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Processo n.º 311/09
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A., S.A. e recorrida B.,
Lda., a Relatora proferiu a seguinte decisão sumária:
“I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A., S.A. e recorrida B.,
Lda., foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 280º da
Constituição e da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, do acórdão proferido
pela 2ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, em 10 de Março de 2009 (fls.
1105 a 1125), para que seja apreciada a constitucionalidade “das alíneas b) e c)
do n.º 2 do art. 25.º do Código das Expropriações (Lei 168/99), suscitada na sua
alegação de recurso” (fls. 1130).
2. Na medida em que a recorrente não precisava qual a
concreta interpretação normativa que reputava de inconstitucional, a Relatora
proferiu despacho de convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição
de recurso. Notificada para o efeito, a recorrente veio esclarecer que pretendia
que fosse apreciada a constitucionalidade das seguintes interpretações
normativas:
i) “para ser conforme com a Constituição, um prédio que não
dispõe de infra-estruturas urbanísticas, encontrando-se parte das previstas na
alínea a) do nº 2 do art.25.° do CE, à distância de 110 metros, estando ainda o
mesmo onerado pela servidão aeronáutica do Aeroporto Sá Carneiro, com as
condicionantes impostas pelo art. 4° do Decreto 45987 de 22.101964, a alínea b)
do n.º 2 do art. 25,° do CE não pode ser aplicada à parcela dos autos” (fls.
1139 e 1140);
ii) “uma interpretação conforme com a Constituição, não permite
ou autoriza a aplicação da alínea c) do n.º 2 do art.25.° do CE a uma parcela
que se encontra sujeita à mencionada servidão aeronáutica non aedificandi -
situada na zona 1 desta (criada para garantir a segurança de pessoas e bens e
eficiência do aeroporto) e definida pelo Decreto Regulamentar 7/83 de 3.02,
condicionante que o Plano Director Municipal da Maia (Resolução do Conselho de
Ministros 33/94, DR, I-B, 17.04.1994) expressamente ressalva nos arts.7.° e 26.°
n.º 2 in fine do respectivo regulamento” (fls. 1140).
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
3. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do
tribunal “a quo” (cfr. fls. 1132), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC,
essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do
mesmo preceito legal, pelo que sempre seria forçoso apreciar o preenchimento de
todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A
e 76º, nº 2, da LTC.
Sempre que o Relator verifique que algum ou alguns
desses pressupostos não foram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não
conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
4. A forma como a recorrente delineou o objecto do presente
recurso, especificando – após convite para aperfeiçoamento – quais as concretas
interpretações normativas que pretende sejam julgadas inconstitucionais, revela
uma evidente tentativa de colocar em causa o próprio juízo de subsunção dos
factos dados como provados ao Direito infra-constitucional aplicável, ao invés
de se colocar o Tribunal Constitucional perante uma questão de
constitucionalidade normativa. Em boa verdade, a recorrente acaba por criticar o
juízo subsuntivo que o tribunal recorrido adoptou, qualificando o terreno como
potencialmente apto para construção, após análise dos factos dados como
provados, ao invés de apontar uma contradição entre interpretações normativas
adoptadas e aquelas exigidas pela Constituição da República Portuguesa. Ora,
este Tribunal não dispõe de poderes para sindicar a justeza dos juízos de
aplicação dos factos ao Direito infra-constitucional, tais como formulados pelos
tribunais comuns, antes estando circunscrito à possibilidade de controlo da
constitucionalidade de normas (ou de interpretações normativas) por aqueles
aplicadas.
Mas, independentemente dessa circunstância – que, por si só,
inviabilizaria a possibilidade de conhecimento do objecto do presente recurso –
a decisão recorrida nem sequer aplicou efectivamente aquilo que a recorrente
apelida de “interpretações normativas”.
Por um lado, a decisão recorrida não aplicou a alínea b) do n.º 2
do artigo 25º do Código das Expropriações no sentido de que o prédio em questão
nos autos recorridos “não dispõe de infra-estruturas urbanísticas” (fls. 1139).
Pelo contrário, a decisão recorrida afirmou taxativamente que o referido prédio
dispunha de infra-estruturas urbanísticas que permitiam qualificá-lo como apto
para construção. Nesse sentido, ver:
“Porque, apesar de não possuir, em si mesma, todas as
infra-estruturas exigidas para a construção, possui algumas. Vg. Acesso
rodoviário e as restantes encontram-se apenas a dezenas, ou, no máximo, cerca de
uma centena de metros.
Acresce que a parcela confina com outra, também pertença da
expropriada, a qual está dotada de todas as infra-estruturas urbanísticas.
E que se encontra próxima de uma envolvente urbanística com
infra-estruturas.
Ora perante estes factos apurados – e perante a evidência dos
documentos fotográficos juntos aos autos (é caso para chamar à colação o ditado
popular que diz valer mais uma imagem do que mil palavras) – é inequívoco que
ela se situa em zona urbana de expansão integrando-se ainda ou já no perímetro
urbano e na área da sua influência” (fls. 1120).
Por outro lado, a decisão recorrida também não aplicou a
alínea c) do n.º 2 do artigo 25º do Código das Expropriações no sentido de que o
terreno em questão “se encontra sujeit[o] à mencionada servidão aeronáutica «non
aedificandi»” (fls. 1140), antes tendo considerado que, apesar de verificada tal
servidão aeronáutica, aquela não inviabiliza a aptidão construtiva do terreno.
Para além de proceder a uma distinção entre “servidão aeronáutica” e “servidão
de não edificação”, a decisão recorrida considerou que, no caso concreto em
apreço, a servidão aeronáutica não inviabilizava, em absoluto, a aptidão
construtiva do terreno. É precisamente essa a interpretação normativa adoptada
pela decisão recorrida, que ora se cita:
“Brande a expropriante o argumento da servidão
aeronáutica para defender a tese da inaptidão construtiva da parcela.
Mas, salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.
Na verdade, e como se viu, qualitativamente, a parcela
tem tal aptidão.
(…)
E tanto assim é que a expropriação se destina a tal
utilidade.
(…)
E é uma realidade que a existência de uma servidão
aeronáutica acarreta […] obstáculos acrescidos para a construção.
Mas não, desde logo em tese, totalmente impeditivos da
mesma.
(…)
Nesta conformidade, e salvo o devido respeito por
decisões diversas, não pode concluir-se estarmos perante uma servidão «non
aedificandi», «tout court»: a servidão aeronáutica não implica, necessária e
inelutavelmente, a absoluta proibição de construir, muito menos seja que tipo de
construção for, como, v.g., para armazéns ou apoios a estaleiro.
(…)
E, se em tese, não há que confundir servidão aeronáutica
com servidão «non aedificandi», in casu tal ficou demonstrado, já que se apurou
que: Segundo pareceres emitidos pela «A.», para terrenos vizinhos, com a mesma
classificação no PDM da Maia e abrangidos pela servidão aeronáutica, a
construção de edifícios de armazenagem «é viável desde que no revestimento da
cobertura do edifício não sejam utilizados materiais reflectores de feixes
electromagnéticos» (realce nosso)” (fls. 1121 e 1122)
Assim, decorre, inequivocamente, da decisão recorrida que as
pretensas “interpretações normativas” que a recorrente elegeu como objecto do
presente recurso não foram efectivamente aplicadas como critério norteador da
mesma. Ora, por força do artigo 79º-C da LTC, o Tribunal Constitucional apenas
pode apreciar da constitucionalidade de interpretações normativas que tenham
sido efectivamente aplicadas pelos tribunais recorridos, pelo que forçoso se
torna recusar o conhecimento do objecto do presente recurso.
III – DECISÃO
Pelos fundamentos supra expostos, ao abrigo do disposto no n.º 1
do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi
dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se não conhecer do objecto
do presente recurso.
Custas devidas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7
UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de
Outubro.”
2. Inconformado com a referida decisão, a recorrente veio reclamar, nos
seguintes termos:
“1. O disposto no art° 4° da decisão ora objecto de reclamação, ofende o alegado
pela expropriante no seu recurso, pois aí se aponta uma nítida contradição entre
as interpretações normativas adoptadas e exigidas pela Constituição da
República.
2. Igualmente não é correcta a leitura que a Ilustre Juiz Conselheira,
que as pretensas interpretações normativas, no seu recurso, não foram
efectivamente aplicadas com critério norteado da mesma.
3. O recurso interposto pretende que esse Tribunal Constitucional se
pronuncie sobre a aplicação da inconstitucionalidade da al. b) e c) do art° 25°
do Código das Expropriações (Lei 168/99), face à aplicação dos mesmos pôr em
causa a violação de normas regulamentares da Servidão Aeronáutica, nomeadamente
o nº 3 e 7 do Decreto-Regulamentar 7/83 e art° 4° do DL. 45987 de 22/10/1964,
além do art° 17° nº 3 do PDM da Maia, de cuja decisão proferida para a Relação
do Porto com esta colidem, atentos os factos apresentados.
4. A reclamação ora apresentada, face aos factos provados e face à não
aplicação da al. a) do nº 2 do art° 25° do C.E., bem como as condicionantes
atrás aludidas, impostas pelo art° 4° do DL. 45987 de 22/10/1964 e art° 7° do
D.R. 7/83 violou a expropriante estes normativos e por conseguinte os princípios
da justa indemnização (art° 62° no 2 da Constituição da República Portuguesa)
igualdade (art° 13° da Constituição da República Portuguesa) e justiça e
proporcionalidade (art° 266° C.R.P.).” (fls. 1161 e 1162)
3. Após notificação para efeitos de resposta, a recorrida deixou esgotar o
respectivo prazo sem que viesse apresentar qualquer requerimento aos autos.
Cumpre agora apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. A reclamação afigura-se manifestamente improcedente, visto que a ora
reclamante não apresenta quaisquer argumentos novos que sejam susceptíveis de
colocar em causa o sentido da decisão reclamada.
Por um lado, a reclamante não consegue demonstrar que tenha colocado uma
concreta questão normativa, limitando-se a reiterar o anteriormente invocado em
sede de resposta ao convite ao aperfeiçoamento. Por outro lado, a reclamante não
consegue afastar a conclusão de que a decisão recorrida não aplicou a alínea b)
do n.º 2 do artigo 25º do Código das Expropriações, no sentido de que o terreno
não dispunha de infra-estruturas urbanísticas, nem tão pouco consegue demonstrar
que aquela decisão recorrida aplicou a alínea c) do n.º 2 do artigo 25º do
Código das Expropriações no sentido de que impendia sobre o terreno uma servidão
aeronáutica de não edificação. Ora, conforme se afirmou na decisão ora
reclamada, o tribunal recorrido entendeu precisamente o contrário. Quanto à
primeira norma, a decisão recorrida entendeu que existiam no terreno
infra-estruturas urbanísticas que revelavam a sua aptidão construtiva. Quanto à
segunda norma, foi ainda decidido que, apesar de se verificar uma servidão
aeronáutica, aquela não impede o exercício condicionado do direito de
propriedade, na sua vertente de direito à edificação.
Assim, é evidente que a decisão recorrida não aplicou efectivamente
as interpretações normativas que a ora reclamante pretendia ver apreciadas por
este Tribunal, pelo que mais não resta do que confirmar a decisão sumária e
indeferir a presente reclamação.
5. Acrescente-se ainda que a referência feita pela ora reclamante a uma alegada
violação das normas regulamentares relativas à constituição da servidão
aeronáutica, ou seja, dos n.ºs 3 e 7 do Decreto Regulamentar n.º 7/83 e do
artigo 4º do Decreto-Lei n.º 45987, de 22 de Outubro de 1964, é absolutamente
irrelevante nos presentes autos, na medida em que, nesta sede, apenas se visa a
apreciação da constitucionalidade de normas jurídicas aplicadas pela decisão
recorrida. Na medida em que nenhuma das referidas normas é configurável como
norma ínsita numa lei de valor reforçado, a sua eventual violação – que este
Tribunal nem sequer tem poderes para ponderar – afigura-se absolutamente
irrelevante, para efeitos de decisão da presente reclamação.
III – DECISÃO
Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no do n.º 3 do artigo
78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei
n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos
termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 23 de Julho de 2009
Ana Maria Guerra Martins
Vítor Gomes
Gil Galvão