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Processo n.º 200/09
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. No Serviço de Finanças de Tondela, foi instaurada uma execução, para cobrança
de uma dívida ao Instituto da Vinha e do Vinho, contra A. Lda. A executada
reclamou, ao abrigo do artigo 278.º do Código de Procedimento e de Processo
Tributário (CPPT) do despacho do Chefe do Serviço de Finanças que ordenou a sua
citação para a execução.
Por sentença de 30 de Maio de 2008, o Tribunal Administrativo e
Fiscal de Viseu decidiu que não devia conhecer imediatamente do mérito do
pedido, considerando que o acto reclamado não gera “uma situação de prejuízo
irreparável alicerçador da subida e apreciação imediata da reclamação”, pelo que
a reclamação só deverá subir ao tribunal “após a ocorrência de um acto lesivo,
por exemplo, a realização da penhora, pronúncia sobre a dispensa ou não de
garantia, etc.”.
Por acórdão de 21 de Janeiro de 2009, o Supremo Tribunal
Administrativo (Secção do Contencioso Tributário) negou provimento a recurso
interposto pela executada, mantendo o entendimento do artigo 278.º do CPPT
adoptado pela sentença de 1.ª instância, com a seguinte fundamentação (na parte
relevante para o presente recurso):
“(…)
Alega, então, a recorrente que a sentença “a quo” faz uma interpretação da norma
contida no artigo 278.º do CPPT segundo a qual haverá subida imediata quando
ocorrerem prejuízos irreparáveis que não sejam os inerentes a qualquer execução,
interpretação essa que padece de inconstitucionalidade orgânica e material.
Mas, também aqui não tem razão a recorrente.
Na verdade, o que se diz na sentença recorrida, e ora se reafirma, citando Jorge
de Sousa, in CPPT anotado e comentado, vol. II, p. 667, é que “... o facto de se
ter previsto a subida imediata da reclamação como excepção à regra da subida
diferida aponta no sentido de poderem apenas ser considerados como relevantes
para esse efeito prejuízos que não sejam os que estão associados normalmente a
qualquer processo executivo, como os transtornos ou incómodos. Na verdade,
embora prejuízos deste tipo possam qualificar-se como irreparáveis, a admitir-se
que prejuízos omnipresentes na generalidade das execuções possam relevar para
efeitos de subida imediata da reclamação, chegar-se-á à conclusão de que este
regime de subida seria a regra, o que estaria em contradição com o n.º 1 deste
artigo 278.º, que adoptou a regra da subida diferida. Por isso, a interpretação
correcta do regime de subida previsto neste artigo será a de que só haverá
subida imediata quando, sem ela, ocorrerem prejuízos irreparáveis que não sejam
os inerentes a qualquer execução . . .
Por outro lado, não basta invocar-se apenas que a subida diferida fará com que a
reclamação perca toda a sua utilidade, pois a predita inutilidade não pode
deixar de se relacionar com a irreparabilidade do prejuízo.
Como se refere no acórdão deste Tribunal de 9/8/2006, no recurso 229/06, “a
inutilidade resultante da subida diferida da reclamação é noção a definir em
presença da de prejuízo irreparável de que fala a lei. E seguro que o legislador
não quis impor a subida imediata de todas as reclamações cuja retenção pode
originar prejuízos.
Não está em causa, pois, poupar o interessado a todo o prejuízo. Por isso se
estabelece que as reclamações sobem imediatamente só quando a sua retenção seja
susceptível de provocar um prejuízo irreparável.
Em súmula, a reclamação que não suba logo não perde todo o seu efeito útil,
mesmo que não evite o prejuízo que se quer impedir, desde que seja possível
repará-lo.”.
E a jurisprudência tem interpretado de forma exigente o requisito da absoluta ou
total inutilidade do recurso (reclamação), entendendo-se que a sua eventual
retenção deverá ter um resultado irreversível, não bastando a mera inutilização
de actos processuais, ainda que contrária ao princípio da economia processual,
sem que aí se possa vislumbrar qualquer ofensa constitucional – cfr. Lebre de
Freitas, CPC anotado, vol. 3, pp. 115/116 (v. acórdão do STA de 23/5/07, no
recurso 374/07).
Assim, só é completamente inútil a reclamação com subida diferida quando o
prejuízo eventualmente decorrente daquela decisão não possa ser reparado, sendo
que não preenche tal condicionalismo a reclamação do acto da instauração da
execução fiscal, com fundamento na sua ilegalidade.
Aliás, a subida da reclamação após a penhora não a torna totalmente inútil, pelo
contrário, pois, se deferida a reclamação, o acto processual em causa – a
instauração da execução – será anulado, ficando esta sem efeito.
E claro que, como se diz no último aresto citado deste Tribunal, com os
prejuízos inerentes mas só a respectiva irreparabilidade é fundamento da subida
imediata. A eventual ilegalidade da instauração da execução fiscal não leva,
pois, necessária e automaticamente, à subida imediata da reclamação respectiva.
Não procede, também, a invocada violação do princípio constitucional da tutela
jurisdicional efectiva pois, como sublinha Jorge de Sousa, CPPT anotado e
comentado, vol. II, p. 667, “no âmbito da protecção constitucional garantida
pelo direito à tutela jurisdicional efectiva não se pode incluir protecção
contra os inconvenientes próprios de qualquer processo judicial executivo, pois
eles são inerentes ao próprio funcionamento do regime judiciário global relativo
à tutela de direitos”.
E muito menos procede a alegada inconstitucionalidade orgânica da norma extraída
do artigo 278.º do CPPT, na dimensão normativa aplicada, e resultante da
violação do disposto na Lei 87-B/98, de 31/12, por incompatibilização com as
normas da LGT, designadamente com os seus artigos 95.º e 103.º.
A norma do artigo 278.º, n.º 3 do CPPT só contenderia com o disposto nos artigos
95.º e 103.º da LGT se a subida diferida fizesse perder qualquer utilidade à
reclamação, o que não sucede no caso em apreço, pois o que está em causa é uma
reclamação do acto de instauração da execução fiscal, com fundamento na sua
ilegalidade, sendo certo que a subida da referida reclamação após a penhora não
a torna, como vimos, totalmente inútil.
Por último, defende a recorrente que, caso se entenda não dever a reclamação ser
objecto de conhecimento imediato, deve, então, ordenar-se a sua subida logo após
a eventual realização de penhora de bens.
Ora, é isso que já decorre necessariamente da decisão recorrida, quando, ao
concluir-se não se estar perante uma situação de prejuízo irreparável
alicerçador da subida e apreciação imediata da reclamação, dela só se devendo
conhecer após a ocorrência de um acto lesivo, por exemplo, a realização da
penhora, a pronúncia sobre a dispensa ou não de garantia, etc., se determina a
remessa dos autos ao órgão de execução fiscal com vista ao prosseguimento dos
mesmos, devendo subir a tribunal no momento processual supra referido.
E óbvio que ao acrescentar-se em tal decisão a expressão «se necessário» tal só
pode significar que a subida só não ocorrerá se eventualmente surgir qualquer
circunstância superveniente que venha a tornar inútil a reclamação anteriormente
apresentada e, por arrastamento, a sua subida a final, em nada contendendo com o
disposto no artigo 278.º do CPPT.
Razão por que, também este recurso, não poderá, pois, proceder.
2. A executada interpôs recurso deste acórdão para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82,
de 15 de Novembro (LTC), para apreciação da inconstitucionalidade orgânica e
material 'da norma do n.º 3 do artigo 278.º do CPPT, interpretado no sentido de
que só haverá subida imediata da reclamação quando, sem ela, ocorram prejuízos
irreparáveis que não sejam os inerentes a qualquer execução”.
Prosseguindo o recurso, só a recorrente alegou, sustentando o
seguinte:
“(…)
1. O douto Acórdão recorrido faz uma aplicação da norma contida no art. 278º do
Código do Procedimento e Processo Tributário na dimensão normativa segundo a
qual só haverá subida imediata de uma reclamação quando, sem ela, ocorrerem
prejuízos irreparáveis que não sejam os inerentes a qualquer execução.
2. A dimensão normativa encontrada e aplicada e referida no ponto anterior
padece de inconstitucionalidade orgânica e material;
3. A inconstitucionalidade orgânica da norma extraída do art. 278º do CPPT, na
dimensão normativa aplicada, resulta da violação do disposto no art. 51º da Lei
n°87-B/98, de 31 de Dezembro, normativo que autoriza o Governo a aprovar o CPPT
“no respeito pela compatibilização das suas normas com as da lei geral
tributária e regulamentação das disposições da referida lei que desta careçam”
4. O direito de reclamação para o juiz da execução fiscal de todos os actos
lesivos vem afirmado pelos arts. 95º nº 1 e nº 2, al. j) e 103º, nº 2 da LGT,
pelo que a referida limitação aos casos em que a subida imediata só se
verificará quando, sem ela, ocorrerem prejuízos irreparáveis que não sejam os
inerentes a qualquer execução, implica a falta de compatibilização dessa norma
com as da lei geral tributária, extravasando, por conseguinte, o âmbito da
referida lei de autorização legislativa e, por consequência, o âmbito da
competência do Governo nesta matéria, no quadro da reserva relativa de
competência legislativa da Assembleia da República (art. 165º, n° 1, al. i) da
CRP);
5. A inconstitucionalidade material da dimensão normativa extraída do art. 278º
do CPPT resulta da violação do disposto nos arts. 26º, nº1 (direitos ao bom nome
e reputação, a imagem, e a protecção legal contra quaisquer formas de
discriminação), 103º, nº 3 (ninguém pode ser obrigado a pagar impostos cuja
liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei) e 268º, nº 4 (garantia aos
administrados de tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses
legalmente protegidos), todos da Constituição.”
II. Fundamentação
3. As decisões proferidas pelo órgão de execução fiscal e outras autoridades da
administração tributária que, no processo de execução fiscal, afectem os
direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro são susceptíveis de
impugnação perante o tribunal tributário de 1.ª instância, mediante um meio
processual que o Código de Procedimento e Processo Tributário qualifica como
reclamação (artigo 276.º do CPPT).
A reclamação sobe ao tribunal e é apreciada nos termos do artigo
278.º do CPPT que dispõe:
“Artigo 278.º
(Subida da reclamação. Resposta da Fazenda Pública
e efeito suspensivo)
1 – O Tribunal só conhecerá das reclamações quando, depois de realizadas a
penhora e a venda, o processo lhe for remetido a final.
2 – Antes do conhecimento das reclamações, será notificado o representante da
Fazenda Pública para responder, no prazo de 8 dias, ouvido o representante do
Ministério Público, que se pronunciará no mesmo prazo.
3 – O disposto no n.º 1 não se aplica quando a reclamação se fundamentar em
prejuízo irreparável causado por qualquer das seguintes ilegalidades:
a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da
extensão com que foi realizada;
b) Imediata penhora dos bens que só subsidiariamente respondam pela dívida
exequenda;
c) Incidência sobre bens que, não respondendo, nos termos de direito
substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido abrangidos pela
diligência;
d) Determinação da prestação de garantia indevida ou superior à devida.
4 – No caso previsto no número anterior, caso não se verificar a circunstância
dos nºs. 2 e 3 do artigo 277.º, o órgão da execução fiscal fará subir a
reclamação no prazo de oito dias.
5 – A reclamação referida no presente artigo segue as regras dos processos
urgentes, tendo a sua apreciação prioridade sobre quaisquer processos que devam
ser apreciados no tribunal que não tenham esse carácter.
6 – Considera-se haver má fé, para efeitos de tributação em sanção pecuniária
por esse motivo, a apresentação do pedido referido no n.º 3 do presente artigo
sem qualquer fundamento razoável.”
A sentença interpretou este regime como significando que a regra é a
do conhecimento diferido das reclamações: apenas sobem após a realização da
penhora ou da venda, consoante sejam interpostas antes de um ou outro desses
momentos processuais. Excepcionam-se, subindo imediatamente, além dos casos
expressamente previstos no n.º 3, por exigência da garantia de tutela
jurisdicional efectiva, as reclamações de actos susceptíveis de causar prejuízo
irreparável. Mas entendeu que não cabem neste conceito os actos que causem os
inconvenientes próprios de qualquer processo executivo, como é a instauração e a
citação para a execução.
É esta leitura do n.º 3 do artigo 278.º do CPPT, no sentido de que –
além dos casos expressamente enumerados, aliás todos relacionados com a penhora
(de certo modo, a prestação de garantia é um sucedâneo da penhora), o que se
compreende por ser o acto de maior lesividade potencial nesta fase - a subida
imediata da reclamação só ocorrerá quando, sem ela, ocorram prejuízos
irreparáveis que não sejam os inerentes a qualquer execução, que a recorrente
considera orgânica e materialmente inconstitucional.
4. A inconstitucionalidade orgânica resultaria de a norma assim
interpretada não observar a directiva resultante do artigo 51.º da Lei n.º
87-B/98, de 31 de Dezembro, que autorizou o Governo a aprovar o CPPT “no
respeito pela compatibilização das suas normas com as da lei geral tributária”.
Alega que o direito de reclamação para o juiz estava assegurado relativamente a
todos os actos lesivos da administração fiscal pelo artigo 95.º, n.ºs 1 e 2,
alínea j) e pelo artigo 103.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária (LGT), sem a
referida limitação, pelo que a norma extravasaria do âmbito da referida lei de
autorização legislativa e, por consequência do âmbito de competência do Governo
uma vez que a matéria cabe na reserva de competência legislativa da Assembleia
da República estabelecida pela alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da
Constituição.
Efectivamente, a impugnação das decisões materialmente
administrativas proferidas pela administração tributária no processo de execução
fiscal integra o elenco das garantias dos contribuintes. E, como tem sido
realçado pela jurisprudência deste Tribunal (cfr., verbi gratia, os Acórdãos
números, 321/89, 231/92, 268/97, 504/98, 63/2000 e 168/2002, o primeiro
publicado na 1ª Série do Diário da República de, 20 de Abril de 1989, e os
restantes na 2ª Série daquele jornal oficial de, respectivamente, 2 de Novembro
de 1992, 22 de Maio de 1997, de 10 de Dezembro de 1998, de 27 de Maio de 2001 e
de 1 de Junho de 2002) e pela doutrina (cfr. Cardoso da Costa, in O
Enquadramento Constitucional do Direito dos Impostos em Portugal: A
Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Perspectivas Constitucionais, Nos 20
anos da Constituição de 1976, 2º Vol., maxime, 409, Ana Paula Dourado, O
Princípio da Legalidade Fiscal na Constituição Portuguesa, na mesma colectânea
de textos, 438 e segs., Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 32 e 38 e
segs.), as “garantias dos contribuintes” é algo que se deve considerar como
compreendido na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da
República, numa leitura integrada da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º com o
artigo 103.º da Constituição.
Assim, o Código de Procedimento e Processo Tributário, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, deve consagrar em tal domínio soluções
compatíveis com as estabelecidas na lei geral tributária, para respeitar a
extensão e o sentido da autorização legislativa ao abrigo da qual foi aprovado.
Vejamos, então.
O artigo 95.º da LGT garante o direito de impugnação ou recurso,
preceituando que o interessado tem direito de impugnar ou recorrer de todo o
acto lesivo dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos segundo as
formas de processo prescritas na lei (n.º 1) e indica, no elenco dos actos
lesivos, os praticados na execução fiscal [n.º 2, alínea i)]. E o artigo 103.º
estabelece que é garantido aos interessados o direito de reclamação para o juiz
da execução fiscal dos actos materialmente administrativos praticados por órgãos
da administração tributária, dando corpo à injunção de 'consagrar o direito dos
particulares de solicitar a intervenção do juiz no processo', constante da
alínea 19) do artigo 2.º da Lei n.º 41/98, de 4 de Agosto, através da qual foi
concedida autorização ao Governo para aprovar a Lei Geral Tributária.
Porém, nenhum destes preceitos estabelece que a impugnação dos actos
lesivos praticados pelas autoridades da administração tributária no processo de
execução fiscal tem de subir imediatamente ao tribunal para apreciação. Essa é
matéria que a LGT relega para as formas de processo prescritas na lei. Assim,
não é possível ir buscar à directiva de que o Código compatibilize as suas
normas com as da lei geral tributária o sentido de que o legislador autorizado
estava vinculado a consagrar um regime de subida imediata de todas as
reclamações de actos do órgão de execução fiscal.
Ora, a norma em causa não nega ao executado o direito de impugnar os
actos lesivos praticados pela Administração nesse processo de execução.
Limita-se a disciplinar os termos da impugnação, diferindo a apreciação daqueles
que respeitem à fase anterior à penhora para o momento em que esta fase
processual esteja concluída. É domínio não regulado nos preceitos da LGT que a
recorrente indica – nem o Tribunal consegue vislumbrar que o seja em quaisquer
outros – pelo que não pode dizer-se que essa norma contraria o mandato de
compatibilização das soluções do Código com as dessa Lei.
Deste modo, saber se a solução do Código satisfaz as garantias de
tutela jurisdicional efectiva contra actos lesivos praticados na execução fiscal
será questão de constitucionalidade material, mas não de inobservância do
sentido da lei de autorização legislativa, porque a remissão integrativa desta
para a Lei Geral Tributária não é susceptível de interpretação como comportando
uma directiva ao legislador autorizado quanto a este aspecto do regime da
reclamação.
Assim, o recurso é claramente infundado quanto à
inconstitucionalidade orgânica.
5. Passando à inconstitucionalidade material, a recorrente alega que
a norma em apreço:
- viola a garantia de impugnação de quaisquer actos administrativos
lesivos, consagrada no n.º 4 do artigo 268.º da Constituição;
- viola o direito de não pagar impostos cuja liquidação ou cobrança
se não façam nos termos da lei, concedido pelo n.º 3 do artigo 103.º da
Constituição;
- viola os direitos ao bom nome e reputação e à imagem e o direito à
protecção contra qualquer forma de discriminação, reconhecidos a todos pelo
artigo 26.º da Constituição.
5.1. No n.º 4 do artigo 268.º, a Constituição garante aos
interessados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses
legalmente protegidos, designadamente a impugnação de quaisquer actos
administrativos que os lesem. A efectividade da tutela jurisdicional implica a
instituição de procedimentos conducentes a uma protecção jurisdicional sem
lacunas e temporalmente adequada. Mas não impede o legislador ordinário de
submeter a apreciação da impugnação dos actos da administração a pressupostos e
requisitos adjectivos que compatibilizem o direito dos particulares com outros
valores constitucionalmente reconhecidos que ao legislador incumba prosseguir,
designadamente a realização do interesse público a que o procedimento se
destina, a eficiência administrativa e a celeridade processual.
A norma em causa não afasta a impugnabilidade de quaisquer actos
lesivos da administração tributária praticados em processo de execução fiscal. O
interessado pode submeter ao juiz toda e qualquer actuação do órgão de execução
que tenha como lesiva dos seus direitos e interesses legítimos. O que da norma
resulta é o condicionamento temporal da apreciação jurisdicional da impugnação,
fazendo depender a intervenção imediata do tribunal da insusceptibilidade de
reversão ou de reparação dos efeitos dos actos cuja legalidade se discuta.
Desse modo, importa saber se a subordinação da subida imediata da
reclamação à condição de susceptibilidade de ocorrência de prejuízos
irreparáveis tem justificação razoável e se o momento processual escolhido para
a subida da reclamação quando aos actos anteriores à penhora é arbitrário. E,
adianta-se, tem justificação e não é arbitrário.
Recordemos que a questão que agora se aprecia surgiu no âmbito de
uma reclamação em que a recorrente, protestando não prescindir dos seu direito
de deduzir oposição, pretende impugnar, mediante reclamação, a decisão de mandar
instaurar a execução e de mandar citá-la para os termos da execução. Portanto, a
dimensão da norma que interessa é a que respeita à reclamação de actos
praticados na fase que antecede a penhora cuja reclamação só é apreciada após
efectuada esta (e não os que respeitam a actos que respeitem à fase posterior,
cuja reclamação sobe após a venda).
O processo de execução fiscal (abstracção feita dos casos em que
certos créditos devam ser cobrados por essa forma processual nos tribunais
comuns, que não vem ao caso) é instaurado nos serviços periféricos da
administração tributária com base num título pelo qual se determinam os limites
da obrigação que se imputa ao executado e que garante prima facie que o Estado,
ou a pessoa colectiva de direito público exequente, tem direito a obter do
executado a quantia que pretende cobrar. Destina-se a tornar efectivo um crédito
a favor do ente público que, em princípio, já foi estabelecido através de um
procedimento anterior que o tornou certo líquido e exigível (cfr. artigo 162.º
do CPPT).
Iniciado o procedimento executivo com a instauração da execução, o executado é
citado para pagar (ou requerer o pagamento em prestações ou a dação em
pagamento) ou deduzir oposição à execução. A oposição ou qualquer outro meio em
que se discuta legalidade ou exigibilidade da dívida exequenda apenas suspendem
a execução se for prestada caução ou realizada a penhora de modo a assegurar a
satisfação do direito do credor (artigos 169.º e 212.º do CPPT).
A fase inicial do procedimento executivo é ordenada de modo a obter
o pagamento ou a possibilitar rapidamente a penhora ou a prestação de garantia
que assegurem a satisfação do crédito exequendo. Processando-se a reclamação no
próprio processo da execução fiscal [artigo 97.º, n.º 1, alínea n) do CPPT], a
subida imediata da reclamação antes de completada a penhora ou garantida a
quantia exequenda e acréscimos permitiria sucessivas paralisações dos actos de
execução, afectando a pretendida celeridade do processo de execução fiscal.
Especial celeridade, até no confronto com o processo de execução comum, que
encontra justificação na natureza do crédito e na finalidade de arrecadação dos
dinheiros públicos, em especial dos proporcionados pelo sistema fiscal que visa
a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas
e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza (artigo 103.º da CRP), que
sairiam frustrados se os actos definitórios das receitas não tivessem realização
efectiva. Foi o equilíbrio entre o interesses do credor público e os interesses
do executado ou de terceiro afectado por actos praticados no processo de
execução que o legislador procurou alcançar ao congregar a regra da subida
diferida da reclamação com a excepção para os casos de ilegalidades susceptíveis
de causar prejuízos irreparáveis.
Esta conformação do regime de subida da reclamação, tal como resulta
da interpretação adoptada pela decisão recorrida do regime instituído pelo
artigo 278.º do
CPPT, satisfaz as exigências de adequação, necessidade e justa medida,
condicionando temporalmente mas não sacrificando a efectividade da tutela
jurisdicional contra actos lesivos, que é ressalvada pela subida imediata da
reclamação quando a subida diferida criar um deficit que não seja remediável
pela anulação dos actos processuais entretanto praticados.
E não se torna lesivo dessa garantia pelo facto de, para este
efeito, não serem considerados susceptíveis de integrar o conceito de prejuízos
irreparáveis os efeitos coactivos ou desfavoráveis inerentes à própria
instauração da execução e à convocação (mediante o acto de citação) para os
termos do processo de execução fiscal. Eles são os mesmos de qualquer processo
judicial executivo, não podendo considerar-se compreendidos no âmbito da
protecção constitucional, como salienta o acórdão recorrido, os incómodos
inerentes ao próprio funcionamento do regime global relativo à tutela dos
direitos. Esses efeitos inevitáveis, resultantes para um dos sujeitos
processuais do facto de o outro sujeito da relação accionar os meios de tutela
jurisdicional a que também tem direito, só podem encontrar remédio nas sanções
contra a litigiosidade abusiva ou imprudente e pela via de indemnização. Ora,
mesmo que não se retire argumento da qualificação legal de tal processo como
judicial (artigo 103.º, n.º 2, da LGT) porque o que se trata é de controlar a
legalidade de actos da autoria de um órgão administrativo, seria manifestamente
lesivo do interesse constitucionalmente legítimo que se pretende realizar
através do processo de execução fiscal e do cometimento da prática de actos de
natureza não jurisdicional nesse processo a órgãos da administração fiscal
permitir a sua paralisação com fundamento em tais incómodos (Sobre a
constitucionalidade da atribuição de competência para os actos não materialmente
jurisdicionais da execução fiscal a órgãos administrativos, Acórdão n.º
152/2002, Diário da República, II Série, de 31 de Maio de 2002.
Deste modo, encontrando este regime de subida das reclamações
fundamento constitucionalmente legitimado pelo interesse público, que ao
legislador também é imposto proteger, de celeridade do processo de realização
coerciva da dívida e não constituindo uma barreira ou constrangimento excessivos
ao direito dos contribuintes a verem apreciadas em sede contenciosa as
reclamações que deduzam dos actos praticados pelos órgãos de execução fiscal,
não se considera violada a garantia de acesso aos tribunais para impugnação dos
actos administrativos lesivos (artigo 268.º, n.º 4, da CRP).
5.2. Alega, depois, a recorrente que a norma em apreciação conduz à
violação do direito de não pagar impostos cuja liquidação e cobrança se não
façam nos termos da lei (artigo 103.º, n.º 3, in fine, da CRP).
É arguição manifestamente destituída de fundamento.
Com efeito, a norma em causa, respeitando apenas ao momento de
subida da reclamação e não ao seu conteúdo, não veda ao executado a
possibilidade de discutir seja o que for. Se tiver razão, os actos praticados
serão anulados e nada pagará. Obviamente, não é da competência do Tribunal
Constitucional dizer qual é o meio idóneo – designadamente, a oposição à
execução ou a reclamação – para discutir a irregularidade ou insuficiência do
título, a ilegalidade da instauração da execução ou os vícios do acto de
citação.
5.3. Por último, invoca a recorrente a violação dos direitos ao bom
nome e reputação, à imagem e à protecção contra quaisquer formas de
discriminação, a todos reconhecidos pelo n.º 1 do artigo 26.º da Constituição.
Também quanto a este fundamento do recurso a improcedência é
evidente e se encontra já nas considerações anteriores o princípio de resposta
do Tribunal.
Com efeito, o objecto de recurso é a norma respeitante ao momento de
subida da reclamação e não, em concreto, saber se efectivamente a instauração da
execução é susceptível de afectar o crédito, a confiança ou a imagem de que na
praça goze a recorrente. E esse conteúdo normativo é, por si, neutro
relativamente a esses supostos efeitos lesivos, de que não é causa adequada.
Mesmo que se considere que, na medida em que não permita atalhá‑los
imediatamente, contribui para os efeitos prejudiciais ao executado decorrentes
do acto da instauração da execução (necessidade de deduzir oposição, sujeição à
penhora ou à prestação de garantia para obter efeito suspensivo), a norma em
causa não infringe o n.º 1 do artigo 26.º da Constituição.
Desde logo, não se vislumbra qualquer nexo entre o diferimento da
subida da reclamação e a protecção contra qualquer forma de discriminação. E a
recorrente também não fundamenta essa imputação. O regime é universal,
aplicando-se a qualquer reclamante em processo de execução fiscal que não sofra
prejuízo irreparável com a retenção, pelo que, sendo evidente a improcedência do
fundamento seria ocioso entrar em mais detalhada explicação sobre o recorte
jurídico e dogmático deste novo direito pessoal acrescentado pela Lei
Constitucional n.º 1/97 (5.ª Revisão) ao elenco dos direitos fundamentais
pessoais.
E também revela uma disfuncionalidade interpretativa patente, mais a
mais tratando-se de uma pessoa colectiva, a alegação de que uma tal norma pode
violar o direito à imagem. Como dizem Gomes Canotilho e Vital Moreira,
Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed., pág. 467, tem um conteúdo
assaz rigoroso, abrangendo, primeiro, o direito de definir a sua própria
auto-exposição, não sendo fotografado nem vendo o seu retrato exposto em público
sem o seu consentimento e, depois, o direito de não o ver apresentado em forma
gráfica ou montagem ofensiva e malevolamente distorcida. Além de ser direito
insusceptível de ser lesado pela norma em causa, é direito incompatível com a
natureza das pessoas colectivas, porque só é concebível relativamente a pessoas
físicas (artigo 12.º, n.º 2, da CRP). A recorrente parece ter confundido o termo
constitucional 'imagem' com a reputação ou consideração no mundo dos negócios.
Por último, o direito ao bom nome e reputação, como referem os
autores anteriormente citados, consiste essencialmente no direito a não ser
ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante
imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a
obter a correspondente reparação. Este direito fundamental pessoal só em termos
translatos assiste às pessoas colectivas, que têm credibilidade, prestígio e
confiança e o direito à correspondente protecção, mas dificilmente se concebe
que sejam dotadas de honra e dignidade pessoal.
De todo o modo, a instauração de um processo executivo não é, na generalidade
das situações, susceptível de causar lesão irreparável do bom nome e reputação.
A protecção do bom nome não pode excluir o direito do credor de instaurar um
processo executivo com vista à cobrança do crédito a que o título o habilita,
fazendo-se a compatibilização ou concordância prática entre os direitos em
conflito através dos meios judiciais de reacção contra a pretensão ilegal do
credor eventualmente completados pela indemnização dos danos decorrentes da
actuação abusiva ou manifestamente imprudente. Meios esses que, neste aspecto,
não sofrem diminuição essencial da eficácia de protecção pelo diferimento que
resulta da norma.
Por tudo o exposto, conclui-se que a norma do n.º 3 do artigo 278.º
do CPPT, interpretado no sentido de que, em processo de execução fiscal, só
haverá subida imediata da reclamação dos actos do órgão de execução quando, sem
ela, ocorram prejuízos irreparáveis que não sejam os inerentes a qualquer
execução, não viola os artigos 165.º, n.º 1, alínea i), 103.º, nºs 2 e 3, e
26.º, n.º 1, da Constituição.
6. Decisão
Termos em que se decide negar provimento ao recurso e condenar a recorrente nas
custas fixando a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) UC.
Lx., 8/7/2009
Vítor Gomes
Carlos Fernandes Cadilha
Ana Maria Guerra Martins
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão