Imprimir acórdão
Processo n.º 328/09
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
Na acção, com processo sumário (proc. n.º 206/2002) que corre termos no 4.º
Juízo Cível do Tribunal de Santo Tirso, proposta por A. contra B. e C., foi
proferida sentença em 24-4-2006 que julgou a acção parcialmente procedente e
condenou os Réus a pagarem ao Autor as quantias de € 590,94 e € 1.025,43,
acrescidas de juros.
Os Réus interpuseram recurso desta sentença, requerendo que fosse fixado ao
recurso efeito suspensivo.
Em 16-6-2006 foi proferido despacho fixando ao recurso efeito meramente
devolutivo.
Os Réus requereram a aclaração desta decisão, o que foi indeferido por despacho
proferido em 5-9-2006.
Os Réus requereram, então, a reforma da decisão proferida em 16-6-2006, o que
foi indeferido por despacho proferido em 14-4-2007.
Os Réus vieram arguir a nulidade desta decisão, o que foi indeferido por
despacho proferido em 22-5-2007.
Os Réus requereram a aclaração desta última decisão, tendo sido proferido em
16-11-2007 despacho de aclaração da mesma (fls. 389).
Entretanto, no Tribunal da Relação do Porto, por decisão do relator proferida
em 11-6-2007, foi alterado o efeito do recurso atribuído na 1ª instância,
sendo-lhe fixado efeito suspensivo.
Os Réus interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, nos seguintes
termos:
“…não se podendo conformar com o douto despacho aclarando de fls. 389, que
decide não existir vinculação à apreciação do mérito do recurso, pelo Tribunal
“a quo” decorrente “ipso facto” da apresentação das alegações no recurso de
apelação que foi interposto, por o mero facto da apresentação daquelas
alegações não traduzir um pedido de requerimento para uma sua apreciação pelo
Tribunal “a quo” dele vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional.
A norma do artº 669.º- 3 do C.P.C. interpretada no referido sentido com que foi
aplicada no douto despacho de fls. 389, de que teria de haver um pedido
expressamente formulado nas alegações dirigidas ao Tribunal “a quo” pelo que sem
aquele pedido expresso não compete ao Tribunal “a quo” a apreciação do mérito
do recurso, viola o n.º 1, do artº 20º, da Constituição da República…”
Foi proferido despacho em 3-2-2009 que não admitiu o recurso, com a seguinte
fundamentação:
“Os recorrentes baseiam o recurso interposto a fls. 392, na al. b) do n.º 1 do
art.º 70.º da Lei Orgânica Sobre a Organização, Funcionamento e Processo do
Tribunal Constitucional.
No entanto, e nos termos do disposto no art.º 76.º da aludida Lei, indefiro ao
requerimento do recurso em causa face ao teor do art.º 70.º, n.º 2, do mesmo
diploma.”
Os recorrentes reclamaram destes despacho nos seguintes termos:
“A decisão de rejeição do recurso assenta na consideração do teor do nº 2 do
art. 70 da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, que diz o seguinte:
“…
2. Os recursos previstos nas alíneas b) ... apenas cabem de decisões que não
admitam recurso ordinário ...”
A questão de inconstitucionalidade arguida é a norma do art. 669-3 do C.P.C.
(redacção anterior ao D.L. nº 303/2007, de 24-8, dada pelo D.L. nº 180/96, de 25
de Setembro) interpretada no sentido de que, interposto recurso para o Tribunal
da Relação, da sentença da 1ª Instância que conheceu do mérito, e apresentada a
alegação de recurso onde é requerida a apreciação do mérito, não há, decorrente
“ipso facto” dessa apresentação da alegação pelo recorrente, um pedido de
reforma da sentença a cuja apreciação o Tribunal da 1ª instância esteja, antes
da subida do recurso ao Tribunal da Relação, vinculado a apreciar.
Ora o despacho do nº 1 parte final do art. 744 do C.P.C. para que remetem os
arts. 669-3, e 668-4, não admite recurso.
E, estabelece o nº 2 do art. 670 do C.P.C. que:
“…
2 – Do despacho que indeferir o requerimento de rectificação, esclarecimento ou
reforma não cabe recurso...”
Por sua vez, ainda, o nº 2 do art. 666 do C.P.C. diz que:
3 – O disposto nos números anteriores bem como nos artigos subsequentes,
aplica-se, até onde seja possível, aos próprios despachos...”
Por isso, da decisão de fls. 389, não cabe recurso ordinário.
Assim, deve ser admitida a presente reclamação e, em consequência, ser admitido
o recurso.”
O Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação nos
seguintes termos:
“1. B. e C. reclamaram para este Tribunal do despacho de não admissão de recurso
de constitucionalidade (fls. 742 e 748) que havia sido interposto a fls. 392.
Nesse requerimento de interposição de recurso os reclamantes recorrem “do
despacho de fls. 389”.
Ora, este despacho, apenas se limitou a apreciar esse pedido de aclaração e de
nulidade do despacho de fls. 351.
Assim sendo, foi neste último despacho que foi aplicada a norma reportada de
inconstitucional.
Aliás, os próprios reclamantes dizem expressamente, no requerimento, que
pretendem a aclaração “do douto despacho de fls. 351 na parte em que refere” …
não podendo apreciar-se as que dizem respeito ao mérito do recurso interposto de
acção principal…”.
Mesmo que se considere que o segundo despacho complementa o primeiro, ao
interpor-se recurso apenas do segundo, parece-nos não estar preenchido um dos
requisitos de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº
1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional: a decisão recorrida ter
aplicada como sua “ratio decidendi” a norma cuja inconstitucionalidade se havia
suscitado.
2. Por outro lado, também não foram esgotados os recursos ordinários que, no
caso, cabiam (artigo 70º, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional).
O despacho recorrido indefere a arguição de nulidade mas não indefere a
aclaração, pois aí se diz que “pelas razões expostas não se afigura ocorrer
qualquer nulidade do despacho ora esclarecido, pelo que se indefere a mesma”
(sublinhado nosso).
Ora, os reclamantes quando recorrem para este Tribunal apenas falam do “despacho
aclarando” nunca se lhe referindo enquanto indeferiu a arguição de nulidade.
Desta forma, poderíamos estar perante a previsão da segunda parte do nº 2 do
artigo 670º do Código de Processo Civil, em que a decisão que aclarou se
considera parte integrante da sentença, logo, no caso, recorrível.
3. Mas, mesmo que estivéssemos perante um indeferimento (primeira parte do nº 2
do artigo 670º), a irrecorribilidade justifica-se porque, cabendo recurso de
decisão, todas essas questões poderão ser apreciadas pelo tribunal superior.
Nos presentes autos não só a decisão é recorrível como já foi interposto
recurso e admitido.
Os recorrentes responderam do seguinte modo:
“O despacho aclaratório (despacho de fls. 389) e o despacho aclarando (despacho
de fls. 351) formam uma peça única, para todos os efeitos.
Tanto dá, dizer que se recorre do aclarando ou do aclaratório porque estão
fundidos. São ou formam, uma única peça.
Essa única peça é a decisão recorrida.
Se porventura assim não fosse, há violação (reiterada ou continuada) por omissão
do Mmo. Juiz “a quo”, em que podendo (devendo) conhecer do mérito do recurso de
apelação (enquanto os autos com o recurso de apelação se encontram na 1ª
Instância) reitera o Mmo. Juiz “a quo” em não conhecer do mérito do recurso de
apelação (podendo fazê-lo).
Sempre que reitera a omissão, de não conhecer do mérito do recurso de apelação,
podendo fazê-lo, como acontece a fls. 389 dos autos, faz aplicação da norma com
a interpretação inconstitucional arguida, como “ratio decidendi” ao reiterar a
omissão.
A decisão recorrida, fundida pelos despachos aclarando e aclaratório (fls. 351 e
389), proferida pelo Mmo. Juiz “a quo” de que não tem (deve) conhecer do mérito
do recurso de apelação, não admite recurso ordinário.
E o Tribunal da Relação não pode proferir decisão expressa no sentido, de que o
Mmo. Juiz “a quo” conheça do mérito do recurso de apelação.”
*
Fundamentação
A decisão recorrida é um despacho que aclarou uma decisão de indeferimento de
nulidade apontada a despacho que indeferiu um pedido de reforma de despacho
proferido em 1ª instância de fixação do efeito de recurso interposto para o
Tribunal da Relação.
O despacho recorrido deve considerar-se parte integrante do despacho aclarado
(artigo 670.º, n.º 2, do C.P.C.).
O despacho aclarado indefere uma arguição de nulidade de pedido de reforma, o
qual não é recorrível (artigo 670.º, n.º 2, do C.P.C.).
Contudo, todos estes incidentes pós-decisórios se reportam à decisão de fixação
do efeito de recurso no tribunal recorrido.
Ora, este despacho tem um cariz provisório e precário, uma vez que não vincula o
tribunal superior, conforme resulta do disposto no artigo 687.º, n.º 4, do
C.P.C.: “a decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie ou determine o
efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior, e as partes só a podem
impugnar nas suas alegações”.
Destinando-se essa decisão a ser substituída por outra proferida pelo tribunal
superior, esta de cariz definitivo, não há qualquer utilidade no conhecimento
pelo Tribunal Constitucional do recurso dela interposto ou dos seus incidentes
pós-decisórios.
Na verdade, considerando a natureza instrumental do recurso constitucional,
aferida pela susceptibilidade de repercussão útil no processo concreto de que
emerge, não deve ser admitido o recurso para o Tribunal Constitucional
interposto de decisões com o referido cariz provisório e precário.
Conforme se verifica no presente caso, em que o efeito do recurso já foi
alterado pelo tribunal superior no sentido proposto pelo recorrente (efeito
suspensivo), a pronúncia que viesse a ser feita no recurso para o Tribunal
Constitucional sobre uma eventual inconstitucionalidade da interpretação
normativa sustentada em incidente pós-decisório de um despacho que deixou de ter
qualquer eficácia no processo, não teria qualquer repercussão útil, isto é, o
tribunal a quo nunca seria confrontado com a obrigatoriedade de reformar o
sentido do seu julgamento, o qual está ultrapassado pela fixação definitiva do
efeito do recurso efectuada pelo Tribunal da Relação do Porto.
Não devendo ser conhecido o recurso interposto para o Tribunal Constitucional
pelos Réus a fls. 392, deve ser indeferida a reclamação do despacho que não o
admitiu.
*
Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por B. e C. do despacho
proferido em 3-2-2009 que não admitiu o recurso por eles interposto para o
Tribunal Constitucional.
*
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC, tendo em
consideração os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º
303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 17 de Junho de 2009
João Cura Mariano
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos