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Processo n.º 86/09
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
Na presente acção emergente de contrato de trabalho, o Banco A., SA. recorreu
para o Tribunal da Relação de Coimbra (a fls. 943 e seguintes) da sentença que,
com fundamento em nulidade do processo disciplinar por omissão de diligências
probatórias requeridas pelo arguido, julgou parcialmente procedente a acção que
lhe movera B. e, em consequência, declarou a ilicitude do despedimento do autor.
Nas alegações, concluiu o Banco, nomeadamente, que “[a] não junção aos autos de
processo disciplinar dos mapas de resultados e rentabilidade da sua agência da
Guarda, relativos aos anos de 2001 e 2002 […] não conduz à nulidade do mesmo,
por não terem sido feridos os direitos à defesa do Recorrido” (cfr. conclusão
B), e ainda que “o Banco deu cumprimento – ao contrário do que defende o
tribunal recorrido – à exigência contida no n.º 5 “in fine” do artigo 10º do DL
64-A/89, justificando por escrito a não junção” (cfr. conclusão L).
O autor contra-alegou através da peça processual de fls. 1024 e seguintes, que
se dá como reproduzida, não tendo aí suscitado quaisquer questões de
constitucionalidade, mormente quanto à invocada matéria da nulidade do processo
por não junção de elementos instrutórios requeridos pelo arguido.
Por acórdão de 23 de Outubro de 2008, o Tribunal da Relação de Coimbra (fls.
1210 e seguintes) concedeu provimento ao recurso de apelação da ré, aduzindo, na
parte que agora releva, o seguinte:
Assim, entendemos que a concordância prática dos princípios que regem o processo
disciplinar, no que toca à sua estrutura inquisitória, aos princípios do
contraditório, das garantias de defesa, por um lado, bem como aos que regem o
segredo da escrita mercantil e suas excepções, por outro, nos levam a considerar
justificada a recusa pela ré da requerida junção de elementos da sua escrita,
podendo ter considerado (à luz dessa operação de concordância) tal tarefa
patentemente impertinente.
Por outro lado, não vemos que tendo em conta a matéria de facto a que se
destinavam, em sede probatória, - embora de algum relevo em sede de apreciação
global disciplinar -, se revista de essencialidade tal que a recusa da junção
tenha afectado gravemente a defesa do autor. É que, como dissemos, a ré (como
decisor disciplinar) tinha conhecimento desses elementos e podia ponderá-los,
mesmo sem os juntar, na decisão a tomar no processo. Também por aqui não se
afigura totalmente irrazoável a sua não junção.
Por isso, diversamente do entendimento da 1ª instância, entendemos que o
processo disciplinar não padece de nulidade insuprível, sendo válido,
procedendo, assim, a apelação nesta parte.
[…]”.
B. arguiu a nulidade e requereu a reforma deste acórdão (a fls. 1254 e
seguintes), arguindo de inconstitucionalidade e ilegalidade as seguintes normas:
a) A extraída do n.º 3 do artigo 659.º do CPC, segundo a qual é permitida a
consideração de factos que não estejam contidos explicitamente na decisão de
facto existente nos autos, por violação dos artigos 18º, n.º 2, e 20º, n.º 4, da
Constituição.
b) A extraída do n.º 5 do artigo 10.º do DL n.º 64-A/89, segundo a qual não é
exigível que a entidade empregadora junte ao processo disciplinar documentos
requisitados pelo trabalhador na sua defesa quando estes estejam na posse
daquela e sejam do seu conhecimento.
c) A extraída do n.º 5 do artigo 10.º do DL n.º 64-A/89, de 27/02, segundo a
qual é patentemente impertinente a junção ao processo disciplinar de documentos
requisitados na defesa do trabalhador com base na invocação do segredo mercantil
por parte da entidade empregadora.
O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 17 de Dezembro de 2008, julgou
improcedente a reclamação (fls. 1330 e seguintes), concluindo nos seguintes
termos.
Tudo o que se considerou, ponderou e analisou no Acórdão foi a partir dos factos
constantes na decisão de facto da 1ª instância (incluindo neles, como se disse,
o processo disciplinar e os documentos que o constituíam), elaborando-se a
partir deles uma argumentação lógico-dedutiva.
Assim, não consideramos que tenha havido modificabilidade da decisão de facto da
1ª instância e, logo, a interpretação — alegada pelo requerente - do n.° 3 do
artigo 659° do CPC, “segundo a qual é permitida a consideração de factos que não
estejam contidos explicitamente na decisão de facto existente nos autos ou a
consideração de factos, não provados, e a pronúncia sobre questões de que o
Tribunal não possa conhecer”, ocorrendo violação do n°4 do artigo 20º da CRP.
Pelo que não consideramos que, com base na arguida “nulidade” — que não
reconhecemos —, tenha havido interpretação e aplicação inconstitucional do
disposto no n°5 do artigo 10° do DL n° 64-A/89, de 27/02.
A solução jurídica mencionada no Acórdão está suficientemente explicitada, não
sendo permitido, como base na nulidade arguida e que não colhe, alterar a
fundamentação e decisão contida no mesmo.
[…]”.
B. interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b)
do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, declarando o seguinte
(fls. 1352 e seguintes):
“B., Autor e Recorrido/Recorrente no processo acima referenciado, notificado do
douto acórdão nele prolatado em 17/12/2008, proferido sobre o requerimento de
arguição de nulidade e de pedido de reforma do também douto acórdão proferido
nos autos em 23/10/2008 vem deste interpôr o competente recurso para o Tribunal
Constitucional, o que faz nos seguintes termos e fundamentos:
1 — O acórdão de 17/12/2008 confirma e mantém integralmente o acórdão de
23/10/2008, do qual foi arguida a nulidade/invalidade daquele acórdão,
requerendo o suprimento da mesma e, subsidiariamente, pedida a reforma do mesmo.
Pedidos esses considerados improcedentes.
2 — Tais acórdãos fizeram aplicação de normas inconstitucionais. Na decisão do
acórdão de 17/12/2009 foram aplicadas normas previamente arguidas de infringirem
o disposto na Constituição e os princípios nela consignados, violando o disposto
no seu artigo 204°. Por isso,
3— Em conformidade com o disposto no art. 75.° - A da Lei n.° 28/82, de 15 de
Setembro, cumpre-lhe dizer o seguinte:
4 — É o recurso interposto ao abrigo do disposto no art. 280°, n.° 1. alínea b)
da Constituição da República (CRP, doravante) e do artº. 70°, n.° 1, alínea b)
da Lei n.° 28/82, de 5/l1;
5 - As normas arguidas de ilegalidade e inconstitucionalidade são;
a) A extraída do n.° 3 do artigo 659.° do CPC, aplicada no sobredito douto
acórdão de 23/10/2008 e mantida e aplicada no acórdão de 17/12/2008, que o
confirma e mantém integralmente, segundo a qual é permitida a consideração de
factos que não estejam contidos explicitamente na decisão de facto existente nos
autos.
b) A extraída do n.° 5 do artigo 10° do DL n.° 64-A/89, aplicada no sobredito
douto acórdão de 23/10/2008 e mantida e aplicada no acórdão de 17/12/2008, que o
confirma e mantém integralmente, segundo a qual não é exigível que a entidade
empregadora junte ao processo disciplinar documentos requisitados pelo
trabalhador na sua defesa quando estes estejam na posse daquela e sejam do seu
conhecimento.
c) A extraída do n.º 5 do artigo 10.° do DL n.° 64-A/89, de 27/02, aplicada no
sobredito douto acórdão de 23/10/2008 e mantida e aplicada no acórdão de
17/12/2008, que o confirma e mantém integralmente, segundo a qual é patentemente
impertinente a junção ao processo disciplinar de documentos requisitados na
defesa do trabalhador com base na invocação do segredo mercantil por parte da
entidade empregadora.
6 - A questão da ilegalidade e inconstitucionalidade normativa arguida, foi
suscitada no requerimento do ora de recorrente, apresentado em 6 de Novembro de
2008, via fax e CTT, de fls. ... dos autos;
7 - As normas legais e normas e princípios constitucionais violados pelas normas
arguidas de ilegalidade e inconstitucionalidade, encontram-se consignadas:
7.1 - Relativamente à norma referida na alínea a) do ponto 4 supra:
i) Quanto à ilegalidade: no artigo 659.° e 664.° do CPC;
ii) Quanto à inconstitucionalidade: no n.° 4 do artigo 20.° e n.° 2 do artigo
18.° da CRP.
7.2 - Relativamente à norma referida na alínea b) do ponto 4 supra:
i) Quanto à ilegalidade: no artigo 659.° e 664.° do CPC e nos n.ºs 4, 5 e 9 do
artigo 10º do DL n.° 64-A/89, de 27/02;
ii) Quanto à inconstitucionalidade: no artigo 53°, no nº 4 do artigo 20.° e n.°
2 do artigo 18.° da CRP.
7.3 — Relativamente à norma referida na alínea c) do ponto 4 supra:
i) Quanto à ilegalidade: nos n.° 9 do artigo 10.° e n.° 4 do artigo 10.° do DL
n.º 64-A/89, de 27/02;
ii) Quanto à inconstitucionalidade: no artigo 53.° e n.° 2 do artigo 18.° da
CRP.
8 — Salvo o devido respeito, a solução dada às questões postas, revela-se
errónea, em virtude de ter sido apreciada:
8.1— “Em abstracto” e em termos incongruentes e errados, face às questões
colocadas no referido requerimento de 6 de Novembro de 2008 do ora Recorrente e
ao teor do acórdão de 23/10/2008, tratando-se de requerimento relativo a vícios
de ilegalidade e inconstitucionalidade invocados quantos ás normas aplicadas e
mantidas pela decisão recorrida, as quais levam a que os actos praticados com
fundamento nessas normas sejam nulos/inválidos ou juridicamente inexistentes,
por força do disposto nos artigos 3°, n.° 3, e 204.°, da Constituição.
8.2 — “No campo dos princípios”, tendo em conta que o suprimento da nulidade
invocada (com base na sobredita ilegalidade e inconstitucionalidade) ou
subsidiariamente a reforma do acórdão de 23/10/2008, por efeito do provimento do
citado requerimento de 6 de Novembro de 2008 do ora Recorrente, constituiria uma
das garantias do processo equitativo;
8.3 — Com o reconhecimento de que as interpretações das sobreditas normas
arguidas de ilegalidade e inconstitucionalidade podem ter efeito
socialmente negativo, imposto, em abstracto, pelas exigências:
8.3.1 — Quanto à legalidade, de garantia do direito de defesa, do princípio do
contraditório no processo disciplinar e da imperativa ponderação das
circunstâncias do caso e a adequação do despedimento á culpabilidade do
trabalhador;
8.3.2 — Quanto à constitucionalidade, das garantias do processo equitativo e da
segurança no emprego.
[…]”.
Por decisão sumária de fls. 1364 e seguintes, não se tomou conhecimento do
recurso, pelos seguintes fundamentos:
“Tendo o presente recurso sido interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, constituem seus pressupostos
processuais, entre outros: a sujeição ao Tribunal Constitucional de uma questão
de inconstitucionalidade normativa; a aplicação, na decisão recorrida, da norma
ou interpretação normativa cuja conformidade constitucional se pretende que o
Tribunal Constitucional aprecie; a suscitação da questão de
inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer
(cfr., ainda, o artigo 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional).
Do requerimento de interposição do presente recurso resulta que o recorrente
submete à apreciação do Tribunal Constitucional três questões (simultaneamente,
de inconstitucionalidade e ilegalidade): uma, reportada ao artigo 659º, n.º 3,
do Código de Processo Civil, na interpretação segundo a qual é permitida a
consideração de factos que não estejam contidos explicitamente na decisão de
facto existente nos autos; outra, reportada ao artigo 10º, n.º 5, do Decreto-Lei
n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, na interpretação segundo a qual não é exigível
que a entidade empregadora junte ao processo disciplinar documentos requisitados
pelo trabalhador na sua defesa quando estes estejam na posse daquela e sejam do
seu conhecimento; outra, finalmente, reportada ao mesmo preceito, na
interpretação segundo a qual é patentemente impertinente a junção ao processo
disciplinar de documentos requisitados na defesa do trabalhador com base na
invocação do segredo mercantil.
Relativamente às questões de ilegalidade que o recorrente pretende ver
apreciadas, importa salientar, desde já, que este Tribunal não pode delas tomar
conhecimento, uma vez que o recurso ora interposto – previsto na alínea b) do
n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional – apenas se destina ao
conhecimento de questões de inconstitucionalidade; além disso, não está em
causa, no presente recurso, nenhuma questão de violação de lei com valor
reforçado ou de violação de estatuto de região autónoma, pelo que nenhum dos
outros recursos previstos no n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal
Constitucional teria aqui cabimento.
No que se refere às questões de inconstitucionalidade constata-se que o
recorrente não as suscitou antes da prolação do acórdão de 23 de Outubro de
2008, e, concretamente, não as suscitou nas contra-alegações que produziu
perante o tribunal recorrido.
Sendo certo que, em aplicação do disposto no artigo 72º, n.º 2, da Lei do
Tribunal Constitucional, devia tê-lo feito antes da prolação desse acórdão (e
não no ulterior requerimento de arguição de nulidade), visto que é esse aresto
que decide a causa principal e opera a extinção do poder jurisdicional do
tribunal, que fica depois apenas circunscrito ao suprimento de eventuais vícios
lógicos da decisão ou à correcção de lapso manifesto (cfr. o artigo 666º do
Código de Processo Civil).
Nem o recorrente pode invocar encontrar-se perante uma decisão surpresa que o
dispense da prévia suscitação da questão de constitucionalidade em momento
anterior à decisão recorrida. Na verdade, a inexigência do ónus de prévia
suscitação ocorre apenas nas situações excepcionais ou anómalas em que o
tribunal recorrido tenha feito uma interpretação normativa com a qual o
recorrente não pudesse razoavelmente contar, de tal modo que nenhum juízo
pudesse ter formulado antecipadamente quanto à possível inconstitucionalidade
dessa interpretação (cfr. neste sentido, entre outros, os acórdãos do Tribunal
Constitucional n.ºs 79/2002, 120/2002 e 669/2005).
Ora, no caso vertente, a existência de um motivo justificativo para a recusa da
junção dos elementos instrutórios que foram requeridos pelo arguido no âmbito do
processo disciplinar foi expressamente alegada pela entidade empregadora em sede
de recurso de apelação, pelo que a interpretação que veio a ser adoptada pela
Relação (no sentido de considerar não verificada nulidade insuprível por omissão
de diligência) era uma das soluções plausíveis de direito, que constituía, de
resto, um das questões que integrava o objecto do recurso.
Deste modo, o recorrente podia ter invocado a inconstitucionalidade da
interpretação ou interpretações normativas que pudessem sustentar esse
entendimento, desde logo, nas contra-alegações de recurso, de molde a que o
tribunal recorrido, na decisão final, consubstanciada no acórdão de 28 de
Outubro de 2008, estivesse obrigado a conhecer dessa matéria.
Por outro lado, como decorre do excerto há pouco transcrito, o tribunal da
Relação, na decisão em que se pronunciou sobre a arguição de nulidade (acórdão
de 17 de Dezembro de 2008) considerou que não tinha efectuado, na decisão
reclamada, qualquer alteração da factualidade tida como assente e não tinha
incorrido, por isso, em qualquer nulidade por excesso de pronúncia, afastando a
existência, com esse fundamento, de qualquer possível interpretação
inconstitucional das citadas normas dos artigos 659º, n.º 3, do Código de
Processo Civil e 10º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro.
Assim sendo, nem mesmo nessa decisão o tribunal recorrido efectuou, a
interpretação normativa (em relação a qualquer desses preceitos) que o
recorrente considera eivada de constitucionalidade.
De resto, estando em causa nesse caso, uma decisão que se pronunciou unicamente
sobre um requerimento de arguição de nulidade, nos termos do artigo 668º, n.º 1,
alínea d), do Código de Processo Civil, a única norma ou interpretação normativa
que poderia considerar-se inquinada de inconstitucionalidade, e, como tal,
constituir objecto do recurso para o Tribunal Constitucional, é a referente a
essa mesma disposição da lei processual civil, e não qualquer outra que
estivesse pressuposta na solução jurídica do litígio.
Nestes termos, o recorrente não suscitou, de modo processualmente adequado as
questões de constitucionalidade de forma a que a decisão final pudesse delas
conhecer, e, tendo-o feito no requerimento de arguição de nulidade, não pode
considerar-se que a decisão que apreciou esse requerimento tenha aplicado as
interpretações normativas que se submetem à apreciação do Tribunal
Constitucional.
Pelo que não há lugar ao conhecimento do objecto do recurso”.
Notificado da decisão sumária, dela veio B. reclamar para a conferência, nos
termos do n.º 3 do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional, sustentando o
seguinte (fls. 1396 e seguintes):
“[…]
5. Quanto à não invocação prévia da inconstitucionalidade
Considerou o Mmo. Juiz Conselheiro Relator na decisão sumária ora reclamada que
o recorrente não suscitou as questões de inconstitucionalidade antes da prolação
do Acórdão de 23/10/2008 do Tribunal da Relação de Coimbra e, concretamente, não
as suscitou nas contra-alegações que produziu perante o tribunal recorrido.
O recurso interposto perante este Alto Tribunal foi interposto ao abrigo do n.º
1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional.
Para poder conhecer-se deste tipo de recurso, torna-se necessário, além do
esgotamento dos recursos ordinários e de que a norma impugnada tenha sido
aplicada como ratio decidendi pelo tribunal recorrido, que a
inconstitucionalidade desta tenha sido suscitada durante o processo.
Segundo a jurisprudência constante do Tribunal Constitucional (veja-se, por
exemplo, o Acórdão n.º 352/94, in Diário da República II Série, de 6 de Setembro
de 1994), sobre esta matéria é entendido que a inconstitucionalidade seja
suscitada “não num sentido meramente formal (tal que a inconstitucionalidade
pudesse ser suscitada até à extinção da instância)”, mas “num sentido
funcional”, de tal modo “que essa invocação haverá de ter sido feita em momento
em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão”, “antes de esgotado o
poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de
constitucionalidade) respeita”, por ser este o sentido que é exigido pelo facto
de a intervenção do Tribunal Constitucional se efectuar em via de recurso, para
reapreciação ou reexame, portanto, de uma questão que o tribunal recorrido
pudesse e devesse ter apreciado (ver ainda, por exemplo, o Acórdão n.º 560/94,
Diário da República, II, de 10 de Janeiro de 1995, e ainda o Acórdão n.º 155/95,
in Diário da República II Série, de 20 de Junho de 1995).
6. Salvo o devido respeito, o Reclamante cumpriu o ónus de invocação atempada da
inconstitucionalidade que pretende ver sindicada pelo Tribunal Constitucional.
O ora Reclamante, notificado do douto Acórdão prolatado em 23/10/2008 pelo
Tribunal da Relação de Coimbra, dando provimento ao recurso de apelação
interposto e revogando a douta sentença recorrida que decretara a ilicitude do
despedimento, apresentou articulado:
a) ao abrigo do disposto nos artigos e 668.º, n.º 1, alínea d), n.º 3 e n.º 4 e
716.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis aos autos nos termos dos
arts. 1.º, n.º 2 e 87.º do CPT e arts. 3.º, n.º 3, 18.º, n.º 2 e 20.º, n.º 1 e
4, da Constituição da República Portuguesa (CRP), arguindo a nulidade/invalidade
do dito acórdão, requerendo o suprimento do mesmo;
b) subsidiariamente, nos termos da alínea b) do n.º 2 do art. 669.º e do art.
716.º do CPC, aplicáveis aos autos nos termos dos arts. 1.º, n.º 2 e 87.º do
CPT, requerendo a reforma do sobredito acórdão.
7. O que acima se referiu foi, desde logo, expressamente suscitado no proémio do
sobredito articulado. (cfr. fls. 1 do mesmo). Acresce que,
8. No n.º 4 (e respectivos subnúmeros) desse articulado foi invocado
verificar-se pronúncia proibida, nos termos conjugados dos arts. 660.º, n.º 2 e
668.º, n.º 1, alínea d), que influiu na apreciação e decisão final, face à norma
extraída do n.º 3 do art. 659.º do CPC, aplicada no douto acórdão do Tribunal da
Relação de Coimbra, de 23/10/2008, segundo a qual é permitida a consideração de
factos que não estejam contidos explicitamente na decisão de facto existente nos
autos. (cfr. fls. 3 a 7 do articulado)
9. No n.º 5 (e respectivos subnúmeros) desse articulado (que aqui se consideram
integralmente reproduzidos) foi invocado que, com base nos “factos” não
demonstrados, nem constantes da decisão da matéria de facto relevantes,
sindicáveis e passíveis de ser considerados para e na decisão final, no
sobredito douto acórdão fora realizada interpretação e aplicação
inconstitucional do disposto no n.º 5 do art. 10.º do DL n.º 64-A/89, de 27/02.
(cfr. fls. 7 a 13 do articulado)
10. No n.º 6 (e respectivos subnúmeros) desse articulado (que aqui se consideram
integralmente reproduzidos) foi invocado (com fundamentação e motivação diversa
da invocado no respectivo n.º 5) que no citado douto acórdão foi realizada
interpretação e aplicação inconstitucional do disposto no n.º 5 do art. 10.º do
DL n.º 64-A/89 de 27/02. (cfr. fls. 13 a 19 do articulado). Ora,
11. A fls. 7, 13 e 20 desse articulado, relativa e respectivamente ao alegado
nos n.os 4, 5 e 6 (e respectivos subnúmeros) do mesmo, foi expressamente
invocado que os actos praticados com fundamento nas normas arguidas de
inconstitucionalidade eram nulos/inválidos ou juridicamente inexistentes, por
força do disposto nos artigos 3.º, n.º 3, e 204.º, da Constituição, devendo ser
declarados como tal.
12. Nessa conformidade e na decorrência do que antes alegara e demonstrara, o
ora Reclamante expressamente requereu o seguinte:
“Face ao acima exposto e à nulidade/invalidade do acórdão prolatado nos autos,
acima alegada e demonstrada, com base nos sobreditos vícios de ilegalidade e
inconstitucionalidade, requer-se o SUPRIMENTO da mesma e, em consequência, a
prolação de acórdão que confirme a decisão da 1.ª instância.” (cfr. fls. 20
desse articulado)
13. Ao requerer ao Tribunal da Relação de Coimbra o suprimento dessa invocada
nulidade/invalidade do douto Acórdão prolatado em 23/10/2008, o ora Reclamante
invocou nulidade do próprio acto que constituía o citado acórdão, pedido, como a
lei processual o obriga e lhe faculta, o suprimento dessa nulidade.
14. Note-se que, a fls. 2 e 3 desse articulado (que se consideram integralmente
reproduzidas) o aqui Reclamante invocara expressamente que, por força do
disposto no artigo 3.º, n.º 3, da Constituição, a validade dos actos de
quaisquer entidades públicas depende da sua conformidade com ela. (cfr. n.º 3 do
articulado)
E que neles se incluem os actos dos magistrados judiciais praticados
individualmente ou em colectivo.
Mais invocando que, face a essa cominação constitucional, os actos dos
magistrados judiciais praticados na administração da justiça cível, além de
poderem padecer das nulidades previstas no CPC, designadamente nos seus artigos
201.º, n.ªs 1 e 2, e 668.º, n.º 1, podem padecer da invalidade cominada,
directamente, na Lei Fundamental, como é o caso do acto fundamentado em - ou em
que seja implicitamente aplicada - norma ou critério decisório genérico, que
infrinja o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.
15. Por isso, o ora Reclamante, no citado articulado, requereu, com base nos
alegados vícios de ilegalidade e inconstitucionalidade, o suprimento da mesma e,
em consequência, a prolação de acórdão que confirmasse a decisão da 1.ª
instância. (cfr. fls. 20 desse articulado)
16. E, com o devido respeito, faz-se notar que, nos termos do n.º 2 do art.
201.º do CPC, invocado expressamente no citado articulado, como acima se viu,
quando um acto tenha de ser anulado, anular-se-ão também os termos subsequentes
que dele dependam absolutamente.
Ora, no caso vertente, o acto jurisdicional a anular (relativamente ao qual a
nulidade invocada seria suprida) era o douto Acórdão de 23/10/2008 do Tribunal
da Relação de Coimbra, pelo qual foi prolatada decisão sobre a lide judicial em
apreço.
Como tal, era essa decisão que seria objecto da cominação da nulidade ou sujeita
a suprimento da mesma
17. Ou seja, o articulado do aqui Reclamante, não se tratava de uma “simples” e
“limitada” arguição de nulidade da sentença (in casu do Acórdão de 23/10/2008),
nos termos do art. 668.º do CPC, conjugado com o art. 716.º do mesmo Código.
Tratava-se também da arguição da (ontológica) invalidade desse acto
jurisdicional, nos termos do art. 201.º, n. os 1 e 2 do CPC, assim requerendo:
o suprimento da mesma, em virtude dos vícios de ilegalidade e
inconstitucionalidade suscitados, e,
ii) em consequência, a subsequente prolação de acórdão que confirmasse a decisão
da 1.ª instância.
Assim,
18. O Tribunal da Relação de Coimbra, ao decidir o pedido formulado nesse
articulado do ora Reclamante, face à ilegalidade e inconstitucionalidade
invocadas, pronunciou-se sobre a nulidade e invalidade invocadas, estando dotado
de poder jurisdicional, não apenas para o suprimento das nulidades, nos termos
do art. 668.º do CPC, conjugado com o art. 716.º do mesmo Código, mas também e
acima de tudo, para decidir (suprindo ou mantendo) sobre a invocada arguição da
(ontológica) invalidade desse acto jurisdicional, nos termos do art. 201.º, n.
os 1 e 2 do CPC.
Desta forma, o Tribunal da Relação de Coimbra, designadamente em sede de
conferência, e, face ao invocado e ao disposto no art. 201,º do CPC, exerceu
poder jurisdicional que não se encontrava esgotado e que se reconduzia a
efectivamente decidir de fundo a causa, face à nulidade e invalidade invocadas
quanto ao Acórdão de 23/10/2008, não se enquadrando a situação processual em
análise no âmbito do art. 666.º do CPC, contrariamente ao sustentado na decisão
sumária ora reclamada.
19. Ora, o douto Acórdão, de 17/12/2008, do Tribunal da Relação de Coimbra,
prolatado relativamente ao sobredito articulado do aqui Reclamante, confirmou e
manteve integralmente o Acórdão de 23/10/2008, do qual foi arguida a
nulidade/invalidade, requerido o suprimento da mesma e, subsidiariamente, pedida
a reforma do mesmo. Pedidos esses considerados improcedentes.
20. Tais doutos acórdãos fizeram aplicação de normas inconstitucionais, sendo
que, na decisão do Acórdão de 17/12/2008 foram aplicadas normas previamente
arguidas de infringirem o disposto na Constituição e os princípios nela
consignados, violando o disposto no seu artigo 204.º. Por isso,
E é dos mesmos que o Reclamante recorreu para o Tribunal Constitucional,
conforme decorre do requerimento de recurso, que aqui se considera integralmente
reproduzido, mormente dos respectivos n. os 1, 2 e 5.
21. Pelos motivos acima expostos, salvo o devido respeito entende modestamente o
aqui Reclamante que o articulado que apresentou não se pode integrar entre
aqueles que o Tribunal Constitucional tem vindo a entender que não constituem já
momentos processualmente idóneos.
Designadamente não se pode incluir entre aqueles que são abrangidos pelos
incidentes de arguição de nulidades, pedidos de aclaração e de reforma, por não
terem por escopo a obtenção de decisão com aplicação da norma, mas a sua
anulação, esclarecimento ou modificação, com base em questão nova sobre a qual o
tribunal não se poderia ter pronunciado.
22. Efectivamente o articulado em causa tinha por escopo a obtenção de decisão
com aplicação da norma, em virtude da nulidade do acto jurídico em apreço ( o
Acórdão de 23/10/2008), com base em questão sobre a qual o tribunal se podia
ter pronunciado e efectivamente se pronunciou.
Repita-se, pela sua importância: no articulado em causa, o ora Reclamante, face
à nulidade/invalidade do douto Acórdão de 23/10/2008 e com base nos sobreditos
vícios de ilegalidade e inconstitucionalidade, requereu o suprimento dessa
nulidade/invalidade invocadas e, em consequência, a prolação de acórdão que
confirmasse a decisão da 1.ª instância.
Nessa medida,
23. O Tribunal da Relação de Coimbra, pronunciando-se em sede de decisão final
(substantiva e formalmente) sobre a reclamada ilegalidade e
inconstitucionalidade das normas que extraiu e aplicou, mantendo a sua
aplicação e dotado de poder jurisdicional, emitiu decisão prévia sobre a questão
de constitucionalidade, posteriormente invocada à sede recursiva que constitui
este Alto Tribunal.
Pelo que, salvo o devido respeito e quanto à matéria acima identificada e
exposta, o recurso é admissível, tendo o ora Reclamante cumprido o ónus de
atempadamente e de forma processualmente adequada ter suscitado a questão da
inconstitucionalidade ao Tribunal a quo.
24 Acresce que, na decisão sumária foi ainda determinado que o Acórdão de
23/10/2008 não se tratava de decisão surpresa que dispensasse o ora Reclamante
de prévia invocação/suscitação de constitucionalidade anterior à decisão
recorrida. (cfr. fls. 8 dessa decisão).
De facto, na decisão sumária reclamada é dito que a existência de um motivo
justificativo para a recusa de junção dos elementos instrutórios que foram
requeridos pelo arguido no processo disciplinar foi expressamente alegada pela
entidade empregadora em sede de recurso de apelação, pelo que interpretação
adoptada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no sentido de não se verificar
nulidade insuprível por omissão de diligência, era uma das soluções plausíveis
de direito e uma das questões que integravam o recurso. (fls. 8 da decisão
sumária)
Sem prejuízo e sem conceder quanto ao que acima se disse relativamente ao
cumprimento do ónus de atempadamente e de forma processualmente adequada ter
suscitado a questão da inconstitucionalidade ao Tribunal a quo, salvo o devido
respeito, o entendimento acima exposto não se compagina com a realidade
processual em causa.
25. Isto porque, salvo o devido respeito, o que está em causa não é a existência
de um motivo justificativo para a recusa de junção dos documentos requisitados
pelo ora reclamante para instruir e demonstrar a sua defesa em sede do processo
disciplinar que lhe foi instaurado.
26. O que, numa primeira vertente, está em causa, é o Réu ter declarado no
processo judicial que não tinha, nem existiam os documentos em causa, para
justificar a sua não junção aos autos judiciais.
E, numa segunda fase, e apesar do Réu ter efectuado a sobredita declaração e de
não constar nos factos provados nos autos que tal documentação existia, o
Tribunal da relação de Coimbra da Relação de Coimbra no douto acórdão recorrido
ter considerado que tendo o Réu conhecimento dos documentos não tinha
necessidade de os juntar, pelo que não se verificava a nulidade do procedimento
disciplinar
27. Assim, não se prefigurava como questão previsível a existência de um motivo
justificativo para não junção dos documentos ao processo disciplinar por parte
da entidade empregadora face ao conhecimento destes.
O que seria previsível era apenas a questão da desnecessidade de junção desses
documentos, face à sua relevância ou não.
28. Veja-se a douta sentença:
Nessa douta decisão judicial, concretamente no ponto 9.13 (a fls. 28 da mesma) é
abordada, a questão da pertinência dos documentos para a defesa do ora
Reclamante.
E face à relevância dos documentos é considerado que essa diligência probatória
se revelava pertinente para a aferir da existência ou não de justa causa
invocada pelo Banco Réu, dai resultando a nulidade do processo disciplinar face
à sua preterição. (cfr. fls. 29 da sentença, ponto 9.14, penúltimo parágrafo)
29. Veja-se as doutas alegações de recurso de apelação do Banco Réu:
Nas conclusões B) a Q) dessas alegações recursivas, a fls. 70 a 74 das mesmas,
para que se remete e se consideram transcritas, o Réu, aí Apelante, defende a
impertinência dos documentos em causa para o esclarecimento da verdade, pugnando
que os mesmos nada tinham a ver com a matéria de que o ora Reclamante fora
acusado em sede disciplinar
Ou seja,
Reconduz-se e limita-se exclusivamente à questão da pertinência da junção desses
documentos e nunca refere a desnecessidade da sua junção por conhecer o teor dos
mesmos e os poder valorar.
Sendo ainda que, nas suas alegações, o Banco Apelante não abandona a tese que
sustentou nos autos judiciais de que esses documentos não existiam, isto é não
assume conhecer o teor dos mesmos, o que seria contraditória com a alegada
inexistência dos mesmos.
30. Veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 23/10/2008:
A fls. 27 do dito acórdão diz-se: “A questão suscitada pelo autor – e acolhida
favoravelmente pela 1.ª instância – quanto à nulidade do processo disciplinar
que culminou com a decisão de despedimento, relaciona-se com a omissão pela ré
da produção de uma diligência probatória requerida pelo autor.”.
E a fls. 28: “A ré não juntou tais elementos, tendo justificado a recusa,
conforme se lê do relatório final de instrução (fls. 84) do seguinte modo: ...”
sendo seguidamente transcrita a fundamentação alegada pelo Banco Réu.
Por seu turno, também a fls. 28: “Ora, sucede que tais elementos, uma vez que a
ré não alegou não os possuir, estariam ao alcance do conhecimento da própria
ré.” (sublinhado nosso)
E, finalmente, a fls. 31: “Por outro lado, não vemos que tendo em conta a
matéria de facto a que se destinavam, em sede probatória – embora de algum
relevo em sede de apreciação global disciplinar - se revista de essencialidade
tal que a recusa da junção tenha afectado gravemente a defesa do autor. É que a
ré tinha conhecimento desses elementos e podia ponderá-los, mesmo sem os juntar,
na decisão a tomar no processo.” (sublinhado nosso)
Nas transcrições, retirados do texto do douto acórdão proferido, o Tribunal:
i) pronunciou-se sobre um “facto” que não está determinado nos autos, ou seja
que o Réu possuía os documentos requisitados e que não foram juntos aos autos
disciplinares (cfr. matéria de facto assente, a fls. 11 a 26 do acórdão).
ii) faz referência a outro “facto” que não está determinado nos autos, ou seja
que o Réu conhecia esses documentos, o que, alias, é impossível determinar a
partir do momento que não está provado que o Réu estava na posse desses
documentos;
iii) alude a um último “facto” que não está determinado nos autos, ou seja, que
o Réu podia ponderar esses documentos, mesmo sem os juntar, na decisão a tomar
no processo disciplinar, que, aliás, é impossível determinar a partir do
momento quem que não está provado sequer que o Réu estava na posse desses
documentos.
31. Veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17/12/2008
A fls. 6 desse Acórdão: “O que se considerou foi que o autor requereu a sua
junção, assim admitindo que a ré os possuísse (doutro modo não teria sentido o
que requereu) e que esta não alegou não os possuir, como fundamento para recusa
para não os juntar, mas antes alegou outros fundamentos para recusa. Assim
sendo, admitiu-se que, possuindo a ré esses elementos (como o autor partia desse
pressuposto, não negado), eles estariam ao alcance do conhecimento da própria
ré.”
E a fls. 7 desse acórdão: “O que se considerou sim, em sede de raciocínio
argumentativo, a partir do requerimento para a sua junção, efectuado pelo autor,
foi que se a própria ré os possuía (como era pressuposto do requerimento do
autor) ela poderia ponderá-los, mesmo sem os juntar”.
Tudo o que se considerou, ponderou e analisou no Acórdão foi a partir dos factos
constantes na decisão de facto da 1.ª instância (incluindo neles, como se disse,
o processo disciplinar e os documentos que o constituíam) elaborando-se a partir
deles uma argumentação lógico-dedutiva.”
32. Note-se que, confrontando o que acima se transcreveu, designadamente fls. 28
e 31 do Acórdão de 23/10/2008 com fls. 6 e 7 do Acórdão de 17/12/2008,
verifica-se uma insanável contradição ao nível dos parâmetros fundamentantes do
entendimento decisional, pois no primeiro aresto é assumido expressamente que
“...a ré tinha conhecimento desses elementos e podia ponderá-los...” e no
segundo é consignado que “se considerou sim, em sede de raciocínio
argumentativo, ..., foi que se a própria ré os possuía ... ela poderia
ponderá-los, mesmo sem os juntar”.(sublinhados nossos)
Daí que, face a essa incongruência e contradição, o ora Reclamante considera no
ponto 8.1 do requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional que a
solução (no acórdão de 17/12/2008) dada às questões postas, revela-se errónea,
em virtude de ter sido apreciada:
“8.1 - Em abstracto” e em termos incongruentes e errados, face às questões
colocadas no referido requerimento de 6 de Novembro de 2008 do ora Recorrente e
ao teor do acórdão de 23/10/2008, tratando-se de requerimento relativo a vícios
de ilegalidade e inconstitucionalidade invocados quantos às normas aplicadas e
mantidas pela decisão recorrida, as quais levam a que os actos praticados com
fundamento nessas normas sejam nulos/inválidos ou juridicamente inexistentes,
por força do disposto nos artigos 3.º, n.º 3, e 204.º, da Constituição.”
(sublinhado actual)
33. É pacífica a jurisprudência do Tribunal Constitucional no sentido de não se
impor que o recorrente suscite, durante o processo, a questão de
constitucionalidade normativa que pretende ver apreciada pelo Tribunal
Constitucional, quando a aplicação da norma (ou de uma sua interpretação) em
causa seja imprevisível, ou seja, quando a decisão recorrida se configure como
uma decisão-surpresa.
Senhores Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional!
Sendo certo que as partes têm um dever de prudência técnica na antevisão do
direito plausível de ser aplicado e, nessa perspectiva, quanto à sua
conformidade constitucional, salvo o devido respeito, tal dever tem de ser
compaginado com o teor da sentença proferida e das alegações de recurso, tanto
mais que, em sede de contra-alegações, como foi o caso, o ora Reclamante estava
espartilhado pelas conclusões daquelas!
Não podendo ser-lhe exigível que antecipasse um entendimento e aplicação de
normas legais num sentido que extrapolava completamente o teor da sentença
recorrida e o das alegações de recurso apresentadas nos autos.
E que antecipasse que o Tribunal Recursivo consignasse, num primeiro aresto, o
efectivo conhecimento de elementos probatórios, e num segundo fosse consignada a
mera possibilidade em sede de raciocínio argumentativo, e, não obstante essa
assinalada incongruência, mantivesse a aplicação de normas inconstitucionais.
Assim,
34. O Reclamante foi surpreendido face ao teor e fundamento da decisão em causa
e não quanto ao seu sentido.
35. Consequentemente só no articulado que apresentou após o Acórdão de
23/10/2008 pode o mesmo pronunciar-se e desse modo suscitar a questão da
constitucionalidade das normas que fundamentaram tal decisão.
36. Ou seja, não podia o ora Reclamante colocar ao Tribunal nas suas
contra-alegações de recurso a questão da constitucionalidade – por não lhe
ser exigível a antecipação de tal solução dado a mesma ser obviamente
surpreendente e inesperada (para o recorrente).
37. Sendo-lhe por isso licito suscitá-la nos termos em que o fez, ou seja, no
momento processual imediatamente posterior e através da dedução do articulado
apresentado contra aquela decisão que considerou procedente o recurso interposto
pelo Banco Apelante
38. Apresentando o sobredito articulado – meio processual próprio para, na
circunstância, reagir em primeira linha contra aquele Acórdão de 23/10/2008 –
onde sustentou e explicou os fundamentos do seu inconformismo com o mesmo e onde
pela primeira vez se tornou necessário e oportuno invocar a dita
inconstitucionalidade.
39. Ou dito de outro modo: no caso sub judice, considerando que a decisão do
Tribunal da Relação configurou uma decisão “surpresa”, o Recorrente tanto
poderia (ou só poderia) invocar a questão da inconstitucionalidade no articulado
apresentado, como fez.
40. Quanto ao tribunal recorrido não ter considerado que efectuou alteração da
factualidade assente e incorrido em excesso de pronúncia.
41. Na decisão sumária foi entendido que, dado o tribunal ora recorrido não ter
considerado que efectuou alteração da factualidade assente e ter incorrido em
excesso de pronúncia, afastou com esse entendimento qualquer possível
interpretação inconstitucional dos arts. 659.º, n.º 3 do CPC e 10.º n.º 5 do
Dec. Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (cfr. fls. 9 da decisão sumária).
42. Salvo o devido respeito e remetendo-se para as incongruências acima
assinaladas, relativamente ao confronto entre os Acórdãos de 23/10/2008 e
17/12/2008, é certo que este último aresto confirma e mantém integralmente o
acórdão de 23/10/2008 e a decisão nele constante.
43. Ora, salvo o devido respeito, o facto do Tribunal a quo não reconhecer a
nulidade/invalidade invocada e a interpretação e aplicação inconstitucional dos
arts. 659.º, n.º 3 do CPC e 10.º n.º 5 do Dec. Lei n.º 64-A/89, de 27 de
Fevereiro, não pode significar e produzir o efeito juridicamente insustentável
de precludir a possibilidade de recurso e a própria decisão do Tribunal ad quem.
44. Efectivamente, a decisão sindicada não pode condicionar a decisão
sindicante, pois tal resultaria na total subversão do instituto do recurso das
decisões judiciais.
45. Além do que, conforme resulta do articulado apresentado face ao Acórdão de
23/10/2008, o Recorrente invocou expressa e separadamente três normas arguidas
de ilegalidade e inconstitucionalidade (mantidas no acórdão de 17/12/2008):
a) A extraída do n.º 3 do art. 659.º do CPC, resultando aplicada no sobredito
douto acórdão, segundo a qual é permitida a consideração de factos que não
estejam contidos explicitamente na decisão de facto existente nos autos.
b) A extraída do n.º 5 do art. 10.º do DL n.º 64-A/89, aplicada no douto Acórdão
supra referido, segundo a qual não é exigível que a entidade empregadora junte
ao processo disciplinar documentos requisitados pelo trabalhador na sua defesa
quando estes estejam na posse daquela e sejam do seu conhecimento.
c) A extraída do n.º 5 do art. 10.º do DL n.º 64-A/89, de 27/02, aplicada no
douto Acórdão supra referido, segundo a qual é patentemente impertinente a
junção ao processo disciplinar de documentos requisitados na defesa do
trabalhador com base na invocação do segredo mercantil por parte da entidade
empregadora.
46. Além de que, a mera “desqualificação” ou não reconhecimento pelo Tribunal a
quo da questão suscitada quanto ao n.º 3 do art. 659.º do CPC (excesso de
pronuncia) não seria, por si só, suficiente para afastar a apreciação das demais
questões acima elencadas.
47. Acrescendo também que, como foi supra assinalado, o articulado em causa não
se tratava de uma “simples” e “limitada” arguição de nulidade da sentença (o
Acórdão de 23/10/2008), nos termos do art. 668.º do CPC, conjugado com o art.
716.º do mesmo Código, tratando-se também da arguição da (ontológica) invalidade
desse acto jurisdicional, nos termos do art. 201.º, n. os 1 e 2 do CPC.
Pelo que,
Salvo o devido respeito, a conclusão constante no terceiro parágrafo de fls. 9
da decisão sumária ora reclamada, improcede claramente.
48. Assim, salvo o devido respeito, o Reclamante cumpriu, atempadamente e quando
a questão de Direito se colocou, os pressupostos bastantes e suficientes à
interposição do Recurso – ao qual tem inalienável direito – para este Tribunal
Constitucional nos termos dos arts. 70.º, n.º 1, 72.º, n.º 2 e 75.º da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, na sua actual redacção.
49. Não pode por isso, nos presentes autos, salvo o devido e merecido respeito,
considerar-se que não foi cumprido o ónus de alegação atempada e adequada da
inconstitucionalidade e fazer-se recair sobre a parte (o ora Reclamante), o ónus
de suscitar uma questão de constitucionalidade normativa imprevisível “antes”
que essa questão surja.
Por tudo isto,
50. Entende respeitosamente o Reclamante que a douta decisão reclamada deverá
ser reformada e, ou, alterada por forma a que seja determinado a admissão do
recurso interposto para este Tribunal Constitucional nos termos do disposto no
art. 76.º, 77.º e 78.º da dita Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro.
[…]”.
O recorrido não respondeu.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Tendo sido julgada procedente, na Relação, a apelação interposta pela ré, por se
considerar não verificada a nulidade insuprível do processo disciplinar por
omissão de diligência instrutória, o autor, ora reclamante, arguiu a nulidade e
requereu a reforma do acórdão, invocando a inconstitucionalidade das normas do
n.º 3 do artigo 659.º do CPC e do n.º 5 do artigo 10.º do DL n.º 64-A/89, esta
em duas diferentes interpretações normativas (fls 1254).
A Relação julgou improcedente a arguição, pelo que o reclamante interpôs recurso
para o Tribunal Constitucional, pretendendo ver apreciada a ilegalidade e
inconstitucionalidade das referidas disposições.
Por decisão sumária, o relator entendeu não dever conhecer-se das questões de
ilegalidade (aspecto que o reclamante não impugna) e, quanto à matéria de
inconstitucionalidade, considerou que o recorrente não cumpriu o correspondente
ónus de suscitação antes da prolação do acórdão da Relação que apreciou a
matéria de fundo, entendendo ainda que o interessado dele não estava dispensado,
pois que o decidido nesse aresto não poderia entender-se como uma decisão
surpresa.
Pretende agora o reclamante que, no requerimento de arguição de nulidade e
reforma de acórdão, não se limitou a invocar a nulidade à luz do diposto no
artigo 668º do Código de Processo Civil, mas também a sua invalidade por vícios
de inconstitucionalidade, pelo que – segundo alega - satisfez ainda
atempadamente o ónus de suscitação a que alude o artigo 72º, n.º 2, da Lei do
Tribunal Constitucional.
Ora, como se expôs na decisão reclamada, o requerimento formulado a fls. 1254
não deixa de constituir um incidente pós-decisório, que apenas poderia ter como
resultado o suprimento de qualquer vício lógico da decisão, nos termos do citado
artigo 668º do Código de Processo Civil, ou a sua correcção por lapso manifesto,
conforme o previsto no subsequente artigo 669º.
Fora o caso em que verifique alguma das causas de nulidade de acórdão (que, por
inadmissibilidade de recurso ordinário, cumpriria ao tribunal reclamado suprir),
a alteração do julgado, nos termos do sobredito artigo 669º, apenas poderia
ocorrer por manifesto lapso na determinação da norma aplicável ou na
qualificação jurídica dos factos, o que apenas seria de considerar quando
houvesse um erro evidente, imediatamente detectável, e que o tribunal não teria
deixado de corrigir se dele se tivesse dado conta no momento da prolação da
decisão reclamada.
É assim claro que o incidente de reforma de sentença não pode servir para o
requerente suscitar a apreciação de questões novas ou de aspectos atinentes a
matéria de constitucionalidade, de complexa e problemática resolução, e que
implicaria que o tribunal reclamado procedesse a um reexame da decisão como se
de um tribunal de recurso se tratasse.
E bem se vê que o requerimento formulado nos termos dessas disposições não era o
meio processual próprio para dar cumprimento ao ónus imposto pelo artigo 72º,
n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, que justamente exige que a questão de
constitucionalidade seja suscitada de «modo processualmente adequado perante o
tribunal recorrido, em termos de este estar obrigado a dela conhecer».
Nessas condições, o recurso de constitucionalidade só poderia ser admitido se –
como também se afirmou na decisão sumária - o recorrente se tivesse deparado com
uma decisão surpresa que o dispensasse da prévia suscitação da questão de
constitucionalidade em momento anterior à decisão recorrida, o que apenas
poderia entender-se como verificado se sucedesse uma daquelas situações
excepcionais ou anómalas em que o tribunal recorrido tenha feito uma
interpretação normativa com a qual o recorrente não pudesse razoavelmente
contar.
Quanto a este ponto, alega o reclamante que a decisão de 23 de Outubro de 2008
constituiu decisão-surpresa, uma vez que, perante o teor da sentença e das
alegações do recurso de apelação do réu, “não se prefigurava como questão
previsível a existência de um motivo justificativo para não junção dos
documentos ao processo disciplinar por parte da entidade empregadora face ao
conhecimento destes”; “[o] que seria previsível era apenas a questão da
desnecessidade de junção desses documentos, face à sua relevância ou não”
(veja-se, a este propósito, os n.º s 24 a 39 da reclamação).
Recorde-se que as questões de constitucionalidade que aqui poderiam relevar são
as respeitantes ao artigo 10º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de
Fevereiro, na interpretação segundo a qual não é exigível que a entidade
empregadora junte ao processo disciplinar documentos requisitados pelo
trabalhador na sua defesa quando estes estejam na posse daquela e sejam do seu
conhecimento, ou, ainda na interpretação segundo a qual é patentemente
impertinente a junção ao processo disciplinar de documentos requisitados na
defesa do trabalhador com base na invocação do segredo mercantil.
Não se alcança com precisão, do teor da reclamação, qual destas duas
interpretações é que constitui, na perspectiva do reclamante, uma
decisão-surpresa, sendo certo que não parece ser a segunda (reportada ao
problema do segredo mercantil), uma vez que nada a esse propósito é referido na
reclamação.
Partindo do princípio de que a reclamante apenas se refere à primeira
interpretação (sob pena de toda a argumentação expendida nos n.º s 24 a 39 da
reclamação improceder por ininteligibilidade do respectivo objecto), é patente
que ela corresponde ao que já havia sido sustentado pela ré no recurso de
apelação, em cujas alegações concluiu que “[a] não junção aos autos de processo
disciplinar dos mapas de resultados e rentabilidade da sua agência da Guarda,
relativos aos anos de 2001 e 2002 […] não conduz à nulidade do mesmo, por não
terem sido feridos os direitos à defesa do Recorrido” (cfr. conclusão B), e que
“o Banco deu cumprimento – ao contrário do que defende o tribunal recorrido – à
exigência contida no n.º 5 “in fine” do artigo 10º do DL 64-A/89, justificando
por escrito a não junção” (cfr. conclusão L).
Ora, é sobre esses mesmos aspectos que o acórdão da Relação de 23 de Outubro de
2008 se pronunciou, como resulta, com toda a evidência, do excerto há pouco
transcrito, pelo que nunca poderia entender-se o referido acórdão como
constituindo uma decisão surpresa.
Resta considerar, por fim, que só esse acórdão, que se pronunciou sobre a
matéria de fundo, e não o ulteriormente proferido sobre o requerimento de
arguição de nulidades e de reforma por lapso manifesto, é que poderia constituir
objecto do recurso de constitucionalidade, pelo que é inteiramente irrelevante
para o caso o que se aduz nos n.ºs 41 a 47 da reclamação.
III. Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, desatende-se a presente reclamação,
mantendo-se a decisão sumária reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 5 de Maio de 2009
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão