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Processo nº 128/09
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em que é
recorrente a Junta de Freguesia de Santa Marta de Portuzelo e é recorrido o
Ministério Público, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do
nº 1 do artigo 70º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 12 de Janeiro de 2009.
2. Em 1 de Abril de 2009, foi proferida decisão sumária, pela qual o Tribunal
decidiu, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, nºs 1 e 2, da LTC, não tomar
conhecimento do objecto do recurso.
Foi utilizada a seguinte fundamentação:
«O nº 1 do artigo 75º-A da LTC estabelece que o recurso para o Tribunal
Constitucional se interpõe por meio de requerimento no qual se indique a norma
cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie.
Em resposta ao convite formulado ao abrigo do nº 6 do artigo 75º-A da LTC, a
recorrente indica: os nºs 1 e 2 do artigo 64º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de
Outubro, interpretados no sentido de não ser necessário comunicar ao arguido em
que sentido ia decidir uma vez que já se encontrava habilitado a proferir uma
decisão, mesmo sem ser necessário inquirir as testemunhas arroladas pelo arguido
em audiência de julgamento; a norma, obtida da interpretação dos nºs 1 e 2 do
artigo 64º do Decreto-Lei nº 433/82, segundo a qual o juiz pode decidir por
despacho o recurso, se tiver notificado o arguido, e este nada diga, ainda que
não lhe comunique qual o sentido provável da decisão, e aquele tenha
expressamente posto em causa no recurso os factos que lhe são imputados e
oferecido prova para os contraditar, pois que, ao não se opor, renuncia à prova
e à audiência”; e os nºs 1 e 2 do artigo 64º do Decreto-Lei nº 433/82,
interpretadas, em conjunto, no sentido de que não é necessário comunicar ao
arguido qual o sentido provável da decisão.
Face ao que acaba de ser assinalado, é de concluir que a recorrente não indicou,
afinal, qual a norma cuja apreciação pretende, uma vez que identifica dimensões
interpretativas distintas dos nºs 1 e 2 do artigo 64º do Regime geral das
contra-ordenações. Não satisfaz, pois, o ónus que sobre si impende de definir o
objecto do recurso no respectivo requerimento de interposição, o que obsta ao
conhecimento do mesmo, justificando-se a presente decisão (artigo 78º-A, nºs 1 e
2, da LTC)».
3. Desta decisão reclama agora a recorrente para a conferência, ao abrigo do
disposto no nº 3 do artigo 78º-A da LTC, nos seguintes termos:
«1. De acordo com o douto despacho de 11.03.2009, a Exma. Juíza Conselheira
Relatora ao abrigo do disposto no art. 75–A, n° 6 da LOFPTC, convidou a
recorrente “a indicar, com precisão, a norma cuja inconstitucionalidade pretende
que o Tribunal aprecie (artigo 75-A, n° 1 da LTC)”.
2. Cumprindo tal despacho, a recorrente, no ponto 8° do seu requerimento de
23.03.2009, com a precisão requerida esclareceu que “as normas aplicadas pelo
Mmo. Juiz da 1ª Instância e que se pretende que este Venerando Tribunal
Constitucional aprecie são as aplicadas por aquele Magistrado ou seja os n°s 1 e
2 do art. 64 do DL 433/82, que, interpretadas, em conjunto, no sentido de que
não é necessário comunicar ao arguido qual o sentido provável da decisão, viola
ao art. 32 da C.R.P.”.
3. Na verdade, a recorrente, desde que o Mmo. Juiz da 1ª Instância proferiu a
douta sentença mantendo a decisão administrativa, logo na alegação de recurso de
tal sentença referiu o seguinte:
(…)
4. E, no seguimento de tal alegação, concluiu, no que aqui interessa, o
seguinte:
(…)
5. Depois, no requerimento para esclarecer que norma o recorrente pretendia ver
apreciada referiu-se que o Mmo. Juiz ao aplicar o art. 64 do RGCO (dec.lei
433/82), com a interpretação que fez de tal preceito, ou seja, “O Juiz pode
decidir por despacho o recurso, se tiver notificado o arguido, e este nada diga,
ainda que não lhe comunique qual o sentido provável da decisão, e aquele tenha
expressamente posto em causa no recurso os factos que lhe são imputados e
oferecido prova para os contraditar, pois que, ao não se opor, renuncia à prova
e à audiência”, violou o art.32, 1, 5 e 10 da C.R.P..
6. Não podemos deixar de referir que “A jurisprudência constitucional vem
admitindo pacificamente a possibilidade de os recursos de fiscalização concreta
tanto poderem incidir sobre normas como serem reportados a determinadas
interpretações normativas – em que a norma é tomada, não com o sentido genérico
e objectivo, plasmado no preceito (ou fonte) que a contém, mas em função do modo
como foi perspectivada e aplicada pelo julgador”(…).
“...perante preceitos, disposições ou comandos jurídicos susceptíveis de várias
interpretações, o controlo do Tribunal Constitucional vai ser exercido sobre o
resultado de uma dada interpretação judicial da norma que – na óptica de alguma
das partes – afronta determinados princípios ou preceitos constitucionais e foi
efectivamente aplicada à dirimição do litígio”– cf. obra citada.
“Como genérica directriz, poderá partir-se da afirmação de que o recurso de
constitucionalidade, reportado a determinada interpretação normativa, tem de
incidir sobre o critério normativo da decisão, sobre uma regra abstractamente
enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica...” – cf.
obra citada.
7. Tendo presente que o recorrente assimilou a jurisprudência do Tribunal
Constitucional sobre esta questão, como se referiu supra, indicou que as normas
a sindicar eram os nos 1 e 2 do art. 64 do RJCO.
8. Porém, a Exma. Sra. Dra. Conselheira Relatora no seu douto despacho refere
que (…).
9. Os n°s 1 e 2 do art. 64 são do seguinte teor:
1 – O juiz decidirá do caso mediante audiência de julgamento ou através de
simples despacho.
2 – O juiz decide por despacho quando não considere necessária a audiência de
julgamento e o arguido ou o Ministério Público não se oponham.
10. Ora, salvo o devido respeito, e na nossa modesta opinião, as
normas dos n°s 1 e 2 do citado artigo completam-se e na parte referente à
decisão por “simples despacho” têm de ser interpretadas de forma conjugada e
dessa interpretação em conjunto o Mmo. Juiz obteve a norma que se considera
inconstitucional.
11. Com efeito, a redacção dos n°s 1 e 2, podia ser independente e
com o seguinte teor:
1 – O juiz decidirá mediante audiência de julgamento.
2 – Porém, o juiz decidirá por simples despacho quando não considere necessária
a audiência de julgamento e o arguido ou o Ministério Público não se oponham.
12. Se assim fosse, o recorrente não tinha dúvidas em dizer que a
norma que pretendia que o TC apreciasse era o n° 2 do art. 64; face à redacção
dada pelo legislador, então os nºs 1 e 2 do art. 64, na interpretação feita pelo
Mmo. Juiz, e já assinalada, são os que se quer ver apreciados por este Tribunal.
13. O recorrente suscitou no processo e de forma adequada, salvo o
devido respeito e melhor opinião, que queria que fosse apreciada a
constitucionalidade do art. 64, nomeadamente n°s 1 e 2, embora se reconheça que
não houve um rigor absoluto na identificação da norma extraída pelo Mmo. Juiz
dos n°s 1 e 2 do referido art. 64, pois que na alegação referiu o n° 2 do art.
64, depois nas conclusões referiu o n° 1, mas, em concreto, até pelo
desenvolvimento do raciocínio expendido, a norma cuja inconstitucionalidade se
pretendia desde logo suscitar foi extraída pelo Mmo. Juiz dos n°s 1 e 2 do art.
64 do RGCO.
14. Portanto, não podemos aceitar o douto despacho proferido pela
Exma. Juíza Conselheira Relatora e daí a presente reclamação.
15. Por outro lado, a recorrente também não se conforma com a taxa
de justiça fixada em 8 unidades de conta aplicada pela decisão sumária
proferida.
