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Processo n.º 736/07
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
ACORDAM NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
I Relatório
1. Por acórdão de 20 de Julho de 2006, o Tribunal Administrativo e Fiscal de
Almada julgou a acção administrativa especial intentada por A. contra a Caixa
Geral de Aposentações não provada e improcedente e absolveu a ré do pedido de
anulação da decisão, de 17 de Fevereiro de 2005, da Direcção da Ré, no segmento
em que fixa o valor da pensão do Autor, para o ano de 2005, em € 3.253,10.
Pode ler-se no texto do acórdão, para o que agora releva, o seguinte:
“ [...] 2. Mostram-se assentes os seguintes factos:
1º - O A. é, há mais de vinte anos, sócio do Sindicato dos Trabalhadores da
Função Pública do Sul e Açores – alínea A) dos factos assentes.
2º- Em 28 de Janeiro de 2005 o A. Requereu a sua reforma por velhice – alínea B)
dos factos assentes.
3º- Por despacho de 17/02/05 a R. reconheceu ao A. a remuneração total de €
4.178,68 – alínea C) dos factos assentes.
4.º No mesmo despacho a R. fixou o montante da pensão para o ano de 2005 em €
3.253,10 – alínea D) dos factos assentes.
5º- Para alcançar esses valores de € 4.178,68 e € 3.253,10, a R. partiu da
remuneração total de € 4.262,86 (a exacta e constante do doc. nº 2), dividiu o
aumento de 2005 por 36 meses e adicionou-o à remuneração de 2004 e, ao valor
encontrado (o já referido de € 4.178,68), deduziu-lhe sucessivamente 10% e 13,5%
[4.178,68 - (4.178,68x10%) - (3.760,81x13,5%)] – alínea E) dos factos assentes.
6º- Ou seja, fez sucessiva aplicação do disposto no nº 3 do art. 51º, na
primeira parte do art. 53º e nos nº 2 e 3 do art. 37º-A, todos do Estatuto da
Aposentação, na redacção resultante das alterações introduzidas pela Lei nº
1/2004, 15 de Janeiro – alínea F) dos factos assentes.
7º- Em 1973 (após o regresso da guerra), em 1979, ao concluir a Licenciatura em
Direito e, em 1992, ao iniciar funções de Dirigente, as opções que o A. tomou em
relação à sua vida profissional incluíram entre os elementos de ponderação a sua
aposentação – resposta à 2 questão da base instrutória.
8º- Onde foi determinante o regime legal de descontos e das futuras pensões –
resposta 3.ª questão da base instrutória.
Mostram-se ainda provados os seguintes factos com base em documentos:
9º- Consta do Relatório, Conclusões e Parecer sobre o Projecto de Lei nº 362/IX,
da Assembleia da República, emitido pela Comissão de trabalhos e dos Assuntos
Sociais, o seguinte:
“1.6 Da audição e discussão pública
a) da audição
Por deliberação da Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais, e sem prejuízo
da realização do competente processo de consulta pública nos termos
constitucionais, legais e regimentais aplicáveis, foram realizadas nos dias 18 e
19 de Novembro de 2003, um conjunto de audições em torno do projecto de lei nº
362/IX com as associações sindicais dos trabalhadores da Administração Pública,
tendo sido ouvidas as seguintes entidades: (...)“ – doc. fls. 129 do suporte
documental.
10.º- O projecto de lei 362/IX foi publicado no DAR II série A nº 8/IX/2 de
2003/10/18, pág. 325 – doc. fls. 56 do suporte documental.
3. São as seguintes as questões a resolver:
3.1. Foi violado o direito à negociação colectiva?
3.2. Houve violação do princípio do Estado de Direito, consagrado no artº 2 da
CRP, violação do artº 112.3. da CRP, violação dos princípios constitucionais da
confiança, da protecção contra o arbítrio, da certeza e da segurança jurídica?
4.1. A legislação em causa é a alteração criada ao estatuto da aposentação pela
Lei 1/2004 de 15/01.
É o seguinte o teor do nº 2 desta lei:
[…]
É a seguinte a redacção do artº 56 da CRP:
[…]
Nos termos do artº 6.c) da Lei 23/98 de 26/05, são objecto de negociação
colectiva as matérias relativas à fixação ou alteração “das pensões de
aposentação ou reforma”.
Não restam pois especiais dúvidas que a matéria de aposentações está sujeita a
negociação obrigatória por força das citadas disposições. Esta, aliás, tem sido
a posição do Tribunal Constitucional (Acs. 362/94, 477/98, 360/03). E também
esta a posição da doutrina (vide neste sentido, Jorge Miranda e Rui Medeiros, in
CRP Anotada, tomo I, pág. 565).
O procedimento de negociação vem regulado nos artsº 7, 8 e 9 da Lei 23/98 de
26/05, que têm a seguinte redacção:
[…]
Face aos factos provados, não restam dúvidas que esta negociação não teve lugar.
A questão é a de saber-se se a Assembleia da República está ou não sujeita à Lei
23/98. O Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre esta questão no já citado
Acórdão 360/2003, publicado no DR. de 07/10/2003, nos seguintes termos:
[…]
Ou seja, de acordo com o T.C., as disposições da Lei 23/98 (que é
consensualmente aceite como sendo uma lei de valor reforçado) não são de
cumprimento obrigatório por parte da A. R., mas apenas por parte do Governo. A
A.R. apenas tem que respeitar a Constituição em termos suficientes para se poder
dizer que houve negociação.
Face aos factos provados, nomeadamente que existiu consulta das entidades
sindicais, que o projecto foi publicado no Diário da Assembleia da República, é
inevitável a conclusão da não inconstitucionalidade formal da Lei 1/2004 pelos
motivos invocados, face a esta Jurisprudência do Tribunal Constitucional.
4.2. Invoca o A. a violação do princípio do Estado de Direito, consagrado no
artº 2 da CRP, violação do artº 112.3. da CRP, violação dos princípios
constitucionais da confiança, da protecção contra o arbítrio, da certeza e da
segurança jurídica.
E sabido que por força do artº 12.2. do Código Civil, quando a lei dispõe
directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos
factos que lhe deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias
relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor. Ou seja,
como no caso dos autos, quando a lei nova regula a reforma dos funcionários
públicos, ela aplica-se a todos, porque estamos perante uma relação jurídica, a
de funcionalismo público.
A especificidade desta situação, o que a diferencia da normal regulação de
relações jurídicas por via legislativa, é que o regulador é neste caso também
parte interessada, ele é a “entidade patronal”, o devedor das reformas, o
obrigado a pagar. Assim sendo, compreende-se que ao legislador lhe sejam
impostas restrições de carácter geral, desde que constitucionalmente
consagradas, como são o caso dos princípios invocados pelo A..
Entendemos que a violação dos citados preceitos só tem possibilidade de existir
se verificadas as seguintes condições:
- os direitos retirados existiam à data da entrada do A. na função pública.
- os direitos retirados ofendam de forma intolerável o conjunto de direitos que
o A. tinha à data da sua entrada na função pública.
A reforma do A. foi antecipada, ou seja, ele reformou-se antes da idade normal
de reforma, ao abrigo do Dec-lei 116/85 de 19/04. Esta faculdade não existia no
momento em que o A. aderiu à função pública. Logo, alterações a um regime de
reformas que não existia quando o A. entrou para a função pública, não se podem
considerar como violadores dos referidos princípios. Ou seja: benesses criadas
após a tomada de posse como funcionário público, não se podem ter como
irreversíveis. E irrelevante se o A. considerou estas benesses como um incentivo
para optar em determinada fase da sua vida por continuar ligado à função
pública, porque o Estado não lhe garantiu que esse sistema vigoraria para
sempre. Aquilo que de boa fé um funcionário pode exigir do Estado, é que as
condições de reforma que vai ter quando se reformar não sejam intoleravelmente
inferiores às que vigoravam no momento em que tomou posse, porque foi com a
expectativa dessas condições que ele aceitou servir o Estado.
Assim sendo, porque o A. optou por usufruir de um sistema de reformas
antecipadas, que não existia antes dele tornar posse como funcionário público,
não pode pretender que lhe seja aplicável o regime mais favorável que já alguma
vez esteve em vigor nesta matéria, invocando um pretenso direito adquirido,
porque ele nunca existiu com carácter de irreversibilidade. Logo, não se pode
nesta matéria verificar nunca a violação de nenhum dos referidos princípios.
[…]”
Deste acórdão recorreu A. para o Tribunal Central Administrativo Sul,
formulando nas alegações respectivas as seguintes conclusões:
“ […] 1.ª – O douto acórdão recorrido considera que na lei nº 1/2004, de 15 de
Janeiro, o Estado estava constitucionalmente obrigado a prévia negociação
colectiva com as associações sindicais e reconhece que esse dever não foi
cumprido.
2.ª – Conclui porém que, não sendo aplicável a Lei n.º 23/98, de 26 de Maio (por
não ser de cumprimento obrigatório por parte da A.R.), à Assembleia da República
basta a consulta às entidades sindicais e a publicação do Projecto no Diário da
Assembleia da República.
3.ª– Fundamentando-se unicamente no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º
360/2003, trata exactamente da mesma forma as duas distintas realidades em causa
nesse e no acórdão aqui recorrido.
4.ª– Erradamente. Enquanto no primeiro Acórdão se apreciava o procedimento da
Assembleia da República no processo de produção legislativa (então da Lei nº 32-
B/2002, de 30 de Dezembro), em referência à participação na elaboração da
legislação de trabalho, na decisão ora recorrida em causa está o incumprimento
do direito de negociação colectiva.
5.ª– A participação na elaboração da legislação de trabalho ocorria no âmbito do
procedimento legislativo de competência da AR, o cumprimento do direito à
contratação colectiva tem que inserir-se no campo das competências do Governo
(não da AR) – é isso que resulta clara e directamente do art. 182º da
Constituição da República Portuguesa (CRP) e do art. 23º da Lei nº 23/98.
6.ª– Como a AR não tem competência nem legitimidade para, por si ou em
representação da Administração Pública e do Governo, exercer a negociação
colectiva, a Lei nº 1/2004, de 15 Janeiro, tinha que ser previa e
obrigatoriamente objecto de negociação entre o Governo e as Associações
Sindicais.
7.ª– Como não o foi (o que é, como se disse, expressamente reconhecido pelo
Acórdão sob recurso), a Lei está por isso eivada de inconstitucionalidade, tendo
a decisão recorrida violado os arts 56.º, nº 3, 2 182º da CRP, bem como a Lei
n.º 23/98, de 26 de Maio, incluindo o art. 23º.
8.ª– O nº 3 do art. 56.º da CRP garante aos trabalhadores (direito
constitucional, portanto) o exercício do direito de contratação colectiva
através das associações sindicais, o qual é garantido nos termos da lei.
9.ª– Só a negociação colectiva prevista na Lei nº 23/98, de 26 de Maio (que,
densificando aquele comando/direito constitucional, estabelece o regime de
negociação colectiva da Administração Pública), tem o alcance de consubstanciar
o seu cumprimento.
10.ª– Mesmo que em mero raciocínio acompanhemos a via redutora seguida pelo
acórdão recorrido quanto à aplicabilidade que faz da Lei nº 23/98 e baseando-nos
(como esse aresto) no Acórdão 360/2003, ainda assim há que concluir pelo errado
da decisão.
11.ª– Nem a publicação no Diário da AR do projecto de lei nem a mera consulta
num conjunto de audições em torno desse mesmo projecto de lei com as associações
sindicais podem ter qualquer relevância num processo de contratação colectiva
que nos termos da lei e da própria natureza das coisas carece de prévia
negociação.
12.ª– Qualquer um dos três momentos provados nos autos sob os números 7º e 8º
tem igual relevância em termos de aferição do (in)cumprimento dos princípios
constitucionais invocados. Pelo que, pelo menos em 1992 já há mais de sete anos
estava em vigor o regime do Dec. Lei nº 116/85, de 19 de Abril.
13.ª– A dedução prevista no nº 1 do art. 53º do Estatuto da Aposentação, na
redacção dada pela Lei n.º 1/2004 também altera regras já há muito definidas e
retira direitos anteriores. Portanto, mesmo seguindo a tese do acórdão
recorrido, quanto a essa redução aqueles princípios constitucionais foram
desrespeitados.
14.ª– Ao decidir como o fez, violou o douto acórdão recorrido os princípios
constitucionais do Estado de Direito, da confiança, da protecção contra o
arbítrio, da certeza e da segurança jurídica
15.ª– O acórdão recorrido violou a Lei nº 23/98, de 26 de Maio, ao concluir pela
não aplicação da mesma em relação à invocada (na petição inicial) inobservância
dos procedimentos por ela definidos e consequente vício autónomo de ilegalidade.
16.ª– Com efeito, não pode deixar de entender-se aplicável o regime por essa Lei
definido, maxime porque é a Lei nº 23/98 que, definindo o regime da contratação
colectiva, vem densificar e “dar conteúdo” à disposição constitucional.
Termos em que, e com o mais de douto suprimento, deve ser concedido provimento
ao presente recurso e, em consequência, anulado o douto acórdão recorrido e
proferido outro que declare inconstitucional a Lei nº 1/2004, de 15 de Janeiro,
com todas as consequências constantes da petição inicial. […]”
Por acórdão de 3 de Maio de 2007, o Tribunal Central Administrativo Sul negou
provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos do acórdão recorrido que,
assim, confirmou.
2. Inconformado, A. recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do
disposto nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro (LTC), nos seguintes termos:
“ […] Pretende-se que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade
e a ilegalidade da Lei nº 1/2004, de 15 de Janeiro.
Para cumprimento do nº 2 do art. 75º-A também da Lei nº 28/82, de 15 de
Novembro, faz-se constar o seguinte:
Consideram-se violados os arts 56.º da Constituição da República Portuguesa (que
consagra o direito constitucional à negociação colectiva) e os princípios
constitucionais do estado de direito, da confiança, da protecção contra o
arbítrio, da certeza e segurança jurídica, e quanto à ilegalidade a Lei nº
23/98, de 26 de Maio (que fixa os procedimentos da negociação colectiva), lei de
valor reforçado; […]”
O recurso foi admitido mas, por despacho do relator, o recorrente foi convidado,
quanto ao recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da
LTC, a indicar o exacto sentido da norma cuja conformidade constitucional
pretendia questionar com identificação do preceito legal em que se inscreve; e,
quanto ao recurso interposto ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do mesmo artigo
70º, a identificar a norma ilegal aplicada na decisão recorrida, especificando o
fundamento dessa ilegalidade nos termos previstos na referida alínea.
O recorrente respondeu nos seguintes termos:
“ […] O Recorrente questiona a conformidade constitucional dos arts l.º e 2.º
da Lei nº 1/2004, de 15 de Janeiro, por entender que violam o art. 56º da CRP –
por não ter a Lei sido precedida de negociação colectiva, direito que essa norma
constitucional consagra. Face a essa inconstitucionalidade, não podem tais
normas vigorar na ordem jurídica e o Estatuto da Aposentação deve ser aplicado
na redacção anterior às alterações introduzidas por essa Lei, sendo o valor da
pensão calculado sem as deduções impostas pela Lei nº 1/2004.
Questiona também o Recorrente a legalidade das mesmas normas por violarem a Lei
nº 23/98, de 26 de Maio, lei de valor reforçado que, densificando aquele direito
constitucional, define os procedimentos da negociação colectiva (a qual não teve
lugar). […]”
Prosseguindo o recurso os seus trâmites, o recorrente apresentou alegação e
concluiu:
“ […] 1.ª – O Tribunal Constitucional já foi chamado a pronunciar-se sobre a
matéria aqui em causa em sede de apreciação sucessiva de constitucionalidade dos
nº 1 a 8 do art. 9º da Lei nº 2-B/2002, de 30 de Dezembro (cujo texto era
exactamente o mesmo da Lei aqui em causa, com excepção de uma alteração quanto à
produção de efeitos, aqui de todo irrelevante) – tendo-o feito através do
Acórdão nº 360/2003, de 8 Julho 2003, in DR I-A Série de 7 Outubro 2003.
2.ª – Nesse Acórdão nº 360/2003 o Tribunal Constitucional declarou a
inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de todas essas normas legais
por violação do direito de participação na elaboração da legislação do trabalho
previsto na alínea a) do nº 2 do art. 56º da CRP. Mais decidiu julgar
desnecessário, porque prejudicado por aquela decisão, analisar os restantes
vícios invocados.
3.ª – A razão que nos leva a, com a ênfase com que o fazemos, nos “colocarmos”
no Acórdão nº 360/2003 é porque o que ora está em causa são precisamente os
demais vícios alegados pelo Sr. Presidente da República – e que, como dissemos,
o TC não apreciou por os considerar prejudicados pela anterior apreciação que o
levou a formular o juízo de inconstitucionalidade.
4.ª – Se faz todo o sentido aferir se a parte excluída pela lei ordinária está
dentro ou fora do que a Constituição garante com o direito constitucional que
postula (o núcleo duro ou a reserva), já não é legítimo admitir-se retirar o que
essa lei ordinária integra no âmbito do direito constitucional que densifica.
5.ª – Porque o art. 6.º da Lei nº 23/98, de 26 de Maio, dispõe expressamente que
“são objecto de negociação colectiva as matérias relativas à fixação ou
alteração… das pensões de aposentação ou de reforma...”, essa matéria é
constitucionalmente objecto de negociação colectiva.
6.ª – O douto acórdão recorrido considera que na lei nº 1/2004, de 15 de
Janeiro, o Estado estava constitucionalmente obrigado a prévia negociação
colectiva com as associações sindicais e reconhece que esse dever não foi
cumprido.
7.ª – Conclui porém que, não sendo aplicável a Lei nº 23/98, de 26 de Maio (por
não ser de cumprimento obrigatório por parte da A.R.), à Assembleia da República
basta a consulta às entidades sindicais e a publicação do Projecto no Diário da
Assembleia da República.
8.ª – Fundamentando-se unicamente no Acórdão do Tribunal Constitucional nº
360/2003, trata exactamente da mesma forma as duas distintas realidades em causa
nesse e no acórdão aqui recorrido.
9.ª – Erradamente. Enquanto no primeiro Acórdão se apreciava o procedimento da
Assembleia da República no processo de produção legislativa (então da Lei nº 32-
B/2002, de 30 de Dezembro), em referência à participação na elaboração da
legislação de trabalho, na decisão ora recorrida em causa está o incumprimento
do direito de negociação colectiva.
10.ª – A participação na elaboração da legislação de trabalho ocorria no âmbito
do procedimento legislativo de competência da AR, o cumprimento do direito à
contratação colectiva tem que inserir-se no campo das competências do Governo
(não da AR) – é isso que resulta clara e directamente do art. 182.º da
Constituição da República Portuguesa (CRP) e do art. 14º da Lei nº 23/98.
11.ª – Como a AR não tem competência nem legitimidade para, por si ou em
representação da Administração Pública e do Governo, exercer a negociação
colectiva, a Lei nº 1/2004, de 15 Janeiro, tinha que ser previa e
obrigatoriamente objecto de negociação entre o Governo e as Associações
Sindicais.
12.ª – Como não o foi (o que é, como se disse, expressamente reconhecido pelo
Acórdão sob recurso), a Lei está por isso eivada de inconstitucionalidade, tendo
a decisão recorrida violado os arts 56º, nº 3, 2 182º da CRP, bem como a Lei nº
23/98, de 26 de Maio, incluindo o art. 23º.
13.ª – O nº 3 do art. 56º da CRP garante aos trabalhadores (direito
constitucional, portanto) o exercício do direito de contratação colectiva
através das associações sindicais, o qual é garantido nos termos da lei.
14.ª – Só a negociação colectiva prevista na Lei nº 23/98, de 26 de Maio (que,
densificando aquele comando/direito constitucional, estabelece o regime de
negociação colectiva da Administração Pública), tem o alcance de consubstanciar
o seu cumprimento.
15.ª – Mesmo que em mero raciocínio acompanhemos a via redutora seguida pelo
acórdão recorrido quanto à aplicabilidade que faz da Lei nº 23/98 e baseando-nos
(como esse aresto) no Acórdão 360/2003, ainda assim há que concluir pelo errado
da decisão.
16.ª – Nem a publicação no Diário da AR do projecto de lei nem a mera consulta
num conjunto de audições em torno desse mesmo projecto de lei com as associações
sindicais podem ter qualquer relevância num processo de contratação colectiva
que nos termos da lei e da própria natureza das coisas carece de prévia
negociação.
17.ª – Qualquer um dos três momentos provados nos autos sob os números 7º e 8º
tem igual relevância em termos de aferição do (in)cumprimento dos princípios
constitucionais invocados. Pelo que, pelo menos em 1992 já há mais de sete anos
estava em vigor o regime do Dec. Lei nº 116/85, de 19 de Abril.
18.ª – A dedução prevista no nº 1 do art. 53º do Estatuto da Aposentação, na
redacção dada pela Lei nº 1/2004 também altera regras já há muito definidas e
retira direitos anteriores. Portanto, mesmo seguindo a tese do acórdão
recorrido, quanto a essa redução aqueles princípios constitucionais foram
desrespeitados.
19.ª – Ao decidir como o fez, violou o douto acórdão recorrido os princípios
constitucionais do Estado de Direito, da confiança, da protecção contra o
arbítrio, da certeza e da segurança jurídica
20.ª – O acórdão recorrido violou a Lei nº 23/98, de 26 de Maio, ao concluir
pela não aplicação da mesma em relação à invocada (na petição inicial)
inobservância dos procedimentos por ela definidos e consequentes vícios
autónomos de ilegalidade e de inconstitucionalidade indirecta.
21.ª – Com efeito, não pode deixar de entender-se aplicável o regime por essa
Lei definido, maxime porque é a Lei nº 23/98 que, definindo o regime da
contratação colectiva, vem densificar e “dar conteúdo” à disposição
constitucional.
Termos em que, e com o mais de douto suprimento, deve ser concedido provimento
ao recurso e, em consequência, anulado o douto acórdão recorrido e proferido
outro que declare inconstitucional a Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro. […]”
A recorrida Caixa Geral de Aposentações apresentou contra-alegação.
II Fundamentação
3. O recorrente requer, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 artigo 70.º da Lei do
Tribunal Constitucional (LTC), que seja apreciada a conformidade constitucional
dos artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 1/2004 de 15 de Janeiro. Requer, ainda, ao
abrigo da alínea f) do n.º 1 do mesmo artigo 70.º, que seja apreciada a
ilegalidade das mesmas normas, por violação de lei com valor reforçado.
Os recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do
Tribunal Constitucional têm natureza normativa, visando apreciar a conformidade
constitucional e a ilegalidade de normas efectivamente aplicadas como ratio
decidendi na decisão recorrida. Nestes processos, a apreciação da questão de
inconstitucionalidade e de ilegalidade, designadamente por violação de lei com
valor reforçado, está condicionada a uma efectiva aplicação da norma que é
objecto do recurso.
Na sua alegação, o recorrente sustenta, em conclusão, que (19.ª) – Ao decidir
como o fez, violou o douto acórdão recorrido os princípios constitucionais do
Estado de Direito, da confiança, da protecção contra o arbítrio, da certeza e da
segurança jurídica; (20.ª) – O acórdão recorrido violou a Lei nº 23/98, de 26 de
Maio, ao concluir pela não aplicação da mesma em relação à invocada (na petição
inicial) inobservância dos procedimentos por ela definidos e consequentes vícios
autónomos de ilegalidade e de inconstitucionalidade indirecta.
Ora, esta matéria situa-se claramente fora do âmbito do presente recurso, por se
tratar da impugnação directa da decisão impugnada. O recurso tem natureza
normativa, não sendo consentido ao Tribunal Constitucional sindicar a decisão em
si mesma considerada.
Considerando que as alterações introduzidas pela Lei n.º 1/2004 de 15 de Janeiro
ao Estatuto da Aposentação não violam qualquer norma ou princípio
constitucional, a decisão recorrida julgou improcedente o pedido de anulação da
decisão de 17 de Fevereiro de 2005, da Direcção da Caixa Geral de Aposentações,
no segmento em que fixou o valor da pensão do Autor, para o ano de 2005, em €
3.253,10, pela aplicação “do disposto no nº 3 do art. 51º, na primeira parte do
art. 53º e nos nº 2 e 3 do art. 37º-A, todos do Estatuto da Aposentação, na
redacção resultante das alterações introduzidas pela Lei nº 1/2004 15 de
Janeiro”.
Assim, atenta a natureza instrumental do recurso de inconstitucionalidade e de
ilegalidade por violação de lei com valor reforçado, a análise do Tribunal
incidirá apenas na norma do n.º 1 da artigo 1.º da Lei n.º 1/2004 de 15 de
Janeiro, na parte em que conferiu nova redacção aos artigos 51.º n.º 3 e 53.º
n.º 1 do Estatuto da Aposentação aprovado pelo Decreto-Lei 498/72 de 9 de
Dezembro, e na norma do n.º 2 do mesmo artigo 1.º, na parte em que aditou o
artigo 37.º-A n.º s 2 e 3 ao Estatuto da Aposentação.
4. No recurso interposto ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 70º da LTC,
o recorrente questiona a legalidade das normas objecto do presente recurso, por
violarem a Lei n.º 23/98 de 26 de Maio, que qualifica como lei com valor
reforçado.
Acontece que o Tribunal já se pronunciou sobre esta matéria, no Acórdão n.º
374/2004 (Diário da República, II Série, de 30 de Junho de 2004), tendo
concluído que “a Lei n.º 23/98 de 26 de Maio não poderá qualificar-se como lei
com valor reforçado”.
Pode ler-se neste aresto:
“ […] 7.3. O artigo 56.º, n.º 3, da CRP confere às associações sindicais o
direito de contratação colectiva, “o qual é garantido nos termos da lei”. Como
referem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (obra citada, págs. 307‑308):
“ (...) Enquanto direito dos trabalhadores, o direito de contratação colectiva
significa designadamente direito de regularem colectivamente as relações de
trabalho, substituindo o poder contratual do trabalhador individual pelo poder
colectivo organizado no sindicato.
Materialmente, ele analisa-se em três aspectos: (a) o direito à liberdade
negocial colectiva, não estando os acordos colectivos sujeitos a autorizações ou
homologações administrativas; (b) o direito à negociação colectiva, ou seja,
direito a que as entidades patronais não se recusem à negociação, o que requer
garantias específicas, nomeadamente esquemas públicos sancionatórios da recusa
patronal em negociar e contratar; (c) direito à autonomia contratual colectiva,
não podendo deixar de haver um espaço aberto à disciplina contratual colectiva,
o que não pode ser aniquilado por via normativo‑estadual.
(...)
O direito de contratação colectiva assiste a todos os trabalhadores. Não
estabelecendo o preceito quaisquer discriminação, não pode aquele direito
deixar de ser reconhecido a todos os que gozam em geral dos direitos dos
trabalhadores (...), incluindo, portanto, também os trabalhadores da função
pública. A este propósito há que sublinhar que o direito de contratação
colectiva não se satisfaz com um simples direito de negociação (cfr. Decreto‑Lei
n.º 45‑A/84, de 3 de Fevereiro), pois aquele implica uma convenção entre duas
partes, assumindo as suas cláusulas eficácia normativa (...).”
Não obstante os autores em questão considerarem que o direito de contratação
colectiva não se limita ao direito de negociação, pressupõem que este último é
um elemento integrante do primeiro.
O direito de negociação e de contratação colectivas, enquanto direito dos
trabalhadores exercido através das associações sindicais, está colocado sob
reserva de lei, numa dupla perspectiva: (i) a Constituição remete para a lei a
modelação desse direito, embora, como se referiu no Acórdão n.º 517/98 (Diário
da República, II Série, n.º 260, de 10 de Novembro de 1998, pág. 15 978; e
Acórdãos do Tribunal Constitucional, 40.º vol., pág. 573), tal não signifique
que a lei possa esvaziar o seu conteúdo, como sucederia se ela própria regulasse
integralmente as relações de trabalho em termos inderrogáveis pelas convenções
colectivas, mas apenas que a lei pode regular o direito de negociação e
contratação colectiva, delimitando‑o ou restringindo‑o, mas deixando sempre um
conjunto minimamente significativo de matérias aberto a essa negociação; e (ii)
tal regulação há‑de ser feita por acto legislativo (deixando em aberto a questão
de saber se se imporá sempre a reserva de lei parlamentar).
Como se referiu no citado Acórdão n.º 360/2003, é controvertida a questão de
saber se a matéria sobre que versam as normas ora questionadas (regime da
aposentação) “se inclui no âmbito constitucionalmente imposto para o direito de
contratação colectiva”.
Trata‑se, porém, de questão cuja dilucidação, tal como a da questão
anteriormente referida (relativa à existência, ou não, de uma reserva de lei
parlamentar), não se impõe no contexto do presente acórdão. É que, mesmo para
quem considere que a matéria do regime da aposentação se inclui no âmbito
constitucionalmente imposto para o direito de negociação colectiva e que a
modelação deste direito está colocada sob reserva de lei parlamentar, estes
entendimentos não implicam necessariamente que a Lei n.º 23/98 tenha valor
reforçado.
Na verdade, não é pelo facto de uma matéria estar eventualmente sujeita a
reserva legislativa parlamentar que as disposições legais que a regulam adquirem
valor reforçado. Efectivamente, como já se evidenciou (supra, n.º 6), os
conceitos referidos não são coincidentes, e da circunstância de uma matéria
estar incluída na reserva legislativa do Parlamento apenas resulta que o
legislador constitucional lhe atribuiu especial relevo. A importância das
matérias sujeitas a reserva de lei da Assembleia da República justifica,
assim, uma maior publicidade do procedimento legislativo e a existência de
contraditório político, além de exigir que os diplomas que as regulam
constituam produto da vontade de um órgão com representatividade e legitimidade
democrática directa. Tal não significa, porém, que os referidos diplomas
constituam, automaticamente, parâmetro de aferição da validade de outras leis
(que é o que caracteriza as leis com valor reforçado).
Noutra perspectiva, importa sublinhar que é diferente, em termos conceptuais e
normativo‑constitucionais, a consagração de um direito na Lei Fundamental (no
caso, o direito à negociação colectiva) e a atribuição de carácter paramétrico
ao diploma legal que procede à sua regulação. Ou seja, a garantia constitucional
de existência de um espaço aberto à negociação colectiva não implica,
necessariamente, a proeminência legal do diploma que regula o referido direito.
Note‑se que a Constituição nada refere sobre o eventual carácter paramétrico da
legislação sobre negociação colectiva. Na tese dos requerentes, tal qualificação
resultaria, no caso em apreço, da própria lei, que estabelece regras sobre a
produção e aprovação de normas legais atinentes a um determinado conjunto de
matérias. Ora, é à Constituição e não à lei ordinária que compete atribuir
carácter reforçado aos diplomas legais. Não é, pois, o facto de um diploma legal
atribuir valor paramétrico às suas normas (como seria, segundo os requerentes,
o caso da Lei n.º 23/98), que constitui fundamento para a sua qualificação como
lei com valor reforçado.
A Constituição não vincula a Assembleia da República a nenhuma forma de
concretização do disposto no n.º 3 do artigo 56.º. De facto, a Lei Fundamental
não diz quais as matérias que devem ser objecto de contratação ou de negociação
colectiva, nem impõe que a sua regulação ou alteração obedeça à lei que
estabelece o regime de negociação colectiva.
A situação em análise é similar à tratada pelo já citado Acórdão n.º 358/92, em
que se concluiu que o regime das finanças locais não tem valor reforçado, sendo
a respectiva fundamentação transponível para o presente caso. Aí se referiu:
“Ora, conforme já atrás se referiu (...), o artigo 240.º da Constituição (cuja
redacção decorre da sua versão originária) não constitui elemento suficiente
para poder concluir que, no sistema constitucional, a LFL beneficia de um tal
valor reforçado para o efeito aqui tido em vista.
Na realidade, a previsão de que o regime das finanças locais será estabelecido
por lei em nada difere de inúmeras remissões para a lei que a Constituição
contém em diversíssimos preceitos. Daí que do enunciado linguístico da
Constituição não decorra que a LFL seja fundamento material de validade de
qualquer outra lei, ou que beneficie de uma especial capacidade derrogatória ou
de protecção face à sua derrogação por lei posterior, circunstância que não será
alheia ao facto de nos exaustivos (ainda que nem sempre forçosamente taxativos)
elencos de leis reforçadas feitos pela doutrina (a que atrás aludimos) em nenhum
deles se incluir a Lei das Finanças Locais como exemplo de lei com valor
reforçado.
Contudo, mesmo sem qualquer indicação específica na letra da Constituição,
poder‑se‑ia entender que a Lei das Finanças Locais é uma lei
«constitucionalmente necessária», no sentido em que a ela cabe definir um
quadro legal (com «vocação permanente») da autonomia financeira do poder local,
em virtude da especial função que lhe é atribuída pela Constituição (assegurar
a justa repartição dos recursos públicos pelo Estado e pelas autarquias locais e
a necessária correcção de desigualdades entre autarquias do mesmo grau).
Ora, esta interpretação teleológica do artigo 240.º da nossa Lei Fundamental,
por si só não parece poder fundar o alegado valor reforçado da LFL.
É que a Constituição não postula nenhum sistema de autovinculação da Assembleia
da República ao regime das finanças locais. Se nesta sede cabe falar de
autovinculação do Parlamento (e da adopção de um regime de finanças locais que
aspira a ter uma característica permanente), ela resulta em exclusivo da lei
ordinária, num primeiro momento do modelo de garantia de um limite mínimo de
participação no produto global de certos impostos (o da Lei n.º 1/79) e mais
recentemente do modelo da fórmula de cálculo do FEF baseado na cobrança do IVA
nos termos atrás referidos, de acordo com a Lei n.º 1/87.
(...) Dito de outro modo: se se pode considerar como mais adequado, tendo em
vista os fins constitucionalmente fixados ao regime das finanças locais e os
valores da previsibilidade e da segurança da gestão financeira das autarquias
locais em função da garantia da sua própria autonomia, um sistema que assente em
regras dotadas de especial valor normativo e de condições de estabilidade e
proeminência (...), tal não significa, todavia, que esse e só esse seja o modelo
constitucionalmente admissível ou sequer que seja o modelo exigido pela
Constituição. […]”
Aderindo à fundamentação deste acórdão, deve concluir-se que não pode
qualificar-se a Lei n.º 23/98 de 26 de Maio como lei com valor reforçado.
Não se verifica, por esse motivo, o pressuposto fundamental deste tipo de
recurso (alínea c), com referência à alínea f) do n.º 1 do artigo 70º da LTC)
circunstância que ora determina a imediata improcedência desta parte da
pretensão do recorrente.
5. No recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC,
o recorrente questiona a conformidade constitucional das normas impugnadas, por
entender que violam o disposto no n.º 3 do artigo 56.º da Constituição, em
virtude de a Lei n.º 1/2004 de 15 de Janeiro não ter sido precedida de
negociação colectiva.
Alega o recorrente que, porque o artigo 6.º da Lei n.º 23/98, de 26 de Maio,
dispõe expressamente que “são objecto de negociação colectiva as matérias
relativas à fixação ou alteração (…) das pensões de aposentação ou de reforma
(…)”, essa matéria é constitucionalmente objecto de negociação colectiva. Alega,
ainda, que o cumprimento do direito à contratação colectiva tem que inserir-se
no campo das competências do Governo, pelo que a Lei n.º 1/2004, de 15 de
Janeiro, tinha de ser prévia e obrigatoriamente objecto de negociação entre o
Governo e as Associações Sindicais.
Questão semelhante foi recentemente tratada no Acórdão n.º 54/2009 (disponível
para consulta em www.tribunalconstitucional.pt). O Tribunal decidiu, nesse
aresto, não dar por verificada a violação ao direito fundamental à negociação e
contratação colectiva consagrado no artigo 56.º n.º 3 da Constituição, num
processo que tinha por objecto a norma do artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 1/2004,
de 15 de Janeiro, na parte em que conferiu nova redacção aos artigos 51.º, n.º
3, e 53.º, n.º 1, do Estatuto da Aposentação.
Pode ler-se no citado aresto o seguinte:
“ [...] para que a desconformidade constitucional se pudesse ter por verificada
seria necessário chegarmos à conclusão de que as matérias relacionadas com a
aposentação, maxime com modificações no método de cálculo da aposentação, porque
apenas estas integram o objecto dos autos, estão contidas no núcleo essencial do
direito à contratação colectiva, integrando ainda, adicionalmente, o núcleo de
matérias que devem ser relegadas, imperativamente, para o espaço de negociação e
contratação colectiva.
Colocada a questão nestes moldes, fácil é de intuir que a resposta não poderá
deixar de ser negativa.
7.1. As modificações introduzidas pelo artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 1/2004, aos
artigos 51.º, n.º 3, e 53.º, n.º 1, do Estatuto da Aposentação, acarretam
alterações no método de cálculo da pensão de aposentação. O que significa,
portanto, obviamente, que dizem directamente respeito ao direito à aposentação.
Ora, é necessário ter em atenção que este direito, para além de ser um direito
dos trabalhadores, integra também o direito à segurança social, que se refere a
uma categoria subjectiva bastante mais vasta atenta a sua universalidade (nos
termos do artigo 63.º, da Constituição, “todos têm direito à segurança social”).
[...]
8. Do exposto resulta, assim, que as questões atinentes à aposentação, maxime as
que dizem respeito a alterações no método de cálculo das respectivas pensões
porque só estas nos ocupam de momento, não se podem considerar integradas no
núcleo essencial do direito fundamental à contratação colectiva. Tais matérias,
para além da íntima conexão que apresentam com as relações de trabalho – a qual
não se pretende, de modo algum, negar – dizem também directamente respeito ao
direito à segurança social cuja amplitude transcende a estrita categoria dos
direitos dos trabalhadores. Estamos portanto perante um direito social que se
caracteriza, na sua essência, pela sua universalidade, sendo titulado por todos
os cidadãos, e consubstanciando-se num conjunto de imposições constitucionais
dirigidas ao Estado e que se destinam a lograr a verificação das condições
necessárias à sua plena realização. Já o direito à contratação colectiva,
integrado na categoria dos direitos fundamentais dos trabalhadores, e assente
numa ideia de autonomia colectiva, tem como titulares apenas os cidadãos que são
trabalhadores e como destinatários não apenas o Estado como também as entidades
e associações patronais. […]”
É a esta jurisprudência que se adere, concluindo-se que a norma do n.º 1 da
artigo 1.º da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, na parte em que conferiu nova
redacção aos artigos 51.º, n.º 3 e 53.º, n.º 1 do Estatuto da Aposentação,
aprovado pelo Decreto-Lei 498/72, de 9 de Dezembro, e a norma do n.º 2 do mesmo
artigo 1.º, na parte em que aditou o artigo 37.º-A, n.º s 2 e 3, ao Estatuto da
Aposentação, não violam o direito fundamental à negociação e contratação
colectiva consagrado no artigo 56.º, n.º 3, da Constituição.
III Decisão
7. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao
recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC.
Lisboa, 29 de Abril de 2009
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão
José Borges Soeiro
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos