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Processo n.º 902/08
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é
recorrente A. e recorridos B., S.A., C., S.A., CMVM – Comissão de Mercado de
Valores Mobiliários, Banco D., S.A., E., S.A. e F., foi proferida a seguinte
decisão sumária, em 15 de Dezembro de 2008:
«I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorridos B., S.A., C., S.A.,
CMVM – Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, Banco D. S.A., E., S.A. e F.,
foi interposto recurso, ao abrigo do artigo 280º, n.º 1, alínea b) da CRP e do
artigo 70º, n.º 1, alínea b) da LTC, do acórdão da 7ª Secção do Supremo Tribunal
de Justiça, proferido em 22 de Abril de 2008 (fls. 604 a 608), posteriormente
complementado pelo acórdão da mesma Secção, proferido em 11 de Setembro de 2008
(fls. 650 e 651-verso), que rejeitou o requerimento de arguição de nulidades
deduzido pelo recorrente (fls. 630 a 637).
O recorrente pretende que seja apreciada a alegada inconstitucionalidade das
seguintes normas extraídas:
i) “dos artigos 660º, n.º 2, e 668º, nº 1, alínea d),
do CPC”, visto que, no seu entendimento, “tais normas violam o disposto na
Constituição e os princípios nela consignados, designadamente nos seus artigos
2º, 18º, nº 1, 20º, nºs 1 e 4, e 202º, nº 2” (fls. 666);
ii) “do artigo 713º, n.º 5, do CPP”, visto que, no seu
entendimento, “tal norma infringe o disposto na Constituição e os princípios
nela consignados, designadamente nos seus artigos 2º, 20º, n.ºs 1 e 4, 202º, nº
2, e 205º, nº 1” (fls. 666).
Mais se regista que o recorrente optou por não recorrer de qualquer
interpretação normativa extraída do artigo 490º do Código das Sociedades
Comerciais (CSC), por entender que “a concreta dimensão normativa do disposto no
artigo 490º do CSC, arguida de inconstitucionalidade na petição inicial, será,
eventualmente, apreciada em recurso a interpor das decisões que venham a ser
proferidas no processo principal” (fls. 667).
Cumpre, então, apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” (cfr.
fls. 673), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não
vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito
legal, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os
pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, nº
2, da LTC.
Se o Relator verificar que não foram preenchidos alguns desses pressupostos,
pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do
artigo 78º-A da LTC.
3. Antes de mais, deve notar-se que o recorrente não identifica expressamente
qual o sentido normativo que entende ter sido aplicado pela decisão recorrida,
tendo-se limitado a afirmar, de modo genérico, a propósito dos artigos 660º, n.º
2 e 668º, n.º 1, alínea d), ambos do CPC, a “inconstitucionalidade de tais
normas com o sentido resultante daquele texto” (fls. 666), ou seja, com o
sentido extraído do seguinte trecho da decisão recorrida: “urge decidir que o
acórdão deste Supremo de fls 604 a 608, não padece das invocadas
inconstitucionalidades, pois apreciou e decidiu as questões pertinentes, não
ocorrendo a omissão de pronúncia” (fls. 651-verso). Porém, em momento algum,
esclarece o recorrente qual, afinal, seria o sentido por si extraído de tal
trecho decisório.
Tal insuficiência poderia ser suprida mediante convite ao aperfeiçoamento, nos
termos do n.º 6 do artigo 75º-A da LTC, a que a Relatora nos presentes autos não
se furtaria, caso não tivesse detectado outros fundamentos que desde logo obstam
ao conhecimento do objecto do presente recurso, sem que possam ser ultrapassados
mediante aperfeiçoamento. Ora, subsistindo outros fundamentos de recusa de
conhecimento, o convite ao aperfeiçoamento constituiria um acto processual
inútil de que este Tribunal se deve abster.
Por fim, quanto à norma extraída do n.º 5 do artigo 713º do CPC, o recorrente
apenas peticiona a apreciação da constitucionalidade daquela norma na sua
redacção literal, na medida em que não extrai dela qualquer interpretação
normativa efectivamente aplicada pela decisão recorrida.
4. Começando pela parte do recurso relativa às normas extraídas dos artigos
660º, n.º 2 e 668º, n.º 1, alínea d), ambos do CPC, importa notar que, ao
contrário do afirmado pelo recorrente no requerimento de interposição de
recurso, da análise do requerimento de arguição de nulidades por ele apresentado
(fls. 630 a 637) não é possível extrair nenhuma suscitação processualmente
adequada de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. Senão, veja-se:
“Tal pronúncia é obrigatória «ex vi» o disposto nos artigos 668º, nº 4, 716º, nº
1, 731º, nº 1 732º e 762º, nº 1, do CPC, e 20º, nºs 1 e 4, 202º, nº 2 e 203º da
Constituição.
Por força do disposto nos artigos 660º, nº 2, e 668º, nº 1, al. d), do CPC, e
3º, nº 3, o acórdão ora impugnado é NULO/INVÁLIDO” (fls. 633, com sublinhado
nosso);
“Por força das disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 722º, nº 2, e
729º, nº 2, segundo segmento, do CPC, 20º nºs 1 e 4, 202º, nº 2 e 203º da
Constituição, a pronúncia sobre tais questões é obrigatória. E por força do
disposto no artigo 668º, nº 1, al. d), do CPC, e 3º, nº 3 da Constituição, a
violação daquelas disposições acarreta a NULIDADE/INVALIDADE do acórdão
impugnado” (fls. 637, com sublinhado nosso).
Da análise destes trechos decorre que, em bom rigor, o recorrente nunca suscitou
qualquer incidente de inconstitucionalidade de uma específica norma jurídica.
Pelo contrário, o recorrente apenas invocou alguns preceitos constitucionais no
sentido de fundamentar a sua tese de nulidade do acórdão por omissão de
pronúncia. Aliás, o próprio recorrente afirma que a questão em causa assenta no
desrespeito dos artigos 660º, nº 2 e 668º, n.º 1, alínea d), ambos do CPC, que o
recorrente entende terem sido violados pelas decisões recorridas. A invocação de
normas e princípios constitucionais é feita apenas “ad latere”, enquanto
argumento de reforço da tese por si propugnada.
De tudo isto resulta que o recorrente nunca suscitou efectivamente qualquer
questão de inconstitucionalidade das normas extraídas dos artigos 660º, nº 2 e
668º, n.º 1, alínea d), ambos do CPC, pelo que, por força do n.º 2 do artigo 72º
da LTC, este Tribunal não pode conhecer do objecto do presente recurso, na parte
que àquelas diz respeito.
5. Por último, quanto à alegada inconstitucionalidade da norma extraída do n.º 5
do artigo 713º do CPC, vem o recorrente reconhecer que não suscitou a sua
inconstitucionalidade, em momento prévio à prolação da decisão ora recorrida,
mas aduz, em favor da dispensa de prévia suscitação, a circunstância de a
aplicação daquela norma pelo acórdão proferido, em 22 de Abril de 2008, ter uma
natureza de decisão-surpresa. Com efeito, em abono deste entendimento, o
Tribunal Constitucional tem notado, sem oscilações, que – em casos excepcionais
– o recorrente pode ser dispensado daquele dever processual de prévia invocação
da inconstitucionalidade da norma que constitui objecto do recurso. Assim sucede
sempre que o recorrente não pudesse antecipar – de modo objectivo – o sentido
normativo acolhido pela decisão alvo de recurso. Nesta linha de pensamento, este
Tribunal tem entendido que:
i) “A razão pela qual o Tribunal Constitucional tem
dispensado este ónus em casos excepcionais ou anómalos, como se refere na
decisão reclamada, é a de considerar não exigível antecipar um sentido
objectivamente inesperado, sobre o qual o recorrente não teve a oportunidade de
se pronunciar antes de proferida a decisão recorrida” (cfr. Acórdão n.º
394/2005)”;
ii) “O Tribunal tem considerado até que cabe às partes
considerar antecipadamente as várias hipóteses de interpretação razoáveis das
normas em questão e suscitar antecipadamente as inconstitucionalidades daí
decorrentes antes de ser proferida a decisão” (cfr. Acórdão n.º 489/94);
iii) “(…) não pode deixar de recair sobre as partes em
juízo o ónus de considerarem as várias possibilidades interpretativas das normas
de que se pretendem socorrer, e de adoptarem, em face delas, as necessárias
cautelas processuais (por outras palavras, o ónus de definirem e conduzirem uma
estratégia processual adequada). E isso – acrescentar-se-á – também logo mostra
como a simples «surpresa» com a interpretação dada judicialmente a certa norma
não será de molde (ao menos, certamente, em princípio) a configurar uma dessas
situações excepcionais (…) em que seria justificado dispensar os interessados da
exigência da invocação «prévia» da inconstitucionalidade perante o tribunal «a
quo».
Mas – e agora em segundo lugar – se alguma vez tal for de admitir, então haverá
de sê-lo apenas numa hipótese em que a interpretação judicial seja tão insólita
e imprevisível, que seria de todo o ponto desrazoável a parte contar (também)
com ela” (cfr. Acórdão n.º 479/89).
Sucede, porém, que, nos presentes autos, não se afigura
como insólito ou inesperado que o Supremo Tribunal de Justiça haja recorrido ao
mecanismo previsto no n.º 5 do artigo 713º do CPC, aplicável ao recurso de
revista “ex vi” artigo 726º do CPC, na medida em que também aquele Tribunal
Superior pode negar provimento ao recurso, limitando-se a remeter para os
fundamentos da decisão impugnada. Não se vislumbra qual a surpresa do recorrente
perante a aplicação da norma extraída daquele preceito legal.
Invoca o recorrente que a circunstância de o acórdão
proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 395 a 408) e posteriormente
complementado (fls. 426 a 428) ter sido alvo de dois requerimentos de arguição
de nulidade que, por sua vez, deram lugar aos acórdãos proferidos, em 12 de
Julho de 2007 (fls. 571 a 575), e, em 08 de Novembro de 2007 (fls. 582 a 585),
obrigaria a que o Supremo Tribunal de Justiça apreciasse e decidisse, mediante
fundamentação autónoma e “ex novo”, as alegadas nulidades. Ainda segundo o
recorrente, “a remissão para os fundamentos da decisão impugnada, sem que os
vícios dessa fundamentação tenham sido eliminados, consubstancia denegação de
justiça proibida pelos invocados preceitos constitucionais” (fls. 667). Vejamos
se o argumento é válido para efeitos de justificação da natureza surpreendente
da decisão de aplicação do n.º 5 do artigo 713º do CPC.
Desde logo se nota que o Tribunal Constitucional não
dispõe de poderes, atribuídos pelo legislador constituinte, para sindicar a
justeza dos juízos interpretativos formulados pelas decisões recorridas, a
propósito da mera aplicação do Direito infra-constitucional. Ora, o que o
recorrente pretende é que o seu entendimento a propósito da arguição de nulidade
do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa prevaleça, discordando
do entendimento já expresso por ambas as instâncias de recurso – Tribunal da
Relação (fls. 571 a 575 e 582 a 585) e Supremo Tribunal de Justiça (fls. 604 a
608). Não pode, contudo, este Tribunal substituir-se às instâncias recorridas,
quanto a tal questão.
E, quanto à apreciação das aludidas nulidades, o Supremo
Tribunal de Justiça apreciou e decidiu em sentido absolutamente idêntico ao do
já expresso pelo Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 571 a 575 e 582 a 585). Não
corresponde, portanto, à verdade que o Supremo Tribunal de Justiça não tenha
apreciado as questões de nulidade aduzidas pelo recorrente perante a instância
imediatamente inferior àquele. Sucedeu apenas que o acórdão proferido, em 22 de
Abril de 2008, confirmou integralmente a decisão e a fundamentação constante nos
demais acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, pelo que recorreu à
prerrogativa decorrente do n.º 5 do artigo 713º do CPC.
Ora, qualquer parte processual deve estar ciente de que,
nos termos da lei processual civil, o tribunal de recurso pode remeter a sua
fundamentação para a constante dos acórdãos recorridos, como determina o n.º 5
do artigo 713º do CPC, pelo que o recorrente deveria ter antecipado a
possibilidade de o tribunal de recurso negar provimento ao recurso, remetendo
apenas para a fundamentação constante dos acórdãos proferidos. Era, pois, no
momento da interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que o
recorrente deveria ter invocado a eventual aplicação da norma constante do n.º 5
do artigo 713º do CPC, invocando a sua pretendida inconstitucionalidade.
Não o tendo feito, e porque a aplicação daquela norma
não se reveste de natureza insólita ou surpreendente, mais não resta do que
registar a falta de suscitação processualmente adequada da inconstitucionalidade
da norma extraída do n.º 5 do artigo 713º do CPC, pelo que não se afigura
admissível proceder ao conhecimento do objecto do presente recurso, quanto à
parte respeitante à supra referida norma.
III – DECISÃO
Nestes termos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82,
de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de
Fevereiro, e pelos fundamentos supra expostos, decide-se não conhecer do objecto
do presente recurso.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos
termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.»
2. Notificado da mesma, o recorrente veio apresentar um requerimento aos autos,
“ao abrigo dos artigos 201º, nº 1, 266º, nº 1, 667º, nº 1, e 668º, nº 3, do
Código de Processo Civil (CPC), e 78º-B, n.º 1, da Lei nº 28/82, de 15 de
Novembro” (fls. 699), através do qual formulou diversos pedidos desprovidos de
qualquer fundamento legal, sem que, porém, viesse expressamente reclamar da
referida decisão. Para além disso, juntou ainda aos autos um extenso
requerimento (fls. 702 a 719) dirigido ao Tribunal da Comarca de Lisboa, que
anexou ao referido requerimento.
3. Dessa feita, a Relatora proferiu o seguinte despacho, em 08 de Junho de 2009:
“- Requerimento de rectificação e de arguição de nulidade processual (fls. 699 a
701)
1. Os dois pedidos de rectificação da decisão sumária proferida nos autos são
manifestamente desprovidos de cobertura legal, na medida em que o artigo 667º do
CPC, aplicável “ex vi” artigo 69º da LTC, apenas permite a rectificação de
decisões jurisdicionais para rectificação de erros materiais. Não se verifica
qualquer erro material na decisão sumária proferida. Caso o recorrente dela
discorde – como transparece do referido requerimento –, mais não lhe resta que
reclamar para a conferência, nos termos do n.º 3 do artigo 78º-A da LTC.
2. Quanto à alegada nulidade processual, regista-se que o recorrente persiste,
conforme tem vindo a ser habitual quer nos presentes, quer noutros autos, num
alegado dever de denúncia ao Ministério Público por parte de qualquer pessoa –
incluindo magistrados – que contactem com os autos.
Para que fique bem claro, o dever de denúncia previsto na alínea b) do n.º 1 do
artigo 242º, do Código Penal, apenas recai sobre os “funcionários” nela
identificados quando estes se deparem com “crimes de que tomarem conhecimento no
exercício das suas funções e por causa destas”. Ora, a Relatora não tomou
conhecimento de qualquer “crime” no exercício das suas funções. As considerações
tecidas pelo recorrente quanto à alegada falsificação de um documento devem ser
por si provadas perante um tribunal criminal, não dispondo o Tribunal
Constitucional de poderes, atribuídos pela Constituição ou pela lei, para aferir
da responsabilidade penal de indivíduos ou de pessoas colectivas. A mera
afirmação pelo recorrente de que foi praticado um crime não é geradora de
qualquer dever de denúncia de factos alegadamente constitutivos de um
determinado tipo de crime. Bom seria que o recorrente levasse esse seu temerário
entendimento até às últimas consequências e apresentasse ele próprio a
respectiva queixa pela prática dos factos que (apenas) ele reputa de criminosos.
Mais uma vez, constata-se não haver fundamento legal para a nulidade arguida. A
invocação do artigo 201º do CPC é, aliás, absurda, na medida em que aquele
preceito legal apenas se refere a omissões de actos processuais e não a deveres
externos ao processo. Como é evidente para qualquer destinatário diligente, o
dever de denúncia consagrado no artigo 242º do CPP configura um dever de
carácter pessoal que recai sobre o indivíduo que é momentaneamente titular do
título de “funcionário”, não sendo configurável como acto inserido em
determinado processo judicial, muito menos em sede de recurso de
constitucionalidade.
Por outro lado, ainda que o artigo 201º do CPC seja aplicável “ex vi” artigo 69º
da LTC, é manifesto que nem a lei comina de nula a omissão daquele dever de
denúncia – que como já demonstrado não recai sobre a Relatora –, nem tão pouco
tal omissão pode influir sobre o exame do recurso de constitucionalidade
interposto nos presentes.
Deste modo, não foi cometida qualquer nulidade processual, pelo que não se
verifica qualquer omissão a suprir.
3. Quanto ao mais, adverte-se que, atenta a manifesta improcedência dos vários
pedidos formulados e a circunstância de o fundamento de tais pedidos residir,
tão-só, na discordância do recorrente face ao teor da decisão sumária – que deve
ser deduzida sob forma de reclamação, nos termos do n.º 4 do artigo 78º-A da LTC
–, este Tribunal não tolerará qualquer tentativa de protelamento do trânsito em
julgado dos presentes autos, conforme temido pelos recorridos.
Caso o recorrente persista nesta conduta processual, que raia já o limite do
aceitável, forçoso será ponderar a sua condenação em litigância de má fé, nos
termos previstos nos n.ºs 6 e 7 do artigo 84º da LTC.
- Quanto ao requerimento de arguição de nulidades (fls.
702 a 719)
4. O requerimento supra identificado encontra-se endereçado ao Tribunal da
Comarca de Lisboa, pelo que os pedidos nele formulados deverão ser por aquele
apreciados, logo que os autos baixem ao tribunal recorrido. Não se verifica
qualquer razão para a baixa imediata dos autos, na medida em que já foi
proferida decisão sumária que aguarda o seu célere trânsito em julgado.” (fls.
823 a 825)
4. Notificado deste último despacho, o recorrente veio aos autos, em
23 de Junho de 2009, juntar novo requerimento – e, mais uma vez, não deduzindo
qualquer reclamação contra a decisão sumária proferida em 12 de Dezembro de 2008
(!) –, nos termos do qual, reitera questões já amplamente decididas e resolvidas
nos autos, persistindo no entendimento de que lhe assiste ainda o direito de,
posteriormente, vir a deduzir reclamação contra a referida decisão. Com efeito,
chega mesmo a afirmar:
“5. Refere-se, o dito despacho, ao direito previsto no artigo 78º-A, n.º 4, da
LTC. Mas, no modesto entendimento do mandatário do Recorrente, tal direito só
deve ser exercido depois de exercidos os poderes conferidos ao Relator pelo
disposto no artigo 78º-B, nº 1, da mesma Lei, sendo certo que o cumprimento do
disposto no artigo 97º do CPC, e 245º do CPP, compete, em primeiro lugar, ao
Relator.” (fls. 841)
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
5. Apesar de dirigir expressamente o requerimento de fls. 840 e 841 à Relatora
dos presentes autos, afigura-se evidente que o recorrente apenas pretende
colocar em crise a própria decisão sumária proferida, persistindo num alegado
dever de denúncia que teria sido omitido na referida decisão e cuja inexistência
legal já se encontra por demais demonstrada nos autos, designadamente, através
de despacho proferido pela Relatora em 8 de Junho de 2009. Esta insistência do
recorrente aproxima – de modo quase definitivo – a sua intervenção processual da
litigância de má fé, começando a ser notório que o seu único propósito reside no
protelamento do trânsito em julgado da referida decisão sumária. De qualquer
modo, admitindo ainda que tal conduta possa vir a conformar-se com os limites
fixados pela lei, não se procederá, por ora, a qualquer apreciação de tal
conduta para efeitos de condenação em litigância de má fé.
Diga-se que o n.º 3 do artigo 78º-A da LTC determina que o único meio admissível
de impugnação das decisões sumárias é a reclamação para a conferência. Tal não
significa que, nessa sede, os recorrentes não possam invocar quaisquer nulidades
que entendam ter sido praticadas pelo Relator, mas apenas que a apreciação de
tais fundamentos de impugnação deva ser julgada por um colectivo formado pelo
Relator, pelo Presidente ou Vice-Presidente e por outro juiz da respectiva
secção.
Este tem sido, aliás, o entendimento unânime do Tribunal Constitucional que,
para além, de proceder, invariavelmente, à apreciação de alegadas nulidades, em
sede de reclamação (a título de exemplo, vejam-se os Acórdãos n.º 431/2000, n.º
135/2003, n.º 26/2004, n.º 67/2004, n.º 367/2004, n.º 65/2006, complementado
pelo Acórdão n.º 282/2006, e n.º 283/2006, disponíveis in
www.tribunalconstitucional.pt), já teve mesmo oportunidade de frisar que a sede
própria para discussão de alegadas nulidades de decisões sumárias proferidas é
precisamente a reclamação para a conferência, prevista no n.º 3 do artigo 78º-A,
da LTC (assim, ver Acórdãos n.º 541/06 e n.º 709/07, ambos disponíveis in
www.tribunalconstitucional.pt).
Assim sendo, restaria saber, face ao uso indevido de um meio processual que não
se encontra previsto na lei que rege a tramitação dos recursos perante o
Tribunal Constitucional, se a Relatora deveria rejeitar liminarmente tal
requerimento – por manifesta ausência de previsão legal – ou se, pelo contrário,
tal acto processual poderia ser aproveitado, mediante convolação em reclamação
para a conferência prevista no n.º 3 do artigo 78º-A, da LTC.
A este propósito, o Acórdão n.º 541/06 já afirmou a seguinte linha de raciocínio
que ora se retoma:
“No caso dos presentes autos, optou‑se, em vez do não conhecimento do “falso
pedido de aclaração” com o consequente trânsito em julgado da decisão sumária,
pela qualificação do pretenso “pedido de esclarecimento” como “reclamação para a
conferência” da mesma decisão, o que ao Tribunal era lícito fazer, já que não
está condicionado pela qualificação jurídica feita dessa peça processual pela
parte apresentante, em manifesta desconformidade com a sua substância. Trata‑se,
no fundo, do cumprimento da regra, emergente do princípio da tutela
jurisdicional efectiva, constitucionalmente consagrado, que manda privilegiar as
decisões de mérito em detrimento das decisões de mera forma, e que corresponde
ao dever de os tribunais providenciarem oficiosamente pelo andamento regular e
célere do processo (artigo 265.º, n.º 1, do Código de Processo Civil – CPC),
determinando a prática dos actos que melhor se ajustem ao fim do processo
(artigo 265.º‑A do CPC), o que inclui a faculdade de convolação dos meios
processuais incorrectamente utilizados (cf., a título de exemplo, o disposto no
artigo 688.º, n.º 5, do CPC).
Nesta mesma linha jurisprudencial se inserem, por último, o Acórdão
n.º 379/2006, que decidiu tratar como reclamação para a conferência um
“requerimento de aclaração” de decisão sumária no qual não se apontava nenhum
problema de interpretação desta, mas apenas se revelava discordância quanto à
afirmação, nela contida, de que não fora definida pelo recorrente qualquer
questão de inconstitucionalidade normativa, e o Acórdão n.º 427/2006, que
desatendeu arguição de nulidade do Acórdão n.º 362/2006, arguição fundada em
este Acórdão ter decidido como reclamação para a conferência um requerimento
designado por “arguição de nulidade” de decisão sumária, referindo o Tribunal
que, não obstante tal requerimento não ter sido formalmente designado pelo
requerente como “reclamação para a conferência”, a verdade é que, atento o seu
conteúdo, era esse o meio processual a que correspondia, sendo, por outro lado,
inquestionável, desde logo por força dos princípios da economia e da adequação
processuais, que o tribunal que proferiu certa decisão tem o poder‑dever de
corrigir a incorrecta qualificação jurídico‑processual de certa pretensão do
recorrente, tratando‑a nos quadros da reclamação para a conferência quando, em
termos substanciais, apesar de invocadas pretensas ou ficcionadas nulidades, o
que se pretende é a pura e simples impugnação da decisão sumária proferida.”
Na linha da jurisprudência supra citada, reforça-se que a convolação do
requerimento apresentado em reclamação para a conferência insere-se precisamente
no pleno exercício dos poderes-deveres constitucionais que foram entregues a
este Tribunal e, em especial, do dever de respeito e de implementação do direito
de acesso a uma tutela jurisdicional efectiva, necessariamente célere (artigo
20º, n.ºs 1 e 4, da CRP) e que se traduz, no plano infra-constitucional, nos
artigos 2º, n.º 1, 265º, n.º 1 e 266º, n.º 1, todos do CPC, aplicáveis “ex vi”
artigo 69º da LTC. Deste modo, impõe-se que este Tribunal conheça da questão
colocada, mesmo que não tenha sido deduzida – de forma expressa – reclamação
para a conferência.
6. Posto isto, importa então fixar o objecto da presente reclamação.
Através do requerimento de fls. 840 e 841, o reclamante limita-se a reiterar o
entendimento de que recai sobre a Relator do presente recurso um dever de
denúncia da prática de determinado crime, pelo que a decisão sumária padeceria
de nulidade, por tal dever não ter sido cumprido.
Ora, conforme já inequivocamente demonstrado pelo despacho proferido pela
Relatora, em 08 de Junho de 2009, não recaía sobre ela qualquer dever de
denúncia:
“Para que fique bem claro, o dever de denúncia previsto na alínea b) do n.º 1 do
artigo 242º, do Código Penal, apenas recai sobre os “funcionários” nela
identificados quando estes se deparem com “crimes de que tomarem conhecimento no
exercício das suas funções e por causa destas”. Ora, a Relatora não tomou
conhecimento de qualquer “crime” no exercício das suas funções. As considerações
tecidas pelo recorrente quanto à alegada falsificação de um documento devem ser
por si provadas perante um tribunal criminal, não dispondo o Tribunal
Constitucional de poderes, atribuídos pela Constituição ou pela lei, para aferir
da responsabilidade penal de indivíduos ou de pessoas colectivas. A mera
afirmação pelo recorrente de que foi praticado um crime não é geradora de
qualquer dever de denúncia de factos alegadamente constitutivos de um
determinado tipo de crime. Bom seria que o recorrente levasse esse seu temerário
entendimento até às últimas consequências e apresentasse ele próprio a
respectiva queixa pela prática dos factos que (apenas) ele reputa de criminosos.
Mais uma vez, constata-se não haver fundamento legal para a nulidade arguida. A
invocação do artigo 201º do CPC é, aliás, absurda, na medida em que aquele
preceito legal apenas se refere a omissões de actos processuais e não a deveres
externos ao processo. Como é evidente para qualquer destinatário diligente, o
dever de denúncia consagrado no artigo 242º do CPP configura um dever de
carácter pessoal que recai sobre o indivíduo que é momentaneamente titular do
título de “funcionário”, não sendo configurável como acto inserido em
determinado processo judicial, muito menos em sede de recurso de
constitucionalidade.
Por outro lado, ainda que o artigo 201º do CPC seja aplicável “ex vi” artigo 69º
da LTC, é manifesto que nem a lei comina de nula a omissão daquele dever de
denúncia – que como já demonstrado não recai sobre a Relatora –, nem tão pouco
tal omissão pode influir sobre o exame do recurso de constitucionalidade
interposto nos presentes.
Deste modo, não foi cometida qualquer nulidade processual, pelo que não se
verifica qualquer omissão a suprir.”
Ora, este Tribunal não tem nada mais a acrescentar ao referido despacho,
considerando que a decisão sumária ora reclamada não padece de qualquer
nulidade, por pretensa preterição de dever de denúncia por parte da Relatora,
devendo a mesma decisão ser plena e integralmente confirmada.
III – DECISÃO
Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo
78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei
n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos
termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 30 de Julho de 2009
Ana Maria Guerra Martins
Vítor Gomes
Rui Manuel Moura Ramos