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Processo n.º 430/2008
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A., notificado do Acórdão do Tribunal nº 386/2009, de 23 de Julho, em que se
decidiu indeferir reclamação que o mesmo apresentara, vem agora requerer que o
Tribunal esclareça a obscuridade que, no seu entender, o referido Acórdão
conteria.
Fê-lo nos seguintes termos:
A., arguido no processo acima referenciado, parque está em tempo, tem
legitimidade, e tem interesse em agir, e porque tem dúvidas sobre o aliás, douto
acórdão de 23 Julho de 2009, dele vem requerer a V.Exas. se dignem esclarecê-lo
da seguinte obscuridade que urge, salvo o devido respeito, que aliás, é muito,
sanar:
Refere o Douto Acórdão, na esteira da douta decisão sumária que: ?o reclamante
pretende defender a tese segundo a qual decorre da Constituição a necessária
existência de um terceiro grau de recurso em matéria criminal.
(?)
O que sempre se tem dito ? de forma de tal modo reiterada que não vale a pena
agora voltar a dizer onde ? é que a Constituição impõe o princípio do duplo grau
de jurisdição em matéria penal: deve poder ser, sempre, reexaminada por tribunal
superior qualquer situação da qual decorra restrição ou limitação da liberdade
ou da segurança das pessoas.
O mesmo disse, aliás, o tribunal a quo: ?admitir como fundamento de recurso em
matéria de facto, o que a Constituição de forma alguma impõe e a lei não
estabelece? ? o sublinhado é nosso ?
Ora com o devido respeito, na verdade, a abundante e claríssima jurisprudência
existente quanto à questão suscitada a propósito da limitação do recurso em
matéria de facto vertida no artigo 410º nº 2 e 434° do CPP, é precisamente o
juízo de não inconstitucionalidade, na medida que limita o recurso a esses
vícios (cfr. Acórdão nº 533/98).
Ora, se por um lado a manifesta improcedência se baseou na firmada
jurisprudência, o certo é que, no nosso caso, o que se pretendia era que a norma
ordinária 434º do CPP tivesse em consonância com o artigo 32° nº 1 da CRP,
quando deve assegurar o processo penal todas as garantias de defesa, incluindo o
recurso (aqui só limitado ao artigo 410º nº 2 do CPP ex vi artigo 434° do mesmo
diploma).
Assim se o douto acórdão refere que a Constituição não impõe um terceiro grau de
jurisdição, também não é menos verdade que o não limita, pois o processo penal
assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.
Nesta medida é a norma do CPP (cfr. 400º n° 1 al. f) a contrário, e 434º), que
dá essa garantia de recurso ao interpor-se recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça, de acórdãos proferidos pelas relações, que apliquem pena superior a 8
anos de prisão, sem prejuízo do disposto nos n°s 3 e 3 do artigo 410° do CPP.
Fica-nos assim a dúvida se o douto acórdão a esclarecer (pois é omissa quanto a
essa questão), se também entende na esteira do douto acórdão do STJ que os
vícios previstos no artigo 410º n° 2 do CPP ex vi artigo 434° do mesmo diploma,
nunca podem ser invocados em recurso pelos recorrentes, mas apenas conhecidos
oficiosamente pelo mesmo e que com essa interpretação não viola o artigo 18º nº
3 e 32° n° 1 da CRP?
E, na verdade essa questão foi levada à conferência no seu requerimento no ponto
25.
2. Notificado do pedido de aclaração, veio o representante do Ministério Público
junto do Tribunal Constitucional responder-lhe do seguinte modo:
1º
O essencial do que consta do pedido de aclaração já integrava a reclamação de
Decisão Sumária de fls. 478 a 492.
2°
O Acórdão proferido na sequência dessa reclamação apreciou, de uma forma que nos
parece absolutamente clara, a questão de inconstitucionalidade das normas dos
artigos 410° e 434° do Código de Processo Penal.
3°
No pedido de aclaração vem o recorrente dizer que ?se o douto Acórdão refere que
a Constituição não impõe um terceiro grau de jurisdição, também não é menos
verdade que o não limita, pois o processo penal assegura todas as garantias de
defesa incluindo o recurso?.
4º
Efectivamente, resulta da jurisprudência uniforme deste Tribunal ? que o Acórdão
acolhe e a Decisão Sumária já havia referido pormenorizadamente ? que, não
impondo a Constituição um triplo grau de jurisdição em matéria penal, as normas
que o não prevêem, não são inconstitucionais, pois não violam o artigo 32°, n° 1,
da Constituição.
5°
Pode concordar-se ou não com este entendimento, mas ele parece?nos totalmente
claro.
6º
Pelo exposto, deve indeferir-se o pedido de aclaração.
3. De acordo com o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 669.º do Código de
Processo Civil ? aplicável aos processos de fiscalização concreta da
constitucionalidade de normas por força do artigo 69º da Lei do Tribunal
Constitucional ? qualquer das partes pode requerer ao tribunal que proferiu a
sentença o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que ela contenha.
É ao abrigo desta disposição que o requerente vem solicitar a aclaração do
sentido do Acórdão nº 386/2009. Decorre ainda do texto do requerimento que o
pedido se circunscreve ao passo contido no § 8 dos fundamentos do referido
Acórdão.
O § 8 não é obscuro nem ambíguo.
Tal como salienta o representante do Ministério Público no Tribunal, neste passo
do Acórdão apenas se reafirmou o que já se dissera em decisão sumária. A
reafirmação foi absolutamente clara: não impondo a Constituição um triplo grau
de jurisdição em matéria penal ? conforme o tem entendido jurisprudência unânime,
e bem conhecida ?, as normas de direito ordinário que o não prevêem não são,
elas próprias, inconstitucionais. Tanto fundou a manifesta improcedência da
questão de constitucionalidade que o requerente colocara ao Tribunal.
Nada há, por isso, que aclarar.
4. Pelo exposto, indefere-se o pedido de aclaração.
Custas pelo requerente, fixadas em 20 ucs. da taxa de justiça.
Lisboa, 19 de Outubro de 2009.
Maria Lúcia Amaral
Carlos Fernandes Cadilha
Gil Galvão