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Processo n.º 417/09
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. A., SA, apresentou reclamação contra o despacho do
Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 25 de Março de
2009, que não admitiu o recurso por ela interposto para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional,
aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela
Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o anterior despacho do mesmo
Conselheiro Relator, que negara provimento ao recurso por ela interposto da
deliberação da Comissão Nacional de Eleições (CNE), de 27 de Maio de 2008, que
lhe aplicara a coima de € 2493,99, por violação do disposto nos artigos 40.º e
49.º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais (LEOAL), aprovada pela
Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto, por tratamento jornalístico
discriminatório por ocasião da denominada pré‑campanha eleitoral autárquica
intercalar para a Câmara Municipal de Lisboa, em 2007.
Apesar de a reclamante ter invocado, para deduzir a
presente reclamação, o disposto no artigo 405.º do Código de Processo Penal
(CPP), consigna‑se que não é este o preceito aplicável ao caso, estando as
reclamações para o Tribunal Constitucional contra despachos que não admitam
recursos para ele interpostos especificamente previstas e reguladas pelos
artigos 76.º, n.º 4, e 77.º da LTC.
No requerimento de interposição de recurso, a recorrente
indicara pretender a apreciação da inconstitucionalidade das seguintes questões
– que teriam sido “suscitadas pela recorrente de modo processualmente adequado,
perante o tribunal que proferiu a decisão ora recorrida, e encontram‑se
expressamente invocadas na motivação de recurso e respectivas conclusões –
veja‑se, em especial, os n.ºs 34. a 41., 46. a 49. e 52. a 55. da motivação e as
conclusões M., N. e O. de tal peça – que, então, apresentou” –:
“1) inconstitucionalidade material do entendimento normativo dado à
norma vertida no artigo 40.º da Lei n.º 1/2001, de 14 de Agosto (Lei Eleitoral
dos Órgãos das Autarquias Locais), no sentido de que a realização e divulgação,
por iniciativa de órgão de comunicação social privado, de programa televisivo
do tipo «debate»/«entrevista», resultante do exercício das liberdades de
informação, expressão e de imprensa e cuja natureza não é estritamente
informativa ou mesmo de cobertura noticiosa de actos de propaganda política, em
período de «pré‑campanha» eleitoral, com intervenção de parte dos candidatos à
presidência de órgão do poder local, configura restrição ilícita ao direito
conferido às diversas candidaturas de efectuarem livremente, e nas melhores
condições, a sua própria propaganda eleitoral, quando é certo que só aos
candidatos ou partidos cabe tomar a iniciativa de concretizar e produzir actos
de propaganda política, por ofensa aos direitos de liberdade de expressão e
informação e liberdade de imprensa e meios de comunicação social, previstos nos
artigos 37.º, n.ºs 1 e 2, e, ainda, 38.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), da
Constituição da República Portuguesa e, ainda, aos princípios gerais de direito
eleitoral, em especial, o consagrado na alínea a) do n.º 3 do artigo 113.º da
Lei Fundamental;
2) inconstitucionalidade material do entendimento normativo dado à
norma vertida no artigo 40.º da Lei n.º 1/2001, de 14 de Agosto (Lei Eleitoral
dos Órgãos das Autarquias Locais), no sentido de que o mencionado dispositivo
legal impõe um concreto dever de actuação aos órgãos de comunicação social, no
sentido de concederem as mesmas igualdades a todas as candidaturas,
relativamente a trabalho específico e de iniciativa exclusiva desses mesmos
órgãos, como um «debate»/«entrevista» televisivo, que não tem como fim a
promoção de candidaturas, quando é verdade que a previsão do artigo 40.º da Lei
n.º 1/2001, de 14 de Agosto, abarca apenas as condutas concretas de quem
prejudica as acções de propaganda eleitoral promovidas exclusivamente pelas
diversas candidaturas, no período de «pré‑campanha», por ofensa do princípio da
legalidade, consagrado no artigo 29.º, n.º 1, da Constituição da República
Portuguesa.”
O despacho ora reclamado não admitiu o recurso por
entender que o meio impugnatório apropriado para reagir contra a decisão do
Conselheiro Relator do STJ de improvimento do recurso da deliberação da CNE
seria a reclamação para a conferência.
A reclamação ora em apreço é do seguinte teor:
“1. A ora reclamante, tendo sido notificada de decisão final
proferida pela Comissão Nacional de Eleições, nos autos de Processo de
Contra‑Ordenação n.º 1/AL‑INT7CML‑20077TJD, e com a mesma não se conformando,
interpôs recurso dessa mesma decisão administrativa para a Secção Criminal do
Supremo Tribunal de Justiça.
2. No decurso da tramitação dos autos de recurso, e em momento
anterior à prolação de decisão final, foi a ora reclamante notificada do
despacho de fls. 327 e 327 verso do processo, para, nos termos e para os efeitos
do disposto no artigo 64.º, n.º 2, do Decreto‑Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro,
manifestar acordo ou oposição à prolação de decisão do recurso mediante simples
despacho,
3. O que fez, no passado dia 8 de Outubro de 2008, declarando nos
autos «não se opor à decisão do presente recurso de impugnação judicial através
de simples despacho judicial, nos termos do que dispõe o n.º 1, in fine, do
artigo 64.º do mesmo diploma legal»,
4. Assim renunciando expressamente ao julgamento do recurso em
conferência.
Ora,
5. Nos termos do que dispõe o n.º 8 do artigo 417.º do CPP, cabe
reclamação para a conferência dos despachos proferidos pelo relator nos termos
do previsto nos n.ºs 6 e 7 do mencionado artigo 417.º.
6. Acontece que a decisão sumária em causa nos presentes autos não
teve lugar porque alguma circunstância obstava ao conhecimento do recurso, ou
porque o mesmo devesse ser rejeitado, ou, ainda, porque existia causa extintiva
do procedimento ou da responsabilidade criminal que pudesse pôr termo ao
processo ou por verificação de outras das causas referidas naqueles dispositivos
legais, mas, e só, porque a ora reclamante renunciou à realização de julgamento
em conferência.
7. É assim que da decisão sumária de que a ora reclamante interpôs
recurso para o Tribunal Constitucional não cabia reclamação para a conferência
do Supremo Tribunal de Justiça,
8. Não só porque a decisão sumária proferida pelo Ex.mo Sr. Relator
do STJ não o foi nos termos do que dispõe o n.º 6 do artigo 417.º do CPP.
9. Mas também atento o disposto na própria alínea e) do n.º 1 do
artigo 73.º do RGCO (a contrario).
Nesta conformidade,
10. Ao ter sido proferida decisão sumária nos autos, provocada pela
renúncia expressa da ora reclamante ao julgamento do recurso em conferência,
esgotou‑se, deste modo, e com tal decisão sumária, o poder jurisdicional do
Supremo Tribunal de Justiça no âmbito decisório do processo,
11. Sendo, pelo exposto, tal decisão final sumária recorrível para o
Tribunal Constitucional, nos termos do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea
b), e 72.º, n.º 2, ambos da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante
LCT).”
O representante do Ministério Público no Tribunal
Constitucional emitiu o seguinte parecer:
“A., SA, interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça da
decisão da Comissão Nacional de Eleições que, em processo contra‑ordenacional,
lhe aplicou a coima de 2493,99 euros.
Por decisão sumária proferida pelo Senhor Conselheiro Relator, foi
negado provimento ao recurso.
Desta decisão foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional
e, não tendo este sido admitido, foi apresentada reclamação para este Tribunal.
O recurso de fiscalização concreta nunca poderia ser reportado a uma
decisão simples do relator mas antes ao acórdão da conferência, proferida na
sequência da pertinente reclamação, deduzida nos termos do n.º 8 do artigo 417.º
do Código de Processo Penal (ou por aplicação do regime geral constante do n.º 3
do artigo 700.º do Código de Processo Civil).
Efectivamente, tendo o recurso sido interposto ao abrigo da alínea
b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, para efeitos de exaustão dos recursos
ordinários as reclamações para a conferência são equiparáveis a recurso (artigo
70.º, n.ºs 2 e 3, da LTC).
Deve, pois, a reclamação ser indeferida.
Por outro lado, a simples leitura do requerimento de interposição de
recurso de constitucionalidade leva‑nos a concluir que não se está perante
qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, conclusão que sai
reforçada pelo que consta da motivação do recurso interposto para o Supremo
Tribunal de Justiça, o momento processualmente adequado à suscitação da
questão de inconstitucionalidade.”
Por despacho do relator foi a reclamante notificada para
se pronunciar, querendo, sobre este segundo possível fundamento de
inadmissibilidade do recurso (falta de adequada suscitação, perante o tribunal
recorrido, de uma questão de inconstitucionalidade normativa), dado que, “na
verdade, é sustentável que, nos locais indicados pela recorrente no requerimento
de interposição de recurso (n.ºs 34 a 41, 46 a 49 e 52 a 55 e conclusões M, N e
O da motivação do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça) não foi suscitada
adequadamente uma questão de inconstitucionalidade normativa, não se imputando
a uma norma de direito ordinário ou a uma interpretação normativa dotada de
generalidade e abstracção e devidamente identificada a violação de normas ou
princípios constitucionais”. Em resposta a esta notificação, aduziu a
reclamante:
“1. A ora reclamante não encontra base constitucional ou legal para
excluir da fiscalização da constitucionalidade de normas – como aquelas que se
encontram em causa nos autos (artigo 40.º da Lei n.º 1/2001, de 14 de Agosto, em
confronto com o disposto nos artigos 29.º, n.º 1, 37.º, n.ºs 1 e 2, 38.º, n.ºs 1
e 2, alínea a), e 113.°, n.º 3, alínea a), todos da CRP) – a apreciação de um
específico fundamento dessa mesma inconstitucionalidade.
2. Na verdade, se a norma do artigo 40.º da Lei n.º 1/2001, de 14 de
Agosto, pode ser confrontada com a CRP com fundamento na violação de outras
normas ou princípios constitucionais, não se vê porque deva ser excluído o
fundamento consistente, designadamente, na violação da legalidade
criminal/contra‑ordenacional, ou, por outro lado, na restrição ilegal,
desnecessária e desproporcional de outros direitos com assento constitucional,
como sejam os direitos à liberdade de expressão e informação.
3. E também não se diga que, se o legislador criasse uma norma com o
conteúdo que lhe foi interpretativamente dado pelo STJ, no caso dos autos, tal
norma não violaria a CRP.
4. Tal argumento não pode valer, já que a norma cuja
constitucionalidade se aprecia é a que foi aplicada no processo, e não uma
norma hipoteticamente criada por um qualquer acto legislativo.
5. Por outro lado, no caso dos autos está em causa a adopção e
aplicação de critérios normativos pelo STJ, mesmo que com referência ao caso
concreto, e que releva da norma presente no artigo 40.º da LEOAL, pois que se
extraiu a partir de tal regra jurídica um critério normativo válido para um
conjunto indeterminado e indeterminável de situações, com recurso à utilização
de um processo hermenêutico considerado válido.
6. Tal realidade consubstancia, pois, e de modo manifesto, uma
questão de (in)constitucionalidade normativa.
7. Em bom rigor, uma coisa é o mérito de uma certa interpretação da
lei, e outra, profundamente distinta, é a contrariedade face à CRP dessa mesma
interpretação.
8. E uma norma legal pode ser objecto das mais diversas
interpretações, compatíveis, por exemplo, com o princípio da legalidade, mas o
que se proíbe é que o aplicador conclua, contra esse mesmo princípio, por uma
norma cujo conteúdo ultrapassa o sentido possível das palavras da lei,
9. Como, de resto, parece à reclamante ter acontecido na decisão
proferida pelo STJ.
Termos em que se conclui pela existência de uma questão de
inconstitucionalidade normativa, presente nos autos, devendo a reclamação
contra o despacho que não admitiu o recurso ser julgada procedente e, em
consequência, o recurso ser admitido, tramitado e conhecido o seu objecto, com
todas as consequências legais.”
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Resulta do n.º 1 do artigo 203.º da LEOAL que cabe
recurso para a Secção Criminal do STJ das deliberações da CNE que apliquem
coimas correspondentes a contra‑ordenações praticadas por partidos políticos,
coligações ou grupos de cidadãos, por empresas de comunicação social, de
publicidade, de sondagens ou proprietários de salas de espectáculos, previstas
nessa lei, designadamente, como no caso ocorreu, da deliberação da CNE que
sancionou a ora reclamante como autora da contra‑ordenação prevista no artigo
212.º (“A empresa proprietária de publicação informativa (…) que não der
tratamento igualitário às diversas candidaturas é punida com coima de (…)”),
por violação dos deveres previstos nos artigos 40.º (“Os candidatos, os
partidos políticos, coligações e grupos proponentes têm direito a efectuar
livremente e nas melhores condições a sua propaganda eleitoral, devendo as
entidades públicas e privadas proporcionar‑lhes igual tratamento, salvo as
excepções previstas na lei”) e 49.º, n.º 1 (“Os órgão de comunicação social que
façam a cobertura da campanha eleitoral devem dar um tratamento jornalístico não
discriminatório às diversas candidaturas”), todos da LEOAL.
Trata‑se de uma situação em que o STJ intervém como
tribunal de 1.ª instância, já que obviamente o “recurso” da deliberação da CNE
(que é um órgão administrativo) não é um “recurso jurisdicional” (tendo por
objecto uma decisão de um tribunal inferior), mas uma impugnação judicial de uma
decisão administrativa sancionatória por ilícito de mera ordenação social.
Como, a este propósito, se salientou no Acórdão n.º
313/2007 deste Tribunal Constitucional:
“Estabeleceu‑se aqui um regime especial para a impugnação da
aplicação de coimas pela Comissão Nacional de Eleições, por contra‑ordenações
cometidas no âmbito da eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais,
prevendo‑se que a impugnação judicial destas decisões administrativas deva ser
feita, per saltum, para o Supremo Tribunal de Justiça.
Note‑se, contudo, que a utilização do termo «recurso» para o Supremo
Tribunal de Justiça da decisão da Comissão Nacional de Eleições que aplicar uma
coima, não confere a esta uma natureza jurisdicional, uma vez que a mesma,
atenta a natureza do órgão que a profere, é puro direito sancionatório
administrativo, constituindo a utilização do referido termo uma mera
imprecisão técnica, donde não podem ser extraídas quaisquer consequências.”
Todos os intervenientes processuais – a impugnante (ora
reclamante), a representante do Ministério Público no STJ e o respectivo
Conselheiro Relator – entenderam ser aplicável à presente situação o regime do
artigo 64.º do Regime Geral das Contra‑Ordenações (RGCO), aprovado pelo
Decreto‑Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, que permite que o juiz decida a
impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa que aplica um coima
“mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho” (n.º 1),
decidindo por despacho “quando não considere necessária a audiência de
julgamento e o arguido ou o Ministério Público não se oponham” (n.º 2). Porém,
enquanto do referido artigo 64.º resulta que a opção pela decisão da impugnação
através de simples despacho tem por único efeito a dispensa da realização da
audiência de julgamento, não tendo qualquer efeito quanto à determinação do
órgão judiciário competente (que é sempre o juiz singular da 1.ª instância), no
presente caso foi entendimento do Conselheiro Relator do STJ (com a subsequente
concordância da arguida) que aquela opção acarretava, não apenas a dispensa da
realização de audiência de julgamento, mas também a alteração da determinação
do órgão jurisdicional competente para o julgamento da impugnação, que deixava
de ser o órgão colegial “Secção Criminal do STJ”, para passar a ser o órgão
singular “Conselheiro Relator no STJ”. Não compete, naturalmente, ao Tribunal
Constitucional pronunciar‑se sobre a correcção deste entendimento, isto é, sobre
se, em impugnação para a Secção Criminal do STJ de deliberações da CNE
aplicativas de coimas, o consenso quanto à aplicabilidade da decisão da
impugnação “através de despacho”, prevista no artigo 64.º do RGCO apenas para
tornar dispensável a realização de audiência de julgamento, mas sem alteração
da determinação do órgão jurisdicional competente (o juiz singular da 1.ª
instância), tem o alcance de dispensar quer a realização da audiência de
julgamento, quer a realização do próprio julgamento em conferência (sendo certo
que, nos termos do n.º 1 do artigo 45.º da Lei de Organização e Funcionamento
dos Tribunais Judiciais – Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto –, o julgamento nas
Secções do STJ é efectuado por três juízes, com ressalva dos casos previstos na
lei de processo (em especial nos n.ºs 6 e 7 do artigo 417.º do CPP) e nas
alíneas g) e h) do artigo anterior, não cabendo a presente situação em nenhuma
dessas ressalvas.
Tendo, porém, sido entendido que tal opção teve o
apontado duplo alcance (dispensa da realização de audiência e atribuição de
competência ao Relator do STJ para decidir da impugnação judicial), coloca‑se a
questão se saber se da decisão do Relator cabia reclamação para a conferência,
que, no caso, constituiria requisito (exaustão dos meios de impugnação ordinária
no caso cabíveis) de admissibilidade de eventual recurso que se pretendesse
interpor para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70.º da LTC. Na verdade, o n.º 2 deste preceito condiciona a
admissibilidade dessa espécie de recurso a ter por objecto “decisões que não
admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido
esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização de
jurisprudência”, e o subsequente n.º 3 esclarece que “são equiparadas a recursos
ordinários (…) as reclamações dos despachos dos juízes relatores para a
conferência”, desde que – como é óbvio – se trate de reclamações previstas na
lei. Ora, sustenta justamente a reclamante que, no presente caso, para além de
ela ter entendido a sua opção pela decisão da impugnação judicial mediante
simples despacho como uma renúncia à intervenção da conferência, nenhum preceito
legal prevê, no caso, a reclamação para a conferência; com efeito, o n.º 8 do
artigo 417.º do CPP, aplicável subsidiariamente ao processo contra‑ordenacional,
apenas consagra expressamente a existência de reclamação para a conferência dos
despachos dos relatores proferidos nos termos dos precedentes n.ºs 6 e 7 – a
saber: decisões sumárias de não conhecimento do recurso, de rejeição do recurso
e de decisão do mérito do recurso quando a questão em causa já tiver sido
judicialmente apreciada de modo uniforme e reiterado (n.º 6) ou decisão sobre
se deve manter‑se o efeito atribuído ao recurso ou se há provas a renovar e
pessoas que devam ser convocadas (n.º 7) –, não se verificando no presente caso
nenhuma dessas situações.
Só, pois, por apelo a um princípio geral que se pudesse
extrair do n.º 3 do artigo 700.º do Código de Processo Civil ou à natureza
colegial dos tribunais superiores, se poderia fundar o entendimento de que, no
caso, cabia reclamação para a conferência, cuja falta viria a tornar
inadmissível o recurso de constitucionalidade.
Acontece, porém, que esta inadmissibilidade resulta, de
modo mais incontroverso, do segundo fundamento invocado no parecer do
Ministério Público – falta de adequada suscitação, perante o tribunal recorrido,
de uma questão de inconstitucionalidade normativa –, sobre o qual a reclamante
foi ouvida
3. Na verdade, na motivação da impugnação deduzida para
o STJ contra a deliberação da CNE referiu a recorrente, nos locais por ela
identificados no requerimento de interposição do presente recurso como sendo
aqueles em que teria suscitado as questões de inconstitucionalidade que
pretendia ver apreciadas, o seguinte:
“34. No período em que ocorreu o debate televisivo em causa nos
presentes autos, existia mera propaganda, que pode, ou não, ser feita por quem
concorra a qualquer acto eleitoral,
35. E que, de resto, não se confunde – nem pode ser confundida – com
o debate televisivo em causa nos autos.
36. Sobre essa propaganda, que não pode ter, nem tem, a mesma
dignidade constitucional dos actos de campanha, regula o artigo 40.º da LEOAL,
nos termos do qual:
«Os candidatos, os partidos políticos, coligações e grupos
proponentes têm direito a efectuar livremente e nas melhores condições a sua
propaganda eleitoral, devendo as entidades públicas e privadas proporcionar‑lhes
igual tratamento, salvo as excepções previstas na lei.» (sublinhado nosso)
Na verdade,
37. Uma vez que a previsão deste dispositivo apenas concede aos
candidatos o «direito de efectuarem livremente e nas melhores condições a sua
propaganda»,
38. Parece inequívoco que só a esses candidatos ou partidos cabe
tomar a iniciativa de concretizar tais actos de propaganda,
39. Os quais, como já se disse, não são confundíveis com um «debate
televisivo», tipo de programa que goza de maior liberdade e criatividade na
determinação do seu conteúdo, por parte dos órgãos de comunicação social.
40. Isto é, tal princípio aplica‑se exclusivamente aos actos de
propaganda promovidos pelos candidatos durante o referido período de
pré‑campanha,
41. Não se aplicando, por isso, a um espaço de debate ou
entrevistas, promovido pelo próprio órgão de comunicação social, no exercício
das liberdades de informação e de imprensa e meios de comunicação social,
previstas nos artigo 37.º e 38.º da CRP, e, ainda, do direito de estabelecer
critérios jornalísticos próprios, de selecção das matérias ou entidades que
trata nos conteúdos que emite.
(…)
46. Não cabe, nem pode caber, a um órgão de comunicação social
privado, como a ora recorrente, tomar a iniciativa de produzir, ele próprio,
actos de propaganda de partidos ou candidatos, sem o pretender fazer, em
violação dos seus critérios jornalísticos, em período não coincidente com o da
campanha eleitoral.
47. Quanto muito, e no que respeita aos órgãos de comunicação
social, tal dispositivo legal consagra, de forma mediata, um dever geral de
abstenção, no sentido da repressão de comportamentos que possam prejudicar as
acções de propaganda eleitoral realizadas pelas candidaturas.
48. Assim, para que se possa subsumir um comportamento imputável a
um órgão de comunicação social na norma em apreço, é necessário que exista uma
conduta concreta, consciente e querida, tendente a impedir que os actos de
propaganda política de responsabilidade das diversas candidaturas se façam de
modo livre e nas melhores condições.
49. Mais, é fundamental a alegação e prova da ocorrência de actos de
propaganda concretos, cuja efectiva concretização «livre» tenha sido impedida
por um qualquer órgão de comunicação social.
(…)
52. Pois o artigo 212.º da LEOAL apenas estabelece sanções
cominatórias para os órgãos de comunicação social que violem o princípio da
igualdade de oportunidades das candidaturas no decurso da campanha eleitoral,
previsto no artigo 49.º da LEOAL.
Pelo que,
53. Não se encontrando previstas na lei quaisquer sanções relativas
à violação da previsão do artigo 40.º do LEOAL, não é, por isso mesmo, o seu
cumprimento vinculativo, sob pena de inconstitucionalidade, decorrente da
violação do princípio da legalidade.
Acresce que,
54. O debate televisivo dos autos faz parte do exercício do direito
a informar, foi estabelecido com recurso a critérios jornalísticos próprios e
não é acto de campanha ou propaganda eleitoral de que os candidatos
participantes – ou mesmo os alegadamente «excluídos» – tenham tomado a
iniciativa de promover ou executar.
55. Sendo, portanto, momento informativo que não cabe nem pode caber
nos dispositivos legais invocados na decisão impugnada.»
Essa motivação encerra com a formulação das seguintes
conclusões:
“A. O auto de notícia notificado à recorrente enferma de nulidade,
violando o direito de defesa previsto no artigo 50.º do RGCO, também consagrado
no artigo 32.º, n.º 10, da CRP;
B. Para se efectivar os direitos de audição e defesa previstos nos
artigos 32.º, n.º 10, da CRP e 50.º do RGCO, qualquer arguido em processo
contra‑ordenacional necessita de ser notificado de todos os elementos
relevantes para dedução de uma defesa adequada, o que não aconteceu nos
presentes autos, pois do conteúdo da notificação efectuada à recorrente não
resultam quais os factos que permitem concluir pela imputação objectiva e
subjectiva dos ilícitos contra‑ordenacionais em apreço, tal como exigido,
nomeadamente, pelos artigos 7.º, n.º 2, e 8.º do RGCO;
Ainda,
C. A decisão recorrida é omissa no que respeita à matéria de facto
relativa ao tipo subjectivo do ilícito contra‑ordenacional sub judice;
D. Tal omissão confere carácter de nulidade à decisão recorrida, por
violação do princípio nulla poena sine culpa e do princípio constitucional do
direito ao exercício efectivo de defesa;
E. A decisão recorrida, devendo, neste particular, ser colocada em
plano idêntico ao da sentença criminal, violou o disposto nos artigos 15.º do
CP, 7.º, n.º 2, 8.º, 41.º, n.º 1, e 58.º, n.º 1, alínea b), do RGCO, 374.º, n.º
2, e 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP e 32.º, n.º 10, da CRP;
Por outro lado,
F. Nos termos do disposto no artigo 49.º, n.º 1, da LEOAL, durante o
período da campanha eleitoral, todas as candidaturas têm direito a igual
tratamento, a fim de efectuarem, nas melhores condições, tal campanha;
G. A campanha eleitoral não é outra que não aquela que se executa
durante esse período, como o define a invocada lei orgânica, e que, no caso
concreto, correspondeu ao período compreendido entre 6 e 13 de Julho de 2007;
H. Porque antes do referido período não existiu qualquer campanha
eleitoral, a transmissão do «debate» em causa nos autos, a 19 de Junho de 2007,
não ocorreu, na realidade, durante qualquer um dos «períodos de campanha»
verificados nas eleições em questão (entenda‑se, os períodos de 8 dias
anteriores quer à antevéspera do acto eleitoral marcado para 1 de Julho de 2007
quer para o marcado para 15 de Julho de 2007), não podendo invocar‑se a
existência de qualquer conduta da arguida, violadora do artigo 49.º da Lei
Orgânica n.º 1/2001;
I. No período em referência nos autos existiu apenas mera
propaganda, que pode ou não pode ser feita por quem concorra a qualquer acto
eleitoral e que não se confunde com a realização do debate televisivo em crise;
J. Sobre essa propaganda, que não tem a mesma dignidade
constitucional dos actos de campanha, regula o artigo 40.º da Lei Orgânica n.º
1/2001, nos termos do qual, apesar do universo abrangente da sua estatuição, se
concede às candidaturas apenas o «direito a efectivar livremente e nas melhores
condições a sua propaganda», devendo as entidades públicas ou privadas
«proporcionar‑lhes igual tratamento», sem que a tal corresponda uma situação
concreta;
K. O artigo 40.º da LEOAL regula o tratamento de meros actos de
propaganda que, prima facie, os candidatos ou partidos entendam dever levar a
cabo e que só a esses candidatos ou partidos cabe tomar a iniciativa de
concretizar tais actos de propaganda, que não se confundem com um «debate
televisivo», tipo de programa que goza de uma maior liberdade e criatividade na
determinação do seu conteúdo, por parte dos órgãos de comunicação social;
L. O «debate» em causa nos autos faz parte do exercício do direito a
informar, foi estabelecido com recurso a critérios jornalísticos próprios e não
é acto de campanha ou propaganda eleitoral de que os candidatos participantes,
ou mesmo os alegadamente «excluídos», tenham tomado a iniciativa de promover ou
executar, constituindo conteúdo televisivo fora do escopo dos dispositivos
legais invocados na decisão recorrida;
M. Não cabe a um órgão de comunicação social privado, como a ora
recorrente, tomar a iniciativa de produzir, ele próprio, actos de propaganda de
partidos ou candidatos, sem o pretender fazer, em violação dos seus critérios
jornalísticos, em período não coincidente com o de campanha eleitoral, pelo que
qualquer interpretação do disposto nos artigos 40.º, 49.º e 212.º da LEOAL, da
qual resulte necessariamente o contrário viola materialmente o disposto nos
artigos 37.º e 38.º da CRP;
N. A norma do artigo 40.º da LEOAL não prescreve quaisquer deveres
imediatos de acção para os órgãos de comunicação social, uma vez que apenas
concede às candidaturas o «direito de efectuarem livremente e nas melhores
condições a sua propaganda», consagrando apenas, e de forma imediata, um mero
dever geral de abstenção, no sentido da repressão de comportamentos que possam
prejudicar as acções de campanha eleitoral realizadas pelas candidaturas, o que
também não acontece no caso dos autos;
O. Do auto de notícia e da decisão ora recorrida não resultam
minimamente invocados e provados quaisquer comportamentos imputáveis à
recorrente, que possam ser subsumidos nas regras jurídicas em análise no
presente processo, ou mesmo enquadrados em qualquer cominação legal de um tipo
de contra-ordenação, uma vez que tal dispositivo não existe, no que respeita ao
período não oficial de campanha, pelo que qualquer interpretação do disposto nos
artigos 40.º, 49.º e 212.º da LEOAL, da qual resulte necessariamente o contrário
viola materialmente o disposto no artigo 29.º, n.º 1, da CRP;
Finalmente,
P. A recorrente é agente primária;
Q. E não retirou benefício económico da prática da contra‑ordenação
em que vem condenada;
R. O que tudo deve necessariamente ser tomado em conta na decisão a
proferir, sob pena de violação do disposto no artigo 18.º do RGCO;
Por tudo,
S. Caso não seja absolvida, o que se admite por mera cautela de
patrocínio, mostra‑se adequada à satisfação das exigências de prevenção geral e
especial do presente caso, uma sanção não superior à admoestação;
T. O que se requer, com as legais consequências;
U. A entidade administrativa recorrida, ao decidir como decidiu,
violou o disposto nos artigos 15.º do Código Penal; 7.º, n.º 2, 8.º, 18.º,
41.º, n.º 1, 50.º, 51.º e 58.º, n.º 1, alínea a), do Regime Geral das
Contra‑Ordenações; 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de
Processo Penal; 29.º, n.º 1, 32.º, n.º 10, 37.º e 38.º da Constituição da
República Portuguesa; e 40.º, 49.º e 212.º da Lei Eleitoral dos Órgãos das
Autarquias Locais.”
A impugnação foi indeferida pelo despacho do Conselheiro
Relator do STJ de que se pretendeu interpor recurso para o Tribunal
Constitucional, lendo‑se nesse despacho, na parte ora relevante:
“Nota‑se, aliás, que a arguida não se refere, sequer, nas conclusões
do seu recurso, a um preceito determinante para a apreciação da causa: o artigo
38.º da LEOAL, onde se estabelece a extensão do princípio da igualdade de
oportunidades das candidaturas, consagrado no artigo 40.º (mesmo que assim aí
entendido para a restrita fase da campanha eleitoral), à fase imediatamente
anterior, vulgarmente referida por «pré‑campanha», no caso, intercalar,
abrangendo os sessenta dias imediatamente antecedentes ao do início da dita
campanha, propriamente dita (cf. artigos 15.º, n.º 1, 222.º, n.º 1, e 228.º do
mesmo diploma), ou seja, envolvendo, também, na situação em análise, o período
de 7 de Maio a 5 de Julho de 2007, o qual abrange, pois, claramente, o dia do
referenciado debate (19 de Junho de 2007).
Só se lhe reporta, curiosamente, nos pontos 31 e 32 do seu
articulado, a fls. 316, em sede de exposição geral das suas razões, de forma
muito comprometedoramente fugidia: por um lado, porque introduz no reproduzido
trecho legal um sublinhado que desvaloriza o aí – precisamente aí – referenciado
momento inicial do período temporal englobado no preceito que opera a extensão
da obediência devida àquele princípio de igualdade de oportunidades das
candidaturas; por outro, porque, chamando à colação, a destempo, o Capítulo II
do Título IV da focada lei orgânica, como que parecendo querer introduzir um
(invisível) plano de confronto ou desconformidade entre esse bloco normativo (da
«campanha eleitoral») e o do capítulo antecedente, o I (reportado, esse, aos
«Princípios gerais» da «... propaganda eleitoral …»), revela apenas ter
pretendido evitar contemplar o que tão inequivocamente vem consagrado no dito
artigo 38.º, logo abandonando essa menção, afastando‑se, pois, precipitada e
ostensivamente, da lata regulação aí firmada, em termos que se apresentam
absolutamente coordenados com os já aludidos artigos 15.º, 222.º, n.º 1, e 228.º
da citada LEOAL.
Actuação, enfim, intencional da arguida, mesmo apesar da advertência
formulada pela autoridade administrativa competente, actuação dirigida, pois,
conscientemente, ao favorecimento dos candidatos intervenientes no debate, em
prejuízo evidente, claramente representado, dos não convidados.
Ora, sendo a arguida a empresa proprietária do canal de televisão
que vem sendo referido e não tendo ela conferido, pelo que se expôs, tratamento
igualitário a todas as candidaturas, prejudicando manifestamente a dos
candidatos não convidados para o debate, designadamente a do aqui participante,
resulta clara a pertinência da imputação da prática contra‑ordenacional por «...
violação de deveres de publicações informativas ...», nos termos do artigo 212.º
da LEOAL, onde se estipulava, originariamente, uma punição «... com coima de 200
000$00 a 2 000 000$00 …», hoje fixada entre € 997,60 e € 9975,96.
Pertinência que se conforta, relativamente ao exacto âmbito da
previsão legal daquele artigo 212.º, com o entendimento já adoptado pelo STJ no
seu acórdão de 6 de Julho de 2006, Proc. n.º 06P1383, que aqui se seguirá, no
sentido de que se criou, por referência ao artigo 49.º da LEOAL, «... para
todos os órgãos de comunicação social um especial dever de tratamento
igualitário para todas as candidaturas …», disso se exceptuando apenas as
publicações doutrinárias, conforme isenção consignada no n.º 2 daquele preceito;
pelo que, quando nesse artigo 212.º se sancionou a violação daquele dever
igualmente reflectido no artigo 40.º, o legislador «… socorre‑se da expressão
‘publicações informativas’ para as penalizar, não porque, como pretende a
recorrente, queira criar uma categoria mais restrita dentro dos órgãos de
comunicação social e que se limite à imprensa escrita, mas para as distinguir
das publicações doutrinárias que mencionara expressamente no artigo 49.º, n.º
2, como isentas daquele dever de imparcialidade e, logo, não as sancionar.
Ou seja, utiliza a expressão ‘publicações informativas’ para
restringir a punição a essa categoria, afastando as ‘publicações doutrinárias’,
categoria também incluída nos órgãos de comunicação social a que se reporta o
artigo 49.º.
Aliás, e como notou a CNE, o vocábulo ‘publicação’ não tem o sentido
literal inequívoco que a recorrente lhe pretende atribuir, significando,
primeiro de tudo, num sentido primário e natural, ‘acto ou efeito de publicar
(tornar público, levar ao conhecimento do público)’! Por sua vez o adjectivo
informativo significa somente ‘o que serve para informar’.
O que vale por dizer que mesmo o sentido literal da norma em nada
avaliza a pretensão da recorrente de excluir da previsão da norma um ou mais
suportes susceptíveis de servirem a publicação informativa.»
Também no artigo 38.º, n.º 1, da CRP, ao declarar‑se «... garantida
a liberdade de imprensa …», se toma esse vocábulo em sentido lato,
evidentemente, «… compreendendo a imprensa escrita e outros meios de
comunicação social …», segundo anotam os Profs. Jorge Miranda e Rui Medeiros, in
Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2005, tomo I, p. 434, logo
qualificando tal preceito, de resto (cf. ob. cit., p. 435), de «... bastante
complexo …», contendo, além de outras mais restritas, só para a imprensa
escrita ou só para a rádio e televisão, «... regras gerais sobre todos os meios
de comunicação social [n.ºs 1, 2, alíneas a) e e), 3, 4 e 6]».
Mas não é só naquele acórdão que se entende caberem no perímetro de
aplicação definido pelo artigo 212.º do LEOAL todos os órgãos de comunicação
social e não apenas a imprensa escrita: na verdade, e como se ajuizou, também,
no acórdão do STJ, de 4 de Outubro de 2007, Proc. n.º 07P809, «… é possível, sem
grande esforço, fazer caber no âmbito da previsão da lei os órgãos de
comunicação social no seu conjunto e não apenas a imprensa escrita. Portanto, aí
estarão também previstas idênticas contra‑ordenações praticadas pela rádio e
pela televisão, quando façam a cobertura eleitoral. É que, por um lado,
referindo‑se o artigo 49.º aos órgãos de comunicação social no seu conjunto,
excluem‑se do âmbito da sua previsão as publicações doutrinárias e, portanto,
ao falar‑se, no artigo 212.º, de publicações informativas, tomou‑se a parte pelo
todo, com a preocupação de contrapor aquelas publicações doutrinárias.
Por outro lado, o termo ‘publicação informativa’ pode aplicar‑se,
ainda que de forma menos própria, à publicidade dada pelos órgãos de
comunicação social, sobretudo quando se trata de informar e esclarecer o
público em matérias que relevam da informação em termos gerais, tanto mais que
aqueles também praticam jornalismo, estando nessa parte os seus profissionais
subordinados à deontologia própria dos jornalistas, ao seu estatuto e às mesmas
ou idênticas leges artis. Aliás, a génese do termo publicação aponta para tornar
público, tornar conhecido de todos um determinado facto (Dicionário da Língua
Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa).
Em conclusão: na previsão do artigo 212.º cabem, por interpretação
extensiva, (todos) os órgãos de comunicação social. Com efeito, não se trata da
lacuna que importasse preencher pelo recurso a outras normas ou aos princípios
gerais do direito, mas de reconstituição do pensamento legislativo, sem
extravasar o teor verbal da lei.»
Deve, assim, concluir-se, como o fez a autoridade administrativa,
que a SIC Notícias violou consciente e voluntariamente o disposto nos artigos
40.º e 49.º, n.º 1, da LEOAL, não dando as mesmas oportunidades ao participante
e sabendo que daí resultava necessariamente uma desvantagem para aquele, ao
nível global, desde logo, da exposição do seu programa ou projecto eleitoral de
intenções, bem assim da própria captação de votos, não ignorando que a lei impõe
um tratamento de igualdade e de não discriminação, em relação a qualquer
candidatura; pelo que, com tal atitude, cometeu a contra‑ordenação prevista no
artigo 212.º da mesma lei, agindo, como agiu, com dolo necessário (artigo 8.º,
n.º 1, do RGCO).
Ou seja, com a sua conduta, praticou a arguida, efectivamente, essa
bem caracterizada acção típica (porque subsumível a uma previsão legal e
consubstanciadora de um ilícito de mera ordenação social), voluntária (porque
dominada pela sua vontade autónoma e livre) e ilícita (porque desvaliosa e
contrária à ordem jurídica).
Ora, sendo punível a contra‑ordenação em causa com coima de € 997,59
a € 9975,96, consideradas todas as referenciadas circunstâncias, mormente os
aludidos graus de ilicitude e de culpa, bem assim da própria gravidade dos
efeitos do ínvio condicionamento do exercício das opções eleitorais – elevados,
como se disse –, mas tendo‑se ainda em conta a circunstância de a arguida não
ter retirado proveito económico, aparentemente, da prática contra‑ordenacional,
além de não ser conhecida, até esse momento, qualquer outra actuação sua,
similar, não é de ajuizar senão que o aplicado sancionamento, situado ao nível
da quarta parte do limite máximo da respectiva moldura, se justificará, de todo,
tanto mais que inexistem factores palpáveis reveladores de alguma espécie de
debilidade económico‑financeira da parte da aqui recorrente.
Em tais termos, julga‑se improcedente o recurso.”
Como resulta das precedentes transcrições, nos locais
assinalados pela recorrente, a mesma não suscitou, em termos adequados, uma
verdadeira questão de inconstitucionalidade normativa, já que não assacou a
normas de direito ordinário ou a interpretações, dotadas de generalidade e
abstracção, extraídas dessas normas, e identificadas com o mínimo de precisão, a
violação de normas ou de princípios constitucionais. O que nesses locais a
recorrente aduziu foi, em rigor, que a decisão administrativa sancionatória
impugnada teria feito errada subsunção do caso concreto às previsões dos artigos
40.º, 49.º e 212.º da LEOAL e seria por força dessa errada subsunção que tal
decisão administrativa, em si mesma considerada, teria violado os artigos 29.º,
n.º 1, 32.º, n.º 10, 37.º e 38.º da CRP. Ora, a imputação directa a uma
deliberação administrativa da violação de normas constitucionais não constitui
uma questão de inconstitucionalidade normativa, cognoscível pelo Tribunal
Constitucional.
Aliás, como este Tribunal tem reiteradamente afirmado
(cf., por todos, o Acórdão n.º 367/94) “ao suscitar‑se a questão de
inconstitucionalidade, pode questionar‑se todo um preceito legal, apenas parte
dele ou tão‑só uma interpretação que do mesmo se faça. (...) [E]sse sentido
(essa dimensão normativa) do preceito há‑de ser enunciado de forma que, no caso
de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua
decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os
operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido
com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, violar a
Constituição.” Ora, não satisfaz minimamente este requisito a suscitação de uma
questão de inconstitucionalidade nos termos em que a fez a recorrente, ao
aduzir que “qualquer interpretação do disposto nos artigos 40.º, 49.º e 212.º da
LEOAL, da qual resulte necessariamente o contrário viola materialmente o
disposto nos artigos [29.º, n.º 1], 37.º e 38.º da CRP”, pretendendo assim
transferir para o Tribunal Constitucional o ónus, que à recorrente pertence, de
identificar positivamente o sentido da interpretação normativa que, em caso de
eventual procedência do recurso, seria julgado inconstitucional.
E justamente por a recorrente não ter suscitado
adequadamente uma questão de inconstitucionalidade normativa, limitando‑se a
questionar a correcção da subsunção, feita pela impugnada deliberação da CNE, do
concreto quadro fáctico apurado à previsão das normas sancionadoras do ilícito
contra‑ordenacional em causa, é que a decisão do Conselheiro Relator do STJ de
que se pretendeu interpor recurso para este Tribunal não se pronunciou sobre
qualquer questão de desconformidade de normas de direito ordinário com a
Constituição, mas tão‑só – como lhe cumpria, face ao aduzido na impugnação em
apreço – da correcção da interpretação e aplicação do direito ordinário
efectuadas pela CNE.
3. Em face do exposto, acordam em indeferir a presente
reclamação.
Custas pela reclamante, fixando‑se a taxa de justiça em
20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 13 de Julho de 2009.
Mário José de Araújo Torres
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos