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Processo n.º 139/09
1ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Por acórdão da 1ª Vara Mista de Loures foram os ora reclamantes, A. e B.,
condenados, como co-autores materiais de um crime de tráfico de estupefacientes
agravado, nas penas de oito e sete anos de prisão, respectivamente.
Inconformados, interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que
confirmou a decisão relativamente ao arguido B. e, no que se refere ao arguido
A. revogou a mesma, mas apenas na parte em que esta havia declarado perdidos a
favor do Estado certa quantia e um determinado veículo.
2. Sempre inconformados, os arguidos recorreram para o Supremo Tribunal de
Justiça. Na sua resposta o Ministério Público veio, em síntese, suscitar as
seguintes questões prévias: (i) impossibilidade de conhecer do recurso
interposto pelo arguido B. quanto à matéria de facto, uma vez que o recurso para
o STJ de Acórdão proferido, em recurso, pela Relação apenas pode visar o reexame
da matéria de direito; (ii) impossibilidade de conhecer do recurso interposto
pelo arguido A. na parte em que sindica a decisão da Relação sobre questão
suscitada em recurso interlocutório, ainda que o mesmo tenha subido com o que
foi interposto da decisão final e tenha sido apreciado e decidido na mesma peça
processual em que foi o principal.
3. Notificados para responder à questão prévia suscitada pelo Ministério
Público, veio o arguido A. alegar, em síntese e para o que especificamente
importa ao presente recurso de constitucionalidade, que “Interpretar o artigo
400º, nº 1, al. c) do CPP, na redacção anterior à Lei 48/2007, de 29.08, no
sentido de esta alínea incluir as decisões proferidas pelas relações, em sede de
recurso, que «per se» não ponham termo à causa, mas que decidam sobre questões
de natureza processual e que constituem parte integrante de uma decisão que põe
termo à causa e que é recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça,
consubstancia interpretação normativa claramente inconstitucional por violação
do disposto nos arts. 32º, nº 1, e 18º, nº 1, da CRP”.
4. O Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 12 de Novembro de 2008, decidiu
rejeitar os recursos dos arguidos no segmento em que foi impugnada a matéria de
facto e arguidas invalidades já conhecidas pelo Tribunal da Relação e negar
provimento aos mesmos, na parte em que vêm impugnadas as penas aplicadas.
5. Novamente inconformados, os recorrentes vieram arguir a nulidade do Acórdão.
Por Acórdão de 19 de Janeiro de 2009, foram indeferidas as arguições de
nulidade.
6. Notificados deste Acórdão, vieram os recorrentes interpor recursos, ao abrigo
da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, através de requerimentos que, no
essencial, têm o seguinte teor:
6.1. O recurso apresentando pelo arguido A.:
“[...], tendo sido notificado do acórdão proferido por esse venerando Tribunal,
vem do mesmo interpor RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, nos termos dos
artigos 70º, nºs 1, al. b) e 2, 72º nºs 1, al. b) e 2, 75º, nº 1 e 75º-A, nºs 1
e 2, todos da Lei do Tribunal Constitucional, o que faz nos termos e com os
seguintes fundamentos: [...]
3. Entendia e entende o requerente que não foram observados todos os requisitos
legais para a legitimação da intervenção do “agente infiltrado”, cuja actuação
violou as mais elementares garantias de defesa dos arguidos conforme se
demonstra no excerto do recurso interposto infra parcialmente transcrito: [...]
4. Pronunciando-se sobre o objecto do recurso interposto pelo ora requerente,
entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa que «no caso, embora falte o relatório
previsto no n.º 4 do artigo 59º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, o
terceiro que interveio na acção compareceu em audiência de julgamento e foi
interrogado pelos arguidos sem quaisquer limitações», considerando que tal
presença em julgamento supriria a necessidade de cumprir as exigências previstas
no aludido preceito legal.
5. Ora, o estatuído no referido n.º 4 do artigo 59º-A do Decreto-Lei n.º 15/93,
de 22 de Janeiro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 81/95, de 22 de
Abril, nos termos do qual «a Polícia Judiciária fará o relato da intervenção do
funcionário ou do terceiro à autoridade judiciária competente no prazo máximo de
quarenta e oito horas após o termo daquela», foi interpretado pelo Tribunal da
Relação de Lisboa no sentido de que a inexistência do referido relato poderá ser
suprida e, por isso, relevada, se o “agente infiltrado” comparecer em audiência
de discussão e julgamento, sendo inquirido na qualidade de testemunha.
6. A referida interpretação constitui violação expressa do estatuído nos artigos
1º, 18º nºs 1 e 2 e 32º nºs 1 e 8 da Constituição da República Portuguesa, pondo
em causa o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito de defesa do
arguido, «traduzidos na omissão de elaboração do relatório de intervenção do
infiltrado ao magistrado do Ministério Público que autorizou a operação».
7. A referida omissão colocou o ora requerente na «impossibilidade de aferir da
validade da acção», restringindo inconstitucionalmente direitos inerentes à
pessoa humana, de forma desequilibrada e desadequada, no confronto entre a
prevenção e a repressão criminais e os direitos fundamentais que com ela se
verão constrangidos, ou seja, entre os direitos das pessoas enquanto fontes ou
detentoras da prova e as exigências públicas do inquérito e da investigação.
7.[sic] Do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa interpôs o ora
requerente recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, no qual foi suscitada a
violação pelo tribunal recorrido do princípio constitucional da equidade,
previsto no artigo 20º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa, e das
garantias de defesa previstas nos nº s 1 e 8 do artigo 32º do Diploma
Fundamental, conforme demonstram os excertos infra transcritos das conclusões do
aludido recurso: [...]
8. Sobre o referido recurso decidiu o Supremo Tribunal de Justiça rejeitar todas
as questões submetidas à sua apreciação pelo ora requerente, com excepção da
invocada aplicação do instituto da atenuação especial, invocando o disposto na
al. c) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal e desta decisão
arguiu o ora requerente a respectiva nulidade por omissão de pronúncia,
porquanto o acórdão recorrido se limitou «a apreciar a questão da medida da pena
não tendo sequer apreciado as «invocadas nulidades que consubstanciam proibições
de prova».
9. Sucede que, nos termos do artigo 126º, nº 1, 119º corpo, ambos da C.R.P. e
32º, nº 8 da C.R.P., «as proibições de prova podem ser arguidas a todo o tempo,
até ao trânsito em julgado da decisão [...]. «Logo, sendo o recurso interposto
pelo ora recorrente para o STJ admissível, em função da pena abstractamente
aplicável (...) tinha esse Venerando Supremo Tribunal de Justiça [...) estrita
obrigação, também, de conhecer das proibições de prova tempestiva e
expressamente arguidas nas motivações daquele recurso e expressamente
mencionadas nas conclusões do mesmo».
10. Não o tendo feito, restringiu o Supremo Tribunal de Justiça os seus poderes
de cognição, sendo a interpretação normativa que o mesmo preconiza inadmissível,
face aos motivos supra expostos, «por comprimir o direito de defesa do arguido e
o seu direito constitucional ao recurso de forma manifestamente excessiva,
desnecessária e desproporcionada, violadora, pois, dos artigos 32º, nº 1 e 18º,
nº 2, da CRP». «Interpretar o artigo 400º, nº 1, al. c), do CPP, na redacção
anterior à Lei nº 48/2007, de 29.08, no sentido de esta alínea incluir as
decisões proferidas pela Relações que decidem sobre questões relativas a
proibições de prova, quando o acórdão é, em si, recorrível, consubstancia
violação flagrante do disposto nos arts. 32º, nº 1 e 18º nº 1 da CRP».
«Deve, pois, ser interpretado o art. 400º, nº 1, al. c), do CPP, na redacção
anterior à lei 48/2007, de 29.08, em conformidade com o defendido, i.e.,
admitindo-se o recurso de decisões da Relação sobre proibições de prova que se
encontram integradas numa decisão final que põe termo à causa e da qual foi
interposto recurso, quer por ser esta a interpretação imposta pela ratio da
norma, quer porque a interpretação contrária, preconizada no parecer a que ora
se responde, padece de inconstitucionalidade por violação dos artigos 32º, n. 1
e 18º nº 2 da CRP».
Termos em que, por terem sido aplicadas normas (artigo 59º do Decreto-Lei nº
15/93, de 22 de Janeiro, na redacção introduzida pela Lei nº 45/96, de 3 de
Setembro; artigo 59.9-A do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, na redacção
introduzida pelo Decreto-Lei nº 81/95, de 22 de Abril; artigo 6., nº 1 da
Convenção Europeia dos Direitos do Homem e artigos 125º, 126º, nºs 1 e 2, 340º,
nº 4, al. a) e 400º, nº 1, al. c) - redacção anterior à Lei nº 48/2007, de 29.08
-, todos do Código de Processo Penal) cuja interpretação normativa é
patentemente inconstitucional, por violação dos artigos 1º, 18º, nºs 1 e 2, 32º,
nºs 1 e 8 e 20º, nº 4, todos da Constituição da República Portuguesa,
inconstitucionalidade essa que foi suscitada nos recursos pelo requerente
interpostos para o Tribunal da Relação de Lisboa e para o Supremo Tribunal de
Justiça, neste último caso em sede de recurso e de arguição de nulidade, sendo
este parte legítima e o recurso ora interposto legal e tempestivo, se requer a
sua admissão, seguindo-se os demais termos até final”.
Já neste Tribunal o recorrente juntou aos autos um parecer.
6.2. O recurso apresentando pelo arguido B.:
“[...], tendo sido notificado do acórdão proferido por esse Supremo Tribunal, o
qual indeferiu as arguições de nulidade apresentadas pelo arguido, vem interpor
recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do disposto nos artigos 70º
n. 1/b) e 2, 71 nº 1, 72, nº 1/b, 75º nº 1 e 75º-A nºs 1 e 2 da Lei do Tribunal
Constitucional o que se faz nos termos e com os fundamentos seguintes: [...]
1. O arguido (doravante recorrente) foi condenado pela 1ª Vara de Competência
Mista de Loures na pena de 7 anos de prisão[...].
2. Dessa decisão o recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relação de
Lisboa, nos termos previstos no Código do Processo Penal.
3. Na respectiva motivação o recorrente escreveu o seguinte: [...]
Parte essencial da factualidade agora provada, nem sequer constava da peça
acusatória, violando, além do mais, o disposto no artigo 287 do CPP.
Esta conduta, ou seja, a admissibilidade de carrear para os autos prova nula,
bem como a omissão de elementos essenciais na acusação, viola o disposto no
artigo 32º, números 1 a 8 da CRP e o disposto no artigo 6º da Convenção Europeia
de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. [...]
4. O Tribunal da Relação de Lisboa não acolheu a argumentação expendida. Ao
invés considerou que a comparência do agente infiltrado no julgamento, como, de
facto, se verificou, supre as nulidades invocadas.
5. Esta interpretação viola, salvo o devido respeito, o que se dispõe nos
artigos 18 nºs 1 e 2 e 32 nºs 1 e 8 da Constituição da República Portuguesa.
6. O Tribunal da Relação de Lisboa manteve a condenação aplicada ao recorrente.
7. Desse aresto foi interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
8. Na respectiva motivação escreveu-se, além do mais, o seguinte: [...]
Ora já antes, precisamente no dia 26, o referido agente infiltrado participou na
reunião (primeira de duas) a que se refere o número 93 dos factos provados.
Agiu, assim, sem autorização da autoridade judiciária competente, o que
determina a nulidade da sua actuação.
O ACÓRDÃO, a fls. 91, entende que tais autorizações estão contidas, de forma
genérica, nas expressões «transporte de estupefacientes, o desembarque e o
armazenamento até outros indivíduos levassem o produto»
Esta asserção, contudo, contende com o disposto no artigo 59/2 do citado DL
15/93 (…). Ao carrear para os autos prova nula, foi violado o disposto no artigo
32/1 da CRP, bem como o disposto no artigo 6º da CEDH. [...]
9. Escreveu-se também:
[...] Ao interpretar o disposto no s artigos 379/1/b e 358 como o fez o douto
ACÓRDÃO, há violação do disposto nos artigos 18,29 e 32/1 da CRP. [...]
10. O Supremo Tribunal de Justiça não acolheu as razões do recorrente, mantendo,
intocável, a decisão recorrida.
11. O recorrente arguiu a nulidade do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.
12. No requerimento respectivo escreveu, entre o mais, o que segue:
[...] A interpretação feita por este Supremo Tribunal, segundo a qual mesmo as
questões de nulidade suscitadas no recurso interposto do aresto do Tribunal da
Relação de Lisboa e a ele relativas, se encontram consumidas pela
irrecorribilidade prevista no artigo 400º/1/c do CPP, incorpora uma
interpretação e aplicação desta norma, bem como da do artigo 379/1/c 4 nº 2 do
CPP, desconforme com o disposto na Constituição da República Portuguesa,
nomeadamente com os seus artigos 16, números 1 e 2, 20 número 1 e 32 números 1 e
2, inconstitucionalidade que aqui expressamente se arguiu. [...]
A interpretação feita pelos Ilustres Conselheiros deste Supremo Tribunal,
aplicando o disposto nos artigos 410, 400/1/c e 379/1/c e 2, no sentido de que
não se deve conhecer desta questão (ilegalidade de prova) é, salvo melhor
opinião, desconforme com a Constituição da República Portuguesa, nomeadamente
com os seus artigos 16, números 1 e 2, 20 número 1 e 32 números 1 e 2,
inconstitucionalidade que aqui expressamente se arguiu. [...]
A interpretação do artigo 410/2/c do CPP, de acordo com a qual o Supremo
Tribunal de Justiça não tem, em casos como o vertente, de conhecer de erro
notório na apreciação da prova, mormente por absoluta falta de prova, incorpora
desconformidade com a Constituição da República Portuguesa, nomeadamente com os
seus artigos 16, números 1 e 2, 20 número 1 e 32 números 1 e 2,
inconstitucionalidade que aqui expressamente se arguiu. [...]
Interpretação sustentada pelo aresto relativa ao disposto nos artigos 374/2 e
379/1/a), ambos do CPP, considerando suficientes as considerações de páginas 71
e 72 para ampararem o bem fundado da decisão condenatória, viola, salvo o devido
respeito, o disposto na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente nos
seus artigos 32/1 e 205/1, inconstitucionalidade que aqui expressamente se
arguiu.
13. O Supremo Tribunal de Justiça indeferiu todas as arguidas nulidades.
14. Desta decisão não cabe recurso ordinário.
Foram assim aplicadas normas em conformidade com interpretações que as tornam
violadoras dos preceitos constitucionais indicados. As inconstitucionalidades
assacadas às diversas normas, mormente as que se destacam a letra escura,
aplicadas estas com as interpretações descritas, foram suscitadas nas peças
processuais parcialmente transcritas, ou seja, nas motivações de recurso
dirigidas ao Tribunal da Relação de Lisboa, ao Supremo Tribunal de Justiça e na
arguição de nulidade relativa ao acórdão final deste Venerando Tribunal”.
7. Na sequência, foi proferida pelo relator neste Tribunal, ao abrigo do
disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na
redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão
sumária de não conhecimento do objecto dos recursos. É o seguinte, na parte
agora relevante, o seu teor:
“Vêm os presentes recursos interpostos ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º
1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Como o Tribunal
Constitucional tem repetidamente afirmado o recurso ali previsto tem por objecto
exclusivo a apreciação da constitucionalidade de normas jurídicas e pressupõe,
designadamente, que o recorrente tenha suscitado, perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida e de modo processualmente adequado, a exacta
questão de constitucionalidade normativa que pretende ver apreciada e, que, não
obstante, a decisão recorrida tenha efectivamente aplicado, como ratio
decidendi, a norma ou dimensão normativa arguida de inconstitucional.
Tendo isto presente, vejamos.
9.1. O recurso interposto pelo arguido A..
9.1.1. Nos termos do requerimento de interposição do recurso, que delimita o seu
objecto, pretende o recorrente ver apreciada, em primeiro lugar, a
constitucionalidade dos artigos 59º e 59º-A, nº 4, do Decreto-Lei n.º 15/93, de
22 de Janeiro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 81/95, quando
interpretados, como no seu entendimento o foram pelo Tribunal da Relação de
Lisboa, “no sentido de que a inexistência do referido relato [o previsto no
referido artigo 59º-A, nº 4] poderá ser suprida e, por isso, relevada, se o
«agente infiltrado» comparecer em audiência de discussão e julgamento, sendo
inquirido na qualidade de testemunha”. Considera o recorrente, em síntese, que
esta interpretação “constitui violação expressa do estatuído nos artigos 1º, 18º
nºs 1 e 2 e 32º nºs 1 e 8 da Constituição da República Portuguesa, pondo em
causa o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito de defesa do arguido
(…)”. É, no entanto, manifesto que não pode agora o Tribunal conhecer desta
questão.
Como já se referiu, um dos pressupostos de admissibilidade do recurso previsto
na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC é o de que a decisão recorrida tenha
aplicado, como ratio decidendi, a norma – ou, se for o caso, a dimensão
normativa – cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada. Ora, no caso, é
evidente que tal não aconteceu. Com efeito, a norma que, nesta parte, o
recorrente pretende ver apreciada – reportada aos artigos 59º e 59º-A, nº 4, do
Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro – respeita à validade da prova obtida
através da utilização de agente infiltrado, questão de que o Supremo Tribunal de
Justiça, que proferiu a decisão recorrida, expressamente se recusou a conhecer
por entender que, nesta parte, o recurso não era admissível. Tanto basta, pois,
para que se não possa, neste ponto, conhecer do objecto deste recurso.
9.1.2. Pretende o recorrente, em segundo lugar, ver apreciada a
constitucionalidade do artigo 400º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal,
na redacção anterior à Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, “no sentido de esta
alínea incluir as decisões proferidas pela Relações que decidem sobre questões
relativas a proibições de prova, quando o acórdão é, em si, recorrível”, por
considerar que tal interpretação “consubstancia violação flagrante do disposto
nos arts. 32º, nº 1 e 18º nº 1 da CRP (…) por comprimir o direito de defesa do
arguido e o seu direito constitucional ao recurso de forma manifestamente
excessiva, desnecessária e desproporcionada [...]”. Vejamos.
Refere o recorrente, no requerimento de interposição do recurso de
constitucionalidade, que “tendo sido notificado do acórdão proferido por esse
venerando Tribunal [refere-se o recorrente ao Supremo Tribunal de Justiça], vem
do mesmo [negrito aditado] interpor Recurso para o Tribunal Constitucional”. A
fórmula utilizada pelo recorrente para identificar a decisão recorrida conduz
inelutavelmente à conclusão de que o mesmo pretende recorrer do Acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça de que acabou de ser notificado, ou seja, do Acórdão
proferido em 19 de Janeiro de 2009, nos termos do qual foi indeferida a arguição
de nulidade do anterior Acórdão proferido pelo mesmo Supremo Tribunal em 12 de
Novembro de 2008. Mas, sendo assim, também não é possível, nesta parte, conhecer
do objecto do recurso, uma vez que a decisão recorrida não aplicou a norma que,
nesta parte, o recorrente questiona, limitando-se a indeferir, com fundamento
nas normas integradoras do regime da nulidade, a arguição desta que havia sido
imputada ao Acórdão de 12 de Novembro de 2008.
Tal impedimento legal de conhecimento do objecto do recurso inviabiliza, aliás,
a possibilidade de proferir decisão sumária de fundo, aplicando ao caso anterior
jurisprudência deste Tribunal. Com efeito, em causa estaria então a
interpretação do artigo 400º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal, na
redacção anterior à Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, no sentido de que esta
alínea inclui as decisões proferidas pelo Tribunal da Relação que decidem sobre
questões relativas a proibições de prova quando o acórdão é em si recorrível
para o Supremo Tribunal de Justiça. Ora, o Tribunal já se pronunciou, no acórdão
nº 44/2005, sobre uma questão que, do ponto de vista da constitucionalidade
normativa, é, em tudo, idêntica à que agora vem colocada – com a diferença, no
presente contexto não relevante, de que os meios de prova alegadamente proibidos
eram, nos autos que deram origem àquele acórdão, intercepções telefónicas e, nos
presentes autos, se trata de prova obtida através de agente infiltrado – tendo
aí concluído não ter o então recorrente razão na arguição de
inconstitucionalidade relativamente ao disposto no artigo 400º, nº 1, alínea c)
do CPP.
9.2. O recurso interposto pelo arguido B..
No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade o recorrente
refere que as questões de constitucionalidade que pretende ver apreciadas são
“as que se destacam a letra escura, aplicadas estas com as interpretações
descritas”. Vejamos.
9.2.1. Refere o recorrente, a dada altura daquela peça processual, que, na
motivação de recurso que apresentou perante o Tribunal da Relação de Lisboa,
alegou que
“(…) Parte essencial da factualidade agora provada, nem sequer constava da peça
acusatória, violando, além do mais, o disposto no artigo 287 do CPP.
Esta conduta, ou seja, a admissibilidade de carrear para os autos prova nula,
bem como a omissão de elementos essenciais na acusação, viola o disposto no
artigo 32º, números 1 a 8 da CRP e o disposto no artigo 6º da Convenção Europeia
de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais [...]”.
Ora, é manifesto que não está aqui colocada qualquer questão de
constitucionalidade normativa – i.e., imputada a uma norma jurídica – mas,
quando muito, a uma conduta processual, o que, como se disse, não constitui
objecto idóneo do recurso de constitucionalidade.
9.2.2. No mesmo requerimento, afirma o recorrente que “o Tribunal da Relação de
Lisboa não acolheu a argumentação expendida. Ao invés considerou que a
comparência do agente infiltrado no julgamento, como, de facto, se verificou,
supre as nulidades invocadas. 5. Esta interpretação viola, salvo o devido
respeito, o que se dispõe nos artigos 18 nºs 1 e 2 e 32 nºs 1 e 8 da
Constituição da República Portuguesa (…)”. E, acrescenta ainda, na sequência
desta alegação, citando agora a motivação do recurso para o STJ: “Ora já antes,
precisamente no dia 26, o referido agente infiltrado participou na reunião
(primeira de duas) a que se refere o número 93 dos factos provados. Agiu, assim,
sem autorização da autoridade judiciária competente, o que determina a nulidade
da sua actuação. O ACÓRDÃO, a fls. 91, entende que tais autorizações estão
contidas, de forma genérica, nas expressões «transporte de estupefacientes, o
desembarque e o armazenamento até outros indivíduos levassem o produto». Esta
asserção, contudo, contende com o disposto no artigo 59/2 do citado DL 15/93
(…). Ao carrear para os autos prova nula, foi violado o disposto no artigo 32/1
da CRP, bem como o disposto no artigo 6º da CEDH [...].
Também nesta parte não vem, de todo em todo, colocada qualquer questão de
constitucionalidade normativa, mas, quando muito, das próprias decisões
preferidas nos autos. Mas mesmo que se admitisse que assim não fosse, sempre a
questão aqui colocada pelo recorrente se referiria à constitucionalidade de
normas com base nas quais foi considerada válida a prova carreada para os autos
– designadamente a obtida através de agente infiltrado –, questão que, pelas
razões referidas supra a propósito do recurso interposto pelo arguido A., que
agora se reiteram, nunca seria de conhecer, por a decisão recorrida, proferida
pelo Supremo Tribunal de Justiça, não ter aplicado, como ratio decidendi, os
preceitos de que se extrairia a norma que o recorrente pretendia, nesta parte,
ver apreciada.
9.2.3. Igualmente no requerimento de interposição do recurso, refere o
recorrente, citando de novo a motivação do recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça, que “Ao interpretar o disposto nos artigos 379/1/b e 358 como o fez o
douto ACÓRDÃO, há violação do disposto nos artigos 18, 29 e 32/1 da CRP”. Também
aqui não está colocada, em termos processualmente adequados, qualquer questão de
constitucionalidade normativa de que o Tribunal possa conhecer. Além de a
leitura da parte daquela peça processual imediatamente anterior à que agora se
transcreve sugerir, pelas inúmeras referências às especificidades do caso
concreto, que, mais uma vez, não está em causa sequer uma questão de
constitucionalidade normativa, mas da própria decisão recorrida, acresce que,
mesmo que se pudesse admitir que era de constitucionalidade normativa que se
trata, ela sempre teria sido insuficiente e inadequadamente colocada. A este
propósito recordamos apenas que, como o Tribunal tem reiteradamente afirmado,
nada obsta a que seja questionada apenas uma certa interpretação ou dimensão
normativa de um determinado preceito. Nesses casos, contudo, tem o recorrente o
ónus de enunciar, de forma clara e perceptível, o exacto sentido normativo do
preceito que considera inconstitucional. Como se disse, por exemplo, no Acórdão
nº 178/95 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º vol., p.1118.) “tendo a
questão de constitucionalidade que ser suscitada de forma clara e perceptível
(cfr., entre outros, o Acórdão nº 269/94, Diário da República, II Série, de 18
de Junho de 1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma certa
interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa
interpretação) em termos que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme com a
Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma a que o
tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários
daquela e os operadores jurídicos em geral, saibam qual o sentido da norma em
causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a Lei Fundamental”.
Manifestamente, nada disto aconteceu.
9.2.4. Refere ainda o recorrente que, já no requerimento de arguição de
nulidades do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Novembro de 2008,
escreveu ainda que “A interpretação feita por este Supremo Tribunal, segundo a
qual mesmo as questões de nulidade suscitadas no recurso interposto do aresto do
Tribunal da Relação de Lisboa e a ele relativas, se encontram consumidas pela
irrecorribilidade prevista no artigo 400º/1/c do CPP, incorpora uma
interpretação e aplicação desta norma, bem como da do artigo 379/1/c 4 nº 2 do
CPP, desconforme com o disposto na Constituição da República Portuguesa,
nomeadamente com os seus artigos 16, números 1 e 2, 20 número 1 e 32 números 1 e
2, inconstitucionalidade que aqui expressamente se arguiu [...]”. E que: “A
interpretação feita pelos Ilustres Conselheiros deste Supremo Tribunal,
aplicando o disposto nos artigos 410, 400/1/c e 379/1/c e 2, no sentido de que
não se deve conhecer desta questão (ilegalidade de prova) é, salvo melhor
opinião, desconforme com a Constituição da República Portuguesa, nomeadamente
com os seus artigos 16, números 1 e 2, 20 número 1 e 32 números 1 e 2,
inconstitucionalidade que aqui expressamente se arguiu. [...]. E ainda que “A
interpretação do artigo 410/2/c do CPP, de acordo com a qual o Supremo Tribunal
de Justiça não tem, em casos como o vertente, de conhecer de erro notório na
apreciação da prova, mormente por absoluta falta de prova, incorpora
desconformidade com a Constituição da República Portuguesa, nomeadamente com os
seus artigos 16, números 1 e 2, 20 número 1 e 32 números 1 e 2,
inconstitucionalidade que aqui expressamente se arguiu”.
Não pode, porém, conhecer-se de nenhuma destas questões. Todas elas se
reconduzem, no fundo, à questão do âmbito de admissibilidade do recurso do
Tribunal da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça. Mas, sendo assim, em
qualquer circunstância, sempre deveriam tais questões ter sido suscitadas pelo
recorrente antes de proferido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que
delimitou esse âmbito (o proferido em 12 de Novembro de 2008), e não, como no
caso aconteceu, apenas na reclamação por nulidade do mesmo.
9.2.5. Finalmente, refere ainda o recorrente que a “Interpretação sustentada
pelo aresto relativa ao disposto nos artigos 374/2 e 379/1/a), ambos do CPP,
considerando suficientes as considerações de páginas 71 e 72 para ampararem o
bem fundado da decisão condenatória, viola, salvo o devido respeito, o disposto
na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente nos seus artigos 32/1 e
205/1, inconstitucionalidade que aqui expressamente se arguiu”. Estamos, também
aqui, perante objecto manifestamente inidóneo do recurso de constitucionalidade,
desde logo porque, uma vez mais, indissociavelmente ligado às especificidades do
caso concreto, como bem demonstra a referência a que seria a circunstância de se
terem considerado “suficientes as considerações de páginas 71 e 72 para
ampararem o bem fundado da decisão condenatória” que conduziria ao juízo de
inconstitucionalidade.
10. Assim sendo, há que constatar que não pode o Tribunal conhecer dos recursos
interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC.
8. Inconformados, os recorrentes apresentaram as presentes reclamações para a
Conferência, que fundamentam, no essencial, nos seguintes termos:
8.1. A reclamação do arguido A.:
“[...] 2. Com todo o respeito que merece ao ora reclamante a decisão proferida,
não pode o mesmo com ela concordar, por, como se evidenciará, a mesma
constituir, em si, limitação desconforme à lei e desproporcionada do único meio
de fiscalização constitucional das decisões concretas pela autoridade máxima em
questões de constitucionalidade que assiste ao arguido e, como tal, ao único
mecanismo de defesa dos seus direitos fundamentais no foro constitucional, uma
vez que a nossa ordem jurídica não conhece mecanismo semelhante ao recurso de
amparo ou Verfassungsbeschwerde.
3. Com efeito, a decisão do Supremo Tribunal de Justiça não aplicou as normas do
art. 59º e 59.º-A do DL 15/93, de 22.01.
4. Porém, tal normativo foi aplicado — e foi-o preconizando interpretação
normativa inconstitucional daqueles preceitos — pelo acórdão do Tribunal da
Relação de Lisboa que confirmou a condenação do arguido.
5. Esta circunstância decorre, directamente e sem qualquer margem para dúvidas,
das motivações apresentadas pelo ora reclamante com o requerimento de
interposição de recurso constitucional.
6. Como destas decorre que o ora reclamante pretende ver sindicada a aplicação
dessas normas nessa decisão — a do Tribunal da Relação de Lisboa que foi mantida
in totum pelo Supremo Tribunal de Justiça. Basta confrontar aqui os pontos 2 a 7
das motivações, complementados com o ponto 7 (II).
7, Logo, e em obediência ao princípio do inquisitório e de aproveitamento dos
actos claramente manifesto no art. 265.2, n.2 2, do CPC, que determina, em
processo civil — normativo aqui subsidiariamente aplicável, conforme o disposto
no art. 69.º da LTC — que o Tribunal corrija tramitação ou mande as partes ou in
casu os sujeitos processuais praticar ou aperfeiçoar os actos de forma a
permitir o conhecimento de questões de mérito, sempre que do seu conteúdo se
possa retirar o sentido correcto do requerido[...] — princípio que encontra
também concretização no art. 75-,-A, n.º 5 e 6, da LTC — deveria V. Exa. ter
convidado o ora requerente a aperfeiçoar as suas motivações, nos termos do art.
75.-A, n.2 5 e 6, da LTC, indicando expressamente se pretendia, conforme decorre
do texto do requerimento, sindicar a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa,
quanto à parte em que aplicou o art. 59.2 e 59.2-A do DL 15/93, de 22.01,
decisão que, repete-se, foi mantida in totum pelo STJ.
8. Decisão que seria manifestamente admissível, nos termos do art. 70.2 da LTC,
tendo em conta que o acórdão condenatório do Tribunal da Relação de Lisboa não
havia transitado, nem transitou ainda em julgado, uma vez que do mesmo foi
interposto logo e tempestivamente recurso para o Supremo Tribunal de Justiça —
recurso esse que foi admitido.
9. A decisão recorrida, ao ter decidido sumariamente pelo não conhecimento do
recurso, nos termos em que o fez, e mais a mais sem convidar previamente o
recorrente a aperfeiçoar a sua motivação constante do requerimento de
interposição do recurso, não só desrespeitou o princípio supra identificado, que
preconiza uma prevalência — dentro dos limites permitidos pelos actos das partes
— das decisões de mérito sobre as de forma, como, ao fazê-lo, desrespeita a lei
e limita de forma excessiva e desproporcionada o direito do arguido de ver
apreciada no Tribunal Constitucional a constitucionalidade da dimensão normativa
de preceitos aplicados, que põem em causa os direitos fundamentais do arguido
com consagração constitucional, pelas instâncias no caso concreto, violando,
dessa forma, os arts. 18., n.º 2, 20.º, n. 1, e 4, 32.º, n.º 1, e 280.º, n.º 1,
al. b), e n.º 4, da CRP, uma vez que tal interpretação conduz, na prática, à
obstaculização excessiva e desproporcionada do acesso ao único mecanismo de
defesa e fiscalização constitucional que assiste às partes ou sujeitos visados
em processos concretos e cuja situação jurídica e direitos fundamentais são
afectados directamente por decisões dos Tribunais judiciais — sendo, por isso,
ela própria, interpretação inconstitucional das normas dos artigos 75º-A nºs 5 e
6 da LTC e 265 n.º2 do CPC, ex vi art.º 69 da LTC, inconstitucionalidade que
aqui expressamente se argui.
10. Ainda quanto a este ponto, na decisão sumária em apreciação, não se
pronunciou o Exmo. Conselheiro Relator sobre a constitucionalidade da dimensão
normativa preconizada pelo Tribunal da Relação do art. 126º n.º 1 do CPP,
expressamente arguida em sede de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e
objecto do presente recurso de constitucionalidade (cf. ponto 7 (II) 2 e 3 da
motivação e parecer junto já no Tribunal Constitucional).
11. Não houve pois decisão ou pronúncia do ilustre Conselheiro Relator sobre a
arguida inconstitucionalidade da interpretação normativa do art. 126, n.º 1, do
CPP, por violação dos arts. 20º, n.º 4, 32º, n.º 1 e 8, da CRP e art. 6.º, n.º
1, da CEDH, no sentido de o mesmo não integrar a utilização e ocultação de um
processo paralelo iniciado pelas autoridades de investigação que procederam à
investigação no presente processo, e no qual foram realizadas e eliminadas, sem
sequer as dar a conhecer ao juiz deste processo, intercepções telefónicas nos
dias precedentes e coincidentes à alegada comissão dos factos imputados ao ora
reclamante, bem como obtidas listagens telefónicas que dele não constam,
circunstâncias que consubstanciam deslealdade processual, e meios enganosos ou
ofensivos da integridade moral das pessoas.
12. Tudo actividades de investigação que consubstanciam conduta desleal,
enganosa e desrespeitadora das garantias de defesa do arguido e que, no conjunto
do processo, comprometem a fidedignidade da prova recolhida e a equidade
processual exigida pelos arts. 20º., n.º 4, da CRP, e 6.º, n. 1, da CEDH.
13. Igualmente quanto a esta questão decorre das motivações apresentadas a
intenção de recorrer da interpretação daqueles preceitos preconizada na decisão
do Tribunal da Relação que então se sindicava e que serviu, no caso, a
fundamentação da decisão.
14. Deveria, pois, também aqui, ter sido aceite e conhecido o recurso ou, pelo
menos, notificado o ora reclamante, nos termos e com os fundamentos supra
expostos, para aperfeiçoar o seu requerimento.
15. Também quanto à segunda questão de constitucionalidade — cujo conhecimento
foi indeferido — não pode o ora reclamante concordar com a interpretação
preconizada na decisão sumária.
16. É que, ao contrário do aí defendido, as decisões — neste caso o acórdão —
que decidem nulidades, reclamações, aclarações ou requerimentos de reforma de
uma decisão prévia não são decisões independentes per se, mas sim decisões que
passam a integrar as decisões nelas visadas.
17. Ou seja, o acórdão de 19.01.2009, que indeferiu o requerimento de arguição
de nulidade do anterior acórdão (de 12.11.2008), não pode ser considerado uma
decisão à parte, mas sim parte integrante deste último aresto.
18. Admitir o contrário seria não olhar à realidade material subjacente a
qualquer caso concreto, caindo-se inevitavelmente num formalismo desajustado,
numa ditadura processualista, em que a forma prevalece à matéria levando mesmo à
extrema e grave violação dos direitos fundamentais inerentes a qualquer ser
humano.
19. Tanto basta para que improceda o argumento utilizado na decisão sumária para
não conhecer do objecto do recurso — o de que a decisão a quo não aplicou a
norma cuja constitucionalidade foi tempestivamente e de forma processual
adequada sindicada pelo ora reclamante.
20. Em todo o caso, mesmo considerada correcta a interpretação defendida na
decisão sumária (a da independência das decisões) — o que não se concede e por
mera cautela de patrocínio se refere — sempre aqui seria aplicável a
argumentação supra expendida quanto à primeira questão de constitucionalidade:
deveria o Exmo. Conselheiro Relator ter convidado o ora requerente a aperfeiçoar
o seu requerimento e motivação, no sentido de esclarecer a que acórdão se
refere, se ao primeiro — o que decorre, claramente, do texto da motivação — se
ao segundo, tudo nos termos dos artigos 75º-A nºs 5 e 6 da LTC.
21. É que, como decorre dos pontos 8 a 10 das motivações, o intuito do ora
reclamante é, claramente, recorrer da decisão originária do Supremo Tribunal de
Justiça de 12.11.2008.
Termos em que, admitida a presente reclamação, deve a mesma ser considerada
procedente, [...]”.
8.2. A reclamação do arguido B.:
[...]
Como bem assinala a douta decisão reclamada, num recurso com as características
do vertente está em causa, também, “a dimensão normativa arguida de
inconstitucional” no momento próprio e no local próprio.
Estas condições encontram-se, na óptica do requerente, abundantemente
preenchidas. Vejamos:
Recorde-se o que ficou escrito aquando da interposição do recurso. [...] o
recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos
previstos no Código do Processo Penal.
Na respectiva motivação o recorrente alegou:
DA ADMISSIBILIDADE DA PROVA PRODUZIDA
[...]
Um importantíssimo conjunto de factos e circunstâncias agora tidos como
demonstrados, estavam, pura e simplesmente, ausentes da acusação. Ao serem dados
estes factos como provados, verificou-se um claro excesso de pronúncia.
Ora:
Nos termos do disposto no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa
(CRP) “o processo criminal assegura todas as garantias de defesa”.
Isso implica, desde logo, o conhecimento, por parte daquela que se deve
defender, a apresentação clara dos factos que lhe são imputados, de forma
integral e sem ablações. Não foi o caso.
Parte essencial da factualidade agora provada, nem sequer constava da peça
acusatória, violando, além do mais, o disposto no artigo 287 do CPP.
Esta conduta, ou seja, a admissibilidade de carrear para os autos prova nula,
bem como a omissão de elementos essenciais na acusação, viola o disposto no
artigo 32. °, números 1 a 8 da CRP e o disposto no artigo 6° da Convenção
Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.
Esta primeira arguição mereceu da douta decisão reclamada o julgamento seguinte:
“Ora, é manifesto que não está aqui colocada qualquer questão de
constitucionalidade normativa — i.e., imputada a uma norma jurídica — mas,
quando muito, a uma conduta processual, o que, como se disse, não constitui
objecto idóneo de recurso de constitucionalidade.”
O recorrente não pode aceitar esta asserção.
Porquê?
É verdade que se utiliza o termo “conduta”.
Mas daí não decorre que se pretenda apreciar uma conduta processual, alheia à
aplicação de normas jurídicas, como se um acto material ou mera opção decisória
se tratasse.
O que se quis significar foi bem diverso. É que a aplicação do artigo 59º da Lei
15/93, com a redacção que lhe foi dada pela Lei 45/96 de 3 de Setembro,
considerando que o procedimento adoptado pela Policia Judiciária está conforme
com aquele artigo, constitui uma aplicação da sobredita norma que a torna
inconstitucional.
Como referem os Professores Jorge Miranda e Rui Medeiros “é igualmente
admissível a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional das decisões
que, na perspectiva do recorrente, atribuem à lei um sentido inconstitucional. O
Tribunal Constitucional recusa desde há muito a tese simplista que nega a sua
competência quando a alegada inconstitucionalidade radica, não na norma legal,
mas na interpretação que dela se faz Desta forma, segundo jurisprudência
constitucional, pode “a actividade de controlo de conformidade constitucional
recair apenas sobre um certo segmento normativo do preceito em apreço ou até
sobre uma determinada interpretação.” Cfr. Constituição Portuguesa Anotada, Tomo
III, Coimbra Editora, 2007.
Trata-se, precisamente, do que se pretende.
Ao considerarem que havia sido respeitada a norma em causa, a mesma ganhou, na
interpretação dada pelas instâncias, característica de desconformidade com a
Constituição.
Foi o que se alegou tempestivamente, quando se referiu:
O Tribunal da Relação de Lisboa não acolheu a argumentação expendida. Ao invés
considerou que a comparência do agente infiltrado no julgamento, como, de facto,
se verificou, supre as nulidades invocadas.
Esta interpretação viola, salvo o devido respeito, o que se dispõe nos artigos
18 n.°s 1 e 2 e 32 n.°s 1 e 8 da Constituição da República Portuguesa. Cfr. o
requerimento de interposição de recurso.
A Segunda questão foi colocada da forma seguinte, cfr. requerimento de
interposição do recurso:
DA ADMISSIBILIDADE DA PROVA PRODUZIDA
[...]
Estamos perante um caso de violação de lei sendo que, para além do mais, a
ausência do relatório impede de sindicar a própria validade da acção empreendida
e dos métodos utilizados.
Contra este entendimento, diz, em síntese, o ACÓRDÃO recorrido, que é
dispensável o relatório unitário, porquanto, ao longo dos autos, vão-se
encontrando relatos parcelares (Vg. pág. 88). E mais. O ACÓRDÃO refere que esse
relato serve, basicamente, para avaliar se o agente encoberto actuou nos limites
da autorização concedida. Entende assim a douta decisão recorrida, que se esse
controlo se efectuar por outra via, ainda que sem o relatório, então a
irregularidade estará sanada. Este entendimento, porém e salvo o devido
respeito, viola a letra da lei (artigo 59/4 do Decreto Lei 15/93 de 22 de
Janeiro.
Verifica-se, de igual modo, que não foi autorizada a utilização da lancha
rápida, através da qual o produto estupefaciente terá sido transportado de
Marrocos para Portugal, nem tão pouco o veículo utilizado no transporte
terrestre. Mais.
A actuação do agente infiltrado foi autorizada pelo MP no dia 27 de Setembro de
2000, cfr. se extrai de fis. 40 do apenso 9 e se alude no n.° 92 dos factos
provados. Ora já antes, precisamente no dia 26, o referido agente infiltrado
participou na reunião (primeira de duas) a que se refere o número 93 dos factos
provados, Agiu, assim, sem autorização da autoridade judiciária competente, o
que determina a nulidade da sua actuação.
O ACÓRDÃO, a fls. 91, entende que tais autorizações estão contidas, de forma
genérica, nas expressões “transporte do estupefaciente, o desembarque e o
armazenamento até outros indivíduos levassem o produto.”
Esta asserção, contudo, contende com o disposto no artigo 59/2 do citado DL
15/93., cfr. se desenvolverá no quadro das alegações a produzir. Ao carrear para
os autos prova nula, foi violado o disposto no artigo 32/1 da CRP, bem como o
disposto no artigo 6° da CEDH.
Aqui e uma vez mais o Ilustre Senhor Conselheiro relator afirma não estar
colocada nenhuma questão de constitucionalidade normativa. E conclui:”Mas mesmo
que se admitisse que assim não fosse, sempre a questão aqui colocada pelo
recorrente se referiria à constitucionalidade das normas com base nas quais foi
considerada válida a prova carreada para os autos questão que, pelas mesmas
razões referidas supra a propósito do recurso interposto pelo arguido A. nunca
seria de conhecer, por a decisão recorrida não ter aplicado, como ratio
decidendi, os preceitos de que se extrairia a norma que o recorrente pretendia,
nesta parte, ver apreciada.”
Uma vez mais o recorrente não se conforma com esta decisão. Vejamos:
A decisão do STJ não aplicou as normas do artigo 59º e 59º A do DL 15/93 de 22
de Janeiro, diz a douta decisão recorrida.
Mas essas normas foram aplicadas pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão
que confirmou a condenação do arguido.
E é esta aplicação que se pretende ver sindicada, tendo sido tempestivamente
arguida a inconstitucionalidade associada.
Caso esta pretensão não houvesse ficado clara, então deveria o Senhor
Conselheiro Relator convidar o recorrente a aperfeiçoar o seu requerimento,
explicitando o recorte preciso das questões submetidas. [...] O disposto nos
números 5 e 6 do artigo 75-A da LTC, imporiam o convite ao recorrente para
clarificar as questões alegadamente mal identificadas.
A decisão reclamada, tendo decidido, como decidiu, não conhecer do recurso, sem
convidar o recorrente a aperfeiçoar o requerimento respectivo, constitui uma
interpretação e aplicação inconstitucionais do disposto nos números 5 e 6 do
artigo 75-A da LTC, por violação dos artigos 18/2, 20/1 e 4, 32/1 e 280/1/b e 4
da Constituição, o que aqui se arguiu expressamente.
Isto, repete-se, sem conceder, pois se considera que a inconstitucionalidade
antes suscitada, revela, com clareza, porque motivo ela deve ser apreciada por
esse insigne Tribunal.
Passando à questão seguinte.
No requerimento de interposição do recurso escreveu-se:
EXCESSO DE PRONÚNCIA
[...]
Parte essencial da factualidade agora provada, nem sequer constava da peça
acusatória, violando, além do mais, o disposto no artigo 287 do CPP.
O douto ACÓRDÃO recorrido não atendeu este fundamento do recurso, embora
reconheça que os factos narrados sob os números 89 a 99 da listagem respectiva
estão ausentes quer da acusação quer da pronúncia.
Ora nos termos do disposto no artigo 379/1/b) do CPP é nula a sentença “que
condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a
houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358 e 359.”O
ACÓRDÃO alega que os factos em causa foram suscitados pela intervenção do
arguido A.. Ora essa intervenção não contagia, salvo melhor opinião, a posição
do arguido ora recorrente. Por outro lado e sempre ressalvado o devido respeito
pela posição assumida pela ACÓRDÃO, o recorrente discorda da assimilação dos
factos constantes do n.° 98, àqueles que se vieram a espalhar pelos números 89 a
99. É que aquele, o 98 original, fazia uma alusão genérica a actividades
concertadas. Os resultantes 89 a 99, descrevem, com maior detalhe, o que, na
versão do agente infiltrado, terá ocorrido entre, pelo menos, 27 de Setembro e
12 de Outubro de 2000. No artigo 98 da acusação havia generalidades. Nos artigos
89 a 99 há factos, circunstâncias e locais. Deste modo ocorre uma alteração não
substancial dos factos descritos na acusação e na pronúncia, nos termos do
disposto no artigo 358/1 do CPP. Sublinhe-se, uma vez mais, que o que se dispõe
no n.° 2 deste artigo não é oponível ao recorrente, dado que não foi ele quem,
na defesa, alegou esses factos, Nestes termos e também por este motivo, a douta
decisão recorrida é nula, ex. vi. do disposto no artigo 379/1 do CPP, nulidade
essa que aqui se arguiu tempestivamente. (Cfr. n.° 2 do artigo citado). Ao
interpretar o disposto nos artigos 379/1/b) e 358 como o fez o douto ACÓRDÃO, há
violação do disposto nos artigos 18, 29 e 32/1 da CRP.
Uma vez mais a douta decisão reclamada faz naufragar a pretensão do recorrente.
Por um lado por considerar “não estar em causa sequer uma questão de
constitucionalidade normativa, mas da própria decisão recorrida”.
Não se entende esta decisão, dado que fica claramente expresso quais as normas
cuja inconstitucionalidade, na apreciação respectiva, se arguiu.
Como se explica porquê.
E também se não entende o facto de a decisão reclamada, uma vez mais, vir alegar
défice de fundamentação, mormente por se não indicar, “inter alia”, “qual o
sentido da norma em causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a
lei fundamental”.
Uma vez mais, se assim fora, deveria o Sr. Conselheiro Relator, nos termos do
disposto nos números 5 e 6 do artigo 75 A, da LTC, ter convidado o recorrente,
ora reclamante, a explicitar os fundamentos do recurso.
Reitera-se o que se disse quanto à inconstitucionalidade destas derradeiras
normas, quando aplicadas no sentido de proscreverem o convite.
Convite que, todavia, se afigura desnecessário.
O que o reclamante diz, em síntese (não está a produzir alegações) é o seguinte:
Nos termos do disposto no artigo 379/1/b) do CPP é nula a sentença “que condenar
por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora
dos casos e das condições previstos nos artigos 358 e 359.”
A decisão recorrida, ela própria, reconhece que foram tidos em conta factos não
descritos na acusação ou na pronúncia, mas que foram levados aos autos por outro
arguido. O recorrente (reclamante) alega que, uma interpretação deste jaez é
violadora da constituição e, em consequência, deverá ser julgado que, ao
interpretar-se as normas em causa, no sentido de admitirem (i) a condenação por
factos não constantes da acusação ou da pronúncia ou (ii) admitindo a condenação
de um arguido, por factos alegados por outro arguido, tal interpretação é
inconstitucional.
Passemos à questão seguinte, recorrendo, uma vez mais, ao que se escreveu no
requerimento de interposição do recurso:
A interpretação feita por este Supremo Tribunal, segundo a qual mesmo as
questões de nulidade suscitadas no recurso interposto do aresto do Tribunal da
Relação de Lisboa e a ele relativas, se encontram consumidas pela
irrecorribilidade prevista no artigo 400/1/c) do CPP, incorpora uma
interpretação e aplicação desta norma, bem como da do artigo 379/1/c) 4 n° 2 do
CPP, desconforme com o disposto na Constituição da República Portuguesa,
nomeadamente com os seus artigos 16, números 1 e 2, 20 número 1 e 32 números 1 e
2, inconstitucionalidade que aqui expressamente se arguiu. A interpretação feita
pelos Ilustres Conselheiros deste Supremo Tribunal, aplicando o disposto nos
artigos 410, 400/1/c) e 379/1 c) e 2, no sentido de que não se deve conhecer
desta questão (ilegalidade de prova) é, salvo melhor opinião, desconforme com a
Constituição da República Portuguesa, nomeadamente com os seus artigos 16,
números 1 e 2, 20 número 1 e 32 números 1 e 2 inconstitucionalidade que aqui
expressamente se arguiu. [...]
A douta decisão cuja nulidade aqui se arguiu, entendeu que não tinha de se
ocupar do escrutínio da matéria de facto, dizendo: “... como este Supremo
Tribunal também vem decidindo….recurso da matéria de facto por arguição dos
vícios previstos nas alíneas a) a c) do n.° 2 do artigo 410 do Código de
Processo Penal … deixou de ser admissível perante o Supremo Tribunal de Justiça,
designadamente face a decisões proferidas, em recurso, pelos Tribunais da
Relação.”
Uma vez mais e ressalvando o devido respeito pela opção tomada, o Supremo
Tribunal não atendeu ao disposto no artigo 410/2/c) do CPP, cuja letra é
claríssima, quando estipula que, mesmo quando cingido a matéria de direito,
compete-lhe apreciar o invocado erro notório na apreciação da prova. Por isso
deverá fazê-lo, sob pena de violação do disposto no artigo 379/1/c) do CPP,
nulidade que aqui se arguiu.
A interpretação dada ao artigo 410/2/c) do CPP, de acordo com a qual o Supremo
Tribunal de Justiça não tem, em casos como o vertente, de conhecer do erro
notório na apreciação da prova, mormente por absoluta falta de prova, incorpora
desconformidade com a Constituição da República Portuguesa, nomeadamente com os
seus artigos 16, números 1 e 2, 20 número 1 e 32 números 1 e 2,
inconstitucionalidade que aqui expressamente se arguiu.
A decisão reclamada entende que se não pode conhecer destas questões, afirmando:
“…sempre deveriam tais questões ter sido suscitadas pelo recorrente antes do
proferido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que delimitou esse âmbito ...
e não, como no caso aconteceu, apenas na reclamação por nulidade do mesmo.”
Salvo o devido respeito não se entende esta decisão, nem sequer o seu
fundamento, o qual, diga-se, não convoca em sua defesa qualquer norma legal.
Por isso tem ser afastada esta interpretação, do que decorrerá a admissão do
recurso. Resta uma derradeira questão:
No requerimento de interposição do recurso escreveu-se:
Nos termos do disposto no artigo 374/2 do CPP e no que aos requisitos da
sentença diz respeito, preceitua-se que “ao relatório segue-se a fundamentação,
que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma
exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de
facto e de direito, que fundamentaram a decisão, com indicação e exame critico
das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”
O Tribunal da Relação de Lisboa ao decidir sobre o recurso interposto da
sentença proferida pela primeira instância, procedeu a algumas alterações na
matéria de facto tida como provada pela primeira instancia, mais concretamente
nos pontos 52, 53. 60, 65 e 116.
Aquilo que nestes pontos era imputado ao recorrente, deixou de o ser.
Competiria ao acórdão em apreço, para determinar a medida da sanção a aplicar,
indicar os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, nos termos
do disposto no artigo 374/2 do CPP. [...]
A interpretação sustentada pelo aresto relativa ao disposto nos artigos 374/2 e
379/1/a), ambos do CPP, considerando suficientes as considerações das páginas 71
e 72 para ampararem o bem fundado da decisão condenatória, viola, salvo o devido
respeito, o disposto na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente nos
seus artigos 32/1 e 205/1, inconstitucionalidade que aqui se arguiu
expressamente.
Toda esta alegação a decisão reclamada chama “objecto manifestamente inidóneo do
recurso de inconstitucionalidade, desde logo por indissociavelmente ligado às
especificidades do caso concreto …”
Não se conforma o reclamante com esta opção.
A ligação ao caso concreto é inevitável, pois foi nele, caso concreto, que as
normas foram aplicadas. Foram-no com uma interpretação que as torna desconformes
com a Constituição. Neste segmento a única razão invocada pela decisão
reclamada, consiste, precisamente, na ligação ao caso concreto.” Não chega,
naturalmente.
O que se diz é que as normas dos artigos 374/2 e 379/1/a) do CPP, quando
interpretadas e aplicadas como o fez a decisão recorrida, ou seja, considerando
aquelas únicas considerações como suficientes para fundamentarem a condenação,
são inconstitucionais.
Não estamos em fase de alegações e, por via disso, não se pode detalhar o
problema na sua totalidade. Mas dos trechos transcritos, resulta claro que se
pretendeu dizer o seguinte:
A aplicação do disposto no artigo 374/2 do CPP, considerando que bastam menções
genéricas na decisão condenatória e não a legal exposição com o nível de
exigência prescrito, torna a norma violadora da Constituição.
NESTES TERMOS:
Deve a presente reclamação ser admitida, por ser considerada procedente, [...].”
9. Notificado para responder, querendo, às reclamações apresentadas, disse o
Ministério Público, ora reclamado:
“1º -Face ao entendimento reiterado da jurisprudência constitucional acerca dos
ónus de identificação da decisão que se pretende impugnar perante este Tribunal
Constitucional, da suscitação tempestiva e processualmente adequada da questão
de inconstitucionalidade normativa que integra o objecto do recurso e do âmbito
possível do suprimento de deficiências formais do requerimento de interposição
de recurso de fiscalização concreta, as reclamações serão de improceder.
2º - Assim, é manifesto que a argumentação expendida pelo reclamante B. não
traduz suscitação processualmente adequada de uma questão de
inconstitucionalidade normativa, susceptível de integrar objecto idóneo da
fiscalização concreta cometida ao Tribunal Constitucional, como, aliás, se
demonstra na douta decisão reclamada.
3º - Incide sobre o recorrente o ónus de definir claramente qual é a decisão que
pretende impugnar perante o Tribunal Constitucional, identificando-a e
conduzindo a que seja o respectivo autor o órgão jurisdicional a proferir
decisão liminar sobre o requerimento de recurso – não sendo obviamente
admissível, conforme entendimento jurisprudencial uniforme e reiterado, convolar
de um recurso direccionado para acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de
Justiça para a anterior decisão, proferida pela Relação.
4º - Sendo que a errónea identificação da decisão recorrida não cabe no âmbito
do suprimento das meras deficiências formais do requerimento, nos termos
previstos no artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, tal como aí se não
enquadra o “convite” destinado a suprir a falta de pressupostos processuais do
recurso.
5º - Finalmente – e mesmo que se conceda, relativamente ao recorrente A., que o
seu requerimento de recurso era susceptível de ser interpretado como visando
impugnar o acórdão condenatório, e não o que procedeu à rejeição da arguição de
nulidades pelo Supremo – subsiste, como fundamento subsidiário, invocado pela
decisão reclamada, a improcedência da questão suscitada, por via da aplicação do
entendimento firmado no Acórdão nº 44/05”.
III – Fundamentação
10. A reclamação apresentada pelo recorrente A.
10.1. Na decisão sumária reclamada concluiu-se no sentido da impossibilidade de
conhecer do objecto do recurso que o recorrente A. interpôs, ao abrigo do
disposto na alínea b) do nº 1, do art. 70º da LTC, para este Tribunal.
No que se refere à parte do recurso em que o mesmo solicitava ao Tribunal a
apreciação da constitucionalidade dos artigos 59º e 59º-A, nº 4, do Decreto-Lei
n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 81/95,
quando interpretados, como no seu entendimento o foram pelo Tribunal da Relação
de Lisboa, “no sentido de que a inexistência do referido relato [o previsto no
referido artigo 59º-A, nº 4] poderá ser suprida e, por isso, relevada, se o
«agente infiltrado» comparecer em audiência de discussão e julgamento, sendo
inquirido na qualidade de testemunha”, por não ter o Supremo Tribunal de
Justiça, que proferiu a decisão recorrida, aplicado essa norma, como ratio
decidendi, uma vez que se recusou expressamente a conhecer da questão
respeitante à validade da prova obtida através da utilização de agente
infiltrado, por entender que, nesta parte, o recurso não era admissível.
No que se refere à parte daquele requerimento em que o recorrente pretendia ver
apreciada a constitucionalidade do artigo 400º, nº 1, alínea c) do Código de
Processo Penal, na redacção anterior à Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, “no
sentido de esta alínea incluir as decisões proferidas pela Relações que decidem
sobre questões relativas a proibições de prova, quando o acórdão é, em si,
recorrível”, por, também neste caso, a decisão recorrida, o Acórdão proferido em
19 de Janeiro de 2009, nos termos do qual foi indeferida a arguição de nulidade
do anterior Acórdão proferido pelo mesmo Supremo Tribunal em 12 de Novembro de
2008, não ter aplicado a norma que, nesta parte, vinha questionada, limitando-se
a indeferir, com fundamento nas normas integradoras do regime da nulidade, a
arguição desta que havia sido imputada ao Acórdão de 12 de Novembro de 2008.
10.2. Com a presente reclamação o reclamante contesta esta decisão e a
fundamentação que a sustenta. Vejamos se tem razão.
10.2.1. Alega, em primeiro lugar, que a decisão sumária reclamada constitui uma
“limitação desconforme à lei e desproporcionada do único meio de fiscalização
constitucional das decisões concretas pela autoridade máxima em questões de
constitucionalidade que assiste ao arguido e, como tal, ao único mecanismo de
defesa dos seus direitos fundamentais no foro constitucional, uma vez que a
nossa ordem jurídica não conhece mecanismo semelhante ao recurso de amparo […]”.
Admitindo, embora, que “a decisão do Supremo Tribunal de Justiça [de que
recorreu para o Tribunal Constitucional] não aplicou as normas do art. 59º e
59.º-A do DL 15/93, de 22.01”, alega, contudo, que “tal normativo foi aplicado —
e foi-o preconizando interpretação normativa inconstitucional daqueles preceitos
— pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou a condenação do
arguido”. Ora, como “o ora reclamante pretende ver sindicada a aplicação dessas
normas nessa decisão — a do Tribunal da Relação de Lisboa que foi mantida in
totum pelo Supremo Tribunal de Justiça (…)”, deveria o Tribunal Constitucional,
no seu entendimento, “(…) ter convidado o ora requerente a aperfeiçoar as suas
motivações, nos termos do art. 75.-A, n.2 5 e 6, da LTC, indicando expressamente
se pretendia, conforme decorre do texto do requerimento, sindicar a decisão do
Tribunal da Relação de Lisboa (…)”. Não o tendo feito, conclui o reclamante, a
decisão sumária reclamada “desrespeita a lei e limita de forma excessiva e
desproporcionada o direito do arguido de ver apreciada no Tribunal
Constitucional a constitucionalidade da dimensão normativa de preceitos
aplicados, que põem em causa os direitos fundamentais do arguido com consagração
constitucional, pelas instâncias no caso concreto, violando, dessa forma, os
arts. 18., n.º 2, 20.º, n. 1, e 4, 32.º, n.º 1, e 280.º, n.º 1, al. b), e n.º 4,
da CRP, uma vez que tal interpretação conduz, na prática, à obstaculização
excessiva e desproporcionada do acesso ao único mecanismo de defesa e
fiscalização constitucional que assiste às partes ou sujeitos visados em
processos concretos e cuja situação jurídica e direitos fundamentais são
afectados directamente por decisões dos Tribunais judiciais — sendo, por isso,
ela própria, interpretação inconstitucional das normas dos artigos 75º-A nºs 5 e
6 da LTC e 265 n.º2 do CPC, ex vi art.º 69 da LTC [...]”. Em suma: no
entendimento do ora reclamante, não obstante ter o recorrente identificado
expressamente, no requerimento de interposição do recurso de
constitucionalidade, que pretendia recorrer de decisão proferida pelo Supremo
Tribunal de Justiça e endereçado o recurso a este Supremo Tribunal, considerando
o relator do processo no Tribunal Constitucional que a decisão recorrida não
aplicou a norma cuja constitucionalidade o recorrente pretendia ver apreciada –
a qual teria sido aplicada pelo Tribunal da Relação – deveria este relator, sob
pena de interpretação inconstitucional dos artigos 75º-A nºs 5 e 6 da LTC e 265
n.º 2 do CPC, convidar o recorrente, permitindo-lhe alterar a decisão de que
pretendeu recorrer, passando esta a ser, agora, o acórdão do Tribunal da Relação
de Lisboa.
Não tem, porém, razão o ora reclamante. Como resulta do artigo 76.º, n.º 1, da
Lei do Tribunal Constitucional e tem sido repetidamente afirmado por este
Tribunal, é ao tribunal que tiver proferido a decisão de que se pretende
recorrer para o Tribunal Constitucional que compete, em primeira instância,
apreciar a admissão do respectivo recurso. Assim, pretendendo o recorrente
interpor recurso do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, seria a esse
Tribunal, e não ao Supremo Tribunal de Justiça, que o requerimento de
interposição do recurso deveria ter sido dirigido, sendo igualmente a esse mesmo
Tribunal que competiria apreciar a admissibilidade do mesmo. Dessa forma, mesmo
que através do requerimento de interposição de recurso dirigido ao Supremo
Tribunal de Justiça o recorrente tivesse pretendido recorrer da decisão
proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa e esse recurso tivesse sido
admitido pelo Supremo Tribunal de Justiça – o que não foi o caso –, sempre seria
de não conhecer do seu objecto por, nesse caso, a sua admissão naquele Supremo
Tribunal ter sido efectuada a non domino. Na verdade, de acordo com
jurisprudência reiterada deste Tribunal (nesse sentido, entre outros, os
Acórdãos n.ºs 613/2003, 129/2004, 622/2004, 176/2005 e 292/2005, disponíveis na
página Internet do Tribunal Constitucional em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/ e as Decisões Sumárias n.ºs
129/2003, 178/2004, 558/2004, 53/2005 e 109/2005), tal facto sempre impediria o
conhecimento do objecto do recurso.
Acresce que a ratio decidendi da decisão reclamada não se encontra num vício do
requerimento de interposição do recurso, susceptível de ser corrigido na
sequência de um despacho de aperfeiçoamento, mas na falta de um pressuposto
processual de admissibilidade do recurso – norma (não) aplicada na decisão
proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça -, logicamente insusceptível de ser
ultrapassada por um eventual aperfeiçoamento daquele requerimento. Assim,
identificada, pelo recorrente, a decisão recorrida como sendo um acórdão do STJ,
não só se torna evidente a inutilidade de um eventual convite ao aperfeiçoamento
do requerimento de interposição do recurso para que o mesmo recorrente indicasse
(de novo) qual a decisão recorrida, como seria inadmissível que, interposto
recurso desse Acórdão, viesse o recorrente, posteriormente e nesse mesmo
recurso, substituir a decisão recorrida, afirmando que, afinal, pretendia
recorrer de uma outra decisão, a saber a do Tribunal da Relação de Lisboa.
Improcede, assim a reclamação neste ponto, sendo, consequentemente, manifesta a
improcedência da alegação de inconstitucionalidade feita à interpretação
normativa que a decisão sumária reclamada fez dos artigos 75º-A nºs 5 e 6 da LTC
e 265º, n.º 2 do CPC.
10.2.2. Sustenta o reclamante, em segundo lugar, que a decisão sumária reclamada
não se pronunciou “(…) sobre a constitucionalidade da dimensão normativa
preconizada pelo Tribunal da Relação do art. 126º n.º 1 do CPP, expressamente
arguida em sede de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e objecto do
presente recurso de constitucionalidade (cf. ponto 7 (II) 2 e 3 da motivação e
parecer junto já no Tribunal Constitucional)”, quando interpretado “no sentido
de o mesmo não integrar a utilização e ocultação de um processo paralelo
iniciado pelas autoridades de investigação que procederam à investigação no
presente processo, e no qual foram realizadas e eliminadas, sem sequer as dar a
conhecer ao juiz deste processo, intercepções telefónicas nos dias precedentes e
coincidentes à alegada comissão dos factos imputados ao ora reclamante, bem como
obtidas listagens telefónicas que dele não constam, circunstâncias que
consubstanciam deslealdade processual, e meios enganosos ou ofensivos da
integridade moral das pessoas”. Tudo, no entendimento do ora reclamante,
“actividades de investigação que consubstanciam conduta desleal, enganosa e
desrespeitadora das garantias de defesa do arguido (…)”. Também neste caso,
acrescenta-se ainda, “decorre das motivações apresentadas a intenção de recorrer
da interpretação daqueles preceitos preconizada na decisão do Tribunal da
Relação (…)”, pelo que, deveria, “também aqui, ter sido aceite e conhecido o
recurso ou, pelo menos, notificado o ora reclamante, nos termos e com os
fundamentos supra expostos, para aperfeiçoar o seu requerimento”.
Também neste ponto não assiste razão ao reclamante. Em primeiro lugar porque, ao
contrário do que agora alega, não colocou no requerimento de interposição do
recurso qualquer questão de constitucionalidade referente ao artigo 126º do CPP,
quando interpretado “no sentido de o mesmo não integrar a utilização e ocultação
de um processo paralelo iniciado pelas autoridades de investigação que
procederam à investigação no presente processo, e no qual foram realizadas e
eliminadas, sem sequer as dar a conhecer ao juiz deste processo, intercepções
telefónicas nos dias precedentes e coincidentes à alegada comissão dos factos
imputados ao ora reclamante, bem como obtidas listagens telefónicas que dele não
constam, circunstâncias que consubstanciam deslealdade processual, e meios
enganosos ou ofensivos da integridade moral das pessoas”. Mas, mesmo que o
tivesse feito, porque uma questão assim colocada não é de constitucionalidade
normativa. Finalmente, porque as razões supra referidas em 12.2.1. também neste
caso sempre inviabilizariam o conhecimento, também nesta parte, do objecto do
presente recurso.
10.2.3. Finalmente, agora no que se refere à questão colocada em último lugar no
requerimento de interposição do recurso, alega o reclamante que “as decisões —
neste caso o acórdão — que decidem nulidades, reclamações, aclarações ou
requerimentos de reforma de uma decisão prévia não são decisões independentes
per se, mas sim decisões que passam a integrar as decisões nelas visadas”, pelo
que “o acórdão de 19.01.2009, que indeferiu o requerimento de arguição de
nulidade do anterior acórdão (de 12.11.2008), não pode ser considerado uma
decisão à parte, mas sim parte integrante deste último aresto”.
Mais uma vez, não assiste razão ao reclamante. Como o Tribunal tem repetidamente
afirmado, o acórdão que se limita a indeferir a reclamação por nulidade de um
acórdão anterior apenas aplica, como ratio decidendi, as normas relativas ao
regime da nulidade e não, também, as normas que constituíram a ratio decidendi
do acórdão reclamado.
Alega ainda o reclamante que “mesmo considerada correcta a interpretação
defendida na decisão sumária (a da independência das decisões) […] sempre aqui
seria aplicável a argumentação supra expendida quanto à primeira questão de
constitucionalidade: deveria o Exmo. Conselheiro Relator ter convidado o ora
requerente a aperfeiçoar o seu requerimento e motivação, no sentido de
esclarecer a que acórdão se refere, se ao primeiro — o que decorre, claramente,
do texto da motivação — se ao segundo, tudo nos termos dos artigos 75º-A nºs 5 e
6 da LTC”. Não é, contudo, assim. O convite previsto no n.º 6 do artigo 75º-A da
LTC, como aliás resulta da lei e ressalta da jurisprudência deste Tribunal, visa
permitir que um recorrente, não tendo dado cumprimento, desde logo, como devia,
à exigência, contida no artigo 75º-A da LTC, de indicação dos elementos
previstos nesse mesmo artigo, venha suprir tal falta. Ponto essencial é,
portanto, que se verifique a situação prevista no n.º 5 do referido artigo
75º-A; isto é, que “o requerimento de recurso não indi[que] algum dos elementos
previstos no presente artigo”. Ora, não é essa a situação dos autos. De facto, o
recurso foi interposto por meio de requerimento, no qual o ora reclamante
indicou a decisão recorrida, a alínea do n.º 1 do artigo 70º da LTC ao abrigo da
qual o recurso era interposto, a norma cuja inconstitucionalidade pretendia que
o Tribunal apreciasse, a norma constitucional que entendia violada e a peça
processual em que suscitara a questão de inconstitucionalidade. Foram, assim,
indicados pelo ora reclamante todos os elementos exigidos pelo artigo 75º - A da
LTC, pelo que, não se encontrando preenchida a previsão do n.º 5 do mesmo
dispositivo, nunca poderia haver lugar à prolação do despacho-convite previsto
no n.º 6 daquele mesmo artigo, uma vez que nada havia a aperfeiçoar.
10.2.4. Assim, pelas razões constantes da decisão reclamada, que mais uma vez
agora se reiteram, porquanto em nada são abaladas pela reclamação apresentada,
há que concluir que o recurso interposto pelo recorrente A. não pode ser
conhecido.
11. A reclamação apresentada pelo recorrente B.
11.1. Na decisão sumária reclamada concluiu-se ainda no sentido da
impossibilidade de conhecer do objecto do recurso que o recorrente B. interpôs,
ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1, do art. 70º da LTC, para este
Tribunal. Em síntese, porque nuns casos (9.2.1.) não vinha colocada no
requerimento de interposição do recurso qualquer questão de constitucionalidade
normativa – i.e., imputada a uma norma jurídica – mas, quando muito, a uma
conduta processual; noutros (9.2.2.) porque nem vinha colocada qualquer questão
de constitucionalidade normativa, mas, quando muito, das próprias decisões
preferidas nos autos, nem a decisão recorrida aplicou, como ratio decidendi, os
preceitos de que se extrairia a norma que o recorrente pretendia ver apreciada;
noutros ainda (9.2.3.) porque não vinha colocada qualquer questão de
constitucionalidade normativa, nem, mesmo que estivesse colocada no requerimento
de interposição do recurso, ela teria sido adequadamente colocada operante o
Tribunal que proferiu a decisão recorrida; noutros ainda (9.2.4.) porque, no que
se refere às questões relativas ao âmbito de admissibilidade do recurso do
Tribunal da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça, elas não foram
adequadamente suscitadas pelo recorrente antes de proferido o Acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça que delimitou esse âmbito (o proferido em 12 de Novembro de
2008); finalmente (9.2.5.) porque, na parte em que o recorrente pretendia ver
apreciada a constitucionalidade da “Interpretação sustentada pelo aresto
relativa ao disposto nos artigos 374/2 e 379/1/a), ambos do CPP, considerando
suficientes as considerações de páginas 71 e 72 para ampararem o bem fundado da
decisão condenatória (…) estaríamos perante “objecto manifestamente inidóneo do
recurso de constitucionalidade”.
11.2. Consideremos a argumentação do reclamante para contestar esta decisão.
11.2.1. No que se refere ao ponto 9.2.1. da decisão sumária reclamada, alega o
ora reclamante que “é verdade que se utiliza o termo «conduta». Mas daí não
decorre que se pretenda apreciar uma conduta processual, alheia à aplicação de
normas jurídicas, como se um acto material ou mera opção decisória se tratasse.
O que se quis significar foi bem diverso. É que a aplicação do artigo 59º da Lei
15/93, com a redacção que lhe foi dada pela Lei 45/96 de 3 de Setembro,
considerando que o procedimento adoptado pela Policia Judiciária está conforme
com aquele artigo, constitui uma aplicação da sobredita norma que a torna
inconstitucional”. A verdade, porém, é que, para efeitos de decisão sobre a
admissibilidade do requerimento de interposição do recurso, o que releva é o que
o recorrente efectivamente disse, quer durante o processo quer no requerimento
de interposição do recurso (que delimita o respectivo objecto) e não o que, na
reclamação contra a decisão sumária que não conheceu do recurso, o reclamante
vem afirmar que pretenderia ter dito. Ora, durante o processo e no requerimento
de interposição do recurso, como na decisão sumária reclamada se afirmou, não
está, nesta parte, colocada, de modo processualmente adequado, qualquer questão
de constitucionalidade normativa susceptível de integrar o recurso que o
recorrente interpôs. Improcede, por isso, neste ponto, a reclamação apresentada.
11.2.2. No que se refere ao ponto 9.2.2. da decisão sumária reclamada, onde, em
síntese, se concluiu que não era possível conhecer do objecto do recurso porque
nem vinha colocada qualquer questão de constitucionalidade normativa, mas,
quando muito, das próprias decisões preferidas nos autos, nem a decisão
recorrida aplicou, como ratio decidendi, os preceitos de que se extrairia a
“norma” que o recorrente pretendia ver apreciada (relativas à validade da prova
obtida mediante a utilização de agente infiltrado), alega o ora reclamante, em
síntese, que “A decisão do STJ não aplicou as normas do artigo 59º e 59º A do DL
15/93 de 22 de Janeiro, diz a douta decisão recorrida. Mas essas normas foram
aplicadas pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão que confirmou a
condenação do arguido. E é esta aplicação que se pretende ver sindicada, tendo
sido tempestivamente arguida a inconstitucionalidade associada. Caso esta
pretensão não houvesse ficado clara, então deveria o Senhor Conselheiro Relator
convidar o recorrente a aperfeiçoar o seu requerimento, explicitando o recorte
preciso das questões submetidas”. Valem aqui inteiramente, quanto à natureza
normativa da questão de constitucionalidade, tudo quanto se deixou dito na
decisão reclamada e, quanto a este último argumento, as razões já supra
(especialmente no ponto 10.2.1.) referidas a propósito da reclamação do arguido
A., pelo que nada mais resta do que, para tal remetendo, constatar a
improcedência, também nesta parte, da presente reclamação.
11.2.3. No que se refere ao ponto 9.2.3. da decisão sumária reclamada, onde, em
síntese, se concluiu que afirmar que, ao “interpretar o disposto nos artigos
379/1/b e 358 como o fez o douto ACÓRDÃO, há violação do disposto nos artigos
18, 29 e 32/1 da CRP”, não era colocar, de modo processualmente adequado, uma
questão de constitucionalidade normativa de que o Tribunal possa conhecer –
citando-se, a propósito, a jurisprudência reiterada deste Tribunal no sentido de
que, quando queira suscitar a inconstitucionalidade de uma interpretação
normativa de um determinado preceito, tem o ónus de “[...] enunciar, de forma
clara e perceptível, o exacto sentido normativo do preceito que considera
inconstitucional”, refere o reclamante, em síntese, que “não se entende esta
decisão”, devendo, no seu entendimento, “o Sr. Conselheiro Relator, nos termos
do disposto nos números 5 e 6 do artigo 75 A, da LTC, ter convidado o
recorrente, ora reclamante, a explicitar os fundamentos do recurso”. Mais uma
vez, sem razão. Como já se afirmou neste mesmo acórdão, só se justifica o
convite quando, no próprio requerimento de interposição do recurso faltam
determinados elementos/requisitos e não quando, como era o caso, estão ausentes
pressupostos de admissibilidade do recurso, como sejam suscitação, de modo
processualmente adequado, da questão de constitucionalidade, perante o Tribunal
que proferiu a decisão recorrida. Agora apenas se acrescenta, porque tal é
expressamente alegado, que o que se afigura de difícil compreensão é a
afirmação, feita pelo reclamante, de que não compreende esta fundamentação. Na
verdade, a jurisprudência que se invocou na decisão sumária reclamada - segundo
a qual “tem o recorrente o ónus de enunciar, de forma clara e perceptível, o
exacto sentido normativo do preceito que considera inconstitucional. Como se
disse, por exemplo, no Acórdão nº 178/95 (Acórdãos do Tribunal Constitucional,
30º vol., p.1118.) “tendo a questão de constitucionalidade que ser suscitada de
forma clara e perceptível (cfr., entre outros, o Acórdão nº 269/94, Diário da
República, II Série, de 18 de Junho de 1994), impõe-se que, quando se questiona
apenas uma certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse
sentido (essa interpretação) em termos que, se este Tribunal o vier a julgar
desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por
forma a que o tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros
destinatários daquela e os operadores jurídicos em geral, saibam qual o sentido
da norma em causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a Lei
Fundamental” – não só é de fácil compreensão, como tem sido reiteradamente
afirmada em inúmeros acórdãos proferidos por este Tribunal ao longo dos anos.
11.2.4. No que se refere ao ponto 9.2.4. da decisão sumária reclamada, em que se
concluiu pela impossibilidade de conhecer de uma questão de constitucionalidade
que apenas fora suscitada depois de proferida a decisão recorrida, refere o
reclamante, mais uma vez, que “não se entende esta decisão, nem sequer o seu
fundamento, o qual, diga-se, não convoca em sua defesa qualquer norma legal”.
Esclareça-se então.
Como tem sido frequentemente repetido pelo Tribunal Constitucional e decorre
expressamente do artigo 72º, nº 2, da LTC, o recurso previsto na alínea b) do nº
1 do artigo 70º daquele diploma apenas pode ser interposto “pela parte que haja
suscitado a questão de constitucionalidade [...] de modo processualmente
adequado perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este
estar obrigado a dela conhecer”. Isso exige, como se tem repetidamente afirmado,
que a questão de constitucionalidade seja colocada antes de proferida a decisão
recorrida, que tenha aplicado a norma cuja constitucionalidade o recorrente
pretende ver apreciada. Ora, no caso concreto, e no que especificamente se
refere às normas respeitantes à questão do âmbito de admissibilidade do recurso
do Tribunal da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça, em causa nesta parte
do requerimento de interposição do recurso, a questão da sua
inconstitucionalidade apenas foi suscitada pelo recorrente depois de proferido o
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que delimitou esse âmbito (o proferido em
12 de Novembro de 2008), concretamente na reclamação por nulidade do mesmo (que
viria a dar origem ao acórdão de 19 de Janeiro de 2009), o que, como este
Tribunal tem repetidamente afirmado, já não permite abrir, quanto a essa
questão, a via do recurso para o Tribunal Constitucional.
11.2.5. Finalmente, no que se refere ao ponto 9.2.5. da decisão sumária
reclamada, refere o reclamante que “a ligação ao caso concreto é inevitável,
pois foi nele, caso concreto, que as normas foram aplicadas”, acrescentando que
“neste segmento a única razão invocada pela decisão reclamada, consiste,
precisamente, na ligação ao caso concreto”, o que, no seu entendimento, “não
chega, naturalmente”. Acrescenta, finalmente, que “dos trechos transcritos,
resulta claro que se pretendeu dizer o seguinte: A aplicação do disposto no
artigo 374/2 do CPP, considerando que bastam menções genéricas na decisão
condenatória e não a legal exposição com o nível de exigência prescrito, torna a
norma violadora da Constituição”. Reitera-se, agora, o que se afirmou: para
efeitos de decisão sobre a admissibilidade do recurso o que é relevante é o que
o recorrente efectivamente disse, quer durante o processo quer no requerimento
de interposição do recurso, e não o que, na reclamação contra a decisão sumária
que não admitiu o recurso, o reclamante vem dizer que pretenderia ter dito. Ora,
naquelas peças, como na decisão sumária reclamada já se demonstrou, não está,
nesta parte, colocada, de modo processualmente adequado, qualquer questão de
constitucionalidade normativa susceptível de integrar o recurso que o recorrente
interpôs.
11.2.6. Assim, pelas razões constantes da decisão reclamada, que mais uma vez
agora se reiteram, porquanto em nada são abaladas pela reclamação apresentada,
há que concluir que o recurso interposto pelo recorrente B. não pode ser
conhecido.
III – Decisão
Nestes termos, decide-se indeferir as presentes reclamações e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto dos
recursos.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta, por cada um.
Lisboa, 29 de Abril de 2009
Gil Galvão
José Borges Soeiro
Rui Manuel Moura Ramos