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Processo n.º 195/09
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
EM CONFERÊNCIA DA 1ª SECÇÃO ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1. A fls 1244 foi preferida, nestes autos, a seguinte decisão sumária:
Nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional,
decide-se:
A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro (LTC), pretendendo impugnar 'as
normas constantes dos artigos 14º do RGIT, 1º e 129º do Código Penal e 71º do
Código de Processo Penal, quando interpretadas e aplicadas no sentido de a
suspensão da execução da pena de prisão poder ser condicionada à reparação de
danos decorrentes da prática de actos que não consubstanciam a prática de
qualquer crime, mas sim meras contra-ordenações' e no sentido 'de que é possível
condenar-se alguém que foi declarado falido em sentença já transitada em julgado
em pena de prisão suspensa na sua execução condicionada ao pagamento de quantia
devida à Segurança Social, quantia essa que manifestamente não podia suportar.
O recurso em causa tem carácter normativo, cabendo das decisões dos tribunais
que aplicaram norma arguida de desconformidade constitucional; como requisito da
sua interposição exige o artigo 72º n.º 2 da LTC que a questão tenha sido
previamente suscitada perante o tribunal recorrido 'em termos de este estar
obrigado a dela conhecer'.
A suscitação da questão implica, para este efeito, a acusação formal de
desconformidade constitucional de norma jurídica aplicável ao caso.
Ora, a verdade é que o recorrente não suscitou a questão de
inconstitucionalidade normativa perante o tribunal recorrido, pois limitou-se a
invocar, perante esse tribunal, a inconstitucionalidade da sentença
condenatória; não foi feita, em suma, qualquer referência à
inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 14º do RGIT, 1º e 129º
do Código Penal e 71º do Código de Processo Penal, aplicáveis ao caso.
Mas, para além disso, a determinação jurídica relativa à possibilidade de
condenar 'alguém que foi declarado falido em sentença já transitada em julgado
em pena de prisão suspensa na sua execução condicionada ao pagamento de quantia
devida à Segurança Social, quantia essa que manifestamente não podia suportar',
dependente, como está, da prévia ponderação quanto a saber se o arguido pode, ou
não, suportar o pagamento que condiciona a suspensão da pena, representa, em si
mesmo, a própria decisão do tribunal, não constituindo uma norma jurídica; e
sempre seria manifestamente improcedente a acusação de inconstitucionalidade de
norma que permite condicionar a suspensão da pena de prisão à reparação de danos
decorrentes, ainda que indirectamente, da prática dos actos que determinaram a
condenação.
Decide-se, em suma, não conhecer do objecto do recurso. [...]
2. Contra a decisão reclama o recorrente, nos seguintes termos:
1. Entendeu não conhecer-se do recurso interposto pelo ora reclamante com os
seguintes argumentos: “o recurso em causa tem carácter normativo, cabendo das
decisões dos tribunais que aplicaram norma arguida de desconformidade
constitucional; como requisito da sua interposição exige o artigo 72.º n.º 2 da
LTC que a questão tenha sido previamente suscitada perante o tribunal recorrido
«em termos de este estar obrigado a dela conhecer». A suscitação da questão
implica, para este efeito, a acusação formal de desconformidade constitucional
de norma jurídica aplicável ao caso. Ora, a verdade é que o recorrente não
suscitou a questão de inconstitucionalidade normativa perante o tribunal
recorrido, pois limitou-se a invocar, perante esse tribunal, a
inconstitucionalidade da sentença condenatório; não foi feita, em suma, qualquer
referência à inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 14.º do
RGIT, 1.º e 129.º do Código Penal e 71.º do Código de Processo Penal, aplicáveis
ao caso”.
2. Com o devido respeito que nos merece o despacho reclamado, não pode o ora
reclamante com ele concordar e conformar-se.
3. O reclamante, quando da interposição de recurso para o Tribunal da Relação de
Lisboa, enunciou determinadas questões que, no seu entender, deveriam ser
objecto de reapreciação, assacando-lhe diversos vícios que entendia e entende
existirem.
4. Para demonstrar a razão do ora reclamante e provar que efectivamente invocou
a questão da inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido, transcreve-se
agora parte do recurso por si apresentado: “por outro lado, dispõe o n.º 1 do
artigo 14.º do mesmo RGIT que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada
é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos
subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais. Sucede
que, no caso concreto, foi aplicada pena de prisão suspensa e condicionada ao
pagamento, não só daquela importância de €49.482,50 (ou €49.905,79 conforme é
referido no ponto 36 dos factos provados ou €55.132,24 como é referido a folhas
21 da douta sentença) e acréscimos legais, mas da totalidade da dívida à
Segurança Social, ou sela €163.774,32. Isto não obstante o vertido a folhas 34
da douta sentença recorrida onde se refere que «a norma do artigo 129.º do
Código Penal (conjugue-se com o artigo 71.º do CPP) limita a intervenção da lei
civil à indemnizacão de perdas e danos emergentes de crime», pressupondo a
efectiva ocorrência deste e a determinação da respectiva autoria» Vimos, com
efeito, que a lei e em especial o RGIT consagra que a suspensão da pena de
prisão é condicionada ao pagamento das importâncias retidas e não entregues. De
resto, é precisamente a não entrega das contribuições retidas no prazo previsto
na lei que constitui crime. Porém, por força do dispositivo da douta sentença
proferida, se o arguido não entregar as aludidas quantias e ainda os montantes
das cotizações... irá cumprir pena de prisão. Isto não obstante o facto de a não
entrega das cotizações não constituir crime antes sim contra-ordenação prevista
e punida pelo artigo 114.º do RGIT tão somente com coima. Tendo cominado com
pena de prisão a não entrega no prazo concedido das cotizações da sociedade B.,
facto que constitui tão somente contra-ordenação, a douta sentença recorrida
violou o princípio “nula pena sine lege” e o disposto no artigo 1.º do Código
Penal e os artigos 27.º n.º 1 e 2 e ainda o artigo 29.º n.º 1 e 3, todos da
Constituição da República Portuguesa”. (sublinhado nosso)
5. E escreveu ainda que “no caso concreto, mesmo a aplicação de pena de prisão
suspensa condicionada ao pagamento das importâncias retidas — contribuições — é
inconstitucional”.
6. E quase no fim do recurso deixou-se claramente expresso que “deste modo, ao
condenar o arguido falido a pena de prisão condicionada, em teoria, ao pagamento
da importância retida, o Tribunal condenou o arguido em pena de prisão efectiva,
a qual não se justificava como decorre do próprio teor da douta sentença
recorrida. Violou assim e mais uma vez o disposto nos artigos 27.º n.º 1 e 2 e
ainda o artigo 29.º n.º 1 e 3, todos da Constituição da República Portuguesa”.
7. Como se vê, não se percebe como se pode ter considerado que a questão não foi
previamente suscitada perante o tribunal recorrido.
8. Das passagens seleccionadas é bom de ver que a questão foi expressa e
inequivocamente levantada perante o tribunal recorrido.
9. E mais, o próprio Tribunal da Relação no seu Acórdão respondeu à questão da
constitucionalidade levantada pelo arguido, então recorrente: “carpe-se agora o
arguido de que apesar de ter sido condenado numa pena de prisão suspensa, como
essa suspensão foi condicionada (e não o podia ter sido de outro modo, segundo o
citado art. 14.º, n.º 1) ao pagamento de uma importância monetária que ele diz
que não tem, a pena em que foi condenado é como se na realidade fosse efectiva.
E como ninguém pode ser preso por dívidas, aquela condenação viola o disposto
nos arts. 27.º, n.º 1 e 2 e 29., n.º 1 e 3, da Constituição” (cfr. pág. 43 do
acórdão do Tribunal da Relação).
10. E prosseguiu esse Tribunal descrevendo o conteúdo dos artigos 29.º e 27.º da
CRP, quanto ao primeiro disse liminarmente “por não se ver o que é que o teor
desta norma tenha a ver com o caso, detenhamo-nos antes na invocada violação do
art. 27.º, n.º 1 e 2 (...) a propósito do art. 27.º-B do R.J.I.F.N.A. (abuso de
confiança em relação à segurança social), pode ver-se o acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 516/00, de 29-11-2000, proferido no processo n.º 80/00,
publicado no Diário da República, II Série, de 31-1 -2001, em que se entendeu
que aquela norma «não viola portanto o princípio segundo o qual ninguém pode ser
privado da sua liberdade pela única razão de não poder cumprir uma obrigação
contratual, implicado pelo direito à liberdade e à segurança consagrado no
artigo 27.º, n.º 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa» (...) assim,
também nesta matéria falece a razão ao recorrente nas objecções que aponta.”
11. Conforme já referiu o ora reclamante em diversas outras oportunidades,
foi-lhe aplicado o preceituado no art. 14., n.º 1 do RGIT quando tal norma é
inconstitucional e foi essa inconstitucionalidade normativa arguida perante o
Tribunal da Relação de Évora e posteriormente perante o Tribunal Constitucional.
12. Foi igualmente feita interpretação incorrecta dos arts. 1.º e 129.º do CP e
71.º do CPP ao condenar-se o arguido numa pena suspensa condicionada ao
pagamento das quantias em dívida porquanto foi entendido que era suficiente a
ameaça da sanção e essa sanção, atenta a impossibilidade de cumprir com a
condição imposta, traduz-se numa efectiva realidade ainda que a prazo.
13. Assim, não se percebe em que se baseia o Exmo. Senhor Juiz Relator ao
afirmar que a questão não foi suscitada perante o tribunal recorrido, pois não
só foi suscitada expressamente pelo recorrente, como ainda sobre a mesma se
pronunciou aquele venerando Tribunal.
Termos em que se deve dar como procedente a presente reclamação, conhecendo-se e
decidindo-se o recurso que o arguido oportuna e legitimamente apresentou.
O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado da
reclamação deduzida, respondeu-lhe nos termos seguintes:
1.º – Após ter sido notificado nos termos e para os efeitos do artigo 75º A, nº
5, da Lei do Tribunal Constitucional, o recorrente veio tentar atribuir um
conteúdo normativo às questões que anteriormente levantara.
2.º – Ora, o convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição de
recurso visa, exclusivamente, dar a possibilidade ao recorrente de suprir
deficiências formais daquele requerimento.
3.º – Sendo o momento apropriado para aferir da correcta suscitação de questão
de constitucionalidade, a motivação do recurso para a Relação, constata-se que
aí, efectivamente, não foi suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade
normativa.
4.º – Na reclamação apresentada o recorrente limita-se a reafirmar e transcrever
o que disse naquela motivação, nada de inovador acrescentando.
5.º – Quanto ao facto de o Tribunal da Relação ter respondido às questões de
constitucionalidade, é óbvio que tendo o recorrente invocado a violação da
Constituição pela decisão da primeira instância, foi nesse âmbito que a Relação
apreciou a violação dos preceitos constitucionais.
3. Cumpre decidir.
Apura-se que a decisão sumária reclamada decidiu não conhecer do recurso
interposto pelo recorrente A. ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da
Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro (LTC), com os seguintes fundamentos: pretendendo
impugnar 'as normas constantes dos artigos 14º do RGIT, 1º e 129º do Código
Penal e 71º do Código de Processo Penal, quando interpretadas e aplicadas no
sentido de a suspensão da execução da pena de prisão poder ser condicionada à
reparação de danos decorrentes da prática de actos que não consubstanciam a
prática de qualquer crime, mas sim meras contra-ordenações' e no sentido 'de que
é possível condenar-se alguém que foi declarado falido em sentença já transitada
em julgado em pena de prisão suspensa na sua execução condicionada ao pagamento
de quantia devida à Segurança Social, quantia essa que manifestamente não podia
suportar', o recorrente não suscitara, perante o tribunal recorrido, a questão
de inconstitucionalidade, pois limitara-se a invocar a inconstitucionalidade da
sentença, sem fazer qualquer referência à inconstitucionalidade das referidas
normas dos artigos 14º do RGIT, 1º e 129º do Código Penal e 71º do Código de
Processo Penal.
Além disso, também se entendeu na decisão sob reclamação que a condenação de
'alguém que foi declarado falido em sentença já transitada em julgado em pena de
prisão suspensa na sua execução condicionada ao pagamento de quantia devida à
Segurança Social, quantia essa que manifestamente não podia suportar', estaria
dependente da prévia ponderação quanto a saber se o arguido pode, ou não,
suportar o pagamento que condiciona a suspensão da pena, o que representaria a
própria decisão do tribunal, e não a norma jurídica aplicável; de resto, sempre
seria manifestamente improcedente a acusação de inconstitucionalidade de norma
que permite condicionar a suspensão da pena de prisão à reparação de danos
decorrentes, ainda que indirectamente, da prática dos actos que determinaram a
condenação.
Ora, a reclamação em apreciação não contesta verdadeiramente estes juízos. Com
efeito, o que o reclamante afirma, a este propósito, é que no 'recurso para o
Tribunal da Relação de Lisboa, enunciou determinadas questões que, no seu
entender, deveriam ser objecto de reapreciação, assacando-lhe diversos vícios
que entendia e entende existirem' e que 'no caso concreto, mesmo a aplicação de
pena de prisão suspensa condicionada ao pagamento das importâncias retidas –
contribuições – é inconstitucional', não deixando de alegar 'que deste modo, ao
condenar o arguido falido a pena de prisão condicionada, em teoria, ao pagamento
da importância retida, o Tribunal condenou o arguido em pena de prisão efectiva,
a qual não se justificava como decorre do próprio teor da douta sentença
recorrida. Violou assim e mais uma vez o disposto nos artigos 27.º n.º 1 e 2 e
ainda o artigo 29.º n.º 1 e 3, todos da Constituição da República Portuguesa'.
Mas esta alegação comprova que o reclamante se limitou a invocar a
desconformidade constitucional da condenação (recte, da decisão), e não da
norma, ou normas, cuja inconstitucionalidade pretendia ver apreciada.
Tal como se afirma na decisão ora em causa, sendo certo que a suscitação da
questão de inconstitucionalidade implica a acusação formal de desconformidade
constitucional imputada de norma jurídica aplicável ao caso, o recorrente
limitou-se a alegar a inconstitucionalidade da sentença, sem imputar igual vício
às normas dos artigos 14º do RGIT, 1º e 129º do Código Penal e 71º do Código de
Processo Penal, aplicáveis ao caso.
Perante a alegação formulada pelo recorrente, o tribunal recorrido
apreciou a questão sob esse prisma não normativo, uma vez que, ao contrário do
acontece quanto ao Tribunal Constitucional, cabe-lhe apreciar a correcção do
julgado, matéria em que se inclui a valoração dos factos apurados, a selecção do
direito aplicável, bem como a sua subsunção ao caso concreto.
Em suma, deverá concluir-se que a decisão sumária deve ser mantida.
4. Termos em que se decide indeferir a reclamação, confirmando a
decisão de não conhecimento do objecto do recurso. Custas pelo reclamante,
fixando-se a taxa de justiça em 25 UC.
Lisboa, 26 de Maio de 2009
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão