ao pagamento de
coimas devidas pelo não pagamento do Pagamento Especial por Conta (PEC),
relativamente ao ano em causa? [2005]. O legislador veio dar cobertura a esta
actuação administrativa ilegal com as normas cuja fiscalização de
constitucionalidade se pretende.
Neste quadro e em síntese, os requerentes invocam a violação dos seguintes
princípios constitucionais:
a) A violação do princípio da legalidade da criação de impostos (artigo 103.º, n.º
2, CRP) decorrerá da circunstância de a exigência do PEC às entidades
licenciadas no CINM configurar o pagamento, pelas mesmas, de um imposto mínimo
ou de um empréstimo forçado. Com efeito, conforme se sustenta, ?o PEC não foi
concebido como um imposto, mas sim como um pagamento por conta de um imposto: o
IRC. Na verdade, o PEC é um mecanismo de liquidação provisória caucional de IRC?,
o qual pressupõe ?a existência de uma colecta de IRC?. Ora, ?o conjunto de
incentivos fiscais que caracteriza o CINM? consiste no seguinte:
1) ?para as entidades licenciadas até 31 de Dezembro de 2000, prevê-se um
conjunto de benefícios fiscais entre os quais ressalta a isenção, até 31 de
Dezembro de 2011, de IRC?;
2) ?para as entidades licenciadas a partir de 1 de Janeiro de 2003 e até 31 de
Dezembro de 2006, prevê-se um conjunto de benefícios fiscais entre os quais
avulta a baixa tributação em sede de IRC: 1% em 2003 e 2004, 2% em 2005 e 2006,
e 3% em 2007 e seguintes. Em ambos os casos foi desde o início aprovada a
produção de efeitos dos benefícios fiscais até 2011 (vide artigos 33.º e 34.º do
Estatuto dos Benefícios Fiscais)?.
Daqui decorre que parte das entidades licenciadas no CINM está isenta de
pagamento de IRC enquanto que outra está sujeita a uma tributação mínima, o que
é incompatível com a exigência do pagamento especial por conta.
b) A violação do princípio da tributação das empresas com base no rendimento
real (artigo 104.º, n.º 2, CRP) e, consequentemente, do princípio da capacidade
contributiva (artigo 103.º, n.º 3, CRP) resultará do facto de que, tal como
explicitado em a), entidades que gozam de benefícios fiscais ? estando os seus
rendimentos isentos de IRC ou sendo objecto de uma tributação mínima em sede de
IRC ? serem obrigadas a liquidar antecipadamente o imposto sobre uma colecta que
não existe, no primeiro caso, ou a liquidar antecipadamente um montante bastante
superior à quantia devida a final, no segundo (verificando-se, neste último caso,
uma desproporcionalidade clara).
c) A violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal (artigo 103.º, n.º
3, CRP) derivará de a Lei n.º 60-A/2005 ?determinar que o pagamento de um PEC
mínimo é aplicável aos períodos de tributação iniciados em 2005?.
d) A violação dos princípios da proporcionalidade e da confiança legítimas ?inerentes
a um Estado de Direito Democrático (artigo 2.º CRP)? decorrerá do facto de que a
?exigência do PEC às entidades licenciadas no CINM constitui um acto imprevisto,
que põe em causa um regime paracontratual de incentivos fiscais de natureza
estrutural, aprovado pelo próprio Estado, destinado a vigorar até 31 de Dezembro
de 2011, e autorizado como tal pela Comissão Europeia. Viola, assim, os direitos
e as legítimas expectativas dos operadores protegidos pela noção de Estado de
Direito e consagrados no artigo 10.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais?. Mais
ainda, a ?alteração do regime jurídico?fiscal do CINM, efectuada através da Lei
n.º 60-A/2005, com a consequente quebra dos direitos adquiridos pelas entidades
licenciadas para operar no CINM e a diminuição desses incentivos, por passar a
existir um ?imposto? não previsto no regime, constitui não uma medida de
rentabilização ou de aprofundamento da competitividade internacional do CINM,
mas antes um atentado àquele regime, com a sua descaracterização antes do fim do
prazo (31 de Dezembro de 2011) negociado e aprovado entre a União Europeia e a
República Portuguesa, e garantido por esta aos operadores licenciados ou aos
agentes económicos que solicitassem o licenciamento nos prazos legalmente
previstos?.
e) A violação do princípio da autonomia regional, ?na vertente do
desenvolvimento económico-social? (artigo 225.º, n.º 2, CRP), decorrerá do facto
de os preceitos em análise comprometerem o sucesso de um mecanismo fiscal que
visa lutar contra ?os constrangimentos económico-sociais de uma pequena ilha
ultraperiférica?. Efectivamente, o ?CINM configura-se como um regime de auxílios
de Estado sob a forma fiscal com objectivos de desenvolvimento regional, que tem
vindo a ser sucessivamente aprovado pelo Estado português e pela Comissão
Europeia desde 1980?. ?Os factos descritos põem em causa o normal funcionamento
de um dos principais instrumentos do programa de desenvolvimento da Região
Autónoma da Madeira em que se consubstancia o regime de incentivos fiscais do
CINM, consagrados no EBF para as entidades licenciadas no CINM, com a
defraudação das expectativas e direitos por ela adquiridos, bem como a alteração
do mesmo quadro legal antes do fim do prazo desses incentivos, o que tudo
frustra a estável e regular execução daquele programa político-económico junto
dos agentes económicos e dos mercados e, «rectius», a prossecução da política de
desenvolvimento económico e social delineada desde a década de 1980 para a
Região, violando, assim, igualmente, o n.º 2 do artigo 225.º da CRP?.
3. Notificado, nos termos e para os efeitos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da
Lei do Tribunal Constitucional, o Presidente da Assembleia da República veio
oferecer o merecimento dos autos, remetendo para os trabalhos preparatórios da
lei o esclarecimento de eventuais dúvidas.
4. Discutido em plenário o memorando apresentado pelo Presidente do Tribunal,
nos termos do artigo 63.º da Lei do Tribunal Constitucional, cumpre formular a
decisão em conformidade com a orientação que fez vencimento.
II ? FUNDAMENTAÇÃO
5. Delimitação do pedido
Os requerentes solicitam a declaração de inconstitucionalidade de um conjunto
normativo integrado por quatro disposições legais ? o artigo 98.º, n.ºs 9 e 11,
do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e o artigo 44.º,
n.ºs 5 e 6, da Lei nº 60-A/2005, de 30 de Dezembro ?, todas relativas ao regime
do pagamento especial por conta, a partir de uma argumentação que só em parte se
concentra no seu teor normativo. Em boa medida, a fundamentação do pedido atinge
alguns dos actos de aplicação dessas disposições por parte da Administração
Fiscal que não compete ao Tribunal apreciar. Importa assim proceder à
delimitação do objecto do pedido.
Neste objecto insere-se, sem sombra de dúvida, o n.º 9 do artigo 98.º do CIRC,
tomado no sentido de que impõe o pagamento especial por conta a sujeitos
passivos que no exercício a que o mesmo respeita apenas tenham auferido
rendimentos isentos. Os requerentes entendem que esta norma viola o principio da
tributação das empresas com base no rendimento real e, consequentemente, o
princípio da capacidade contributiva, que retiram, respectivamente, do artigo
104.º, n.º 2 e do artigo 103.º, nº 3 da Constituição. E à arguição desta
específica inconstitucionalidade devem ser reconduzidas as referências,
constantes do pedido, à exigência do PEC às entidades licenciadas no Centro
Internacional de Negócios da Madeira. Na verdade, além de no presente processo
de fiscalização abstracta sucessiva não poder estar em causa a aplicação
concreta do artigo 98.º do CIRC a quaisquer empresas, sempre a genérica
inconstitucionalidade da norma em que a exigência do PEC a tais empresas se
baseia consumiria a questão particular da sua aplicação a essas empresas.
O mesmo se diga da norma do n.º 5 do artigo 44.º da Lei nº 60-A/2005, de 30 de
Dezembro, que dispõe sobre o âmbito de aplicação do referido n.º 9 do artigo 98.º
do CIRC, na medida em que inclui nesse âmbito de aplicação ?os pagamentos
especiais por conta efectuados ou devidos pelos sujeitos passivos nele referidos
nos períodos de tributação iniciados em 2005?, o que, no entender dos
requerentes, contraria o princípio da não retroactividade da lei fiscal,
igualmente previsto no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.
Algo diverso ocorre com a norma do n.º 11 do artigo 98.º da CIRC que elenca os
sujeitos passivos dispensados de efectuar o pagamento especial por conta. Os
requerentes não aduzem qualquer argumento no sentido da inconstitucionalidade
desta norma, tal como ela se encontra formulada, podendo quando muito retirar-se
da argumentação globalmente expendida que também às empresas licenciadas no CINM
deveria ser reconhecida idêntica dispensa. No entanto, essa circunstância
poderia, quando muito, ser um argumento no sentido da ilegalidade dos actos
tributários que vieram exigir o pagamento do PEC a tais empresas, sem com isso
fundar a inconstitucionalidade da enumeração presentemente constante do n.º 11
do artigo 98.º do CINM. Na verdade, além de o pedido não permitir entender em
que termos assaca a inconstitucionalidade a este preceito, a encontrar-se ela
numa ausência de referência, na referida disposição, às empresas licenciadas no
CINM, sempre tal circunstância careceria de relevo se, como parece resultar da
argumentação dos requerentes, outros lugares do sistema jurídico implicam o
reconhecimento às empresas licenciadas no CINM do tratamento previsto no n.º 11
do artigo 98.º do CIRC. A ser assim, repete-se, o que poderia estar em causa
seria a ilegalidade dos actos de exigência de pagamento especial por conta a
estas empresas (de que aqui não há manifestamente que curar) e não a eventual
inconstitucionalidade do referido n.º 11 daquele artigo.
Finalmente também se encontra fora do objecto possível do pedido a norma do n.º
6 do artigo 44.º da Lei nº 60-A/2005. Esta disposição destina-se a prever a
extinção dos procedimentos contra-ordenacionais respeitantes à falta de
pagamento devido nos termos do n.º 9 do artigo 98.º do CIRC, caso a falta tenha
sido suprida até 31 de Janeiro de 2006. E sobre ela nada diz o pedido que possa
fundar a pretensa inconstitucionalidade, sendo de todo imprestáveis para o
efeito os parâmetros constitucionais que invoca. A mera circunstância de este
preceito, como aliás os dois anteriormente referidos, se encontrar numa relação
de acessoriedade em relação ao artigo 98.º do CIRC não permite inclui-lo no
objecto do pedido sem alegação de fundamentos específicos de
inconstitucionalidade, quando a um tal resultado não é possível chegar através
dos parâmetros constitucionais em geral invocados e cuja pertinência se limita à
apreciação do n.º 9 do artigo 98.º do CIRC e, num caso (o do princípio da não
retroactividade da lei fiscal: artigo 103.º, n.º 3, da Constituição), do n.º 5
do artigo 44.º da Lei nº 60-A/2005.
Deste modo, porque a circunstância de uma eventual inconstitucionalidade do
referido nº 9 privar consequencialmente de sentido as demais disposições
indicadas pelos requerentes não dispensa estes de fundamentar especificamente o
seu pedido de declaração de inconstitucionalidade quanto ao n.º 11 do artigo 98.º
do CIRC e quanto ao n.º 6 do artigo 44.º da Lei nº 60-A/2005, há que considerar
o objecto do presente pedido de declaração de inconstitucionalidade
exclusivamente integrado pelas disposições constantes do n.º 9 do artigo 98.º do
CIRC e do n.º 5 do artigo 44.º da Lei nº 60-A/2005.
6. Da Inconstitucionalidade do nº 9 do artigo 98.º do CIRC
6.1. Não são descabidas dúvidas de interpretação quanto a saber se do n.º 9 do
art.º 98.º do CIRC resulta a vinculação de entidades totalmente isentas de IRC
ao pagamento especial por conta, ou se o preceito se limita a prever o modo de
cálculo do pagamento exigível às empresas que, tendo beneficiado de isenção
total no exercício anterior, no exercício a que respeita o pagamento passem a
ficar sujeitas a IRC (por cessação da isenção ou acumulação de actividades
isentas com actividades não abrangidas pela isenção).
Efectivamente, durante os primeiros anos de aplicação do PEC, este não era
exigido às entidades isentas de pagamento de IRC, solução que era aceite
pacificamente. Assumia-se que, por definição, tais entidades estando isentas de
imposto, estariam dispensadas de qualquer pagamento por conta, normal ou
especial.
A Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2001),
veio a exceptuar do pagamento do PEC, de forma expressa, os sujeitos passivos
abrangidos pelo regime simplificado de tributação previsto no CIRC.
A Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2004),
estabeleceu, também de forma expressa, uma dispensa selectiva de pagamento do
PEC, cujos destinatários são os ?sujeitos passivos totalmente isentos de IRC nos
termos dos artigos 9.º e 10.º do Código do IRC e do Estatuto Fiscal Cooperativo?
e, de igual modo, os ?sujeitos passivos que se encontrem com processos no âmbito
do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, (?),
a partir da data da instauração desse processo?.
A Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2006),
viria a consagrar expressamente o pagamento de um PEC de montante mínimo ?aos
sujeitos passivos de IRC que, no exercício anterior àquele a que o mesmo
respeita, apenas tenham auferido rendimentos isentos?.
Verifica-se, assim, que do regime originário do PEC não decorria que a ele
estivessem obrigadas as entidades isentas de IRC. Na LOE para 2001 excepcionaram-se
do pagamento do PEC os sujeitos passivos abrangidos pelo regime simplificado
previsto no CIRC, sem que isso tenha gerado a ideia de que os sujeitos isentos
de IRC estivessem obrigados ao respectivo regime, não havendo notícia de que a
Administração Fiscal lhes tenha exigido qualquer pagamento. A dúvida só surgiu
com a LOE para 2004, em que o legislador estabeleceu uma dispensa selectiva em
relação ao pagamento do PEC, que incluía alguns sujeitos isentos de IRC. O então
introduzido n.º 10 do artigo 98.º do CIRC (actual n.º 11, na sequência das
alterações resultantes da LOE para 2006), ao contemplar, numa norma que, pelo
teor literal e inserção sistemática, parece pretender esgotar as hipóteses de ?dispensa?
de pagamento especial por conta, abriu a porta a uma interpretação a contrario
no sentido de que as demais entidades isentas de IRC aí não referidas ? na
prática, as empresas privadas que beneficiem de isenção total, nomeadamente as
que se encontrem nas condições e apenas aufiram os rendimentos previstos no
artigo 33.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais ? ficavam obrigadas ao PEC.
Esta interpretação, que terá levado à actuação da Administração Fiscal que os
requerentes referem, ganhou alento com a introdução dos normativos agora em
apreciação pela Lei n.º 60-A/2005 (LOE para 2006), cujo teor literal não exclui,
antes pressupõe, o entendimento de que entidades que no exercício a que o PEC
respeita apenas auferiram rendimentos isentos estão, apesar disso, a ele
sujeitas. Com efeito, o legislador não ignorava a controvérsia. A questão da
sujeição ao PEC de entidades isentas de IRC, outras que não as referidas no n.º
11 do artigo 98.º, foi expressamente abordada na discussão parlamentar na
especialidade da LOE para 2006, centrando-se a discussão na situação das
empresas sedeadas no CINM, com expressa referência ao entendimento da
Administração Fiscal (Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 62, de 30
de Novembro de 2005, p. 2929 a 2938). Nesse contexto e com esta história (a
ocasio legis) das medidas legislativas em causa, a leitura conjugada dos nºs 9
do artigo 98.º do CIRC e dos n.ºs 5 e 6 do artigo 44.º da Lei n.º 60-A/2005
consente a interpretação de que, naquele primeiro preceito, se quis contemplar ?
a par da situação de empresas que anteriormente apenas auferiam rendimentos
isentos e perderam a isenção no exercício a que o pagamento se refere ou nele
acumularam actividades isentas com actividades não isentas ? também as entidades
que no período em causa apenas aufiram rendimentos isentos de IRC e que a
Administração Fiscal entendeu obrigadas ao PEC [Na opinião manifestada no debate
pelo Deputado Victor Baptista ( PS), as medidas em apreço trazem ?um tratamento
que nos parece mais equitativo para empresas que, aparente ou teoricamente, não
terão imposto a pagar. Daí a tributação mínima?]. A verdadeira motivação das
medidas legislativas em causa parece ser, como se sustenta num dos pareceres
jurídicos juntos pelos requerentes, a de efectuar uma interpretação autêntica do
âmbito subjectivo do PEC, no sentido de que a ele estão submetidos, ainda que
por um montante mínimo, sem qualquer dispensa, os sujeitos passivos de IRC que 'apenas
tenham auferido rendimentos isentos', ou seja, os casos de sujeitos passivos
totalmente isentos de IRC.
Assim, correspondendo a interpretação normativa que é objecto do presente pedido
de fiscalização abstracta sucessiva à pretensão aplicativa da Administração
Fiscal, sendo, por isso, susceptível de gerar litigiosidade continuada ? como,
aliás, voltou a ser afirmado na discussão parlamentar da Lei do Orçamento de
Estado para 2007 (Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 16, de 23 de
Novembro de 2007, p. 64-66) ? e não sendo frontalmente repelida pelos cânones
hermenêuticos correntes, não deve rejeitar-se o controlo de constitucionalidade
proposto.
6.2. O PEC é um instrumento tributário que configura uma obrigação fiscal do
contribuinte, ao qual é exigido que pague antecipadamente um montante legalmente
determinado relativo a um imposto antes do seu apuramento definitivo. No caso em
análise, trata-se de um imposto periódico sobre o rendimento, o Imposto sobre o
Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC).
A finalidade dos pagamentos por conta (do PEC mas, do mesmo modo, do pagamento
normal por conta ? PNC) é a de, concretizando a máxima ?pay as you earn?,
aproximar a data do pagamento, neste caso, do IRC, da data da produção ou
obtenção dos rendimentos, sendo certo que a obrigação tributária apenas estará
efectivamente definida e quantificada no final do respectivo período de
imposição, por referência aos factos tributários que fundam a emergência da
obrigação do imposto. Imposições deste género correspondem juridicamente, numa
perspectiva estrutural, a actos tributários provisórios e, funcionalmente, a
actos cautelares ou caucionais.
Sem prejuízo do reconhecimento de uma certa autonomia do pagamento antecipado da
dívida tributária, é necessário que se verifique uma relação de
instrumentalidade entre o pagamento especial por conta (o seu nascimento e
quantificação) e o facto tributário gerador da obrigação fiscal. Essa relação de
instrumentalidade é sustentada, entre outros, por Avillez Ogando (?A
constitucionalidade do regime do pagamento especial por conta?, in Revista da
Ordem dos Advogados, vol. 62, Tomo III, 2002, p. 811), o qual refere que, ?dada
a função instrumental do pagamento especial por conta de pagamento por conta da
colecta que se vier a apurar relativa ao mesmo exercício, não faria qualquer
sentido que para efeitos de determinação do quantitativo do pagamento especial
por conta fossem relevados proveitos expressamente desconsiderados pelo
Legislador para esse efeito?. Do mesmo modo, a doutrina estrangeira chama a
atenção para este requisito da instrumentalidade, para esta relação necessária
entre a obrigação tributária principal e o pagamento por conta e para a
exigência de que a antecipação do pagamento não seja arbitrária, devendo estar
justificada por uma relação de probabilidade com o pressuposto indicador da
capacidade contributiva em que se baseia o tributo (cfr. García CaracueL, Las
prestaciones tributarias a cuenta. Perspectivas de reforma, Granada, 2004, p.
169 e ss esp. 223 e 257 e ss, e Francesco Tesauro, Istituzioni di Diritto
Tributario, I, Torino, 2003, p. 244)?.
Não obstante essa matriz genérica, uma leitura do regime jurídico do PEC que
esteja atenta à sua génese e evolução leva a concluir que ele não obedece
prioritariamente à lógica típica de um pagamento por conta ? ou seja,
primariamente, a de assegurar ao erário público entradas regulares de tesouraria
e, em segunda linha, acautelar o Fisco contra variações de fortuna do devedor e
produzir uma certa 'anestesia' fiscal ?, antes estando indissociavelmente ligado
à luta contra a evasão e fraude fiscais. Há muito que havia suspeitas, desde
logo por parte da Administração Fiscal, relativamente aos rendimentos declarados
pelos sujeitos passivos de IRC; designadamente, questionava-se até que ponto
eles correspondiam ao rendimento tributável realmente auferido. Isso mesmo foi
evidenciado pela Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro (LOE para 1997), no seu
artigo 32.º (Disposições comuns), que continha a autorização legislativa ao
Governo para ?definir uma tributação mínima?e que marcaria a introdução no nosso
ordenamento tributário da figura do PEC. Na referida disposição, o instrumento
fiscal que então se consagrava foi apresentado como ?um novo tipo de pagamento
por conta? que visava alcançar ?uma maior justiça tributária e [a] uma maior
eficiência do sistema?, admitindo-se lançar mão, ?quando for o caso, de métodos
indiciários?.
Diga-se que a doutrina nacional é unânime em afirmar a natureza de instrumento
de combate à evasão fiscal assinalada ao PEC. Neste sentido se pronunciaram
Teresa Gil, ?Pagamento especial por conta?, in Fisco, n.º 107-108, Ano XIV,
Março, 2003, p. 11); Luís Marques, ?O pagamento especial por conta no âmbito do
regime especial de tributação dos grupos de sociedades?, in Fisco, n.º 107-108,
Ano XIV, Março, 2003, p. 3); José João de Avillez Ogando, ?A constitucionalidade
do regime do pagamento especial por conta?, in Revista da Ordem dos Advogados,
vol. 62, Tomo III, 2002, pp. 806 e ainda 821); J. L. Saldanha Sanches e André
Salgado de Matos, ?O pagamento especial por conta de IRC: questões de
conformidade constitucional, in Revista de Direito e Gestão Fiscal, Julho, 2003,
p. 10.
Aliás, há evidência empírica que confere seriedade a tais suspeitas, se virmos
que as receitas de IRC se concentravam num número reduzido de sujeitos passivos
e que era elevadíssimo o número de empresas que declaravam, de forma continuada,
prejuízos fiscais. TERESA GIL, loc. cit., p. 20, dá notícia de que os dados
estatísticos disponíveis aquando da elaboração da Lei n.º 30-G/2000 indicavam
que, num universo de cerca de 240.000 sujeitos passivos de IRC, 5 contribuintes
eram responsáveis por 28% da receita total desse imposto, sendo que 52% da mesma
receita era proveniente de apenas 100 empresas e que 63% dos sujeitos passivos
não pagava IRC.
6.3. Os requerentes invocam a violação do princípio da legalidade na criação de
impostos, fundando a sua asserção na circunstância de, no seu entender, ?resulta[r]
de forma evidente que a exigência do PEC às entidades licenciadas no CINM
configura a criação de um imposto mínimo ou de um empréstimo forçado violando,
entre outros, o princípio da legalidade da criação dos impostos consagrado no
artigo 103.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa CRP e no artigo 8.º
da Lei Geral Tributária. (?) Todavia, apesar da manifesta ilegalidade da
exigência do PEC às entidades licenciadas do CINM, a Lei n.º 60-A/2005, de 30 de
Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2006, veio prever expressamente
tal obrigatoriedade, ao alterar para o efeito o artigo 98.º do CIRC e
inviabilizando qualquer interpretação da lei conforme à CRP. (?) Isto é, se,
numa primeira fase, assistimos a uma interpretação por parte da Administração
Fiscal do disposto no artigo 98.º do CIRC em desconformidade com a lei,
nomeadamente a constitucional, ao pretender subsumir na referida disposição
legal a exigência das liquidações do PEC às empresas licenciadas no CINM,
através da alteração introduzida pela Lei n.º 60-A/2005 a este normativo, parece
ter-se dado expressa cobertura legal a tal interpretação, ao determinar que o
pagamento de um PEC mínimo é aplicável aos períodos de tributação iniciados em
2005 ?.
Pode retirar-se, com segurança, destas afirmações que a alegada violação do
princípio da legalidade fiscal se consubstancia na exigência, por parte da
Administração Fiscal, do pagamento do PEC às empresas isentas de IRC em um
momento anterior à consagração legal dessa mesma exigência (como referem os
requerentes, na LOE de 2006). Em face disto, e tendo em consideração que a
apreciação deste Tribunal no âmbito da sua competência de controlo da
constitucionalidade tem por objecto actos normativos (com a excepção das
propostas de referendo), a mesma não poderá incidir sobre a concreta actuação da
Administração Fiscal.
6.4. A natureza cautelar do PEC relativamente à obrigação que resultará da
determinação definitiva do imposto, o facto de o legislador o conceber como
instrumento ou garantia de pagamento do tributo por conta do qual é exigido e
não como imposição a se, justifica que se comece a análise da conformidade
constitucional da norma do n.º 9 do artigo 98.º do CIRC que está em apreciação (relembra-se:
a exigência de PEC a entidades que no período em causa apenas aufiram
rendimentos isentos de IRC) pelo confronto com o princípio da proibição do
excesso, enquanto elemento do princípio do Estado de direito. O PEC é um meio
ordenado à efectividade da obrigação tributária e ao combate à evasão fiscal e,
num Estado de direito, os meios têm de ser adequados e proporcionados (recte, na
perspectiva ou processo de filtragem do órgão de controlo, não desadequados e
não desproporcionados) ao fim a atingir ou ao resultado a obter.
Trata-se de um princípio de aplicação transversal a qualquer actuação do Estado,
seja qual for a sua natureza, e não apenas nos domínios ou a propósito das
matérias relativamente às quais surge expressa e directamente referido no texto
da Constituição (p. ex., artigos 18.º, n.º 2, 19.º, n.º 4, 266.º, n.º 2 e 277.º,
n.º 2). Como diz Maria Lúcia Amaral (A Forma da República, p. 187), ?a sedes
materiae deste princípio encontra-se antes de mais no artigo 2.º da CRP. E
compreende-se bem porquê. Um Estado de direito não pode deixar de ser um ?estado
proporcional?: se se tolerasse que os encargos impostos pelas suas decisões aos
cidadãos fossem desmedidos, não justificados pelos seus fins específicos e ? por
isso mesmo ? levianos, dificilmente se conseguiria assegurar uma ideia segundo a
qual a actividade estadual deva surgir, para os seus destinatários como algo
sério, seguro ou confiável'.
Ora, a medida legislativa em apreço não passa no teste da proporcionalidade. E
não o passa seguramente em duas das suas três vertentes ou dimensões
concretizadoras (adequação, necessidade ou exigibilidade e proporcionalidade em
sentido estrito) em que o princípio se analisa.
Em primeiro lugar, é manifesto que não há uma adequação meio-fim, pois, ainda
que o respectivo fim seja legítimo e constitucionalmente valorado e tutelado ?
em último termo, a luta contra a evasão e fraude fiscais, como forma de realizar
a justiça e igualdade tributárias ?, a verdade é que a exigência de pagamento de
um montante mínimo de PEC a entidades isentas de IRC não se mostra adequada para
perseguir e alcançar esse fim. Com efeito, relativamente s entidades que
beneficiam de um regime de isenção de IRC não poderá colocar-se um problema de
evasão fiscal nesse imposto. As práticas de evasão fiscal em dada espécie
tributária, por ocultação de receitas ou empolamento de custos, só poderão
logicamente colocar-se em relação a entidades que estejam obrigadas ao pagamento
desse imposto. Visto ainda de um outro ângulo, as empresas isentas do pagamento
de IRC vão ter que pagar o PEC em nome da luta contra a evasão fiscal, sendo
certo que elas, em virtude de só exercerem actividades isentas de pagamento de
IRC, não contribuem para essa prática.
Questão diferente, mas que não poderá colocar-se nesta sede, até porque não cabe
ao Tribunal Constitucional fazer esse juízo, é a de saber se a existência de um
regime de isenção de IRC a título de benefício fiscal facilita ou potencia o
fenómeno global da evasão fiscal. Nesse caso, o instrumento idóneo contra a
evasão fiscal em matéria de impostos sobre os rendimentos não será o de exigir
um montante mínimo de PEC a empresas isentas de IRC mas o de não isentar as
empresas do pagamento do imposto.
Também a dimensão da necessidade ou exigibilidade resulta desrespeitada.
Efectivamente, ainda que se demonstre que não está completamente posta de parte
a garantia do reembolso total do PEC, a verdade é que não tem razoabilidade
obrigar uma entidade a entregar um determinado montante a título de PEC, quando
se sabe, no momento em que o pagamento é exigido, que será ulteriormente
reembolsado na sua totalidade, desde que seja solicitada uma acção de inspecção
pelo sujeito passivo. Esta solução apresenta-se manifestamente desproporcionada,
consubstanciando uma medida excessiva, na medida em que é, certamente, demasiado
onerosa para o destinatário. Com efeito, não estando previsto um mecanismo
próprio para devolução do PEC nesta situação e não sendo, por definição (suposta
obviamente a continuidade da isenção), viável a dedução à colecta, só restará o
mecanismo de reembolso regulado no n.º 3 do artigo 87.º do CIRC. Ora, mesmo na
interpretação mais benévola para o contribuinte quanto ao prazo e aos requisitos
de reembolso na situação de isenção continuada, há sempre um inegável custo de
oportunidade e financeiro inerente à privação temporária do montante entregue ao
Estado.
Com a agravante de que o legislador exige que a situação que esteve na origem do
?reembolso seja considerada justificada por acção de inspecção feita a pedido do
sujeito passivo?. É que, ao que tudo parece indicar, as acções de inspecção
realizadas a pedido do sujeito passivo estão, mesmo nesta hipótese, sujeitas ao
pagamento de uma taxa que não é de montante diminuto (ver J.J. Avillez Ogando,
ob. cit., p. 814; Teresa Gil, ob. cit., pp. 17 e 23).
Resumindo, a inexistência de uma relação de instrumentalidade entre o pagamento
do PEC e a obrigação tributária emergente ? a qual verdadeiramente não existe ?
não deixa margem para dúvidas quanto à conclusão de que a exigência do pagamento
de um montante a título de pagamento especial por conta às empresas que apenas
auferiram rendimentos isentos de IRC no período a que esse pagamento respeita
viola o princípio da proporcionalidade ínsito no princípio do Estado de Direito
democrático (artigo 2.º da CRP).
Fica, consequentemente, prejudicada a apreciação dos demais vícios de
constitucionalidade imputados à mesma norma, designadamente da violação dos
princípios da capacidade contributiva e da tributação das empresas
fundamentalmente segundo o seu rendimento real, bem como dos princípios da
confiança e da autonomia regional.
7. Da Inconstitucionalidade do n.º 5 do artigo 44.º da Lei nº 60-A/2005
Alcançada a conclusão anterior, torna-se inútil prosseguir a análise da questão
da inconstitucionalidade do n.º 5 do artigo 44.º da Lei nº 60-A/2005, pois que,
quanto às entidades que apenas aufiram rendimentos isentos, esta disposição não
tem sentido sem o n.º 9 do artigo 98º.
Mas, mesmo que se não perfilhasse o juízo proposto quanto a este último preceito,
sempre haveria que declarar inconstitucional o referido n.º 5 do artigo 44.º,
por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal. Na verdade, esta
norma dispõe claramente para o passado, ao determinar que a obrigação nela
contida vale não apenas para o ano de 2006 mas, outrossim, para os ?pagamentos
especiais por conta efectuados ou devidos pelos sujeitos passivos nele referidos
nos períodos de tributação iniciados em 2005?. Ora, impondo ela uma obrigação
tributária, não pode fixar efeitos retroactivos sob pena de violação do artigo
103.º, n.º 3, da CRP, o qual prescreve que ?ninguém pode ser obrigado a pagar
impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham
natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da
lei? [itálico nosso].
E não se diga que a atribuição de natureza tributária à norma em apreço poderá
ser posta em causa pelo facto de ela estar inserida na Lei de Orçamento do
Estado. Na verdade a inserção de normas não estritamente orçamentais,
designadamente as de natureza tributária, na LOE não suscita problemas de maior
(neste sentido, por exemplo, Casalta Nabais, O Dever Fundamental de Pagar
Impostos, Coimbra, 1997, pp. 349-50 e, ?Jurisprudência do Tribunal
Constitucional?, cit., pp. 405-7); Blanco de Morais, Curso de Direito
Constitucional, Tomo I (A lei e os actos normativos no ordenamento jurídico
português), Coimbra, 2008, pp. 374-5) e J.J. Gomes Canotilho, ?A lei do
orçamento na teoria da lei?, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor J.J.
Teixeira Ribeiro, in BFDUC, Coimbra, 1979, pp. 548-9).
III ? Efeitos da declaração de inconstitucionalidade
8. O artigo 282.º, n.º 4 da Constituição confere ao Tribunal Constitucional a
possibilidade de fixar os efeitos da declaração de inconstitucionalidade com um
alcance mais restrito do que o resultante do n.º 1 do mesmo preceito, desde que
tal seja justificado por razões relacionadas com a segurança jurídica, equidade
ou interesse público de excepcional relevo. Ora, é patente que a fixação de
eficácia retroactiva da declaração de inconstitucionalidade, in casu, originaria
encargos administrativos bastante consideráveis, manifestamente
desproporcionados por confronto com os benefícios a colher por quem vier a
beneficiar da decisão que agora se adopta. Por este motivo, porque está em causa
um interesse público de excepcional relevo, deve este Tribunal determinar a
fixação de efeitos temporais meramente prospectivos (ex nunc), nos termos do n.º
4 do artigo 282.º da Constituição.
IV ? Decisão
9. Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não conhecer do pedido quanto às normas constantes do n.º 11 do artigo 98.º
do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e do n.º 6 do
artigo 44º da Lei nº 60-A/2005, de 30 de Dezembro;
b) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, com fundamento
na violação do princípio da proporcionalidade ínsito no princípio do Estado de
direito consagrado no artigo 2.º da Constituição, da norma contida no n.º 9 do
artigo 98.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, na
parte em que impõe que efectuem pagamento especial por conta entidades que, no
exercício a que o pagamento respeita, apenas aufiram rendimentos isentos de IRC;
c) Declarar a inconstitucionalidade consequencial e, ainda, por violação da
proibição de retroactividade constante do n.º 3 do artigo 103.º da Constituição,
da norma contida no n.º 5 do artigo 44º da Lei nº 60-A/2005, de 30 de Dezembro,
na parte em que se refere às mesmas entidades;
d) Ressalvar, nos termos do n.º 4 do artigo 282.º da Constituição, os efeitos
produzidos até à publicação deste acórdão pelas normas cuja declaração de
inconstitucionalidade agora se opera, sem prejuízo dos casos ainda susceptíveis
de impugnação contenciosa ou que dela se encontrem pendentes.
Lx. 29/9/2009
Vítor Gomes
Benjamim Rodrigues
Carlos Fernandes Cadilha
Ana Maria Guerra Martins
Maria Lúcia Amaral
José Borges Soeiro
João Cura Mariano
Maria João Antunes (vencida, por entender que o n.º 9 do artigo 98.º do CIRC se
limita a prever o modo de cálculo do pagamento exigível às empresas que, tendo
beneficiado de isenção total no exercício anterior, no exercício a que respeita
o pagamento passem a ficar sujeitos a IRC).
Carlos Pamplona de Oliveira ? vencido, conforme declaração.
Gil Galvão (vencido quanto à interpretação efectuada, no presente acórdão, da
norma constante do N.º 9 do artigo 98.º, conforme declaração)
Joaquim de Sousa Ribeiro (vencido, em parte, quanto à al. b) da decisão, pelas
razões constantes da declaração anexa)
Rui Manuel Moura Ramos
DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencido.
Entendo, em primeiro lugar, que o Tribunal não deveria ter conhecido do pedido,
fundamentado, como está, em casos concretos relativos a beneficiários do regime
de benefícios fiscais especialmente criado para as entidades licenciadas para
operar no Centro Internacional de Negócios da Madeira. É que, em tais casos, o
resultado da aplicação concreta das normas impugnadas ? porventura desconforme
com a Constituição ? não decorre da exclusiva incidência dessas normas, mas da
sua conjugação com regras que disciplinam o regime fiscal especial de que
beneficiam aquelas entidades.
Por esse motivo, verificando que o sentido das normas impugnadas ? isoladamente
consideradas ? não consente a interpretação alegadamente inconstitucional aqui
invocada, entendo que, conhecendo do pedido, o Tribunal não poderia ter
declarado tais normas desconformes com a Constituição.
Carlos Pamplona de Oliveira
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido quanto à interpretação da norma constante do n.º 9 do artigo 98º
do CIRC efectuada no presente acórdão. Na verdade, entendo não ser possível
utilizar um argumento «a contrario», retirado do n.º 11 do mesmo preceito, para
uma modificar a literalidade do referido n.º 9 e chegar, assim, a uma
interpretação obviamente inconstitucional. Considerando, ao invés, que o
referido n.º 9 se limita apenas a prever o modo de cálculo do pagamento exigível
às empresas que, tendo beneficiado de isenção total no exercício anterior,
passaram a ficar sujeitas a IRC no exercício seguinte (por cessação da isenção,
por acumulação de actividades isentas com não isentas ou por outro motivo),
nenhuma inconstitucionalidade posso encontrar na referida norma.
Gil Galvão
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. O meu ponto de discordância com o acórdão tem a ver com a interpretação do n.º
9 do artigo 98.º do CIRC, em que ele assenta, no sentido de estarem abrangidos
pela previsão da norma os contribuintes que, no exercício a que o PEC respeita,
apenas auferiram rendimentos isentos.
Compreendo, de certo modo, essa interpretação, na medida em que ela é ?direito
vivente?, dada a actuação da Administração Fiscal relatada nos autos.
Mas há que preservar a fronteira entre a fiscalização abstracta, aqui exercitada,
e a concreta. Nesse âmbito, não sendo esse entendimento pressuposto pelo teor
literal da norma (contrariamente ao afirmado no acórdão) e contrariando ele
frontalmente a natureza e a função desde sempre atribuídas ao PEC, a sua
interpretação no sentido proposto só estaria justificada se existissem
indicações muito sólidas e conclusivas que a sustentassem. Pois, na verdade, ela
equivaleria a transformar o PEC, como liquidação provisória e fraccionada de
imposto devido a final, num tributo mínimo, de carácter autónomo e não
instrumental. Se assim fosse, a inconstitucionalidade da norma não ofereceria
dúvidas.
Mas não descortino elementos hermenêuticos suficientemente indicativos dessa
interpretação. Sendo assim, há que extrair da norma um sentido, literalmente
possível, em conformidade com a natureza e função do PEC. Nessa óptica, tendo a
considerar que ela só se aplica às empresas que, tendo estado isentas no
exercício anterior (pelo que não é possível retirar deste os dados habituais de
referência) não o estão no exercício a que o PEC respeita.
No caso de a Administração Fiscal, secundada pelas instâncias judiciais, aplicar
a interpretação contrária, que serviu de pressuposto ao acórdão, então caberá à
fiscalização concreta de constitucionalidade, se for caso disso, emitir a
correspondente censura constitucional.
2. Na sequência desta oposição, votei a inconstitucionalidade do n.º 5 do artigo
44.º da Lei n.º 60-A/2005, mas exclusivamente por violação da proibição de
retroactividade, não como inconstitucionalidade consequencial.
Joaquim de Sousa Ribeiro