16. Com efeito, nos termos do n° 2 do art.6 do Regulamento de Custas
Processuais, “nas decisões sumárias a que se refere o n°1 do art. 78-A da Lei
28/82, de 15/11...a taxa de justiça é fixada entre 2 e 10 Uc’s.
17. A taxa aplicada foi de 8 Uc’s.
18. Ora, atendendo à simplicidade da questão e fundamentação sumária
do douto despacho proferido, bem como à falta de qualquer fundamentação para a
aplicação de 8 Uc não se aceita que tenha sido aplicada uma taxa de justiça tão
elevada.
19. Na verdade, a média da soma do valor mínimo e máximo é de 6
Uc’s.
20. Com o devido respeito, a aplicação da taxa de 8 Uc’s é
desproporcionada.
21. Pelas razões acabadas de referir, e para o caso desta reclamação
não ser procedente, entende-se que a taxa de justiça aplicada pela decisão
sumária não deve ser superior a 3 Ucs».
4. Notificado da reclamação, o Ministério Público respondeu pela forma seguinte:
«1º
A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2°
Na verdade, recai sobre o recorrente o ónus de delimitar de forma clara e cabal,
o objecto normativo do recurso que interpôs para o Tribunal Constitucional,
especificando qual a exacta interpretação ou dimensão normativa que, afinal
pretende questionar.
3°
Não cumprindo adequadamente tal ónus quando se limita a indicar dimensões ou
interpretações alternativas de um certo preceito legal.
4º
Carece, por outro lado, de fundamento o pedido de reforma quanto á condenação em
custas, que se situa inteiramente dentro dos limites legais e corresponde à
jurisprudência reiterada do Tribunal, em situações idênticas à presente».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. A decisão sumária reclamada concluiu pelo não conhecimento do objecto do
recurso por a recorrente não ter satisfeito um dos requisitos do nº 1 do artigo
75º-A da LTC. Ou seja, a indicação da norma cuja apreciação pretendia, uma vez
que identificou dimensões interpretativas distintas dos nºs 1 e 2 do artigo 64º
do Regime geral das contra-ordenações.
Contrariando o decidido, a reclamante sustenta que, com a precisão requerida,
esclareceu que as normas aplicadas pelo Mmo. Juiz da 1ª Instância e que se
pretende que este Venerando Tribunal Constitucional aprecie são as aplicadas por
aquele Magistrado ou seja os nºs 1 e 2 do art. 64 do DL 433/82, que,
interpretadas, em conjunto, no sentido de que não é necessário comunicar ao
arguido qual o sentido provável da decisão, viola ao art. 32 da C.R.P.
Sucede, porém, que para além desta interpretação daqueles números do artigo 64º
do Regime geral das contra-ordenações, a recorrente identificou mais duas
dimensões interpretativas daquela disposição legal. E, ao fazê-lo, acabou por
não definir, como lhe competia, o objecto do recurso de constitucionalidade.
É entendimento reiterado deste Tribunal que o recorrente pode requerer a
apreciação de uma norma, considerada esta na sua totalidade, em determinado
segmento ou segundo certa interpretação (cf., entre muitos, o Acórdão do
Tribunal Constitucional nº 232/2002, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt). Mas neste último caso tem “o ónus de enunciar,
de forma clara e perceptível, o exacto sentido normativo do preceito que
considera inconstitucional” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 21/2006,
disponível em www.tribunalconstitucional.pt), uma vez que o objecto do recurso é
definido no requerimento de interposição de recurso (cf., entre outros, os
Acórdãos dos Tribunal Constitucional nºs 286/00 e 293/07, disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt).
Em suma, como a recorrente não definiu o objecto do recurso no requerimento
respectivo, há que confirmar a decisão de não conhecimento do mesmo.
2. A reclamante discorda, ainda, da fixação da taxa de justiça em oito unidades
de conta.
A própria reclamante reconhece que a taxa de justiça foi fixada dentro dos
limites previstos no nº 2 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 303/98, de 7 de
Outubro. Por outro lado, a taxa de justiça foi fixada de harmonia com os
critérios seguidos em situações idênticas.
Também nesta parte se conclui, pois, pelo indeferimento da reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 12 de Maio de 2009
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão